MODELO DE PETIÇÃO INICIAL DE AÇÃO CIVIL PUBLICA EM DEFESA MEIO AMBIENTE
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 8ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO MARANHÃO
Ref.: Inquérito Civil nº 1.19.000.001058/2019-61
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do Procurador da República signatário, com supedâneo nos arts. 129, III, e 225, da Constituição da República, no art. 5º, caput, da Lei n.º 7.347/85 e no art. 6º, VII, “a” e “b” da Lei Complementar n.º 75/93, vem propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de antecipação de tutela, em face de (...)
pelos fundamentos fáticos e jurídicos adiante expostos.
A presente ação civil pública destina-se à tutela do ambiente na zona rural de São Luís/MA, em razão dos danos ecológicos e socioambientais decorrentes da implantação de conjunto residencial (residencial Mato Grosso) no âmbito do programa “Minha Casa, Minha Vida” pelos requeridos, cujas obras atingiram manguezal e áreas de preservação permanente, além de causar severos processos erosivos.
Desse modo, almeja-se, inclusive em sede de antecipação de tutela, a adequada e efetiva tutela ambiental, na imposição de obrigação de fazer aos requeridos, consistente em
(1) liminarmente implantação de medidas hábeis a impedir a continuidade das lesões (processos erosivos e aterramento de área de preservação permanente);
(2) reparação in natura de todos os danos ambientais causados pela implantação do residencial Mato Grosso, em especial quanto ao material que aterrou área de preservação permanente e à erosão verificada; e
(3) à indenização pelos danos causados, sem prejuízo da recomposição específica.
Foi recebida nesta Procuradoria da República no Maranhão representação1 a noticiar danos ao ecossistema na localidade “Mato Grosso”, na zona rural do município de São Luís, em função da construção de empreendimento imobiliário composto por 3.000 (três mil) casas pertencentes ao “Conjunto Habitacional Mato
1 Ref. Notícia de Fato nº 1.19.000.001058/2019-61, oferecida no dia 06 de abril de 2019.
Conjunto Habitacional Mato Grosso no
âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, nas proximidades dos bairros de Santa Bárbara e do Tajipuru2, de responsabilidade das várias requeridas:
Empresas responsáveis
Residencial Mato Grosso – Etapa 1 (1350 unidades habitacionais)
LN Incorporações Imobiliárias LTDA.
Residencial Mato Grosso II – Etapa 2 (1350 unidades habitacionais);
LN Incorporações Imobiliárias LTDA;
K2
Incorporações e Construções LTDA; e GDR Construções LTDA.
Residencial Mato Grosso III – Etapa 3 (300 unidades habitacionais).
LN Incorporações Imobiliárias LTDA; K2
Incorporações e Construções LTDA; e GDR Construções LTDA.
Levada a efeito a apuração do caso, mediante a obtenção de seguidas informações dos órgãos competentes, observou-se nos relatórios de fiscalização dados circunstanciados sobre a situação, pelos quais se concluiu que 1) a obra foi licenciada ambientalmente; 2) ela não se situa em área de preservação permanente, que se encontram porém nas proximidades das construções; 3) a realização dos serviços civis de construção ocasionou fortes processos erosivos, nos arredores imediatos; 4) esse processo erosivo, além de danoso em si, acarretou ainda o aterro de áreas de preservação permanente, inclusive manguezal próximo, pelo carreamento de materiais.
De fato, foi possível verificar que, no âmbito do programa habitacional Minha Casa Minha Vida, desenvolvido pela União e operacionalizado pela Caixa Econômica Federal, foram as construtoras requeridas contratadas para a implantação de um grande residencial, na zona rural de São Luís, a qual foi desafetada da zona rural e transformada em zona de interesse social, com a específica finalidade de realizar a criação do habitacional, um verdadeiro bairro, com três mil unidades de moradia, com a finalidade de enfrentar o grave problema da moradia em São Luís.
Porém, à medida que as obras foram executadas, de forma concertada entre a Caixa Econômica Federal e as construtoras requeridas, a considerar
2 O Residencial Multifamiliar Mato Grosso localiza-se na Rua Projetada, S/N, Sítio Mato Grosso, Distrito de Guarapiranga, porção sudeste da Ilha de São Luís.
Nas diversas fases do empreendimento, foram se verificando intercorrências lesivas ao ambiente, fruto de processos erosivos diretamente causados pelas obras.
Esses processos erosivos representaram o carreamento de materiais, especialmente argila e barro, para as áreas próximas mais baixas e úmidas, onde situadas áreas de preservação permanente, como o manguezal e as margens de pequenos igarapés e rios da região.
Com o tempo, o dano consumou-se e causou prejuízos não apenas aos processos ecológicos que ali se desenvolviam, como às pessoas que, vizinhas ao empreendimento, serviam-se dos serviços ecossistêmicos, conforme a prova convergente produzida, mediante laudos técnicos elaborados por órgãos públicos, como se passa a relatar.
Em conclusão, pode-se verificar que as obras causaram consideravam degradação ambiental, a exigir reparação quanto aos seus efeitos ao ecossistema e à população que se valia dos serviços ambientais relacionados.
Dos danos ao ecossistema e sua prova
A Superintendência de Patrimônio da União no Maranhão, ainda no ano de 2019, registrou que o mangue afetado se localiza no entorno do empreendimento (e não na área da construção em si) e fora afetado pela erosão do solo na região, a acarretar o assoreamento de grande espaço, nocivo à vegetação, conforme destacado no trecho a seguir, do relatório de vistoria:
(i) Na área das edificações não existia manguezal, conforme demonstrado por imagens retiradas do Google Earth, comparando o antes e depois das construções (imagens 01 a 03), não existia mangues dentro do polígono do conjunto habitacional do Mato Grosso II.
