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quarta-feira, 16 de abril de 2025

STJ FRAUDE À DE LOTEAMENTOS MEDIANTE USO DO CONDOMINIO CIVILISTA NULIDADE ABSOLUTA Frações Ideais Localizadas: Burla ao Parcelamento do Solo Urbano Proibição Legal e Normativa

FRAUDES ÀS LEIS DE LOTEAMENTOS


O  sistema registral não pode ser utilizado para dar aparência de legalidade a empreendimentos ilegítimos, notadamente aqueles que se utilizam de formas oblíquas de parcelamento do solo, à revelia das normas urbanísticas vigentes.

Além disso, a doutrina especializada é unânime em reconhecer que a figura do condomínio civil tradicional não se presta à organização de empreendimentos imobiliários voltados ao fracionamento de glebas para venda autônoma de lotes, especialmente quando desprovidos de edificação e infraestrutura, tratando-se, nesses casos, de loteamentos sujeitos ao regramento da Lei nº 6.766/1979.

É papel do registrador identificar tais fraudes e obstar o registro, fundamentando suas razões e adotando as providências legais cabíveis para proteção do ordenamento jurídico, da regularidade fundiária e do interesse público.

Fração ideal localizada é LOTE


A venda de frações ideais “localizadas” – ou seja, a alienação de partes ideais de uma gleba indicando lote certo, com metragem e localização definidas – é vedada pela legislação urbanística brasileira. 


O art. 37 da Lei nº 6.766/1979 proíbe expressamente vender ou prometer vender parcelas de loteamento ou desmembramento não registrado. 


As Normas de Registros Públicos em diversos estados reforçam essa vedação: 


Em São Paulo, por exemplo, as Normas da Corregedoria (Cap. XX, item 166) dispõem que 


*“É vedado o registro de alienação voluntária de frações ideais com localização, numeração e metragem certas, ou a formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipótese de descumprimento da legislação de parcelamento do solo urbano, de condomínios edilícios e do Estatuto da Terra”*. 

Apenas hipóteses de sucessão causa mortis escapam a essa vedação. 

Essas normas também autorizam os registradores a investigarem indícios de loteamento clandestino – por exemplo, mediante imagens de satélite – para coibir tentativas de burla.  


O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por sua vez, editou o Provimento n.º 44/2015 para uniformizar os procedimentos de registro de parcelamento e regularização fundiária urbana, enfatizando que nenhum registro exime o empreendedor das responsabilidades civis, administrativas e criminais decorrentes de parcelamento irregular. 


Em suma, tanto a Lei Federal de Parcelamento do Solo Urbano quanto normas administrativas vedam o artifício de “fatiar” uma gleba em lotes informais usando frações ideais para esquivar-se da aprovação e do registro de loteamento.


Jurisprudência do STJ


A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que tais negócios jurídicos configuram fraude à lei urbanística e não produzem efeitos registráveis. 


Já em decisão clássica, o STJ assentou que *“a venda de fração ideal de terras parceladas irregularmente não pode ser objeto de registro imobiliário, porque frauda a legislação específica”*.


 Ou seja, não se admite usar o expediente do condomínio de partes ideais para transferir a propriedade de um lote certo e determinado sem o devido loteamento aprovado – trata-se de operação ilícita e insuscetível de registro. 


Mais recentemente, em outubro de 2024, o STJ (3ª Turma, REsp 2.166.273/SP, rel. Min. Nancy Andrighi) reafirmou a nulidade dos contratos de compra e venda de terrenos em parcelamentos irregulares. 


O Tribunal destacou que o objeto do contrato é ilícito, pois a Lei 6.766/79 visa justamente coibir os efeitos nefastos dos loteamentos clandestinos; o art. 37 da referida lei estabelece ser “vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado”. 

Tratando-se de nulidade absoluta (art. 166, II, CC), é irrelevante até mesmo a ciência do adquirente sobre a irregularidade no momento da compra. 

Nessas situações, impõe-se a resolução do negócio com retorno das partes ao status quo ante.

 Em suma, o STJ tem declarado inválidas tais vendas simuladas de lotes irregulares, impedindo seu registro e sinalizando possíveis consequências civis e penais aos responsáveis.


Precedentes nos Tribunais Estaduais e CNJ


Os tribunais estaduais igualmente reiteram a impossibilidade de registro dessas frações ideais localizadas, por configurarem loteamento irregular “disfarçado”. 

Como observou o TJ do Paraná, não há impedimento em si para a venda de fração ideal (condomínio geral pro indiviso) quando verdadeira; porém, se o contrato delimita uma área específica da gleba (com descrição de metragem e localização), descaracteriza-se a fração ideal e evidencia-se a intenção de realizar um loteamento clandestino.

 Nessa hipótese, o negócio infringe as normas de parcelamento do solo e de zoneamento urbano, devendo o registro ser negado. 

Confira-se a ementa de julgado paranaense:

 *“Área adquirida expressamente delimitada em contrato, com metragem e localização – área inferior ao módulo mínimo. Descaracterização da fração ideal. Aquisição de lote. Loteamento irregular. Tentativa de burlar as normas de parcelamento e zoneamento do solo. Impossibilidade”*.

