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sábado, 12 de abril de 2025

INADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA: REPOSICIONAMENTO CONFORME ROBERT ALEXY


INADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA: REPOSICIONAMENTO CONFORME ROBERT ALEXY


Hélio Silvio Ourém Campos

Juiz Federal. Líder de Grupo de Pesquisa – CNPq: “Política e Tributação: aspectos ma- teriais e processuais”. Professor da Escola Superior da Magistratura de Pernambuco (Recife/PE). Professor Titular e membro do Conselho Superior da Universidade Católica de Pernambuco – Recife/PE (Graduação, Mestrado e Doutorado). Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – Recife/PE e Doutorado pela Faculdade Clássica de Direito de Lisboa. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco Re- cife/PE e pela Faculdade Clássica de Direito de Lisboa – (Equivalência). Ex-Procurador do Estado de Pernambuco. Ex-Procurador do Município do Recife. Ex-Procurador Federal. Pós-doutorado pela Universidade Clássica de Lisboa. E-mail: <vania.souza@jfpe.jus.br>.

Lucas Sampaio Muniz da Cunha

Bacharelando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – Recife/PE. E-mail:

<grupo6vf@gmail.com>.


Resumo: O presente estudo demonstra as intensas relações entre o devido processo legal, as bases democráticas, o Estado de Direito e a proibição de provas ilícitas no processo. Argumenta-se que a admissão de uma prova ilícita não viola apenas um direito privado da parte oposta àquela que juntou a prova, mas viola um interesse difuso, restando ao Ministério Público intervir no processo, caso a prova ilícita seja admitida. Utilizou-se o método dedutivo.

Palavras-chave: Prova ilícita; Ministério Público; Interesses Difusos.

Sumário: 1 Introdução – 2 Das provas ilícitas – 3 Breve análise da teoria alemã, de Robert Alexy, sobre re- gras e princípios – 4 A obrigatoriedade e a importância da inadmissibilidade das provas ilícitas – 5 A liceidade das provas como um interesse difuso – 6 A intervenção do Ministério Público para a proteção da ordem jurídica e do regime democrático à luz da dogmática brasileira: Constituição Federal, Lei nº 5.869/1973 e Lei nº 13.105/2015 – 7 O tratamento das provas ilícitas no direito comparado – 8 Conclusão – Referências


1 Introdução

O presente estudo trata da legitimação do Ministério Público para intervir em uma relação jurídica processual quando for verificada, em seu curso, a admissão de uma prova ilícita. Serão dois os pontos principais do texto: primeiramente, ocor- rerá a desconstrução da visão de que a proibição da prova ilícita é um princípio processual e, posteriormente, tal proibição será enquadrada como um interesse de toda a sociedade, sendo, portanto, um interesse difuso.

Para demonstrar a possibilidade jurídica de intervenção do Parquet na rela- ção jurídica processual, quando nela forem aceitas provas ilícitas, será utilizado o método dedutivo com revisão bibliográfica. Inicialmente, faz-se um estudo sobre as provas ilícitas e suas diferenças em relação às provas meramente ilegítimas. Num segundo momento, ressaltam-se a compulsoriedade e o mérito da não acei- tação das provas ilícitas por meio de um reposicionamento, na teoria de Robert Alexy sobre Regras e Princípios, da norma constitucional que trata da inadmissão das provas ilícitas. São feitas, também, considerações que relacionam o referido dispositivo constitucional e o Estado Democrático no Brasil. Posteriormente, o requisito da licitude da prova para sua admissão no processo será caracterizado como um interesse difuso, de modo que sua violação enseja, indubitavelmente, a intervenção do Ministério Público, instituição que, na ordem constitucional brasileira, recebeu a atribuição de proteger a ordem jurídica e o regime democrático.

 A problemática central do texto surge com uma nova tendência no direito brasileiro de se propor a utilização do método interpretativo da proporcionalidade para que se admita ou não uma prova obtida por meios ilícitos em um processo. 

Desse modo, a admissibilidade da prova é aferida a posteriori, após um sopesamento entre os valores dos bens atingidos pela suposta lesão ao direito em discussão no processo e os valores dos bens jurídicos violados pela forma ilícita de obtenção da prova (CARNAÚBA, 2000, p. 93).


Tal proposta decorre da errônea visão de que o inciso LVI do artigo 5º da Constituição Federal (1988), que trata da inadmissão, no processo, de provas obtidas por meios ilícitos, é um princípio processual, e não uma regra cogente.

Ademais, os defensores da admissibilidade de provas ilícitas no processo tendem a fazê-lo por considerarem um conflito de bens entre o direito lesado em litígio, de um lado, e o direito à privacidade da parte ou o direito violado para a produção da prova, de outro.

 Mostrar-se-á, nesse trabalho, que a inadmissibilidade de provas ilícitas é regra que visa proteger não apenas o direito à intimidade, mas também o princípio democrático do devido processo legal. A refutação de provas obtidas por meios ilícitos é, dessa forma, corolário próprio de um Estado Democrático de Direito.