(ii) O mangue afetado encontra-se no seu entorno, sofrendo com o despejo de águas pluviais em decorrência dos arruamentos que foram feitos todos no mesmo sentido do manguezal (imagem 04);
(iii) Com as fortes chuvas do período, houve a erosão de algumas ruas que percorrem o entorno do manguezal, com assoreamento de grande área de mangues, o que poderá responsabilizar a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL pelo suposto crime ambiental e reparação dos danos causados pela obra (Relatório de vistoria nº 1/2019 (doc 23.1); fl. 01; grifamos)
A erosão do solo, no entorno do residencial, com considerável intensidade e a prejudicar o mangue, pelo carreamento de material que origina, pode ser compreendida na sua dinâmica pelas fotografias anexadas ao relatório:
Fotos da Vistoria da SPU
Igualmente, a SEMMAM apresentou o seu parecer técnico, a partir de Residencial Mato Grosso3, com conclusões convergentes, quanto à condição ambiental da região de manguezal no entorno e as causas do problema. Informou o órgão municipal que o empreendimento foi construído em uma Zona de Interesse Social, limitando-se com uma Zona Rural e uma Zona de Proteção Ambiental 2 (no caso, o ecossistema de manguezal)4. O órgão ambiental constatou que a construção das unidades habitacionais foi feita por etapas, mas todas elas já estavam em fase de conclusão, inclusive com algumas das vias asfaltadas.
Quanto ao sistema de drenagem, em uma parcela das vias alguns componentes da rede estavam instalados. Contudo, verificou-se que, em grande parte do terreno, havia várias tubulações de concreto espalhadas e acumuladas sem a devida instalação. Tal situação resultou no processo de erosão do solo, formando ravinas (barrancos) nos taludes, levando ao seu desmoronamento e comprometendo o asfalto.
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3 No dia 02 de dezembro de 2019;
4 Classificação feita segundo a Lei nº 3.253/1992, que dispõe sobre a instituição do plano diretor do município de São Luís;
Ante a ausência do sistema de drenagem (imprescindível para reter, tratar e transpor águas pluviais), o escoamento da água pelo terreno não é feito da maneira adequada, tornando a região propícia ao surgimento de diversos problemas, como enchentes, deslizamentos, erosão, formação de ravinas e outros (principalmente nos períodos chuvosos), conforme demonstrado pela imagem acima.
As áreas que foram impactadas pela implantação do Residencial Mato Grosso estão localizadas a nordeste, sudeste e sudoeste da área de construção do empreendimento. As áreas impactadas negativamente foram denominadas no relatório como Áreas A, B, C e D; Na área “A” identifica-se o ecossistema de manguezal, sendo este uma Zona de Proteção Ambiental (ZPA 2); Nas demais, verifica-se que são zonas rurais (ZN).
Apurou-se que, entre os anos de 2014 (ano do início da construção do residencial) e 2019, houve considerada supressão da vegetação presente nas
bordas do terreno onde foi construído o residencial (espécies arbóreas de pequeno, médio e grande porte), bem como a compactação do solo, conforme demonstrado pela comparação de fotografias da região (imagens nº 10, 11, 12 e 13 anexas ao relatório).
Portanto, a capacidade natural de infiltração da água da chuva foi reduzida, a aumentar o volume do escoamento superficial pelos talvegues das sub- bacias. Pelo fato de existir uma declividade natural do terreno, os sedimentos oriundos da terraplenagem e das escavações da construção (material argiloso) que foram depositados no talude nas Áreas A, B e C, foram carreados para os locais com menor altitude do terreno.
Assim, durante os períodos chuvosos, os referidos resíduos são levados diretamente para dentro do rio, tendo em vista que também não houve a instalação do sistema de drenagem para o devido escoamento das águas. Por onde o material argiloso percorre, deixa uma coloração esbranquiçada, soterrando e matando a vegetação ao redor (inclusive do mangue), conforme demonstrado abaixo:
fotografia
O órgão municipal constatou que, devido à construção, as áreas que se encontram nos limites do terreno foram afetadas por assoreamento com material argiloso, inclusive a região do manguezal (Área A), considerada de preservação permanente.
Nesse sentido:
O manguezal é responsável por diversas funções e serviços, tais como: fonte de matéria orgânica particulada e dissolvida para as águas costeiras adjacentes, constituindo a base da cadeia trófica com espécies de importância econômica e/ou ecológica; área de abrigo, reprodução, desenvolvimento e alimentação de espécies marinhas, estaurinas, límnicas e terrestres; filtro de poluentes e sedimentos, entre outras funções.
Para que o mangue possa cumprir as funções acima descritas e manter a diversidade de elementos abióticos e bióticos, o que proporciona a ocorrência de importantes áreas de interesse ecológico, é necessário que o ecossistema esteja devidamente preservado (Parecer técnico (doc 28.1); fl. 17; grifamos)
Como conclusão, pontuaram que os impactos ambientais negativos são diversos: a morte de espécies arbóreas, entre elas árvores protegidas por legislação estadual, tais como a Palmeira de Babaçu (Attalea speciosa) e a Palmeira de Buriti (Mauritia vinífera); o aterramento de manguezal, provocando a morte de espécies vegetais típicas desse ecossistema, alteração do padrão de circulação das águas, interferência na reciclagem dos nutrientes e na troca de gases, influência no ciclo de vida de inúmeros organismos, entre outros.
Além disso, a SEMMAM informou que os representantes das construtoras já haviam sido autuados e notificados a apresentarem PRAD, que foi aprovado com ressalvas; foram notificados a adotarem providências para evitar maiores danos em outras áreas também próximas. Constatou-se o descumprimento de condicionantes das Licenças, especialmente as voltadas ao carreamento de materiais e à não intervenção em área de preservação permanente. Trata-se, pois, de obra em manifesta situação de irregularidade, seja em virtude dos danos causados, seja em razão do descumprimento dos termos do ato administrativo que condicionou as atividades empresariais.
