MP SP FORTE NA DEFESA DO
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
NO DIA 10 DE MARÇO DE 2014 FOI INSTAURADA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
CONTRA FECHAMENTO DE VIAS PUBLICAS
SUBSCRITA PELO PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
LEIA, ABAIXO, A INTEGRA DA PETIÇÃO INICIAL DA
ADI 2036925-73.2014.8.26.0000
Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 76.003/13
Ementa:
Constitucional.
Administrativo. Urbanístico. Lei n. 15.002, de 22 de outubro de 2019, e Decreto
n. 51.541, de 09 de junho de 2010, do
Município de São Paulo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Fechamento ao
tráfego de veículos estranhos aos moradores de vilas, ruas sem saída e ruas e
travessas com características de “ruas sem saída” de pequena circulação em
áreas residenciais. Limitação do tráfego a moradores e visitantes. Bem público
de uso comum do povo. Acesso. Violação à liberdade de circulação. Iniciativa
Parlamentar. Invasão da reserva da Administração. Inobservância de participação
comunitária no processo legislativo. Invasão da esfera normativa alheia sobre
direito civil e direito urbanístico. Desvinculação do Plano Diretor.
Inobservância das normas urbanísticas. Ausência de razoabilidade e interesse
público.
1. O fechamento de vias públicas e a restrição de
circulação nesses espaços é norma urbanística e como tal a aprovação de lei que
discipline tais matérias depende da participação comunitária em seu respectivo
processo legislativo (art. 180, II, CE/89).
2. É restrição incompatível com as funções essenciais da cidade a limitação
à liberdade de circulação e de acesso e usufruto dos bens públicos de uso comum
do povo (art. 180, I, CE/89).
3.
Legislação a que falta interesse público e razoabilidade (art. 111, CE/89):
aquele significa a garantia do livre acesso e do irrestrito gozo dos bens
públicos de uso comum do povo, não se coadunando com a restrição em prol de
moradores e visitantes das vias públicas previstas na lei, discriminação
incompatível com o princípio da igualdade, sem possuir racionalidade, justiça,
bom senso ou amparo em elemento diferencial justificável.
4. Incompatibilidade da lei local com a repartição constitucional
de competências normativas, a que remete o art. 144, CE/89, pela invasão da
competência alheia para legislar sobre direito civil e direito urbanístico, não havendo espaço para invocação de interesse local por não
haver sua predominância nem para suplementação normativa que contraria regras
federais.
5. Violação ao art. 144,
CE/89, também patenteada pela restrição à liberdade de circulação, princípio
estabelecido como direito fundamental.
6.
Lei de iniciativa parlamentar que caracteriza violação ao princípio da
separação de poderes por invasão da esfera da reserva da Administração (art. 5º
e 47, II e XIV, Constituição do Estado).
7.
A adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor configura indevido
fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e pontuais, desvinculadas
do planejamento urbano integral, vulnerando sua compatibilidade com o plano
diretor e sua integralidade, e sua conformidade com as normas urbanísticas
(arts. 180, V e 181, § 1º, CE/89).
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo),
em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face da Lei n. 15.002, de 22 de outubro de 2009, e do Decreto n. 51.541, de 09 de junho de 2010, do Município de São Paulo, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – Os Atos Normativos Impugnados
1. O
Município de São Paulo editou a Lei n. 15.002, de 22 de outubro de 2009, de
iniciativa parlamentar, sistematizando a legislação municipal que dispõe sobre
o fechamento ao tráfego de veículos estranhos aos moradores de vilas, ruas sem
saída e ruas e travessas com características de “ruas sem saída” de pequena
circulação em áreas residenciais, cujo teor é o seguinte:
“Art. 1º - Fica
autorizado o fechamento ao tráfego de veículos estranhos aos moradores de
vilas, ruas sem saída e ruas e travessas com características de ‘ruas sem
saída’ de pequena circulação de veículos em áreas residenciais, ficando
limitado o tráfego local de veículos apenas a seus moradores e visitantes.