 O acórdão ( integra a seguir) ressalta que tal negociação não se trata verdadeiramente de condomínio geral, mas de lote certo vendido à margem da lei, o que não se concebe: 

*“há clara tentativa de se realizar um loteamento irregular (...); o título significaria tentativa de desfiguração das regras de parcelamento do solo, na medida em que tornaria possível a divisão da área em partes certas e determinadas, suscetíveis de utilização individual”*.


Em São Paulo, o Conselho Superior da Magistratura (CSM-SP) possui longa linha de precedentes vedando tanto o registro de vendas de frações ideais localizadas quanto a prática similar de instituir “condomínios” de lotes sem edificação. 

Em decisão exemplar, o CSM-SP analisou um empreendimento inscrito indevidamente como “condomínio especial” apesar de se tratar de gleba sem construções, composta de lotes individualizados. 

O Conselho concluiu que, “seja qual for a denominação utilizada, lotes de terrenos singularizados, sem construção, não constituem condomínio especial – é loteamento disfarçado”. 

Para esse tipo de condomínio edilício especial (regido pela Lei 4.591/64, art. 8º), é indispensável que o terreno esteja vinculado a edificações; na ausência de construções, a inscrição como condomínio fere a lei de parcelamento. 

O acórdão pontua que a matrícula aberta como suposto condomínio especial estava em desconformidade com a legislação urbanística, e nem mesmo o art. 3º do Decreto-Lei 271/1967 poderia ampará-la – tal dispositivo (que equiparava o loteador ao incorporador, e os compradores de lotes a condôminos, visando aplicar a Lei de Incorporações aos loteamentos) nunca chegou a ter eficácia, pois dependia de regulamentação e foi superado pela entrada em vigor da Lei 6.766/79. 

Assim, o Conselho negou provimento ao recurso, enfatizando que a situação permanecia irregular e ilegal, sem qualquer regularização, “não havendo razão para autorizar o registro” da escritura de compra e venda daquele lote.


Também na esfera administrativa, o CNJ e as Corregedorias estaduais têm buscado coibir essas simulações.

 A Corregedoria do TJSP, por exemplo, já orientou os cartórios a recusarem escrituras de frações ideais quando os elementos indicarem fracionamento irregular do imóvel. 

Da mesma forma, o Provimento CNJ n.º 44/2015 (art. 29, par. único) adverte que a regularização do parcelamento não exime os responsáveis de sanções legais, reforçando a necessidade de prévia aprovação municipal e registro do projeto.

 Em síntese, onde houver indícios de loteamento clandestino mascarado de “condomínio” (civil ou edilício), a orientação das corregedorias e do CNJ é de impedir o registro e exigir a regularização formal (aprovação urbanística e registro do loteamento) antes de qualquer transmissão.


Doutrina: Loteamento Disfarçado de Condomínio


Os juristas e estudiosos do direito urbanístico corroboram esse entendimento, classificando a venda de frações ideais localizadas como fraude à lei de parcelamento do solo. 

Nas palavras de Vicente de Abreu Amadei, o Decreto-lei 271/67 (que previa condomínio especial de lotes) “não se mostrou aplicável” diante do regime do parcelamento urbano e da Lei 6.766/79, de modo que, antes da lei federal de 2017, não havia amparo jurídico para a figura do “condomínio de lotes” dissociado de edificações. 

Diversos autores denominam essas práticas de “loteamentos clandestinos disfarçados de condomínio”. 

Por exemplo, estudo do Senado Federal explica que, na ausência de previsão legal até 2017, muitos empreendedores adotaram o chamado “condomínio fechado” justamente para burlar as exigências do loteamento regular (como aprovação prévia e execução de obras de infraestrutura). 

Consistia em vender frações ideais da gleba para vários adquirentes, atribuindo a cada um o uso exclusivo de uma parcela específica, sem formalizar loteamento – em essência, um condomínio geral de coproprietários ocupando o solo de forma clandestina. 

Essa manobra, embora por vezes mascarada por instrumentos privados (como convenções de moradores ou promessas de cessão), fere o ordenamento urbanístico e fundiário. 

Doutrina e jurisprudência são uníssonas em afirmar que a ocupação do solo urbano deve ocorrer pelas vias legais (loteamento/desmembramento aprovados ou, a partir de 2017, condomínio de lotes regularmente instituído nos termos da Lei nº 13.465/2017), sob pena de invalidade dos negócios e outras consequências jurídicas.

 Em suma, a venda de “lotes” por meio de frações ideais é nula e inregistrável, por configurar simulação destinada a iludir a Lei de Parcelamento do Solo Urbano.


Referências Jurisprudenciais e Doutrinárias Citadas:


STJ – MS 9.876/SP (Rel. Min. Ari Pargendler) – *“Venda de fração ideal de terras, para transferir lote certo e determinado, sem o regular parcelamento do solo. Impossibilidade”*.