Na mesma linha, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Naturais (SEMA), igualmente instada a vistoriar a área a fim de verificar os danos ambientais ocasionados pela construção do Residencial Mato Grosso, encaminhou como resposta o relatório de fiscalização, bem como Manifestação Técnica n° 148/2019, elaborada por meio de sua Superintendência de Licenças Ambientais.
Informou que não expediu licenças ambientais em favor do empreendimento em questão. Ademais, é possível extrair do relatório que:
(I) A equipe técnica, no dia 13 de agosto de 2019, não constatou lançamento de esgoto, uma vez que as casas encontram-se desocupadas; Contudo, qualquer lançamento de esgoto deve ser previamente tratado em unidades de tratamento de esgoto, e tal condição não foi constatada na área do empreendimento;
(II) Em razão de dificuldades logísticas, não foi possível precisar a extensão dos danos. Todavia, registros fotográficos anexados no relatório comprovam o acúmulo de sedimentos (foto 2) em áreas próximas ao mangue, oriundas do processo erosivo (que criou grandes buracos no solo) das áreas baixas do terreno.
Portanto, ainda que não tenha sido viável a realização de uma vistoria mais precisa pela SEMA (algumas áreas estavam alagadas), também restou evidenciada a deposição dos sedimentos em áreas contíguas ao mangue, fator responsável por grande degradação ambiental na região.
Dos impactos socioeconômicos negativos
A atuação das empresas requeridas, ao causarem o aterramento de áreas de mangue, bem como corpos hídricos locais, resultou em ação danosa, considerados os seus efeitos ecológicos e nocivos, já destacados, bem assim resultou em limitação à fruição dos recursos ambientais por moradores da região.
Conforme Informação Técnica elaborado pela analista pericial do MPF, na área de antropologia, a ação danosa resultou em prejuízos à atividade dos moradores da região (não moradores do residencial recém-construído) pois foram eles prejudicados diretamente, em virtude das alterações verificadas nos rios da região e no mangue próximo.
Na região próxima, existem moradores que, com baixa renda econômica, desenvolvem diversas atividades extrativas, dependentes diretamente da manutenção da qualidade dos recursos ambientais. Essa exploração depende daquilo que mangue e a terra oferecem, a depender das circunstâncias oferecidas pela natureza (quantidade de peixes, camarões, juçara, buriti e áreas disponíveis para plantio de roças, não estejam cercadas), sendo responsável pelo sustento de famílias residentes no bairro Mato Grosso e entorno5.
A realização das atividades do empreendimento, com o carreamento indevido de materiais, prejudicou o sustento de famílias da região, à medida que ocasionou 1) a redução de palmeiras de buriti e outras espécies utilizadas para a coleta vegetal; 2) ocasionou o aterramento de margens de rios, que eram utilizados para
5 Os informantes ouvidos para a elaboração da Informação Técnica relataram que a maioria dos moradores dominam os ofícios da pesca de peixes e camarão, da extração de caranguejo, juçara e buriti, do cultivo de roças (mandioca, feijão, hortaliças e outros), além da produção de farinha de mandioca. Aquilo que excede a alimentação diária das famílias (composta basicamente por farinha conjuntamente com o que conseguem pescar: caranguejo, peixe ou camarão) é vendido em feiras livres, para complementação da renda. As atividades no mar e no mangue são realizadas todos os dias, de manhã, à tarde ou à noite, a depender da maré, e há 4 portos utilizados pela comunidade: Caracueira, Cambuim, Panacuí e Serraria; contudo, estes possuem uma estrutura deficitária, sem energia elétrica.
a coleta de caranguejos e pesca em geral, de forma a ocasionar, para os vizinhos, efeitos práticos que, além de prejudicaram o aspecto cênico da vegetação da região e dos recursos ecológicos, afetaram o sustento de famílias carentes, vizinhas às obras ou que, de alguma forma, utilizavam do ambiente para a extração.
Desse modo, as famílias utilizam essas terras para plantio e, cumulativamente, vivem dos recursos do mangue e das margens do rio: pesca e extração de juçara e buriti há vários anos (a grande maioria dos moradores da região não possui terras para plantar ou embarcação para a pesca). Mas, as atividades foram prejudicadas pela realização do residencial pelas construtoras, executado sem os cuidados devidos com a sua qualidade, funcionalidade e, sobretudo, atenção ao ambiente atingido.
Da violação das condicionantes para a realização das obras
A ação das empresas requeridas representou ainda violação dos termos que, constantes nas licenças ambientais, condicionavam a licitude da realização dos trabalhos. No lugar da escorreita execução, verificou-se atuação causadora de danos com prejuízos aos atributos da região e aos moradores vizinhos, a implicar a necessidade de suspensão das licenças, mormente em razão da falta de cumprimento dos seus termos, mesmo após a advertência do órgão ambiental, conforme o art. 19 da resolução CONAMA 237/1997:
Art. 19 - O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar os condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer:
I - Violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais.
No caso, conforme se vê, a violação foi de considerável ordem e prejudicou seriamente o ambiente local, com o descumprimento das condições impostas no licenciamento ambiental.
O primeiro aspecto foi a vulneração de áreas de preservação permanente, indevidamente atingidas, eis que não acobertadas pelas licenças ambientais expedidas. Era inexistente autorização para a supressão da vegetação protegida, porém diretamente afetada, a despeito inclusive de prévia notificação pelo órgão ambiental. Sequer havia tal previsão, pois construído em terra firme, o dano ao mangue foi decorrência de falha na execução das obras.
Consoante o Relatório apresentado pela SEMMAM (documento 28.1), destaca-se que, em relação ao carreamento de argila para a região do mangue (denominada como área “A” no relatório), os requeridos foram autuados pelo órgão ambiental em 2018, após a constatação das irregularidades no empreendimento, danosas ao meio ambiente.