Adotando como premissa basilar o caráter publicista do processo, tendo em vista o amplo interesse social na resolução de conflitos e na obediência à lei, o objetivo precípuo do presente estudo é, após demonstrar a íntima relação entre a inadmissibilidade de provas ilícitas e o fortalecimento da democracia brasileira, ressaltar a importância do Ministério Público na garantia do devido processo legal para todos que sejam autores ou réus numa relação jurídica processual no Brasil. 


A legitimidade dessa instituição para que intervenha nos processos em que haja admissão de prova ilícita será dogmaticamente demonstrada, através da análise de dispositivos constitucionais e de legislações processuais. Ademais, essa legi- timação restou completamente assente com o Novo Código de Processo Civil de 2015, que ampliou significativamente as atribuições ministeriais.

Através de todo o arcabouço teórico apresentado, serão formadas premissas as quais, postas conjuntamente, resultarão na irreprochável conclusão de que, dentre as atribuições conferidas ao Parquet, está a possibilidade de intervenção em caso de admissão de uma prova ilícita no processo, para que seja resguardada, no Brasil, uma forma de processo judicial condizente com os mais elementares princípios democráticos.


2 Das provas ilícitas

Francesco Carnelutti afirma que o objeto da prova não é a verdade de um fato (2002, p. 67), mas das alegações formuladas sobre determinado fato. Isto porque “é justo reconhecer que objeto da prova não são os fatos senão as afirmações, as quais não se conhecem porém se comprovam, enquanto que aqueles não se comprovam, senão que se conhecem” (CARNELUTTI, 2002, p. 68). 

Em seu conceito de prova, o autor italiano aduz que a prova deve ser realizada segundo meios legítimos, de modo a gerar a determinação formal dos fatos discutidos, ou seja, a demonstração da verdade formal ou judicial (CARNELUTTI, 2002, p. 73). 

O presente estudo tem como ponto principal esse elemento do conceito de prova formulado pelo autor: a necessidade de que a prova esteja sujeita à legalidade, devendo ser produzida de modo legítimo, ou seja, de acordo com o Direito.

No ordenamento jurídico-processual brasileiro está assente que determinadas provas são, a priori, inadmissíveis no processo. Isso vale tanto para o processo civil quanto para o processo penal. 

Com efeito, não mais se concebe uma forma processual em que as partes, ou os magistrados, possuem poderes ilimitados. Hernando Devis Echandia pontua que o processo, em uma sociedade democrática, não deve ser compreendido como um campo de batalha em que podem ser empregados quaisquer meios úteis à consecução da vitória. Tanto as partes quanto os magistrados possuem suas atividades limitadas aos expedientes e métodos legais (ECHANDIA, 1983, p. 82).


Desta feita, considera-se relativizado o conceito de verdade material, que é substituído pelo conceito de “verdade forense”. Esta preconiza a obtenção da ver- dade através de vias formalizadas (AVOLIO, 2003, p. 40). Concluiu-se que, seja em âmbito penal ou cível, não se pode dizer que prevalece a verdade real em desfavor do que se provou legitimamente nos autos. A prova ilicitamente obtida não poderá integrar o processo, não podendo ser valorada pelo julgador.


 Demonstra-se, por- tanto, que a “verdade real” não é absoluta no processo, havendo a relativização de sua prevalência até mesmo no processo penal. Para Alex Zlatar, é importante que a verdade desponte no processo. No entanto, para o autor, é uma questão de probabilidade, e não de necessidade (ZLATAR, 2010, p. 6). Antes da análise do conteúdo de uma prova, analisa-se sua licitude. Sendo ilícita a prova, ela será inadmissível, não havendo repercussão de seus efeitos na decisão judicial.

Tal inadmissibilidade, no entanto, poderá ser relativizada, a depender do tipo de maculação que recai sobre a prova. Neste estudo, será adotada a teoria ideali- zada por Pietro Nuvolone (1966, p. 470). Para ele, há provas que são produzidas sem o devido respeito aos ditames legais, havendo, assim, inobservância dos seus próprios elementos constitutivos. De modo geral, ocorre a violação de uma norma procedimental. Aqui, tais provas serão chamadas de provas ilegítimas. As provas ilegítimas, caso não tenham violado regra diretamente ligada à proteção dos direitos fundamentais processuais, podem ter repercussão no processo, par- ticipando da formação do convencimento do juiz. As provas ilegítimas podem ser, portanto, sanáveis, uma vez que pode existir a separação entre a prova em si e o ilícito praticado (MARINONE, 2010, p. 392-394).

As provas ilícitas, por sua vez, são produzidas em desconformidade com o próprio direito material. Mediante a prática de um ilícito material, ocorre a obtenção da prova. Nesses casos, o defeito que recai sobre a prova é insanável, não sendo atribuída ao material probante qualquer eficácia jurídica (MOREIRA, [1997]). Quando o inciso LVI do artigo 5º da Constituição Federal (1988) afirma que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, há clara referência às provas ilícitas, tendo em vista que estabelece uma relação consequencial entre a prática de um ilícito e a obtenção da prova, de modo que eles não possam ser dissociados. Para a incidência desse inciso, não basta que o desrespeito a uma norma verse sobre um elemento procedimental da prova, mas sim que haja violação de norma de direito material, sem a qual a prova não seria produzida. Há maculação ab initio da produção do material probante.