STJ – REsp 2.166.273/SP, 3ª Turma (Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 10/08/2024) – Nulidade de venda de lote não registrado, mesmo entre particulares cientes da irregularidade (objeto ilícito, art. 37 da Lei 6.766/79).

 julgado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 10 de agosto de 2024, com publicação em 10 de outubro de 2024

Ementa

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO. COMPRA E VENDA. TERRENO NÃO REGISTRADO. CIÊNCIA DO ADQUIRENTE. CONTRATO ENTRE PARTICULARES. ILICITUDE DO OBJETO. VEDAÇÃO LEGAL. NEGÓCIO JURÍDICO NULO.

1. Ação declaratória de nulidade de negócio jurídico ajuizada em 14/09/2021, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 22/02/2024 e concluso ao gabinete em 23/08/2024.

2. O propósito recursal é decidir: (I) se é válida a venda de lote não registrado se o adquirente estava ciente desta irregularidade no momento da compra; e (II) se a Lei 6.766/79 é aplicável a contratos firmados entre particulares.

3. Para a aplicabilidade da Lei 6.766/79 é irrelevante apurar se o loteamento e o desmembramento ostentam o caráter de empreendimento imobiliário, se o vendedor atua como profissional do ramo ou se incide relação consumerista.

4. Não tendo o loteador nem requisitado a aprovação do loteamento perante a Prefeitura Municipal e iniciado mesmo assim a urbanização deste, estar-se-á diante do chamado loteamento clandestino ou irregular.

5. O objeto do contrato de compra e venda de terreno não registrado é ilícito, pois a Lei 6.766/79 objetiva exatamente coibir os nefastos efeitos ambientais e sociais do loteamento irregular.

6. O art. 37 da Lei 6.766/79 estabelece que é vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado.

7. Tratando-se de nulidade, o fato de o adquirente ter ciência da irregularidade do lote quando da sua aquisição não convalida o negócio, pois, nessas situações, somente se admite o retorno dos contratantes ao "status quo ante".

8. Não tendo o loteador providenciado o registro do imóvel, independentemente de ter sido firmada entre particulares cientes da irregularidade do imóvel, a compra e venda de loteamento não registrado é prática contratual taxativamente vedada por lei e que possui objeto ilícito. Por isso, o negócio jurídico deve ser declarado nulo.

9. Recurso especial conhecido e desprovido, com majoração de honorários.

⚖️ Trechos Relevantes do Voto

> "O objeto do contrato de compra e venda de terreno não registrado é ilícito, pois a Lei 6.766/79 objetiva exatamente coibir os nefastos efeitos ambientais e sociais do loteamento irregular."

> "O art. 37 da Lei 6.766/79 estabelece que é vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado."

> "Tratando-se de nulidade, o fato de o adquirente ter ciência da irregularidade do lote quando da sua aquisição não convalida o negócio, pois, nessas situações, somente se admite o retorno dos contratantes ao status ante.

Recurso Especial nº 2.166.273/SP, julgado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 10 de agosto de 2024, com publicação em 10 de outubro de 2024. A relatoria foi da Ministra Nancy Andrighi.


TJPR – Ap. Cív. 0032879-02.2020.8.16.0014 (17ª Câm. Cível, j. 17/03/2021) – *“Fraçăo ideal – área delimitada – loteamento irregular – tentativa de burla às normas urbanísticas – impossibilidade de registro”*.


TJSP – CSM, Ap. Cív. 0002891-63.2013.8.26.0543 (j. 25/02/2016) – Empreendimento inscrito como condomínio especial, porém sem edificações: “loteamento disfarçado”. Necessidade de vincular terreno às construções; inaplicabilidade do art. 3º do DL 271/67 frente à Lei 6.766/79. Registro negado até regularização.


Normas da CGJ/SP – Cap. XX, itens 166 e 166.1 (Prov. 56/2019) – Proibição de registro de frações ideais localizadas ou condomínio voluntário em fraude à lei de parcelamento e condomínio.


Doutrina – Vicente C. Amadei, Como Lotear uma Gleba; 

José M. Tossi Silva, Parcelamento do Solo e Condomínio; 

Estudo do Senado (Texto para Discussão 243/2017) – todos reconhecendo a alienação de frações ideais como artifício ilícito para dissimular loteamentos não aprovados, em afronta à legislação urbanística.


ACORDÃOS CITADOS


PODER JUDICIÁRIO - TRIBUNAL DE JUSTIÇADO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA


Parcelamento do solo urbano - loteamento irregular. Escritura de compra e venda. Princípio da legalidade. Chácaras de recreio. Teoria do fato consumado. Erro pretérito.

CSMSP - Apelação Cível: 0004331-36.2009.8.26.0543

Localidade: Santa Isabel Data de Julgamento: 18/03/2014 Data DJ: 05/05/2014 Relator: Elliot Akel

REGISTRO DE IMÓVEIS - Escritura de compra e venda - Loteamento irregular - Inobservância à legislação vigente - Registro indevido de outros títulos no passado que não autorizam ratificar o erro - Necessidade de regularização - Dúvida procedente - Recurso não provido.

íntegra

Apelação Cível nº 0004331-36.2009.8.26.0543

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0004331-36.2009.8.26.0543, da Comarca de Santa Isabel, em que são apelantes MIGUEL MIKIO IHARA e SATIE MIQUI IHARA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE SANTA ISABEL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 18 de março de 2014.

