PROCESSO CGJSP
DATA: 16/4/2008 DATA DOE: 26/8/2008 FONTE:2007/21686 LOCALIDADE: CAMPINAS
Cartório:
Relator: Álvaro Luiz Valery Mirra
Legislação: Art. 198 da Lei nº 6.015/73; Lei nº 6.766/79; entre outras.
IMÓVEL RURAL. PARCELAMENTO DO SOLO URBANO. LOTEAMENTO IRREGULAR - BURLA. CONDOMÍNIO TRADICIONAL. CHÁCARAS DE RECREIO. INCRA. MEIO AMBIENTE. ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. CONAMA. MATRÍCULA – BLOQUEIO. ERRO REGISTRAL.
Registro de Imóveis – Parcelamento do solo em imóvel rural – Possível utilização do instituto do condomínio tradicional como forma de burlar a Lei n. 6.766/1979 – Elementos indiciários de que se trata de parcelamento tendente à formação de chácaras de recreio – Antecedentes, por outro lado, no parcelamento de área maior que induzem conclusão de que se estaria diante de verdadeiro loteamento, ainda que realizado em imóvel rural, sujeito à autorização do INCRA – Glebas, por fim, situadas em Área de Proteção Ambiental (APA) Municipal, a demandar licenciamento ambiental (Res. 237/1997 do CONAMA) – Bloqueio das matrículas determinado, até que a situação seja aclarada e possíveis erros registrais sejam corrigidos, com arquivamento no registro imobiliário de notícia da instauração pelo Ministério Público de procedimento administrativo tendente à apuração das irregularidades – Decisão acertada - Recurso não provido.
Íntegra:
Processo CG 2007/21686 - Parecer nº 117/2008-E
Registro de Imóveis – Parcelamento do solo em imóvel rural – Possível utilização do instituto do condomínio tradicional como forma de burlar a Lei n. 6.766/1979 – Elementos indiciários de que se trata de parcelamento tendente à formação de chácaras de recreio – Antecedentes, por outro lado, no parcelamento de área maior que induzem conclusão de que se estaria diante de verdadeiro loteamento, ainda que realizado em imóvel rural, sujeito à autorização do INCRA – Glebas, por fim, situadas em Área de Proteção Ambiental (APA) Municipal, a demandar licenciamento ambiental (Res. 237/1997 do CONAMA) - Bloqueio das matrículas determinado, até que a situação seja aclarada e possíveis erros registrais sejam corrigidos, com arquivamento no registro imobiliário de notícia da instauração pelo Ministério Público de procedimento administrativo tendente à apuração das irregularidades – Decisão acertada - Recurso não provido.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
Trata-se de recurso administrativo interposto por Embaúba Agropecuária S.A. contra decisão do Meritíssimo Juiz Corregedor Permanente do Segundo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas que determinou o bloqueio das matrículas nºs 113.643 a 113.648 e 113.651 a 113.658 da referida serventia predial, devido ao fato de terem sido abertas de maneira irregular, com possível fraude à legislação sobre parcelamento do solo, bem como a anotação no registro imobiliário da instauração de procedimento administrativo pelo Ministério Público visando à apuração de aludidas irregularidades (fls. 448).
Sustenta a Recorrente, em preliminar, a legitimidade da sua intervenção no feito, por ter sido a alienante dos imóveis das matrículas bloqueadas, e a inadequação do procedimento eleito para a discussão da possibilidade do registro de escrituras públicas diversas daquelas que deram origem às matrículas questionadas, sem observância do disposto no art. 198 da Lei n. 6.015/1973. Quanto ao tema de fundo, argumenta que inexistiu qualquer irregularidade na divisão do solo levada a efeito na espécie, pois se trata de gleba rural, em que o desmembramento se deu sem abertura de vias públicas, com observância do módulo rural para a região, sem que tenha havido, ademais, alienação de lotes a prazo. Assim, segundo entende, não há incidência, no caso, da Lei n. 6.766/1979, aplicável aos parcelamentos do solo urbano, e nem do Decreto-lei n. 58/37, disciplinador tão-só dos loteamentos rurais, na forma descrita, não se mostrando cabível sequer autorização do INCRA para o desmembramento realizado. Dessa forma, bate-se pela ilegalidade do bloqueio das matrículas e da anotação da existência de procedimento administrativo de apuração de irregularidades instaurado pelo Ministério Público (fls. 455 a 513).
A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se no sentido do não provimento do recurso (fls. 549 a 554).
É o relatório.
Passo a opinar.