Art. 2º - Para
os fins desta lei, considera-se:
I - vila:
conjunto de lotes destinados exclusivamente à habitação, cujo acesso se dá por
meio de uma única via de circulação de veículos, a qual deve articular-se em
único ponto com uma única via oficial de circulação existente;
II - rua sem
saída: rua oficial que se articula, em uma de suas extremidades, com via
oficial e cujo traçado original não tem continuidade com a malha viária na sua
outra extremidade;
III - ruas e travessas
com características de ‘ruas sem saída’: ruas e travessas oficiais que são vias
locais com importância exclusiva para o trânsito de veículos de acesso às
moradias nelas inseridas.
Art. 3º - As
vilas e ruas sem saída, bem como as ruas e travessas com características de ‘ruas
sem saída’, que são passíveis de fechamento, deverão necessariamente:
I - ter apenas
usos residenciais;
II - não
apresentar mais de 10,00 (dez) metros de largura de leito carroçável;
III - servir de
passagem exclusivamente para as casas nelas existentes, vedado o fechamento
quando servir de passagem única a outros locais, especialmente a áreas verdes
de uso público, a áreas institucionais ou a equipamentos públicos.
Art. 4º - O
fechamento poderá ser realizado por intermédio de portão, cancela, correntes ou
similares, no espaço correspondente ao leito carroçável, devendo ficar aberto,
sem qualquer obstáculo, o espaço destinado às calçadas, permitindo-se o livre
acesso de pedestres.
§ 1º - Quando
não for possível identificar o espaço destinado às calçadas, deverá ser deixado
aberto espaço com largura mínima de 1,00 (um) metro para o livre acesso de
pedestres.
§ 2º - Não serão
permitidos fechos que impeçam o eventual acesso de caminhões.
§ 3º - O
fechamento deverá respeitar a linha que define o prolongamento do alinhamento
da via pública com a qual o acesso à vila, rua sem saída, e ruas e travessas
com características de ‘ruas sem saída’ se articular.
§ 4º - A
abertura dos portões deverá se dar para o interior da vila, rua sem saída e
ruas e travessas com características de ‘ruas sem saída’.
Art. 5º - Fica
dispensado o pedido de autorização para o fechamento de vilas, ruas sem saída e
ruas e travessas com características de ‘ruas sem saída’, devendo ser
protocolada na Subprefeitura competente comunicação instruída com os seguintes
documentos:
I - declaração
expressa de anuência ao fechamento subscrita por, no mínimo, 70% (setenta por
cento) dos proprietários dos imóveis situados na vila, rua sem saída e ruas e
travessas com características de ‘ruas sem saída’, sendo que o teor será de
total responsabilidade dos signatários, sob as penas da legislação
administrativa, civil e criminal pertinentes;
II - cópia dos
títulos de propriedade e da certidão de dados cadastrais do imóvel - IPTU
relativos aos imóveis pertencentes aos solicitantes;
III - croqui
esquemático ou relatório descritivo da via e imóveis abrangidos pelo pedido,
bem como do tipo de fecho a ser utilizado.
Art. 6º - A
comunicação será analisada pela Subprefeitura competente, ouvido o Departamento
Patrimonial da Procuradoria Geral do Município da Secretaria Municipal dos
Negócios Jurídicos sobre a situação dominial dos imóveis situados na vila, rua
sem saída e ruas e travessas com características de ‘ruas sem saída’, cujo
fechamento seja postulado, bem como a Companhia de Engenharia de Tráfego - CET
sobre as condições viárias.
§ 1º - O
fechamento ao tráfego de veículos estranhos aos moradores não poderá ser realizado
se a análise mencionada no ‘caput’ deste artigo concluir pela existência de
reflexo negativo no tráfego de veículos.
§ 2º - Caso haja
necessidade, a CET indicará as obras viárias e de sinalização necessárias para
a implementação do fechamento.
§ 3º - Na hipótese prevista no § 2º deste
artigo, o fechamento somente poderá ser implementado após realização das obras
viárias e de sinalização necessárias, devidamente atestada pela CET.