ELLIOT AKEL

RELATOR

Apelação Cível nº 0004331-36.2009.8.26.0543

Apelante: Miguel Mikio Ihara e Satie Miqui Ihara

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Santa Isabel

VOTO Nº 33.959

REGISTRO DE IMÓVEIS - Escritura de compra e venda - Loteamento irregular - Inobservância à legislação vigente - Registro indevido de outros títulos no passado que não autorizam ratificar o erro

- Necessidade de regularização - Dúvida procedente - Recurso não provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença da MMª Juíza Corregedora do Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Santa Isabel, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa do registro da escritura de compra e venda do imóvel objeto da transcrição nº 16.875 e que corresponde ao lote

02, em razão da irregularidade existente em relação ao parcelamento do solo.

Os apelantes invocam a "teoria do fato consumado", baseados em julgamento do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 265.336-SP, Relator Ministro Franciulli Netto, e afirmam que não é possível, passados quase quarenta anos da instituição e inscrição do condomínio "Chácaras Alvorada", pretender discutir ou negar a existência dele, ou mesmo dizer que precisa ser regularizado, considerando ainda que vários outros lotes foram registrados, e que a recusa fere o princípio constitucional da isonomia. Dizem que a Prefeitura do Município de Arujá aprovou e lançou o IPTU do imóvel no ano de 1974.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso. É o relatório.

O Oficial recusou o registro da escritura de compra e venda do imóvel integrante do condomínio "Chácaras Alvorada", baseado no julgamento deste Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 482- 6/0, Relator e Corregedor Geral da Justiça Gilberto Passos De Freitas. Este julgado menciona outros no mesmo sentido, qual seja, de que o loteamento foi inscrito como se condomínio especial fosse, porém, lotes de terrenos singularizados e sem construção, na realidade é loteamento disfarçado, porque para esse tipo de condomínio é indispensável vincular o terreno às construções, e, se construções não há, a inscrição ocorreu em desconformidade com o Decreto-lei 58/37, aplicável ao caso. Ressalva o julgado que nem mesmo o artigo 3º do Decreto-lei 271/67, que determinava aplicar ao loteamento as regras da Lei nº 4.591/64, poderia ser invocado, porque não era auto-aplicável e inexistia regulamentação, e posteriormente entrou em vigor a Lei nº 6.766/79.

Assim sendo e considerando que a situação irregular e ilegal verificada persiste, porque não há nenhuma notícia de regularização, não há razão para autorizar o registro da escritura de compra e venda do lote adquirido pelos apelantes.

Incumbe ao registrador, no exercício do dever de qualificar o título que lhe é apresentado, examinar o aspecto formal, extrínseco, e observar os princípios que regem e norteiam os registros públicos, dentre eles, o da legalidade, que consiste na aceitação para registro somente do título que estiver de acordo com a lei.

Consoante lições da Afrânio de Carvalho, o Oficial tem o dever de proceder o exame da legalidade do título e apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e sua formalização instrumental (Registro de Imóveis, editora Forense, 4ª edição).

O fato de outros títulos referentes a outros lotes terem indevidamente ingressado no registro imobiliário no passado, na época da instituição do "condomínio", não justifica nem autoriza o registro de outros títulos posteriormente apresentados e que afrontaram a lei, a exemplo do título ora examinado. Erros devem ser retificados e não ratificados.

Neste sentido o Conselho Superior da Magistratura já se pronunciou, ao consignar que "a existência de pretéritas anomalias no registro predial não pode servir de justificativa ou de pretexto para que outras e novas se pratiquem" (Apelação Cível nº 12.075-0/4, j. 22/01/91, Relator Desembargador Onei Raphael) e que "erro pretérito não justifica nem legitima outros" (Apelação Cível nº 19.492-0/8, j. 17.02.95, Relator Desembargador Antônio Carlos Alves Braga).

À vista do exposto, nego provimento ao recurso.

HAMILTON ELLIOT AKEL

Corregedor Geral da Justiça e Relator


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ 

Autos nº. 0032879-02.2020.8.16.0014

Recurso: 0032879-02.2020.8.16.0014

Classe Processual: Apelação Cível
Assunto Principal: Inscrição na Matrícula de Registro Torrens

 Apelante(s):   Município de Londrina/PR
Apelado(s):    Irene Palmira Covino Diamante
  Antonio Fatimo Diamante
 
APELAÇÃO. DÚVIDA INVERSA. REGISTRO DE IMÓVEL. COMPRA E VENDA FRAÇÃO IDEAL DE UM IMÓVEL MAIOR. ÁREA ADQUIRIDA QUE ESTÁ EXPRESSAMENTE DELIMITADA NO CONTRATO, COM INDICAÇÃO DA METRAGEM E LOCALIZAÇÃO. ÁREA INFERIOR AO MÓDULO MÍNIMO. DESCARACTERIZAÇÃO DA FRAÇÃO IDEAL. AQUISIÇÃO DE LOTE. LOTEAMENTO IRREGULAR. TENTATIVA DE BURLAR AS NORMAS DE PARCELAMENTO E ZONEAMENTO DO SOLO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
I - Em que pese, de fato, não haver impedimento para a aquisição de fração ideal de um imóvel, tanto que tal negócio é regulamentado pelo Código Civil (arts. 1.314 e seguintes), não é dado ignorar que, no caso, não se trata, em verdade, de negócio envolvendo fração ideal, já que a área está clara e expressamente delimitada.
II - Nessa hipótese, verifica-se que há clara tentativa de se realizar um loteamento irregular, em especial porque a prefeitura demonstrou que a área adquirida é inferior ao módulo mínimo (que é de 20.000 m²), e não há qualquer pedido de parcelamento da área.
APELAÇÃO PROVIDA.
Vistos, etc.