Como o presente trabalho busca conformar a proteção do inciso LVI com as atribuições do Ministério Público, a inadmissibilidade das provas de que se trata nes- te trabalho fará referência às provas ilícitas, e não às provas meramente ilegítimas.



3 Breve análise da teoria alemã, de Robert Alexy, sobre regras e princípios

Robert Alexy, em sua teoria acerca de regras e princípios, estabeleceu entre estas duas espécies de normas jurídicas uma distinção baseada em um critério 

qualitativo. Diferentemente do que ocorria anteriormente, quando era adotado, comumente, um critério gradual, segundo o qual o princípio era considerado uma norma jurídica dotada de alto grau de abstração e a regra uma norma jurídica dotada de concretude, Alexy estabeleceu uma diferenciação na própria essência, nos próprios atributos.

Os princípios, em sua teoria, são qualificados como mandamentos de otimi- zação. Ou seja, os princípios são normas jurídicas “que ordenam que algo seja realizado na maior medida do possível, dentro das possibilidades jurídicas e fá- ticas existentes” (ALEXY, 2012, p. 90), estando seu âmbito de aplicabilidade limitado pelos outros princípios e pelas regras colidentes.

Já as regras, para Alexy, são satisfeitas ou não. Se uma regra vale, dado o seu suporte fático, deve necessariamente ocorrer a consequência jurídica nela prevista. As regras são, portanto, determinações, dentro das possibilidades fáti- cas e jurídicas existentes.

Tanto suas distinções versam sobre seus próprios atributos, e não apenas sobre seus graus de abstração, que até mesmo a resolução e disposições contrá- rias entre regras ou princípios implicam métodos de resolução distintos. Ocorrendo um conflito entre regras cogentes, a decisão sobre a prevalência de uma delas será uma decisão de validade (ALEXY, 2012, p. 93), de modo que uma das regras conflitantes será declarada inválida ou, em uma destas regras, será inserida uma cláusula de exceção, de modo a tornar possível a convivência harmoniosa entre as duas disposições contraditórias no ordenamento jurídico.

Já se ocorre uma colisão entre princípios, a solução é diferente. Como um mandamento de otimização que deve possuir o máximo de eficácia dentro de certos limites, um princípio não pode ser simplesmente declarado inválido frente à contrariedade com outro princípio, nem pode ser inserida no princípio cedente uma cláusula de exceção. O que deve ocorrer, segundo Alexy, é um sistema de precedência condicionada, na qual um princípio precederá ao outro, mas sob de- terminadas condições. Modificadas estas, talvez o princípio antes cedente se tor- ne precedente. Princípio cedente é aquele que, diante das circunstâncias do caso concreto, tem sua eficácia reduzida, diante da preponderância de um princípio mais valioso nas mesmas condições, o qual é chamado de princípio precedente. A decisão, portanto, será tomada de acordo com as circunstâncias concretas.

A ligação entre o que foi explanado neste tópico e o tema central do presente trabalho será explicitada no tópico seguinte, já que será feita uma aplicação da teoria de Robert Alexy ao tratamento jurídico conferido às provas ilícitas pelo ordenamento brasileiro.

 


4 A obrigatoriedade e a importância da inadmissibilidade das provas ilícitas

Há doutrinadores do direito brasileiro que defendem a aplicação do método interpretativo da proporcionalidade ao dispositivo constitucional que se refere à inadmissibilidade de provas ilícitas. Ocorreriam choques entre bens jurídicos que implicariam a conformação dos interesses de ambas as partes, de modo que cada um dos bens jurídicos fosse ao máximo aproveitado, mas prevalecendo aque- le considerado como mais importante para o ordenamento jurídico vigente. José Roberto Bedaque afirma que deve existir, entre a tutela da norma violada com a obtenção da prova ilícita e o alcance da verdade sobre os fatos, uma tendência que procure o equilíbrio entre estes dois valores (1999, p. 185).

Robert Alexy (2012, p. 117) postula que apenas os princípios estão sujeitos à ponderação. Portanto, se defendem a aplicação ponderada da proibição da prova ilícita, os autores brasileiros, como, exemplificativamente, Luiz Guilherme Marinoni 2010, p. 401), atribuem a tal proibição um caráter principiológico. Traz- se à colação o eminente processualista brasileiro:


O uso da prova ilícita poderá ser admitido, segundo a lógica da pro- porcionalidade e como acontece quando há colisão de princípios, con- forme as circunstâncias do caso concreto.