§ 4º - (VETADO)
Art. 7º -
Observado o disposto no art. 6º, o fechamento será implementado pelos moradores
do local, às suas expensas e na conformidade das demais disposições desta lei.
Art. 8º -
Verificado, pela Subprefeitura competente, o descumprimento das condições
estabelecidas nesta lei, será expedida intimação aos moradores do local para
saneamento da irregularidade, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de retirada
do dispositivo de fechamento, com adoção das medidas administrativas e
judiciais cabíveis.
Parágrafo único.
No caso de alteração do uso dos imóveis situados na vila, rua sem saída e ruas
e travessas com característica de ‘ruas sem saída’, a comunicação perderá
automaticamente seus efeitos, intimando-se os moradores a remover o fecho, no
prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de adoção das medidas previstas no ‘caput’
deste artigo.
Art. 9º - O lixo
proveniente das casas situadas na vila, rua sem saída e ruas e travessas com características
de ‘ruas sem saída’, objeto do fechamento de que trata esta lei, deverá ser, obrigatoriamente,
depositado em recipientes próprios, colocados na via oficial com a qual se
articulam.
Art. 10 - As
despesas decorrentes da execução desta lei correrão por conta das dotações
orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Art. 11 - Esta
lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as Leis n.º 10.898, de
05 de dezembro de 1990, n.º 12.138, de 05 de julho de 1996, n.º 13.209, de 13
de novembro de 2001 e n.º 14.113, de 20 de dezembro de 2005 e demais
disposições em contrário”.
2. A
lei, como acima observado e se percebe da leitura de seu respectivo processo
legislativo, é resultante de iniciativa parlamentar que não primou pela
participação da comunidade (fls. 26/80), sendo regulamentada pelo Decreto n.
51.541, de 09 de junho de 2010 (fls. 82/83), e revogou a Lei n. 13.209, de 13 de novembro de 2001, que assim dispunha:
“Art. 1º - Fica
dispensado o pedido de autorização às administrações regionais para o
fechamento de vilas e ruas residenciais sem saídas, previstas no artigo 1º da
Lei nº 10.898, de 5 de dezembro de 1990, com a nova redação dada pela Lei nº
12.138, de 5 de julho de 1996.
Art. 2º - Os
moradores de vilas e ruas residenciais sem saídas deverão encaminhar à regional
competente ofício assinado, no mínimo, por 70% (setenta por cento) de seus
moradores, comunicando o fechamento, sendo que o teor e o conteúdo será de total
responsabilidade dos signatários, sob as penas da legislação civil e criminal
pertinentes.
Art. 3º - Para
os fins desta lei considera-se rua sem saída a via oficial, que se articula em
uma de suas extremidades e cujo traçado original não tem continuidade com a
malha viária da outra extremidade.
Parágrafo único - Somente
será admitido o fechamento de acessos a vilas e ruas sem saída cuja passagem
seja exclusivamente para acesso às casas nelas existentes, sendo vedado o
fechamento quando esses acessos servirem de passagem para outros locais,
especialmente áreas verdes de uso público ou áreas institucionais.
Art. 4º - O
fechamento poderá ser feito através de portão, cancela, correntes ou similares,
dentro do espaço correspondente ao leito carroçável, não podendo impedir a
passagem e o acesso de pedestre.
Art. 5º - O lixo
proveniente das casas situadas nos locais a que se refere esta lei, deverá ser
obrigatoriamente, depositado em recipientes próprios, na via principal de
acesso, junto à entrada.
Art. 6º - Verificado
pela Administração Regional competente o descumprimento das condições legais
vigentes, será expedida intimação aos moradores do local, para o saneamento da
irregularidade, no prazo de 5 (cinco) dias, sob a pena de remoção do fecho, com
adoção das medidas administrativas e judiciais cabíveis.
Art. 7º - Esta
lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário”
3. Anteriormente,
disciplinava o assunto a Lei n. 10.898, de 05 de dezembro de 1990, in verbis:
“Art.1º - Fica
autorizado o fechamento ao tráfego de veículos estranhos aos moradores, das
vilas e ruas sem saída residenciais ficando limitado o tráfego local de
veículos apenas por seus moradores e/ou visitantes.