De início, cumpre anotar que a legitimidade da Recorrente para intervir no presente feito em momento algum foi contestada, já que é a empresa que efetuou a venda dos imóveis cujos registros estão sendo discutidos, com inegável interesse em ver reconhecida a legalidade do empreendimento, para o fim de afastar o bloqueio das matrículas e a anotação de instauração de procedimento administrativo pelo Ministério Público, tal como determinados em primeira instância.
Por outro lado, deve ser observado, também, que neste processo administrativo, discute-se apenas a regularidade dos registros das escrituras pelas quais se deram os parcelamentos realizados nas Glebas G e I do imóvel denominado “Fazenda Pico Alto”, com encerramento das matrículas nºs 110.374 e 110.376, e da abertura de novas matrículas para as glebas oriundas de referida divisão. As demais escrituras, concernentes às Glebas F, H e J do mesmo imóvel não foram registradas, tendo sido relegada, a requerimento da própria Recorrente, a discussão de seus respectivos ingressos no fólio real para o processo de dúvida registral, após reapresentação dos títulos e eventual recusa.
Quanto ao tema de fundo, em que pesem os argumentos expendidos pela Recorrente, e salvo melhor juízo de Vossa Excelência, tem-se que o recurso não comporta provimento, merecendo ser prestigiada a respeitável decisão do Meritíssimo Juiz Corregedor Permanente, como analisado, ainda, pela Douta Procuradoria Geral de Justiça.
Com efeito, a Recorrente obteve perante o 2º Registro de Imóveis de Campinas o registro de duas escrituras públicas, concernentes às Glebas G e I da “Fazenda Pico Alto”, resultantes, juntamente com as Glebas F, H e J, do parcelamento da Gleba E do mesmo imóvel. Por meio de referidas escrituras, a Recorrente transmitiu os imóveis a diversos adquirentes, os quais, no mesmo ato público, promoveram a divisão amigável dos bens e a extinção dos condomínios sobre as coisas, ficando todos com partes certas e localizadas dos terrenos.
A forma como realizadas as transmissões dos imóveis e suas imediatas divisões permite vislumbrar a adoção de expediente tendente a burlar a Lei n. 6.766/1979, já que, mediante o uso do instituto jurídico do condomínio tradicional, o que teria havido é a transferência de frações ideais dos imóveis com posse localizada no terreno, sem prévio registro do parcelamento do solo, para subseqüente divisão e extinção do condomínio, circunstância que estaria a contrariar a orientação firmada por esta Corregedoria Geral da Justiça nos autos doProcesso CG n. 2.588/2000.
O argumento desenvolvido pela Recorrente, de que se está diante de desmembramentos de imóveis rurais, sobre os quais não tem incidência a Lei n. 6.766/1979, não pode ser de pronto acolhido, pois há fundadas dúvidas de que a hipótese possa versar sobre parcelamento do solo rural destinado à formação de chácaras de recreio, as quais, por sua destinação, são consideradas imóveis urbanos e, conseqüentemente, sujeitas à disciplina da Lei do Parcelamento do Solo Urbano (CGJ, Proc. CG n. 252/82; CSM, Ap. Cív. n. 11.447-0/5). Expressiva, no ponto, a manifestação da Prefeitura Municipal de Campinas, por intermédio da Secretaria da Habitação, no sentido de que a Fazenda Pico Alto foi dividida em 173 “lotes de chácaras”, em empreendimento conhecido como “Colinas do Atibaia” (fls. 211).
Sob outro ângulo de análise, e admitindo a hipótese de que se trate de verdadeiros parcelamentos do solo rural com fins propriamente rurais, vale dizer, destinados à exploração agrícola, pecuária ou agro-industrial, não há como desconsiderar o contexto em que inserido o empreendimento denominado “Colinas do Atibaia”, noticiado pelo Oficial Registrador, em especial o fato de que o tal empreendimento foi previamente registrado como loteamento “Colinas do Atibaia” e “Colinas do Atibaia II” (fls. 226 a 234), após autorização do INCRA, havendo, no presente, em trâmite perante este último órgão, processo de autorização do “Colinas do Atibaia III”, que abrangeria as áreas onde situadas as glebas aqui discutidas (fls. 225).
Dessa forma, ainda que se venha a caracterizar o empreendimento como autêntico parcelamento do solo rural, não submetido à disciplina da Lei n. 6.766/1979, haverá que se analisar a necessidade de prévio registro e a sua configuração como loteamento rural e não mero desmembramento, na forma em que se deu com o “Colinas do Atibaia” e o “Colinas do Atibaia II”, após aprovação do INCRA.