Trata-se de dúvida inversa, que, no que aqui interessa, foi assim relatada e decidida pelo
Juiz de Direito Mauro Henrique Veltrini Ticianelli (evento 32):
 
RELATÓRIO
ANTONIO  FATIMO  DIAMANTEIREN  E  PALMIRA  COVINO  DIAMANTE,
qualificação nos autos, suscitaram a presente Dúvida Inversa contra o 1º REGISTRO DE IMÓVEIS DE LONDRINA e para tanto informam que: apresentaram para registro a Escritura Pública de Compra e Venda lavrada nas folhas 42/45, livro 767/N, do 10º Tabelionato de Notas de Londrina, da área de 1.824,50 m2, do imóvel de matrícula n. 41.514; mas pela serventia foi emitida diligência registral, basicamente para informar que a próprias descrição da área está a indicar que se trata de loteamento de chácara feito á revelia das normas legais e sem intervenção da Prefeitura Municipal, tratando-se de área inferior á mínima para parcelamento, de 20.000,00 m2; não se trata de loteamento de chácaras, de área resultante de novo desmembramento ou subdivisão ou de parcelamento de imóvel rural; trata-se da aquisição de parte ideal em condomínio com os demais proprietários indicados na matrícula n. 41.514, ou seja, de parte ideal negociada e já registrada; a ficha 10 da matricula indica esta parte ideal, o que demonstra a legalidade da escritura; a negativa do registro não encontra fundamento e ao caso não se aplica a decisão proferida no SEI 0076854-95.2019,já que não se trata de desdobramento ou subdivisão mas transferência de propriedade; não existe na matrícula nenhum tipo de embargo ou pedido de anulação da negociação destas partes ideais; não há vedação legal para que o imóvel tenha mais de um proprietário; na Gleba Palhano vários adquirentes tornam-se proprietários de partes ideais e no futuro erigem prédios e individualizam matrículas, sem qualquer ilegalidade. Pedem, no final, autorização para registro da matrícula. 

Com o pedido vieram documentos.

O 1º REGISTRO DE IMÓVEIS DE LONDRINA foi notificado e apresentou as informações de seq 13.1 para concluir que: os autores não têm razão; recebeu o pedido para registro da escritura mas em 27.05.2020 emitiu a diligência registral
n. 3853/2020 basicamente para anotar a impossibilidade do registro de transferência de parte ideal de imóvel rural indivisível e por área inferior á fração mínima estabelecida pela lei, ou seja, 20.000,00 m2; os autores não discutiram a diligência registral e preferiram ajuizar o presente pedido; o caso exige a aplicação da decisão proferida no SEI n. 0076854-95.2019.8.16.6000/TJPR, do art. 65 da Lei n. 4.504/1964 e do art. 8º, par. 1º, da Lei n. 5.868/1972, que vedam a divisão do imóvel rural por área inferior á fração mínima de parcelamento; não se trata de condomínio civil porque a escritura apresenta expressa delimitação da área correspondente á fração do imóvel objeto da negociação; a constituição do condomínio se caracteriza pela aquisição departe ideal pelo condômino e permite o uso da coisa comum pelos coproprietários sem identificação certa da fração de cada um; há fortes indícios de que se trata de parcelamento irregular; houve revogação da Instrução Normativa 16/2017 do TJPR e foram suspensos os parágrafos 1º e 2º do art. 589 do Código de Normas do Foro Extrajudicial da Corregedoria Geral do TJPR, mas ao caso se aplica a decisão proferida no SEI n.0076854-95.2019.8.16.6000/TJPR; 
o Ministério Público do Paraná emitiu a Recomendação Administrativa Conjunta n. 001/2018, dirigida aos cartórios de Registro de Imóveis de Londrina para tratar justamente do parcelamento clandestino e irregular de imóveis na cidade; apenas deu cumprimento ás determinações vigentes.
O Ministério Público apresentou o parecer de mérito de seq 20 para concluir que: o cerne da questão reside em diversos fatores que demandam melhor perquirição; é preciso apurar se o imóvel é rural e se resulta de subdivisões, se há parcelamento,
o que pode inclusive exigir perícia; o presente pedido é meramente administrativo e não admite dilação probatória e não assegura o contraditório; o procedimento deve ser arquivado para que os temas sejam avaliados em ação própria.
Pelos suscitantes foram apresentados os derradeiros esclarecimentos de seq 30. É o breve relato.