Art. 2º - O
fechamento de que trata o artigo anterior só terá efeito se aprovado por 70%
(setenta por cento) dos proprietários dos imóveis do local.
Art. 3º - Estas
vilas e ruas sem saída deverão necessariamente ser apenas de uso residencial,
não ter mais de 10 (dez) metros de largura de leito carroçável, e não podem, em
hipótese alguma, servir de passagem a qualquer outro local que não sejam as
casas destas.
Art. 4º - Este
fechamento ao tráfego de veículos estranhos aos moradores poderá ser feito
através de portão, cancela, correntes ou similares, desde que não se impeça o
acesso de pedestres.
Art. 5º - Esta
lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário”.
4. O art. 1º da Lei n.
10.898/90 teve sua redação alterada pela Lei n. 12.138, de 05 de julho de 1996,
com o seguinte teor:
“Art. 1º - O
artigo 1º da Lei nº 10.898, de 5 de dezembro de 1990 passa a ter a seguinte
redação:
‘Art. 1º - Fica
autorizado o fechamento ao tráfego de veículos estranhos aos moradores, das
vilas, ruas sem saída residenciais e ruas com características de ‘ruas sem
saída’ de pequena circulação de veículos nas áreas residenciais ficando
limitado o tráfego local de veículos apenas por seus moradores e/ou visitantes’.
Art. 2º - As
despesas com a execução desta lei correrão por conta de dotações orçamentárias
próprias, suplementadas se necessário.
Art. 3º - Esta
lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário”.
5. E também pela Lei n. 14.113, de 20 de dezembro de 2005:
“Art. 1º. O art.
1º da Lei nº 10.898, de 05 de dezembro de 1990, que teve nova redação dada pela
Lei nº 12.138, de 05 de julho de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:
‘Art. 1º. Fica
autorizado o fechamento ao tráfego de veículos estranhos aos moradores de
vilas, ruas sem saída e ruas e travessas com características de ‘ruas sem
saída’ de pequena circulação de veículos em áreas residenciais, ficando
limitado o tráfego local de veículos apenas aos seus moradores e visitantes.’
Art. 2º. O art.
3º da Lei nº 10.898, de 05 de dezembro de 1990, passa a vigorar com a seguinte
redação:
‘Art. 3º. As
vilas, ruas e travessas de que trata o art. 1º desta lei deverão,
necessariamente, ser apenas de uso residencial, não ter mais de 10 metros de
largura de leito carroçável, e não podem, em hipótese alguma, servir de
passagem a qualquer outro local que não sejam as casas que as integram.’
Art. 3º. O Poder
Executivo regulamentará a presente lei, no que couber, no prazo de 60
(sessenta) dias, a partir da data de sua publicação.
Art. 4º. As
despesas decorrentes da execução desta lei correrão por conta das dotações
orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Art. 5º. Esta
lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário”.
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
6. A Lei n. 15.002, de 22 de outubro
de 2009, e seu decreto regulamentador (Decreto n. 51.541, de 09 de junho de 2010), contrariam frontalmente a Constituição do
Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal
ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
7. Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do
Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144
desta.
8. As
normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição
Estadual:
“Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
(...)
Artigo 47
- Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições
previstas nesta Constituição:
(...)
II
- exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da
administração estadual;
(...)
XI - iniciar o processo legislativo, na
forma e nos casos previstos nesta Constituição;
(...)
XIV - praticar os demais atos de
administração, nos limites da competência do Executivo;
(...)
Artigo 111 – A
administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes
do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e
eficiência.
(...)
Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia
política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)
Artigo 180
- No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento
urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:
I - o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus
habitantes;
II - a
participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e
solução dos problemas, planos, programas e projetos que lhes sejam concernentes;
(...)
V - a observância das normas urbanísticas,
de segurança, higiene e qualidade de vida;
(...)
Artigo 181 -
Lei municipal estabelecerá, em conformidade com as diretrizes do plano diretor,
normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo,
índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas
pertinentes.