Foi lavrado o auto de infração (nº 2424/2018) por “causar danos a APP (47.918 m² de mangue)”, com base no art. 43 do decreto federal 6.514/08, resultando em uma multa de R$ 126.100,00 (cento e vinte e seis mil e cem reais). Igualmente, foram autuados pelo “corte de árvores (babaçu)”, com base no art. 3ª, II da Lei Estadual nº 7.824/03 (auto de infração nº 2423/2018), aplicando-se uma multa equivalente a R$ 47.700,00 (quarenta e sete mil e setecentos reais).
Dessa forma, solicitou a SEMMAN que elaborassem um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD), que foi aprovado em 2019, com ressalvas. Na ocasião, também foram avaliadas pelo órgão ambiental outras áreas contíguas ao terreno (áreas “B” e “C”), e fora pontuado que:
[...] caso as obras para a implantação da rede de drenagem não sejam finalizadas, as ravinas formadas nos taludes possivelmente evoluirão provocando seu desmoronamento, conforme já ocorreu em alguns trechos.
Também se observou que o excesso de sedimentos ainda acondicionados nos taludes, caso não sejam retirados, com o advento da chuva poderão atingir outras áreas de vegetação, e o carreamento desse material poderá comprometer o estuário do rio Tajipuru”. (Parecer Técnico (doc 28.1); fl. 21; grifamos)
À vista disso, a SEMMAN indicou necessidade de nova autuação pelos danos supervenientes (causados nas áreas “B” e “C”), e a notificação deles em caráter de urgência, para que adotassem as seguintes medidas:
(i) a retirada dos sedimentos colocados na encosta do talude antes do período chuvoso de 2020;
(ii) o plantio de espécies vegetais compatíveis com o ecossistema local;
(iii) a apresentação de projeto para a contenção do talude (na região nordeste e sudoeste do empreendimento -- Áreas A, B e C); e
(iv) a conclusão das obras para a implantação da rede de drenagem.
Noutro giro, ao avaliar os processos de Licenças da Instalação (RLI)6 do Residencial Mato Grosso, a SEMMAM constatou que algumas condicionantes das licenças não foram cumpridas pelas construtoras:
Considerando-se que o local onde se pretende instalar o empreendimento apresenta proximidade a Área de Preservação Permanente de manguezal, à Bacia Hidrográfica do Tibiri e do Rio Tajipuru, durante a construção do Residencial Mato Grosso deverá ser respeitada a faixa de 30m de distância dos cursos hídricos.
Ainda deverão ser colocadas barreiras de contenção para que a terra movimentada e/ou resíduos sólidos da instalação do empreendimento não sejam carreados para a Área de Preservação Permanente.
No processo de instalação do empreendimento deverá ser realizada a triagem e o correto acondicionamento de todos os resíduos da construção civil gerados, os quais deverão ser transportados até o destino final [...]. (Parecer Técnico (doc 28.1); fls. 21/22; grifo nosso).
Portanto, a partir dos laudos técnicos apresentados pelos órgãos ambientais, verifica-se que não foram colocadas as barreiras para conter os referidos resíduos, o que, somado ao fato de também não haver a implementação de um sistema de drenagem, agravou a questão do carreamento dos sedimentos, que não passaram pelo devido processo de triagem. Mas, os sedimentos acumulados (material argiloso) oriundos da construção dispersaram-se por várias áreas limítrofes ao terreno de forma desordenada, sendo carreados para as áreas ao seu entorno nos períodos chuvosos, principalmente para o mangue.
6 Licenças nº 008/2015 e nº 050/2015 - SEMMAN
Os requeridos não cumpriram as condicionantes das licenças que lhes foram concedidas, sendo os responsáveis pelos danos ambientais ocasionadas pela implantação incorreta da obra. Foram verificados diversos impactos ambientais negativos e evitáveis, sobretudo no ecossistema de manguezal e da vegetação localizada em seu entorno.
Da responsabilidade dos requeridos
As empresas privadas ora requeridas atuaram como agentes diretos causadores dos danos ambientais evidenciados na apuração.
Nesse sentido, de acordo com os documentos colacionados aos autos, são responsáveis pelos empreendimentos: 1) LN Incorporações Imobiliárias Ltda.(1ª, 2ª e 3ª etapas do Residencial Mato Grosso); 2) K2 Incorporações e Construções Ltda. (2ª e 3ª etapas do Residencial Mato Grosso); 3) GDR Construções Ltda. (2ª e 3ª etapas do Residencial Mato Grosso);
A Caixa Econômica Federal é a entidade responsável pela gestão do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), que financia diretamente os recursos dirigidos às construções no âmbito do PMCMV, nos termos dos artigos 2º, § 8º e 4º, inciso IV, da Lei nº 10.188, de 12 de fevereiro de 2001. Tais recursos visam financiar os empréstimos habitacionais feitos às famílias que se enquadram no programa. Também é a responsável pelo repasse dos recursos às empresas requeridas.
Logo, participa do referido programa, na qualidade de agente executor da política pública federal de promoção à moradia, tendo inclusive atribuição para fiscalização dos projetos por meio de vistoria das obras, contando com uma equipe própria de engenheiros para esta finalidade. Caracterizada, pois, também a sua responsabilidade, ainda que indireta pelos danos ambientais causados em decorrência das obras de implantação dos empreendimentos.
Desse modo, os demandados são responsáveis pelos danos advindos com a implantação dos empreendimentos residenciais já especificados e, por
conseguinte, devem ser responsabilizados de forma solidária por todos os danos constatados, razão pela qual necessária se faz a intervenção do Poder Judiciário com o fito de impor-lhes a cessação dos ilícitos evidenciados e a reparação do meio ambiente.
Da competência da Justiça Federal e da legitimidade ativa do MPF
Deve-se assinalar que a competência da Justiça Federal decorre não apenas da presença da Caixa Econômica Federal no polo passivo, mas também da
1) legitimidade reconhecida ao Ministério Público Federal para apurar os danos decorrentes da implantação dos programas habitacionais desenvolvidos no âmbito do programa federal conhecido como “Minha Casa, Minha Vida”; 2) de parcela das áreas afetadas situarem-se na zona costeira, em região onde presente manguezal, ecossistema que ocorre em terrenos de marinha, conforme registrado pela Superintendência de Patrimônio da União no Maranhão, em relatório de vistoria.