(…) DISPOSITIVO

6 - Depois de tudo quanto restou apurado, 6 -classifico a Dúvida Inversa suscitada por ANTONIO FATIMO DIAMANTE e IRENE PALMIRA COVINO DIAMANTE
como relevante para o fim de autorizar o registro da Escritura Pública de Compra e Venda lavrada nas folhas 42/45, livro 767/N, do 10º Tabelionato de Notas de Londrina, da área de 1.824,50 m2,do imóvel de matrícula n. 41.514, datada de 08.05.2020.
Fica o 1º REGISTRO DE IMÓVEIS DE LONDRINA expressamente orientado a exigir dos compradores o cumprimento de todas as exigências típicas da aquisição de parte ideal de imóveis indivisos, dentre eles prenotação regular, apresentação de  certidões,  recolhimento  de  tributos  e  emolumentos  próprios  do  ato  e
.aquiescência prévia pelos demais condôminos
7 - Promova o Sr. Escrivão a extração de cópia da petição inicial, da resposta de seq 13 e da presente sentença, com consequente remessa ao Município de Londrina, para instauração e procedimento próprio, interno, para apuração de eventual edificação de núcleo urbano irregular na área indicada. 8 - Comunique-se a todos os habilitados.
9 - Certificado o trânsito em julgado, arquivo definitivo, com anotações e baixa no sistema.
Publicação e registro já formalizados. Intimem-se.

Inconformado com a sentença, dela recorre o Município, ora apelante, alegando, em síntese, que: “necessário observar que não se trata de gleba localizada em área rural, mas em área de expansão urbana. 

Isto é, conforme a Lei nº 11.661 de 12 de julho 20121–que define os Perímetros da Zona Urbana, dos Núcleos Urbanos dos Distritos e Expansão do Distrito Sede do Município de Londrina–, o Lote nº 254 –Gleba Cafezal–encontra-se inserido na Zona de Expansão Urbana da Sede do Município.

 Logo, a competência em verificar regularidade e aprovação do projeto cabe ao Município de Londrina e não ao INCRA”; 

“Como será fundamentado a seguir o que a parte suscitante tenta deixar de cumprir legislação constitucional, federal, estadual e municipal sobre parcelamento da propriedade, uma vez que esse traz um custo para a implementação da infraestrutura básica. 

Ocorre que o parcelamento de solo não se trata de medida simplória a ser realizada no bojo dos autos de uma ação judicial.

 Não é, também, uma simples ‘anuência’ do ente municipal para que ocorra tão somente a abertura de novas matrículas que corresponderão a imóveis distintos. 

Trata-se, em verdade, de procedimento administrativo municipal, de trâmite interno nos órgãos competentes (Secretaria Municipal de Obras e Pavimentação e IPPUL –Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina), por meio do qual haverá a análise de diversos requisitos legais, inclusive acerca da infraestrutura urbana (e responsabilização pelo custeio desta).

 O parcelamento do solo urbano no âmbito do Município de Londrina possui as seguintes Leis de Regência: Lei Federal nº 6.766/1979 – Lei Federal de Parcelamento do Solo Urbano e Lei Municipal nº 11.672/2012 – Lei Municipal de Parcelamento do Solo Urbano e o Decreto 577/2018 – Regulamenta o procedimento de aprovação de subdivisão e anexação”; 

“ Nesse diapasão, verifica-se que o parcelamento do solo é regido por normas específicas, devendo ser aprovado pelo ente municipal, sendo necessário inicialmente que se amolde ao determinado na Lei de Parcelamento do Solo Urbano –Lei Federal nº 6.766/1979”;

 “Ciente da decisão, o Município de Londrina, por meio da Secretaria de Obas e Pavimentação (Diretoria de Loteamentos), realizou vistoria técnica e vislumbrou que se trata, ao seu ver, de loteamento clandestino”; 

“Ademais, como apontado pela Ofício de Registro de Imóveis, existe clara individualização do imóvel, destoando, claramente, de uma eventual copropriedade, não podendo tal título ser levado a registro”; 

“Excelência, como bem colocou o Ministério Público, o procedimento de suscitação de dúvida (inversa) é administrativo e, portanto, limitado em certos aspectos, portanto não sendo indicado que uma questão como o loteamento clandestino seja decidido, data vênia, de forma leviana” (evento 45).
Vieram os autos ao Tribunal.

A mim conclusos, remeti os autos à D. Procuradoria-geral de Justiça (evento 10-TJ).

A D. Procuradoria-geral de Justiça se manifestou pelo provimento do recurso (evento
17-TJ).

Na sequência, o feito foi convertido em diligência, a fim de oportunizar a apresentação de contrarrazões (evento 20-TJ).

O 1º Serviço de Registro de Imóveis da Comarca de Londrina/PR apresentou manifestação (evento 64) e os requerentes apesentaram suas contrarrazões (evento 66)
Voltaram os autos ao Tribunal.

 É o relatório.
Voto

O apelante está coberto de razão.

Trata-se de dúvida inversa, por meio da qual os requerentes pretendem obter o registro da (assim chamada) fração ideal de um imóvel por eles adquirida, procedimento que foi negado pelo Cartório de Registro de Imóveis, eis que o cartorário entendeu se tratar de tentativa de loteamento inferior ao módulo mínimo e sem as devidas autorizações municipais.