Ocorre, no entanto, que o desvirtuamento dessa tese decorre da imprecisão tópica no posicionamento da inadmissibilidade das provas ilícitas na teoria das regras e princípios. Com efeito, a refutação das provas obtidas ilicitamente no processo possui caráter de regra, e não de princípio. Isso porque a principal característica das regras é sua aplicação definitiva. Ocorrendo o suporte fático, obrigatoriamente deve se dar a consequência. Ou seja, diante da apresentação de uma prova ilícita no processo, que é o suporte fático, inevitavelmente deve ocorrer o afastamento do material probante, sendo-lhe retirada toda a eficácia jurídica. As regras, por meio da subsunção, são aplicadas ou não. Sendo a proibição das provas ilícitas no processo uma regra constitucional, não há de se relativizá-la pelo método da ponderação, mas apenas aplicá-la, de modo a concretizar seus efeitos. Ademais, a caracterização da inadmissibilidade das provas ilícitas no processo como uma regra possui, ainda, uma face norteadora da atuação institucional do Estado, reduzindo a insegurança jurídica que poderia advir caso aquela fosse entendida como um princípio. Segundo Robert Alexy (2012, p. 140), do ponto de vista da vinculação à Constituição, há um primado do nível das regras frente ao nível dos princípios. Embora ele reconheça que tanto as regras quanto  os princípios derivem de atos de positivação, de decisão, a possibilidade de colisão de princípios e a resolução através da precedência condicionada deixa algumas inseguranças. Por isso, afirma o autor que, “quando se fixam determinações no nível das regras, é possível afirmar que se decidiu mais que a decisão a favor de certos princípios”.

Resta, portanto, obrigatória a inadmissibilidade de provas ilícitas no processo. Além de obrigatória, a inadmissibilidade da prova ilícita no processo é de fundamental importância para a própria manutenção do regime democrático brasileiro e do próprio Estado de Direito no país.

O processo, entendido como uma relação jurídica foi concebido como uma forma instrumental de resolução de conflitos sociais. O escopo magno do pro- cesso é a pacificação social, de modo que sempre haverá interesse público na decisão judicial. Inegavelmente, é do interesse de toda a coletividade que exista a solução de conflitos de forma justa. Entretanto, a justiça, aqui, não deve ser entendida de modo subjetivo. A justiça, numa concepção objetiva, ocorre quando uma decisão judicial é proferida de acordo com os ditames legais, sem que haja interferências exteriores ou gravações da ordem jurídica para que se descubra a verdade. A não condenação, pelas vias legais, de um réu culpado é menos gravo- sa à ordem jurídica e social brasileira do que a condenação do mesmo réu por vias ilegais, como, por exemplo, com a admissão de provas ilícitas.

O princípio do devido processo legal representa uma limitação do poder Estatal de julgar, tendo em vista que este se vincula às normas legal e constitu- cionalmente formuladas. Sendo assim, garante que haja a proteção de direitos fundamentais e individuais de todos os cidadãos envolvidos no processo, seja autor ou réu. Caso contrário, instalado estaria um Direito do Terror, no qual não há limitação ao poder estatal e este está legitimado ao fazer o que for necessário para a descoberta da verdade. A admissão de provas obtidas ilicitamente é, por- tanto, característica precípua de estados ditatoriais ou, pelo menos, que valorizam mais a punição, a condenação, do que o respeito às próprias leis.

Não há falar, ademais, que existe um interesse público na descoberta da verdade, de modo que este deveria sobrepor-se aos direitos daquele que está sendo processado. Esse argumento jurídico está visceralmente ligado a Estados autoritários, podendo ser considerado premissa que legitimou a usurpação de direitos fundamentais e a desconsideração dos ditames legais em diversas ditaduras. Nesse sentido, há jurisprudência no Tribunal Regional Federal da 2ª Região que reconhece a existência de tortura realizada em presos políticos, com vistas à obtenção de confissão, durante o período da Ditadura Militar no Brasil (TRF 2 – APELAÇÃO CÍVEL nº 225975/RJ 2000.02.01.007036-5, Relator: Mauro Luís

Rocha Lopes, Data de julgamento: 19.11.2008, Quinta Turma Especializada, Data 

de Publicação: 19.01.2009.). Eram irrelevantes, portanto, no período ditatorial brasileiro, os direitos individuais do cidadão, de forma que a busca pela revelação da verdade não possuía qualquer baliza.

A democracia não legitima supressão de direitos fundamentais, como o devido processo legal e o direito à intimidade ou privacidade, sob o argumento do interesse público. Contrariamente, a democracia deve ser entendida como a realização da vontade da maioria, desde que respeitados os direitos das minorias, nos limites da lei. Este último elemento é fundamental para se entender o porquê de o Estado não poder permitir o julgamento de processos com base em provas ilícitas. Tal elemento merece destaque ainda maior caso a norma que deve ser respeitada para garantia da democracia possua sede constitucional, como o caso do inciso LVI do art. 5º da Constituição Federal (1988).

Se na valoração entre a descoberta da verdade, a qualquer custo, e a segurança das relações sociais pela proibição da prova ilícita no processo, a Constituição Federal, legitimada pelas ambições gerais da população, conforme o ideal postulado por Sieyès (1985, p. 10-16), optou pela segunda, não há falar em aplicação da pro- porcionalidade pelo julgador. Elegeu, ela própria, o valor mais elevado (BARROSO, 1993, p. 346).

Sendo assim, desconsiderar os mandamentos constitucionais sob o argu- mento de interesse público ou da mera instrumentalidade do processo significaria esvaziar a força normativa da Constituição, rompendo as próprias bases de um Estado Democrático de Direito e negando a eficácia das aspirações comuns ex- surgidas do povo.