Quanto ao primeiro ponto, a legitimação do MPF decorre da circunstância de que a União é responsável pelo programa, o qual é apenas operacionalizado pela Caixa Econômica Federal, a quem cabe a contratação das empresas que, de modo executivo, implementarão as obras. A Caixa atua como verdadeiro executor de políticas públicas federais de promoção à moradia. Logo, ela é empreendedora, em nome da União, razão pela qual a sua responsabilidade pelos danos é solidária.
No caso, a atuação da CAIXA deu-se pela omissão de fiscalização nas obras do residencial.
A legitimidade do MPF para o caso foi afirmada pelo STF em diversos conflitos de atribuições com os Ministérios Públicos Estaduais, julgados no âmbito da Corte Constitucional, como se observa nas ACOs 2166/MT, dentre outros, ao atribuir que a União, ao agir diretamente na implementação do programa, mediante a
delegação das suas atividades à Caixa Econômica Federal, delega a esta a tarefa de ser efetiva realizadora de uma política pública de moradia. De forma exemplificativa, leia-se:
Quanto ao mérito, no caso dos autos, trata-se de programa federal - Programa Minha Casa Minha Vida -, custeado exclusivamente com verbas federais, atuando os entes municipais e estaduais – consoante manifestação da douta Procuradoria-Geral da República – como meros agentes de execução do programa.
Imprescindível, portanto, a presença do Ministério Público Federal na apuração dos fatos supostamente irregulares no presente conflito de atribuições, o que contou inclusive com a aquiescência do Procurador-Geral da República, representante máximo do parquet federal. Até mesmo porque, no caso de eventual ajuizamento de ação, por restar envolvido o interesse da União na correta aplicação dos recursos federais, será competente a Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal.” (ACO 2289, Relator Min. Dias Toffoli)
Desse modo, é competente a Justiça Federal para o processo e julgamento da demanda, em face da previsão do art. 109, I, da CF/1988 e do entendimento reiterado do E. STF acerca do programa “Minha Casa, Minha Vida.”
Em um segundo aspecto, conforme ressaltado a seguir, as intervenções deram-se em prejuízo à zona costeira, considerada constitucionalmente patrimônio nacional, à medida que houve a afetação do ecossistema de manguezal, conforme vistoria da SPU. Ao atingir área ambiental pertinente à União, eis que situado o mangue em terreno de marinha, desponta a pertinência da persecução no âmbito da Justiça Federal, quanto à reparação dos danos causados, conforme conhecido leading case no STJ:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA DE DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS. MEIO AMBIENTE. COMPETÊNCIA. REPARTIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E ESTADUAL. DISTINÇÃO ENTRE COMPETÊNCIA E LEGITIMAÇÃO ATIVA. CRITÉRIOS. [...]
3. Não se confunde competência com legitimidade das partes. A questão competencial é logicamente antecedente e, eventualmente, prejudicial à da legitimidade. Fixada a competência, cumpre ao juiz apreciar a legitimação ativa do Ministério Público Federal para promover a demanda, consideradas as suas características, as suas finalidades e os bens jurídicos envolvidos.
4. À luz do sistema e dos princípios constitucionais, nomeadamente o princípio federativo, é atribuição do Ministério Público da União promover as ações civis públicas de interesse federal e ao Ministério Público Estadual as demais. Considera-se que há interesse federal nas ações civis públicas que (a) envolvam matéria de competência da Justiça Especializada da União (Justiça do Trabalho e Eleitoral); (b) devam ser legitimamente promovidas perante os órgãos Judiciários da União (Tribunais Superiores) e da Justiça
Federal (Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais); (c) sejam da competência federal em razão da matéria, as fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional (CF, art. 109, III) e as que envolvam disputa sobre direitos indígenas (CF, art. 109, XI); (d) sejam da competência federal em razão da pessoa, as que devam ser propostas contra a União, suas entidades autárquicas e empresas públicas federais, ou em que uma dessas entidades figure entre os substituídos processuais no pólo ativo (CF, art. 109, I); e (e) as demais causas que envolvam interesses federais em razão da natureza dos bens e dos valores jurídicos que se visa tutelar.
6. No caso dos autos, a causa é da competência da Justiça Federal, porque nela figura como autor o Ministério Público Federal, órgão da União, que está legitimado a promovê-la, porque visa a tutelar bens e interesses nitidamente federais, e não estaduais, a saber: o meio ambiente em área de manguezal, situada em terrenos de marinha e seus acrescidos, que são bens da União (CF, art. 20, VII), sujeitos ao poder de polícia de autarquia federal, o IBAMA (Leis 6.938/81, art. 18, e 7.735/89, art. 4º ).
7. Recurso especial provido.
(REsp 440.002/SE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/11/2004, DJ 06/12/2004, p. 195)
Logo, as duas circunstâncias são hábeis, cada uma por si só, a ensejar a legitimidade do MPF e a competência da Justiça Federal.
Da proteção às Áreas de Proteção Permanente e a violação aos dispositivos legais sobre meio ambiente.
As condutas danosas relacionam-se à construção de grande conjunto habitacional na localidade de Mato Grosso, na zona rural de São Luís, agora declarada de interesse social, para a construção de conjuntos habitacionais, cujo terreno é ladeado por áreas de preservação permanente, inclusive manguezal, situado na zona costeira, cuja proteção é realização da tarefa constitucional definida no art. 225, §1º, III, da CF/88.
Nesse mesmo sentido, é a disposição do Código Florestal (Lei 12.651/12) que, em seu art. 4º, VII e VI, delimita as regiões dos manguezais (em toda sua extensão) e as restingas (como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues) como áreas de preservação permanente, o que demonstra uma preocupação do legislador em resguardar as funções ecológicas, econômicas e sociais desse ecossistema.