Em que pese, de fato, não haver impedimento para a aquisição de fração ideal de um imóvel, tanto que tal negócio é regulamentado pelo Código Civil (arts. 1.314 e seguintes), não é dado
ignorar que, no caso, não se trata, em verdade, de negócio envolvendo fração ideal, já que a área está clara e expressamente delimitada.

Confira-se (evento 1.3):


Como se vê, de fração ideal não se trata (embora os requerentes assim a chamem), já que há, no contrato, a individualização do lote comprado, com a indicação da área total (1.824,50 m²), bem como dos marcos e rumos que a delimitam.

Nessa hipótese, verifica-se que há sim tentativa de se realizar um loteamento irregular, em especial porque a prefeitura demonstrou que a área adquirida é inferior ao módulo mínimo (que é de 20.000 m²), e, frise-se, não há sequer pedido de parcelamento da área (evento 45.2).

Sobre o tema, esclarece Scavone que:

Tampouco há que se confundir o loteamento e o parcelamento com a formação de simples condomínio estipulado nos arts. 1.314 e seguintes do Código Civil, já que, pelo princípio da especialidade, ocorrendo a atividade tipificada no art. 2º e §§, da Lei 6.766/1979, jamais haverá a possibilidade de apenas vender-se frações ideias de um todo.

Não que esteja revogado o condomínio do Código Civil, longe disso.

O que existe no caso é uma tentativa de burlar as exigências da Lei 6.766/1979 de tal modo que, desde que não haja a intenção de subdividir uma gleba em lotes para fins habitacionais, e que de fato não ocorra o tipo do art. 2º e §§, da Lei 6.766/1979, nada impede a venda de uma gleba para duas ou mais pessoas em condomínio, como estipulado no Código Civil.

Preleciona Diógenes Gasparini:

No condomínio do Código Civil [hoje condomínio geral] o comunheiro não detém uma porção certa e determinada do imóvel, mas, tão só, uma parte ideal. Não há um misto de áreas exclusivas e comuns, não se lhe atribuindo, por isso, o domínio e o uso privativo de áreas destacadas, e o condomínio de áreas comuns. Assim, não se pode fundar, como querem alguns, tais ‘loteamentos’ no condomínio romano ou tradicional, previsto e regulado pelo Código Civil, nos arts. 623 usque 641
[atualmente, arts. 1.314 a 1.330 do novo Código Civil], dado ser essencial a essas urbanizações a individualização das áreas autônomas ou ‘lotes’ e a indicação de ‘áreas comuns’. (in Direito imobiliário: teoria e prática. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense: 2020. p. 149).

Mais adiante, o citado autor acrescenta que “quanto à forma de exercício, ainda que o imóvel seja único, as partes podem convencionar a utilização exclusiva de uma parcela determinada, surgindo, assim, o condomínio por diviso.

 É preciso muita cautela com essa modalidade, na medida em que pode representar burla às regras sobre o parcelamento do solo urbano e à Lei 6.766/1979” (op. cit. p. 881).

A jurisprudência acompanha tais lições:

 
APELAÇÃO CÍVEL.
SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA.
SENTENÇA CONJUNTA.
ANÁLISE CONJUNTA DAS APELAÇÕES. AVERBAÇÃO DA ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL RURAL. ALEGAÇÃO DE QUE A DECISÃO FOI EMBASADA EM SENTENÇA PROFERIDA EM AUTOS INEXISTENTES. ERRO MATERIAL CORRIGIDO NO DECORRER DA DEMANDA. AUSÊNCIA DE INOVAÇÃO NAS EXIGÊNCIAS REALIZADAS PELO AGENTE DELEGADO NA SUSCITAÇÃO DA DÚVIDA. TÃO SOMENTE EXPLICAÇÃO DAS RAZÕES. ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE FRAÇÃO IDEAL DE IMÓVEL RURAL. AGENTE DELEGADO. DEVER DE FISCALIZAR EVENTUAL BURLA ÀS LEIS DE PARCELAMENTO DO SOLO. FRAÇÃO IDEAL. QUOTA PERCENTUAL. APELANTE QUE ADQUIRIU PARTE DO IMÓVEL POR METRAGEM. CONFIGURAÇÃO DE COMPRA DE "LOTES". LOTEAMENTO IRREGULAR. ENTENDIMENTO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E DO CÓDIGO DE NORMAS. RECURSO IMPROVIDO.
Demanda que discute a possibilidade de Márcio Alves Moure realizar a averbação
na matrícula do imóvel rural das escrituras públicas de compra e venda das frações de 17.550,00 m² (autos nº 0009263-36.2018.8.16.0024) e de 6.750,00 m² (autos nº 0009261-66.2018.8.16.0024) do bem de 48.400m², matrícula n. º 10.281, localizado no município de Campo Magro e adquiridos de Pedro de Arruda Campos Filho.

 Em um primeiro momento, afirma o apelante que o Cartório de Registro de Imóvel recusou-se a proceder à averbação da escritura de compra e venda de imóvel rural com base em sentença prolatada em autos inexistentes, vez que não existe o processo sob nº 0008377-36.2010.8.16.0024. 