Ademais, como será demonstrado no tópico a seguir, a possibilidade de admissão de uma prova ilícita em alguns processos significaria delegar ao arbítrio do julgador a disponibilidade de um interesse difuso, categoria de interesse que é, por própria essência, indisponível.



5 A liceidade das provas como um interesse difuso

Este tópico tem como escopo principal demonstrar a importância da inadmis- sibilidade das provas obtidas ilicitamente para a concretização e desenvolvimento da democracia brasileira, tendo não um caráter meramente privatista, restrito às partes de um determinado processo, mas sim um caráter público. Com efeito, a forma como um Estado se relaciona com as provas judiciais e seus meios de obtenção é um termômetro, um indicativo, do grau de arbitrariedade existente em determinada ordem jurídica. Em Estados totalitários, com alto grau de arbitrariedade, não há restrições aos meios de obtenção de prova. Já em Estados liberais 

e democráticos, há regramento acerca dos meios de obtenção de prova, prezando pela sua licitude, de modo que a instrução probatória de um processo não macule outras normas do ordenamento jurídico. Assim, tem-se que o inciso LVI do art. 5º da Constituição Federal possui grande relevância política e social, afigurando-se como um interesse de toda a sociedade, ou seja, difuso.

O interesse difuso é aquele que tem como principal característica a indeter- minação de sua titularidade. É, portanto, um interesse indivisível, transindividual. Entre todos os seus titulares, há ligação apenas por uma circunstância fática, a qual faz surgir o interesse jurídico a ser tutelado. 

Ada Pellegrini afirma que as bases que dão suporte aos interesses difusos não são bem definidas, de forma que os vínculos entre as pessoas se apoiam em fatores conjunturais ou genéricos, fre- quentemente mutáveis, como a habitação numa determinada região, o consumo de um mesmo produto e a vivência sob determinadas condições socioeconômicas (GRINOVER, 1984, p. 30).

Como o interesse difuso significa o interesse da própria sociedade como um todo ou de parcela dela, sua proteção não é delegada a cada pessoa individual- mente considerada. O interesse difuso, como seu próprio nome traz, tem caráter tão amplo, geral, que a sua defesa só pode ser realizada pelo Ministério Público ou outras entidades legitimadas. Dessa forma, embora a titularidade do interesse difuso seja da coletividade, ou parte dela, a legitimidade para sua defesa é do Parquet ou de outras entidades legalmente previstas (VIEIRA, 1993, p. 42).

Outra característica dos interesses difusos é a sua indisponibilidade. Diz Fernando Grella Vieira que o interesse difuso, “em razão do seu próprio significa- do, traz ínsito o interesse social quanto à obrigatoriedade de sua efetiva defesa, sem a possibilidade, de outro lado, da dispensa de qualquer exigência legal” (APOLINÁRIO; GAMA, 2014, p. 43).

Isso posto, não há de se olvidar que o regime democrático, razão de todos os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica brasileira, é interesse difuso primordial da sociedade, anterior até mesmo aos direitos difusos costumeiramente arrolados, como o direito ao meio ambiente, o direito à probidade administrativa e os direitos do consumidor. Todos estes são corolários de uma democracia forte, que respeite os princípios dela decorrentes, como o princípio do devido processo legal.

Resta esclarecer, portanto, qual a situação fática ensejadora da tutela do interesse difuso ora em comento. O fato é a admissibilidade de uma prova ilíci- ta no processo, qualquer que seja o argumento formulado para sua aceitação. Recepcionada uma prova ilícita no processo, não se viola apenas a esfera jurídica da parte contrária àquela que entranhou a prova aos autos, nem a esfera jurídica de cada pessoa individualmente considerada. Viola-se, na verdade, um interesse difuso indivisível da sociedade como conjunto.

 

Isso decorre do referido caráter publicista do processo, tendo em vista que a resolução de lides tem como principal fundamento a pacificação social. A composição de interesses privados não é absoluta, não é um fim em si mesmo. Volta-se ao escopo magno processual. Por isso foi dito que sobreposta à violação de um interesso privado daquele que seria prejudicado pela admissão da prova ilícita está a violação de um interesse difuso.

Outrossim, não poderia o sistema jurídico brasileiro atribuir ao magistrado a competência de analisar se, diante daquele caso concreto, um interesse difuso poderia ser sacrificado. Como dito alhures, os interesses difusos são indisponí- veis. A possibilidade de seu rompimento, portanto, tornaria o interesse difuso disponível, algo integralmente incompatível com a própria natureza do interesse transindividual.

Por tudo isso, legitimada está a instituição estatal voltada à proteção dos interesses difusos e do próprio regime democrático para intervir no processo: o Ministério Público.



6 A intervenção do Ministério Público para a proteção da ordem jurídica e do regime democrático à luz da dogmática brasileira: Constituição Federal, Lei

nº 5.869/1973 e Lei nº 13.105/2015

Tendo sido caracterizada a inadmissibilidade de provas ilícita em um proces- so como um interesse difuso, essencial à consolidação da democracia em um Estado, este tópico está voltado a um meio de efetivação jurídica de tal interesse, tratando acerca dos mecanismos de intervenção da instituição, legal e constitu- cionalmente, incumbida da defesa dos interesses difusos, qual seja, o Ministério Público. Tem, portanto, este item um caráter instrumental em relação aos demais pontos deste trabalho.