A legislação supracitada também define o conceito de manguezal7. Por sua vez, o inciso II do artigo 3º da Lei 12.651/12, traz em seu bojo a definição das Área de Preservação Permanente:
Art. 3º, II: Área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (grifamos);
O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre a importância ecológica das APPs, com enfoque no ecossistema ora discutido à luz do princípio da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III, CF):
III- Da dimensão ecológica da dignidade humana e importância do ecossistema em litígio (manguezal)
[...] Cumpre destacar, em obiter dictum, a importância do ecossistema desenvolvido nos manguezais. Cuida-se de uma estrutura complexa formada por inúmeras espécies de animais e plantas, sendo responsável pelo próprio equilíbrio ambiental.
Presente nos trópicos e nos subtrópicos, os manguezais englobam espécies arbóreas únicas;
[...] Com efeito, toda ação antrópica na região, afetando a qualidade do solo e ocasionando a acidificação dos mares, implica um passivo ambiental. Ocorre que a vida humana se desenvolve exponencialmente, no entanto, para obtermos um desenvolvimento sustentável, esse crescimento deve observar a dimensão ecológica da dignidade humana,
Igualmente, no que se refere ao aterramento dos mangues para fins imobiliários:
[...] É dever de todos, proprietários ou não, zelar pela preservação dos manguezais, necessidade cada vez maior, sobretudo em época de mudanças climáticas e aumento do nível do mar.
Destruí-los para uso econômico direto, sob o permanente incentivo do lucro fácil e de benefícios de curto prazo; drená-los ou aterrá-los para a especulação imobiliária ou exploração do solo; ou transformá-los em depósito de lixo caracteriza ofensa grave ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao bem-estar da coletividade, comportamento
7.art. 3º, §3º, XIII da Lei 12.651/12: “ecossistema litorâneo que ocorre em terrenos baixos, sujeitos à ação das marés, formado por vasas lodosas recentes ou arenosas, às quais se associa, predominantemente, a vegetação natural conhecida como mangue, com influência fluviomarinha, típica de solos limosos de regiões estuarinas e com dispersão descontínua ao longo da costa brasileira, entre os estados do Amapá e Santa Catarina”.
8 REsp: 1795349, Rel. Min. OG FERNANDES, 2º Turma, julgado em 06/06/2019;
que deve ser pronta e energicamente coibido e apenado pela Administração e pelo Judiciário.9
No presente caso, foram constatadas diversos impactos negativos decorrentes da implantação do empreendimento, cuja responsabilidade pela reparação é pertinente solidariamente aos demandados, nos termos da jurisprudência do STJ:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AO MEIO AMBIENTE. POLUIÇÃO SONORA. FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA.
A ação civil pública por danos ambientais dá ensejo a litisconsórcio facultativo entre os vários degradadores, diretos e indiretos, por se tratar de responsabilidade civil objetiva e solidária, podendo ser proposta contra o poluidor, responsável direta ou indiretamente pela atividade causadora de degradação ambiental e contra os co-obrigados solidariamente à indenização. A ausência de formação do litisconsórcio facultativo não tem a faculdade de acarretar a nulidade do processo.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 224.572/MS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA
TURMA, julgado em 18/06/2013, DJe 11/10/2013)
Ressalta-se que a conduta resultou em degradação ambiental, nos termos da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981):
Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;
II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;
Dentre as circunstâncias legalmente previstas que se reportam à degradação ambiental, pode-se identificar as seguintes (Lei 6.938/1981):
Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
9 REsp 1245149/MS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, 2ª Turma, julgado em 09/10/2012;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;
No caso em tela, a atuação das empresas requeridas afetou a segurança e o bem-estar da população, uma vez que implicou em formação de fortes processos erosivos, com prejuízo à funcionalidade dos equipamentos públicos, construídos em virtude de programa federal, além de ter causado prejuízos ao ambiente da região, mediante o soterramento de áreas de preservação permanente.
A situação também criou condições adversas às atividades econômicas e sociais, pois, conforme a Informação Técnica elaborada pela analista pericial em antropologia do MPF, ocorreu prejuízo à subsistência dos moradores da região, famílias de baixa renda, prejudicadas no exercício da pesca e coleta tradicionais.
Os danos afetaram desfavoravelmente a biota, à medida que prejudicou processos ecológicos essenciais relacionados ao mangue e aos recursos hídricos da região, com prejuízo à integridade dos seres vivos que se reproduzem e tem o seu ciclo de vida nos rios locais.
Houve prejuízo às condições estéticas do ambiente, com a formação de voçorocas abertas pelos processos erosivos, além da supressão da vegetação local de forma indevida (i.e, quanto à parcela afetada pelo desmatamento); por sua vez, ao afetar as obras do sistema de drenagem e saneamento do residencial, os efeitos havidos levantam dúvidas fundadas sobre a funcionalidade dos equipamentos para o esgotamento sanitário.
Por fim, houve o lançamento de material de forma indevida, a resultar em aterramento dos corpos hídricos e suas margens, com prejuízo ao mangue.
Além disso, o ilícito deu-se mediante o abuso de licença ambiental, eis que, conquanto concedidas pela SEMMAN para finalidade lícita, sofreram
na implementação das obras pertinentes a desfiguração das suas condicionantes, a implicar em superveniente ilicitude das ações realizadas.
Ressalta-se que os empreendimentos residenciais foram implantados a partir das licenças permitindo a construção. Contudo, conforme já demonstrado, algumas condicionantes determinantes para a referida concessão não foram cumpridas pelos requerentes. Tal omissão (comprovada pelos diversos registros fotográficos e pelos laudos apresentados) foi um fator determinante para a ocorrência dos diversos danos apontados, inclusive pela ausência da implementação das barreiras de contenção para que a terra movimentada e/ou resíduos sólidos da instalação do empreendimento não fossem carreados para a Área de Preservação Permanente (manguezal), bem como a falta do acondicionamento correto dos resíduos, que deveriam ter passado pela triagem correta e transportados até o destino final.