Porém, o número correto dos autos mencionado é nº 0008337-36.2010.8.16.0024, configurando tal fato erro material que foi corrigido no decorrer da demanda. 

Muito embora as legislações aplicáveis aos imóveis rural e urbano possuam cada uma suas peculiaridades, a decisão dos autos n. º 0008337-36.2010.8.16.0024 apresenta caso similar ao da presente demanda, vez que trata-se de suscitação de dúvida referente à impossibilidade de efetuar a averbação de escritura pública de compra e venda da parte ideal de imóvel rural, diante da irregularidade do fracionamento do bem.
 
Não ocorreu inovação nas exigências realizadas pelo agente delegado na suscitação da dúvida, pois utilizou em suas razões os artigos do Código Civil para explicar a exigência relativa à venda na totalidade da parte ideal. 

Devido a prática corriqueira de compra e venda de parte ideal de imóvel rural, caracterizando em muitos casos o parcelamento irregular do solo, tem o Agente Delegado o dever de fiscalizar eventual burla às leis de parcelamento do solo sob o manto de compra e venda de fração ideal do bem imóvel, nos termos do art. 689 do Código de Normas do Foro Extrajudicial deste Tribunal. 

Verifica-se a priori, não existir óbice a cessão ou alienação de parte ideal em área menor do que a prevista para os casos de divisão, parcelamento ou desmembramento dos imóveis, desde que a área não seja delimitada (parte ideal), devendo ser analisado no caso concreto. 

A fração ideal é representada como uma quota percentual que se atribui à área do bem imóvel, cujo coeficiente o respectivo adquirente tem direito sobre o objeto. 

No presente caso, apesar de afirmar o recorrente que, através das duas escrituras de compra e venda, adquiriu a “fração ideal” de 24.300m² (17.550m² + 6.750m²) de um imóvel rural de 48.400m² e que a metragem mínima do imóvel rural no estado do Paraná é de 20.000,00m², não havendo qualquer impedimento aos registros das escrituras, tratam-se, na realidade, de duas escrituras públicas e individualizadas duas áreas diferentes de compra, sugerindo a compra de “lotes”.

 O apelante, quando adquiriu parte da totalidade da área, em dois momentos distintos, teria por objetivo a compra de “lotes”, configurando a possível ocorrência de parcelamento irregular do solo. 

Isto porque, como há indicação específica da metragem adquirida nas escrituras de compra e venda do imóvel, não se trata de fração ideal, mas sim de aquisição de parte do imóvel, isto é, de um lote, sujeitando-se às normas de parcelamento do solo.

 Ainda, há que se atentar ao fato de que consta na matrícula do imóvel transações realizadas anteriormente de alienação de partes da área a terceiros, sugerindo novamente a configuração do loteamento irregular. 

Portanto, não se tratando de compra e venda de fração ideal do imóvel rural e sendo as áreas comercializadas inferiores ao limite mínimo estabelecido no regramento brasileiro, havendo indícios de burla ao sistema de parcelamento do solo rural, desviando-se do procedimento que lhe incumbe, nego provimento ao recurso ora interposto.
(TJPR - 18ª C.Cível - 0009263-36.2018.8.16.0024 - Almirante Tamandaré - Rel.: DESEMBARGADOR MARCELO GOBBO DALLA DEA - J. 20.07.2020)


CIVIL. VENDA DE FRAÇÃO IDEAL DE TERRAS, PARA TRANSFERIR LOTE CERTO E DETERMINADO, SEM O REGULAR PARCELAMENTO DO
SOLO. IMPOSSIBILIDADE. A venda de fração ideal de terras parceladas irregularmente não pode ser objeto de registro imobiliário, porque frauda a legislação específica; o Juiz que proíbe o registro desses negócios, sem a prévia oitiva do proprietário, não fere a garantia do contraditório, porque só ordenou o que o Oficial do Cartório já estava obrigado a fazer.
Recurso ordinário não provido.
(RMS 9.876/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/08/1999, DJ 18/10/1999, p. 226)

Tanto é assim que a Corregedoria deste tribunal expediu o Ofício-Circular 86/2019 que recomenda, no que aqui interessa:

7.1) O imóvel rural não é divisível em áreas inferiores à Fração Mínima de Parcelamento, salvo as exceções legais;

7.2) Devem ser adotadas as providências necessárias a fim de evitar parcelamentos irregulares, inclusive quanto aos condôminos;

Passando-se as coisas dessa forma, é o caso de julgar improcedente a presente dúvida inversa, para manter a recusa manifestada pelo 1º Serviço de Registro de Imóveis da Comarca de Londrina/PRem promover o registro pretendido.
Sem custas.
Posto isso, voto no sentido de dar provimento ao recurso, para julgar improcedente a dúvida inversa.

Dispositivo

Acordam os integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.

O julgamento foi presidido pelo Desembargador Mario Luiz Ramidoff, com voto, e dele participou o Desembargador Naor Ribeiro De Macedo Neto.
29 de outubro de 2021
Fernando Paulino da Silva Wolff Filho 
Desembargador Relator

 


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