O artigo 127 da Constituição Federal (1988) legitimou o Ministério Público, expressamente, para a promoção da defesa da ordem jurídica, do regime demo- crático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Já reside nesse dispo- sitivo forte corroboração da ideia trazida, tendo em vista que já foram expostas as fortes relações entre a proibição das provas ilícitas no processo e a manutenção do ordenamento jurídico e da própria democracia. Além disso, a referida inad- missibilidade já foi enquadrada como interesse difuso de toda a sociedade, não podendo ser objeto de disposição.

O Ministério Público poderá atuar na defesa dos referidos propósitos de duas formas: como parte ou como fiscal da lei, custos legis. Aqui, será examinada a

 

legitimidade do Parquet para intervir no processo em curso como custos legis, diante da admissibilidade de uma prova obtida por meios ilícitos. Tal legitimidade para intervenção no processo, quando restar violada a ordem jurídica, deve ser compreendida sistematicamente com as funções institucionais do Ministério Público.

Nem sempre quando for violado um mandamento legal haverá necessidade de intervenção ministerial para que seja concretizada a função jurisdicional do Estado. Hugo Nigro Mazzilli (2011, p. 02) dispõe que o comum, na verdade, é que o Ministério Público não interfira em todos os processos, nem zele pelo cumpri- mento de todos os mandamentos jurídicos. Para que haja sua intervenção, será necessária uma violação ao interesse público ou uma ameaça à estabilidade da ordem jurídica vigente ou ao próprio Estado Democrático.

Um dos casos em que será posto em jogo a democracia ou interesse social, como já foi dito, é a admissibilidade de uma prova ilícita.

O Código de Processo Civil de 1973, no seu artigo 82, também legitimava o Ministério Público a atuar como fiscal da lei no caso em que haja interesse público.

 O intérprete, entretanto, deverá fazer um maior esforço interpretativo para que se compreenda a ratio legis do dispositivo citado. Observe-se a parte final do inciso III do referido dispositivo. 

À primeira vista, pode parecer que a legitimação para que o Parquet intervenha no processo só pode se dar ab initio no processo, seja por conta da natureza da lide ou por alguma característica específica da parte. 

Tal interpretação traria uma restrição desnecessária à atuação do Ministério Público no exercício de suas atribuições constitucionais. 

A natureza da lide e determinada qualidade da parte devem ser entendidas como indicativos de que há interesse público em jogo, mas a intervenção ministerial no processo não está a elas restringida.

Se, no curso do processo, for tomada medida contrária aos elementos basilares de um Estado Democrático de Direito, como é o caso da admissibilidade de uma prova ilícita, não há motivo para que seja negada legitimidade de atuação ao Ministério Público. Caso contrário, o Código de Processo Civil estaria, de modo desnecessário, estabelecendo restrição desmotivada à atuação constitucional- mente regulada do Ministério Público. Desse modo, não apenas circunstâncias aferidas no início do processo, mas também incidentes que ocorram no curso processual, poderão ensejar a atuação do Parquet.

O Novo Código de Processo Civil brasileiro, sancionado no dia 16 de março de 2015 pela Presidência da República, sana quaisquer dúvidas e corrobora a interpretação aqui sustentada sobre a interpretação do atual artigo 82 do CPC. O artigo 178 (BRASIL, 2015) do novo diploma traz apenas um rol exemplificativo de

 

casos em que o Ministério Público pode intervir. Tanto o é que, em seu caput, afirma que além das hipóteses trazidas, o Parquet também pode intervir “nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal”. Ademais, o artigo 176 (BRASIL, 2015) do Novo CPC declara que é o Ministério Público a instituição responsável por atuar “na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses e direitos sociais e individuais indisponíveis”. 

Nessa toada, se a admissibilidade de uma prova ilícita viola um direito fundamental expresso na Constituição Federal e fere um interesse difuso, não há de se olvidar que a intervenção ministerial no caso de admissão de uma prova ilícita possui guarida legal e constitucional.

Quanto à forma como se daria tal intervenção, o artigo 83 do Código de Processo Civil de 1973 trazia possibilidades interessantes em seu inciso II (BRASIL, 2015, p. 375).

 O Ministério Público poderia emitir parecer jurídico explicitando a potencial insegurança jurídica que a admissão de uma prova ilícita no processo pode gerar e requerer seu desentranhamento dos autos, restando ao magistrado entender as eminentes razões da argumentação ministerial. 

Ademais, o art. 499 (BRASIL, 2015, p. 408) do referido diploma legal postula que o Ministério Público poderá recorrer de determinada decisão, tanto na qualidade de parte como na qualidade de custos legis.

O Novo CPC manteve todas as formas de atuação dispostas na legislação anterior, em seu artigo 179, dispositivo que trata acerca dos poderes do Ministério Público como fiscal da lei, manteve-se a legitimidade recursal do Ministério Público. Depreende-se, então, que, caso o magistrado, por meio de decisão interlocutória, entenda admissível uma prova ilícita no processo, utilizando-se do método da ponderação de princípios ou de qualquer outro meio argumentativo, estará legitimado o Ministério Público a recorrer de tal decisão.