Nesse diapasão, a concessão de licenças ambientais não autoriza pura e simplesmente a degradação ambiental, tampouco impede a responsabilização pelos danos ambientais eventualmente constatados. O ato administrativo exige o cumprimento de suas condicionantes.
Nesse sentido, a Lei nº 6938/1981, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, define como poluidor “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, IV), bem como degradação da qualidade ambiental, “a alteração adversa das características do meio ambiente” (art. 3º, II).
Por outro lado, a responsabilidade civil objetiva pela causação de danos ambientais foi consagrada no seu art. 14, § 1º, primeira parte, in litteris, “sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.
No que se refere especificamente ao Programa Minha Casa Minha Vida, destaca-se a necessidade também de adequação às normas ambientais pelos projetos. Nesse sentido, dispôs a Lei nº 11.977/2009, em sua redação original:.
Art. 3º Para a definição dos beneficiários do PMCMV, devem ser respeitadas, além das faixas de renda, as políticas estaduais e municipais de atendimento habitacional, priorizando-se, entre os critérios adotados, o tempo de residência ou de trabalho do candidato no Município e a adequação ambiental e urbanística dos projetos apresentados. (grifou-se)
Na atual redação, trazida pela Lei nº 12424/2011, reza que:
Art. 5º-A. Para a implantação de empreendimentos no âmbito do PNHU, deverão ser observados:
I - localização do terreno na malha urbana ou em área de expansão que atenda aos requisitos estabelecidos pelo Poder Executivo federal, observado o respectivo plano diretor, quando existente;
II - adequação ambiental do projeto;
III - infraestrutura básica que inclua vias de acesso, iluminação pública e solução de esgotamento sanitário e de drenagem de águas pluviais e permita ligações domiciliares de abastecimento de água e energia elétrica; e
IV - a existência ou compromisso do poder público local de instalação ou de ampliação dos equipamentos e serviços relacionados a educação, saúde, lazer e transporte público. (grifos nossos)
Observa-se que, além dos preceitos constitucionais ambientais, a própria legislação que rege o Programa de Habitação impõe o dever de observância às regras locais, em especial as legislações ambiental e urbanística. Em outros termos, a própria lei que institui a referida Política Pública de incentivo à moradia pretendeu evitar que os empreendimentos habitacionais pertinentes viessem a produzir danos ambientais e urbanísticos, o que não se verificou no caso em exame, conforme demonstrado.
Além disso, a Lei municipal nº 3.253/92 (dispõe sobre o zoneamento, parcelamento, uso e ocupação do solo urbano de São Luís) classifica a região afetada como uma Zona de Preservação Ambiental 2 (ZPA 2), pontuando, igualmente, a observância da preservação das áreas de mangue:
Art. 81 - As Zonas de Proteção Ambiental 2 situam-se em áreas de terra firme e de proteção às bacias hidrográficas, lagos, lagoas, mangues, igarapés, rios e outras áreas inundáveis por marés, sendo considerada de preservação ambiental todo o interior e uma faixa externa de 50m (cinqüenta metros), a partir de suas margens.
Dessa forma, em que pese a ausência de impedimentos à implantação dos empreendimentos no local (já que a construção em si não se localiza em uma área protegida), verifica-se que as obras de implantação do empreendimento foram efetuadas pelas empresas demandadas ao arrepio das citadas normas de proteção ambiental, tendo em vista que as áreas ao entorno do empreendimento são protegidas e, evidentemente, foram diretamente atingidas pela conduta das construtoras, bem como da CEF, agente financiador dos empreendimentos, que também quedou omissa.
Disso decorreu uma série de danos ambientais, promovendo o desequilíbrio do meio ambiente, afetando a fauna e a flora local, além de prejudicar diversas famílias (de baixa renda) que, a partir de uma relação socioambiental com a região afetada, promovem o seu sustento.
O caso examinado faz premente a adoção de providências de urgência para a reparação da funcionalidade mínima dos espaços que foram degradados – aterrados – pela ação das construtoras, voltados seja a minimizar os efeitos que se verificam quanto às margens dos rios e manguezais aterrados, seja evitar que o processo erosivo tenha continuidade.
Nesse sentido, deve-se verificar que tais medidas foram exigidas desde o ano de 2018, como narrado acima:
• Colocação de barreiras de contenção para que a terra movimentada e/ou resíduos sólidos da instalação do empreendimento não sejam carreados para a Área de Preservação Permanente.
• realização da triagem e o correto acondicionamento de todos os resíduos da construção civil gerados, os quais deveriam ser transportados até o destino final
Mas não foram integralmente implementadas pelas requeridas, razão pela qual os danos se repetiram no período de chuva e assim ocorrerá novamente, se tais providências persistirem sem se realizar.
O risco de dano grave decorre assim da possibilidade de reiteração dos danos, com novos aterramentos de vegetação, caso não implementadas as medidas de contenção da erosão que foram solicitadas pelos órgãos ambientais, cientificadas às empresas, no período de chuvas que se avizinha, além do fechamento dos pontos de voçorocas abertos.
Há o risco efetivo de agravamento da situação, com as grandes chuvas características do clima maranhense, no período de janeiro a julho de 2022, a ensejar novas situações de carreamento de materiais sobre o manguezal ou, quando menos, intensificação dos processos erosivos destacados.
Logo, revela-se a urgência a partir dessa circunstância, amparada a narrativa delas nos documentos (laudos técnicos da União, Estado e Município) acima mencionados, que formam prova verossímil da situação de degradação ambiental, do responsável por ela e do nexo de causalidade existente.
Ademais, fica evidenciado que a anterior notificação administrativa do órgão ambiental municipal foi ineficaz para converter as empresas requeridas ao cumprimento das providências necessárias à estabilização da situação ambiental. Logo, a intervenção judicial é necessária, para colocar fim à omissão das requeridas em face à recalcitrância identificada.