§ 1º - Os
planos diretores, obrigatórios a todos os Municípios, deverão considerar a
totalidade de seu território municipal”.
9. O
fechamento de vias públicas e a restrição de circulação nesses espaços é norma
urbanística e como tal a aprovação de lei que discipline tais matérias depende
da participação comunitária em seu respectivo processo legislativo.
10. A
leitura do processo legislativo da Lei n. 15.002/09 revela que não foi
observada essa importante formalidade essencial - que aquinhoa legitimidade
material ao seu conteúdo – determinada pelo inciso II do art. 180 da
Constituição do Estado de São Paulo sendo, por esse aspecto, incompatível a
legislação local impugnada com esse parâmetro constitucional.
11. Além
disso, cerceando a liberdade de circulação em vias públicas a lei local
impugnada colide frontalmente com o inciso I do art. 180 da Constituição do
Estado (que reproduz o quanto disposto no art. 182 da Constituição da
República) na medida em que suprime e embaraça uma das funções essenciais da
cidade, consistente na liberdade de circulação e de usufruto dos bens públicos
de uso comum do povo.
12. Não
há, ademais, na lei impugnada interesse público nem razoabilidade,
patenteando-se seu conflito com o art. 111 da Constituição Estadual. O
interesse público, ao contrário da providência legislativa adotada, é a
garantia do livre acesso e do irrestrito gozo dos bens públicos de uso comum do
povo, não se coadunando com a restrição em prol de moradores e visitantes das
vias públicas previstas na lei. A medida, aliás, não tem razoabilidade alguma,
pois, institui discriminação incompatível com o princípio da igualdade, sem
possuir racionalidade, justiça, bom senso ou amparo em elemento diferencial
justificável.
13. Não
bastasse a incompatibilidade da lei local impugnada com os arts. 111 e 180, I e
II, da Constituição Estadual, ela padece de inconstitucionalidade por outros
relevantes motivos.
14. A lei local vergastada institui contenção do
uso e gozo de bens públicos de uso comum do povo, redutora da liberdade de
circulação de bens e pessoas.
15. A
Lei n. 15.002/09 contrasta com o art. 144 da Constituição Estadual, norma que determina a observância da Constituição Federal e da
Constituição Estadual pelos Municípios no exercício de sua autonomia,
reproduzindo o caput do art. 29 da
Constituição Federal.
16. O art. 144 da Constituição
Estadual impondo a observância na esfera municipal, além das regras da
Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado
“norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos
limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da
Constituição Federal”, como decidiu o Supremo Tribunal Federal ao admitir o
controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo
(STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF,
Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010). Isso,
ademais, é corroborado pelo art. 297, in
fine, da Constituição Estadual, in
verbis:
“Artigo 297 - São também aplicáveis no Estado, no
que couber, os artigos das Emendas à Constituição Federal que não integram o
corpo do texto constitucional, bem como as alterações efetuadas no texto da
Constituição Federal que causem implicações no âmbito estadual, ainda que não
contempladas expressamente pela Constituição do Estado”.
17. Destarte,
é possível examinar o preceito legal municipal impugnado à luz das normas
constitucionais centrais, viabilizando por força da mencionada norma remissiva
o seu contraste com a repartição constitucional de competências legislativas
inerentes ao princípio federativo, em especial os arts. 22, I e 24, I, da
Constituição Federal.
18. Com
efeito, o art. 22, I, da Constituição da República, cataloga no espaço
referente à competência normativa privativa da União legislar sobre direito
civil, enquanto o art. 24, I, da Constituição de 1988, arrola no âmbito da
competência normativa concorrente entre União, Estados e Distrito Federal
legislar sobre direito urbanístico.
19. A
disciplina do fechamento de vias públicas é matéria inerente aos direitos civil
e urbanístico, sobre os quais o Município não detém competência normativa, não
havendo espaço para invocação de interesse local por não haver sua
predominância nem para suplementação normativa que contraria regras federais.
20. O
Supremo Tribunal Federal examinando questão similar assim se pronunciou:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL N. 1.713, DE 3 DE SETEMBRO DE 1.997.