Atenta-se para o fato de que o NCPC não mais coloca o Ministério Público como instituição fiscal da lei, mas como fiscal da ordem jurídica. Com a nova disposição, nota-se que ao Ministério Público não cabem apenas a fiscalização e a proteção das normas jurídicas positivadas na lei, mas também incumbe-se ao Parquet a guarda dos princípios e valores jurídicos não postos expressamente no direito positivo brasileiro. A lei, na concepção moderna acerca do sistema jurídico, é apenas célula de um corpo sistematizado de regras de condutas, o ordenamento jurídico. Há, entretanto, componentes outros da ordem jurídica que não estão, ne- cessariamente, expressos nos diplomas legais, mas que ainda assim são normas jurídicas, sendo dotados, portanto, de coercitividade e imperatividade. É o caso de diversos princípios constitucionais implícitos. Dessa forma, se ao Parquet, na novel legislação, cabe a tutela não apenas da lei, mas da ordem jurídica como um todo, temos que a nova redação legal implica uma maior abrangência da atuação ministerial.

 


Tem-se, dessa forma, que o ordenamento jurídico brasileiro, seja através da Constituição Federal ou do Código de Processo Civil, traz a legitimação e as pos- sibilidades de atuação necessárias à eficaz intervenção do Ministério Público em caso de admissão de uma prova ilícita no processo, de modo que restem protegi- dos o interesse difuso de toda a coletividade de possuir um processo legalmente regulado e o próprio Estado Democrático de Direito brasileiro.



7 O tratamento das provas ilícitas no direito comparado

Diversos ordenamentos jurídicos alienígenas também dispensaram grande relevância à temática das provas ilícitas no processo. Esse tópico tem como objetivo demonstrar, especificamente, o tratamento dado à matéria em países como Itália, Espanha e Portugal, para que se possa estabelecer análises comparativas em relação ao que se dispõe acerca do assunto no Brasil.

Na Itália, por exemplo, a matéria foi tratada de modo demasiadamente sisífi- co ao longo do desenvolvimento de sua dogmática. Afirma-se que grande parte da jurisprudência italiana costumava admitir as provas ilícitas no processo, amparada pelos argumentos da busca da verdade real e da defesa social (AVOLIO, 2003, p. 47). Entretanto, a doutrina já fazia forte coro para que fosse expressa, no ordena- mento jurídico, a inadmissibilidade das provas ilicitamente obtidas. Vescovi, em seus estudos, identificou que o processo não deve ser considerado como uma disputa sem limites, na qual sagrar-se-ia vencedor o mais forte ou mais poderoso, mas sim um procedimento que visaria à consagração da conduta mais louvável juridicamente, não podendo admitir, portanto condutas imorais ou desleais (VESCOVI, 1960, p. 353).

A opinião doutrinária ressonante foi positivada pelo Código de Processo Penal Italiano, considerado um marco importantíssimo no para o tema do direito à prova. Em seu art. 191, o Codice di Procedura Penale dispôs que as provas adqui- ridas em violação das proibições estabelecidas pela lei não podem ser utilizadas. Ademais, a inutilidade da prova pode ser detectável em qualquer estado ou grau de jurisdição.

Ressalva-se que, em virtude da complexidade e da polêmica que envolvem o tema, há decisões na Justiça Italiana que aplicam o princípio da proporcionali- dade ao tratamento das provas ilícitas. Entretanto, forte corrente doutrinária, que Cappelletti (1973, p. 765-766), como expoente, repudia a aplicação desenfreada deste princípio na ordem jurídica italiana, citando diversos prejuízos elencados ao longo deste trabalho.

Já na seara do direito processual Espanhol, grande parte da doutrina apoia- se no brocardo jurídico de que “fatos ilícitos não aproveitam a quem lhes deu

 

causa” para defender a inutilização das provas ilícitas no processo. Cabe, ade- mais, citar os ensinamentos desenvolvidos por Lopez. Para o autor, as provas ilícitas devem ser inadmitidas no processo. Entretanto, em caso de admissão, e mesmo de apreciação, a prova seria ineficaz para fins de decisão judicial. O autor defende, ainda, a aplicação de sua doutrina tanto no processo penal, quanto no civil (LOPEZ, 1989, p. 99).

O ordenamento jurídico português, por sua vez, conferiu sede constitucional ao dispositivo que impõe a inadmissibilidade de uma prova obtida mediante a violação de mandamentos legais. A Carta Portuguesa de 1976 traz, em seu art. 32, o qual está inserido no Capítulo reservado aos direitos, às liberdades e às garantias fundamentais, que, no processo penal, “são nulas todas as provas ob- tidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”. Temos, então, que a Constituição portuguesa, bem como a brasileira, ponderou previamente os valores envolvidos e fixou a inadmissão das provas ilícitas.

Vê-se, portanto, que é lugar-comum dos ordenamentos jurídicos modernos a vedação da utilização de uma prova obtida mediante maculação da ordem jurídica vigente. Isso decorre dos diversos malefícios ao Estado de Direito, ao regime democrático e à segurança jurídica, que a recepção, no processo, de uma prova ilícita, pode fomentar.