Portanto, faz-se presente o risco de repetição e agravamento dos
danos.
Ressalta-se, ainda, que os fatos acima narrados, a partir da
documentação coletada em Inquérito Civil, é capaz de atestar a pertinência dos argumentos jurídicos que se atribuiu à situação lesiva ao ambiente, com razoável segurança. É necessário ademais que as empresas, ora degradadoras, atestem com
segurança que medidas razoáveis e a sua disposição foram adotadas para a mitigar os prejuízos decorrentes da intervenção procedida, nos termos da jurisprudência do STJ:
Desse modo, mostra-se razoável, proporcional e urgente a imposição liminar de obrigação de fazer às requeridas, para que efetivem as medidas de contenção da erosão e limpeza dos aterramentos realizados, para evitar a consolidação de uma situação de fato lesiva ao ambiente, sem prejuízo da posterior implementação integral de plano de recuperação da área degradada e indenização pelos resultados.
Diante de todo o exposto, o Ministério Público Federal requer o julgamento pela procedência dos seguintes pedidos:
1) LIMINARMENTE, após ser facultada a prévia oitiva da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, no prazo de 72 horas, a imposição de obrigação de fazer às requeridas solidariamente, consistente na adoção as providências indicadas pela SEMMAN, relativas à 1) implantação de barreiras de contenção de materiais/sedimentos, em face dos processos erosivos, que sejam capazes de obstar o acesso às áreas de preservação permanente; 2) proceder à retirada de resíduos de construção, dando-lhes a destinação adequada, a fim de que não sejam lançados em direção às áreas de preservação permanente;
2) LIMINARMENTE, para propiciar a mitigação dos efeitos causados, solicita-se que as empresas requeridas procedam à retirada do material/sedimentos já carreado nas margens dos rios e mangue, sob a supervisão da SEMMAN, tanto quanto seja possível, a permitir a recuperação natural da vegetação;
3) Para o cumprimento da medida, a ser executada no prazo de 30 dias, competirá à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL reunir e coordenar as empresas
requeridas, contratadas para a execução do programa habitacional, a fim de especificar a participação delas, conforme a fase do empreendimento em andamento, supervisionando o andamento dos serviços unicamente quanto aos aspectos operacionais (=execução tempestiva dos trabalhos e natureza das medidas de engenharia realizadas), por meio do seu corpo técnico.
4) AO FINAL, solicita-se a confirmação da tutela antecipada concedida, ou, em caso negativo, o seu deferimento ao final da demanda conjuntamente com os seguintes pleitos (obrigações de fazer):
4.1 Sejam condenadas as empresas requeridas e a Caixa Econômica Federal, solidariamente, em obrigação de fazer, consistente na reparação dos danos ambientais causados. Cada umas das empresas será responsável pelos danos relacionados aos empreendimentos que executaram, cabendo à CAIXA indicar em cada caso a fase do empreendimento que foi pertinente à área afetada ou; na falta de indicação precisa, a obrigação poderá ser solidariamente executada;
4.2 Sejam condenados as empresas requeridas e Caixa Econômica Federal, solidariamente, em obrigação de fazer, consistente na realização de todas as obras e medidas necessárias para, além da recomposição dos danos ambientais, impedir a continuidade das lesões, em especial, mas sem prejuízos de outras, garantir solução para os processos erosivos, eficaz contenção no carreamento de sedimentos, esgotamento sanitário e drenagem de águas pluviais;
4.3 Impor às empresas requeridas obrigação de fazer, para apresentar e implementar plano de reposição florestal, a ser definido conjuntamente com a SEMA e SEMMAN, a beneficiar diretamente o local atingido, vedada a substituição da medida por compensações financeiras ou materiais;
5. A condenação das construtoras requeridas ao pagamento de indenização correspondente aos danos causados, subsidiariamente a ser suportada pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, sem prejuízo do dever de reparação específica, a incluir os lucros cessantes em matéria ambiental, bem assim os danos à comunidade afdanos
pelas obras, inclusive os morais, de natureza difusa, tudo a ser apurado em liquidação ou em perícia judicial, no curso da instrução.
Requer-se, ainda, a fixação de multa diária, em caso de descumprimento das obrigações de fazer ou não fazer postuladas, no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), sem prejuízo da adoção de providências práticas equivalentes às obrigações postuladas, especialmente a interdição de estabelecimentos, o desfazimento das construções ou a busca e apreensão.
Por fim, requer-se de V. Exª. a citação dos requeridos, já devidamente qualificados, para, querendo, contestarem a presente Ação Civil Pública.
Acompanha a inicial os documentos anexos que representam provas suficientes das alegações aqui apresentadas, inclusive com laudos técnicos hábeis a demonstrar a situação ora apontada como ilegal, produzidas as provas em procedimento preparatório conduzido pelo MPF.
Em sendo assim, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer a inversão do ônus da prova, com fundamento no art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90 c/c art. 21 da Lei nº 7.347/85, transferindo-se ao requerido o ônus de demonstrar a regularidade da sua atuação.
Caso o requerimento acima não seja aceito, postula-se desde já a produção de todas as provas admitidas em direito, especialmente a oitiva de testemunhas (técnicos dos órgãos ambientais que acompanharam a situação, através das fiscalizações), realização de perícia ou inspeção judicial, a apresentação de novos documentos, tudo a ser especificado no momento oportuno, após o destaque dos pontos controvertidos.
Por fim, solicita-se que eventual audiência de conciliação seja postergada para momento posterior ao da citação dos requeridos, 1) em razão da urgência efetiva na apreciação e cumprimento das medidas solicitadas em sede de
antecipação de tutela; 2) em virtude da complexidade da demanda, a fim de viabilizar a melhor compreensão dos pontos controvertidos a serem objeto de tratativas conciliatórias.
Atribui-se à causa o valor de R$ 1.000.000,00 (Um milhão de reais).
São Luís (MA), data da assinatura eletrônica
ALEXANDRE SILVA SOARES
Procurador da República
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