QUADRAS RESIDENCIAIS DO PLANO PILOTO DA ASA NORTE E DA ASA SUL.
ADMINISTRAÇÃO POR PREFEITURAS OU ASSOCIAÇÕES DE MORADORES. TAXA DE MANUTENÇÃO E
CONSERVAÇÃO. SUBDIVISÃO DO DISTRITO FEDERAL. FIXAÇÃO DE OBSTÁCULOS QUE
DIFICULTEM O TRÂNSITO DE VEÍCULOS E PESSOAS. BEM DE USO COMUM. TOMBAMENTO.
COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO PARA ESTABELECER AS RESTRIÇÕES DO DIREITO DE
PROPRIEDADE. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 2º, 32 E 37, INCISO XXI, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A Lei n. 1.713 autoriza a divisão do Distrito
Federal em unidades relativamente autônomas, em afronta ao texto da
Constituição do Brasil --- artigo 32 --- que proíbe a subdivisão do Distrito
Federal em Municípios. 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito que
permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares,
independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. 3. Ninguém é
obrigado a associar-se em ‘condomínios’ não regularmente instituídos. 4. O
artigo 4º da lei possibilita a fixação de obstáculos a fim de dificultar a
entrada e saída de veículos nos limites externos das quadras ou conjuntos.
Violação do direito à circulação, que é a manifestação mais característica do
direito de locomoção. A Administração não poderá impedir o trânsito de pessoas
no que toca aos bens de uso comum. 5. O tombamento é constituído mediante ato
do Poder Executivo que estabelece o alcance da limitação ao direito de
propriedade. Incompetência do Poder Legislativo no que toca a essas restrições,
pena de violação ao disposto no artigo 2º da Constituição do Brasil. 6. É
incabível a delegação da execução de determinados serviços públicos às
‘Prefeituras’ das quadras, bem como a instituição de taxas remuneratórias, na
medida em que essas ‘Prefeituras’ não detêm capacidade tributária. 7. Ação
direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n.
1.713/97 do Distrito Federal” (STF, ADI 1.706-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Eros Grau, 09-04-2008, v.u., DJe 12-09-2008).
21. Gizado
nesse venerando aresto que:
“4. O artigo 4º
da lei possibilita a fixação de obstáculos a fim de dificultar a entrada e
saída de veículos nos limites externos das quadras ou conjuntos. Violação do
direito à circulação, que é a manifestação mais característica do direito de
locomoção. A Administração não poderá impedir o trânsito de pessoas no que toca
aos bens de uso comum”.
22.
Essa premissa é
absolutamente aplicável ao caso em foco. A liberdade de circulação, posta em
relevo nesse paradigma, é princípio estabelecido na Constituição Federal e,
portanto, é condiciona a autonomia municipal por conta da remissão contida no
art. 144 da Constituição Estadual, de tal sorte que afrontado o direito
fundamental à liberdade tal como previsto no art. 5º, caput e seu inciso XV da Carta Magna.
23. Ademais,
há precedente neste colendo Órgão Especial do egrégio Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, como se constata da ementa do seguinte aresto:
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL QUE AUTORIZA O FECHAMENTO
NORMALIZADO DE RUAS SEM SAÍDA, VILAS E LOTEAMENTOS SITUADOS EM ÁREAS
RESIDENCIAIS, INCLUSIVE COM ACESSO CONTROLADO - VÍCIO DE INICIATIVA PATENTE - INTELIGÊNCIA
DOS ARTS. 21 E 30, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 - AÇÃO PROCEDENTE
AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL QUE AUTORIZA O FECHAMENTO
NORMALIZADO DE RUAS SEM SAÍDA, VILAS E LOTEAMENTOS SITUADOS EM ÁREAS
RESIDENCIAIS, INCLUSIVE COM ACESSO CONTROLADO - INADMISSIBILIDADE - NÚCLEO
SEMÂNTICO DO DIREITO À CIDADE QUE NÃO HARMONIZA COM A LEGISLAÇÃO QUESTIONADA -
O DIREITO FUNDAMENTAL À CIDADE NÃO PODE SER CONFUNDIDO COM INEXISTENTE DIREITO
FUNDAMENTAL A SE CRIAR ESPAÇOS SEGREGADOS NA CIDADE - INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO
DA VEDAÇÃO DE RETROCESSO - PRECEDENTES DOUTRINÁRIOS - AÇÃO PROCEDENTE” (ADI
9055901-19.2008.8.26.0000, Rel. Des. Renato Nalini, m.v., 04-05-2011).