8 Conclusão

A tentativa de se aplicar o método da proporcionalidade, para que o juiz, em certos casos, possa admitir a análise de uma prova considerada ilícita, resulta da errônea concepção de que o inciso LVI do artigo 5º da Constituição Federal é um princípio. 

O dispositivo em comento é uma regra, de modo que sua aplicação é definitiva e instrumental, no sentido de que ela serve à concretização de princípios, como o devido processo legal. 

Sendo uma regra, o dispositivo limita a abrangência da atuação do aplicador do Direito, em face do seu alto grau de cogência. 

Como se demonstrou, as regras não admitem ponderação em sua aplicação. Dessa forma, ao aplicador do Direito não cabe questionar as valorações previamente realizadas pelo legislador e admitir provas ilícitas no processo. Seria uma decisão eivada de nítida inconstitucionalidade.

Além de obrigatória, a inadmissibilidade da prova ilícita no processo é também fundamental para a manutenção de elementos basilares do Estado Democrático de Direito brasileiro. Toda a ordem jurídica brasileira está baseada em um indispo- nível respeito aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Se a licitude  

da prova é requisito que limita a atividade jurisdicional do Estado, não pode ela ser descartada sob o argumento de que ao Estado cabe o descobrimento da verdade a qualquer custo. Isso representaria um retorno a um modelo processual de exce- ção, no qual não há limite ao exercício da jurisdição.

 Certamente, tal retorno iria de encontro ao interesse público, que preza pelo cumprimento do ordenamento jurídico vigente.

Por conta dessa estreita relação entre a proibição da prova ilícita e o regime democrático brasileiro, não há de se questionar o caráter de interesse difuso do inciso LVI do artigo 5º da Constituição Federal. Indubitavelmente, é interesse indivisível, transindividual, que o regime democrático e todos os seus corolários, como a garantia do devido processo legal, sejam respeitados. Em caso de condu- tas que violem tal interesse difuso, como a aceitação de uma prova ilícita, resta legítima a intervenção do Ministério Público na relação processual.

Caberá ao Ministério Público, portanto, solicitar o desentranhamento da prova obtida ilicitamente. 

O Parquet poderá emitir parecer explanando a ilegalidade da decisão que admita uma prova ilícita no processo e a prejudicialidade de tal veredicto para a ordem jurídica brasileira.

Reconhece-se, entretanto, a dificuldade prática para a proteção do referido interesse difuso em cada relação processual. 

O Ministério Público, então, deve agir ex officio sempre em casos que, pela própria natureza da causa, envolvam al- gum interesse público e o Parquet não figure no polo ativo da relação processual. 

É mais uma forma de concretização da atribuição conferida ao Ministério Público pelo art. 82, inciso III, parte final, do Código de Processo Civil de 1973 (BRASIL, 2013, p. 375), reproduzida pelo Novo Código de Processo Civil em seu artigo 178, inciso I (BRASIL, 2015). 

Quanto às causas que possuam caráter eminentemente privatista, ao Parquet cabe nelas intervir sempre que provocado por uma das partes, havendo a efetivação de sua competência, outorgada tanto pela ordem constitucional quanto pela legislação processual, com a insurgência do Ministério Público contra a admissão da prova ilícita.

Tem-se, então, que, com a devida tutela do interesse difuso da inadmissibilidade da prova ilícita, a regra contida no inciso LVI do artigo 5º da Constituição Federal poderá concretizar diversos outros princípios orientadores do sistema jurídico brasi- leiro, como o devido processo legal e a dignidade da pessoa humana. Dessa forma, fortalecidas estarão as bases do Estado Democrático de Direito no Brasil.



Admissibility of Evidence Illicit: Repositioning as Robert Alexy

Abstract: This study demonstrates the close relations between the due process of law, the democratic foundations, the rule of law and the prohibition of illegal evidence in the process. It is argued that the  

admission of illegal evidence violates not only a private right the opposite of that which joined the race, but violates a diffuse interest, leaving the prosecutor intervene in the process if the illegal evidence is admitted. We used the deductive method.

Keywords: Illegal evidence. Public Prosecutor’s Office. Diffuse Interests.

Summary: 1 Introduction – 2 Of the unlawful evidence – 3 A brief analysis of Robert Alexy’s German theory of rules and principles – 4 The obligation and importance of the inadmissibility of unlawful evidence – 5 Proof of evidence as a diffuse interest – 6 The intervention of the Public Ministry for the protection of the legal order and the democratic regime in the light of Brazilian dogmatics: Federal Constitution, Law 5.869/73 and Law 13.105/2015 – 7 The treatment of unlawful evidence in comparative law – 8 Conclusion – References





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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):


CAMPOS, Hélio Silvio Ourém; CUNHA, Lucas Sampaio Muniz da. Inadmissibilidade da prova ilícita: reposicionamento conforme Robert Alexy. Direitos Fundamentais & Justiça, Belo Horizonte, ano 11, n. 36, p. 203-219, jan./jun. 2017.


Recebido em: 06.03.2017

Pareceres: 03.04.2017 e 17.04.2017

Aprovado em: 03.05.2017


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