Saliente-se que a necessidade de tal exame vem reforçada pelo teor das próprias escrituras que obtiveram os registros aqui discutidos, em que, de maneira expressa, as partes consignaram que os imóveis objeto da divisão são “anexos” dos loteamentos “Colinas do Atibaia”, ficando os proprietários desde aquele momento obrigados à contribuição devida à “Sociedade Loteamento Colinas do Atibaia” (fls. 258 e 282).
Por fim, há que se observar, também, que, como o reconhece a própria Recorrente, as glebas parceladas estão situadas em Área de Proteção Ambiental Municipal (Lei Municipal n. 10.850/2001 – fls. 187), circunstância que induz a conclusão de estar o parcelamento do solo efetuado sujeito ao licenciamento ambiental, conforme previsto no Anexo I da Resolução n. 237/1997 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), a cargo do órgão ambiental competente, o que não se verificou na espécie.
Como se pode perceber, a situação retratada nestes autos, não permite aferir a regularidade dos parcelamentos do solo realizados pela Recorrente e pelos adquirentes dos imóveis, existindo, ao contrário, elementos consistentes de que não se observaram os parâmetros legais que disciplinam aludida atividade, seja pela possível utilização de expediente tendente a burlar a Lei n. 6.766/1979, seja pela ausência de aprovação do empreendimento pelo INCRA, seja, enfim, pela ausência de licenciamento ambiental, necessária diante da localização das glebas parceladas em unidade de conservação municipal. Tudo isso, à evidência, leva a que sejam considerados irregulares os registros das escrituras públicas correspondentes, bem como o encerramento das matrículas das Glebas G e I do imóvel denominado Fazenda Pico Alto e a abertura das matrículas nºs 113.643 a 113.648 e 113.651 a 113.658.
Correta, portanto, a decisão do Meritíssimo Juiz Corregedor Permanente, de determinação, por ora, do bloqueio das matrículas abertas, acima discriminadas, como medida acautelatória, até que seja aclarada a situação e corrigido o erro registral vislumbrado, evitando-se atos futuros passíveis de causar danos de difícil reparação (art. 214, § 3º, da Lei n. 6.015/1973), como, por exemplo, a alienação a terceiros dos imóveis resultantes do parcelamento questionado.
Como já se posicionou esta Corregedoria Geral da Justiça, “o bloqueio constitui uma criação administrativo-judicial, que busca a correção de erro registral pretérito e ostenta certa função acautelatória, impedindo, simplesmente, que novos assentamentos sejam exarados com base em registro maculado” (Proc. CG nº 1.911/96), sempre que não se mostrar recomendável a providência drástica do cancelamento do registro.
Viável, igualmente, como decidido pelo Meritíssimo Juiz Corregedor Permanente, o arquivamento pelo Oficial Registrador da notícia da instauração pelo Ministério Público de procedimento administrativo tendente à verificação de irregularidade nos parcelamentos do solo aqui discutidos, para fins de publicidade e informação, a fim de que tal notícia conste das certidões eventualmente expedidas a respeito dos empreendimentos e da situação dos imóveis por eles abrangidos.
Conforme orientação firmada por esta Corregedoria Geral da Justiça, em decisão da lavra do eminente Desembargador Luís de Macedo, ao aprovar parecer elaborado pelo Meritíssimo Juiz Auxiliar, Dr. Luís Paulo Aliende Ribeiro:
“(...) encaminhada pelo Ministério Público ao oficial de registro de imóveis a comunicação oficial da instauração de procedimento ou ação que versa sobre irregularidade no parcelamento do solo, deve esse ofício ser recepcionado e arquivado, informação que constará das certidões dos registros abrangidos pela notícia.
Essa medida viabiliza, sem ofensa às normas regentes dos registros públicos, assegurar a necessária publicidade às informações constantes do registro, encontrando amparo nas disposições do artigo 18 da Lei nº 6.015/73 e no item 136, doCapítulo XX, do Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.” (Proc. CG n. 8.505/00).
Nesses termos, à vista de todo o exposto, o parecer que se submete à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de ser negado provimento ao recurso interposto.
Sub censura.
São Paulo, 16 de abril de 2008.
(a) ÁLVARO LUIZ VALERY MIRRA, Juiz Auxiliar da Corregedoria
DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria e por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso.
Publique-se.
São Paulo, 17 de abril de 2008.
(a) RUY CAMILO, Corregedor Geral da Justiça
(D.J.E. de 26.08.2008)
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