24. Como
realçado nesse precedente, para além da ofensa ao art. 180, I, da Constituição
Estadual, tisnada de inconstitucionalidade a lei municipal enfocada também por
violação ao princípio da separação de poderes por invasão da esfera da reserva
da Administração (art. 5º e 47, II e XIV, Constituição do Estado), isto é,
daquele espaço reservado privativamente ao Chefe do Poder Executivo para edição
de atos normativos sem possibilidade de interferência do Poder Legislativo.
25. A
disciplina da utilização de bens públicos de uso comum do povo é reservada ao
Chefe do Poder Executivo porque se compreende em sua prerrogativa de gestão
patrimonial, sendo com ela incompatível a iniciativa parlamentar da lei em
questão.
26. Por
fim, a lei também é inconstitucional por ofensa aos arts. 180, V, e 181 e § 1º,
da Constituição do Estado de São Paulo.
27. Das normas municipais de
desenvolvimento urbano se impõe compatibilidade às normas urbanísticas (art.
180, V, Constituição Estadual) e, outrossim, delas se exige, inclusive no
tocante às limitações administrativas que instituam, conformidade com
diretrizes do plano diretor que deve caráter integral (art. 181 e § 1º,
Constituição Paulista). A adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor
configura indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e
pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral, vulnerando sua
compatibilidade com o plano diretor e sua integralidade. O Supremo Tribunal
Federal entende possível o contencioso de constitucionalidade sem que se
configure contraste entre a lei impugnada e o plano diretor, estimando desafio
direto e frontal à Constituição:
“(...) Plausibilidade da alegação de que a Lei
Complementar distrital 710/05, ao permitir a criação de projetos urbanísticos
‘de forma isolada e desvinculada’ do plano diretor, violou diretamente a
Constituição Republicana. (...)” (STF, QO-MC-AC 2.383-DF, 2ª Turma, Rel. Min.
Ayres Britto, 27-03-2012, v.u., 28-06-2012).
28. A
inconstitucionalidade verificada também atinge o decreto regulamentador e a
legislação revogada.
29. Bem
por isso, é impositiva a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento
das normas anteriores e revogadas que continham idênticos vícios aos da Lei n.
15.002/09, a fim de
impedir sua repristinação, e do Decreto n. 51.541, de 09 de junho de 2010, em virtude de sua relação de
dependência com a lei impugnada.
III – Pedido liminar
30. À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se
a ele o periculum in mora. A atual
tessitura dos preceitos normativos municipais apontados como violadores de
princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua
eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o
ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação,
sobretudo pelo agravo à liberdade de acesso e fruição a bens públicos de uso
comum do povo.
31. À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para
suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Lei n. 15.002, de 22 de outubro de 2009, e
do Decreto n. 51.541, de
09 de junho de 2010, do
Município de São Paulo.
IV – Pedido
32. Face ao exposto, requerendo o recebimento e o
processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para
declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 15.002, de 22 de outubro de 2009, e do Decreto n. 51.541, de 09 de junho de 2010, e,
por arrastamento, das Leis n. 10.898, de 05 de dezembro de 1990, n. 12.138, de
05 de julho de 1996, n. 13.209, de 13 de novembro de 2001, e n. 14.113, de 20
de dezembro de 2005, do Município de São Paulo.
33. Requer-se ainda sejam requisitadas
informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de São Paulo, bem como
posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os
atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para
manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São
Paulo, 06 de março de 2014.
Álvaro Augusto Fonseca de Arruda
Procurador-Geral de Justiça
em exercício
wpmj
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