CONSIDERANDO O VOLUME DE DANOS AO ERARIO QUE SUPOSTAMENTE VEM SENDO CAUSADO AOS COFRES PUBLICOS E AO PATRIMONIO PUBLICO POR FALSOS CONDOMINIOS QUE SE APOSSAM DE BENS PUBLICOS DE USO COMUM DO POVO E QUE, SUPOSTAMENTE, DEIXAM DE RECOLHER OS IMPOSTOS DEVIDOS AO ESTADO, NA MEDIDA EM QUE EXERCEM ATIVIDADES ECONOMICAS , QUE NADA TEM A VER COM A ALEGADA FILANTROPIA, QUE LHES ASSEGURARIA A ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA E OUTROS, PUBLICAMOS ESTE ESTUDO, OBJETIVANDO DEMONSTRAR QUE QUALQUER CIDADÃO, DIANTE DA OMISSÃO DAS AUTORIDADES, PODE INSTAURAR UMA AÇÃO POPULAR PARA ANULAÇÃO DOS ATOS LESIVOS AOS COFRES PUBLICOS E AO PATRIMONIO PUBLICO
A imprescritibilidade da ação popular à luz da Constituição Federal
http://jus.uol.com.br/revista/texto/19404
Publicado em 06/2011
O presente ensaio é motivado pelo intento de demonstrar a imprescritibilidade da pretensão à reparação de danos causados ao erário, via ação popular, uma vez que a redação do art. 21 da lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular) tem causado interpretações divergentes e, por vezes, divorciadas do Texto Constitucional.
A ação popular e seu objeto
Qualquer do povo pode ajuizar a ação popular[01], prevista no art. 5º, LXIII, CF e regulada pela lei 4.717/65, com objetivo de anular ato lesivo ao patrimônio público[02], à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural e condenar os envolvidos à reparação dos danos causados ao patrimônio público.
A ação popular, portanto, não se presta à defesa de interesses particulares, pelo contrário, tem por finalidade precípua a defesa dos interesses da comunidade, o seu beneficiário direto é o povo[03].
Inarredável o viés democrático da ação popular, verdadeiro instrumento de participação política, que reafirma a soberania popular (CF, art. 1º, parágrafo único). Em seus termos atuais, amplia substancialmente a legitimidade para proteção da res publica, permitindo a qualquer cidadão o seu exercício e o controle da atividade administrativa, a qual deve se orientar sempre pela supremacia do interesse público.
Questão tormentosa diz respeito ao prazo prescricional para ajuizamento da ação popular. Sua análise depende da distinção de dois objetos contidos nesse instituto: de um lado, a anulação de lesivo ao patrimônio público, de outro, a condenação dos agentes à reparação das lesões causadas ao erário.
É essa distinção que deve estar bem clara na mente do jurista e, de maneira especial, do magistrado ao julgar a ação popular para se ter a defesa efetiva da coisa do povo.
Corolário disto é a dúplice natureza da sentença da ação popular, desconstitutiva, no ponto em que anula o ato lesivo, e, condenatória, no tocante ao ressarcimento dos prejuízos causados.
Feitos esses esclarecimentos, passemos ao estudo do prazo para exercício da ação popular.
O art. 21 da lei 4.717/65 e a interpretação anterior à Constituição Federal/88
Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, o prazo para propositura da ação popular era de 5 (cinco) anos, por expressa disposição legal, constante do art. 21 da lei 4.717/65, in verbis:
Não havia maiores divergências acerca da matéria[04], porém, com a promulgação da Constituição Federal/88, a matéria ganhou novos contornos, ainda assim, alguns magistrados continuaram aplicando irrestritamente o aludido art. 21. Essa posição não pode subsistir no ordenamento jurídico inaugurado em 05.10.1988.
O art. 37, § 5º, da Constituição Federal/88 e sua interpretação
O §5º do art. 37 da Lei Maior dispõe:
Pela exegese do dispositivo em tela, extrai-se que a mens legis do constituinte originário foi excluir, colocar fora do alcance do legislador infraconstitucional, o estabelecimento de prazos prescricionais para ações de ressarcimento ao erário.
Não há outro resultado extraído da interpretação do referido § 5º, pois não fosse essa a intenção do constituinte, esse seria omisso a respeito, não se justificaria a ressalva feita.
Nesse ambiente, anota-se, por necessário, a lição do saudoso CARLOS MAXIMILIANO:
Destarte, não pode o juiz ao aplicar o direito desprezar a ressalva feita pelo Texto Constitucional, de modo que inexiste prazo prescricional para o ajuizamento das ações que tratem de ressarcimento ao erário. É essa a posição, inclusive, do mestre CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO[06].
Sob outra ótica, não se vê resultado diverso.
A prescrição é instituto que consagra o interesse social de conferir caráter definitivo às relações jurídicas, com vistas à tranqüilidade e segurança social. Na questão em exame, portanto, o princípio da segurança jurídica reclama a existência de prazo prescricional para o exercício da ação popular, sem embargo, a supremacia do interesse público enuncia que o desfalque ao erário não pode se convalidar com o tempo, o que prejudicaria toda a sociedade em benefício de poucos particulares. Em outros termos, não pode toda a sociedade ser penalizada pela negligência daqueles que tinham conhecimento suficiente para ajuizar a ação ressarcitória, mas não o fizeram.
Para harmonização desses princípios, tem de ser examinado se há efetivamente interesse social em outorgar a uma situação de obtenção de vantagens ilícitas, em detrimento do patrimônio público, natureza definitiva. Parece-nos que a resposta só pode ser negativa.
Não se pode olvidar ainda da própria clandestinidade que costuma acompanhar os atos ilegais e lesivos. Não fosse a ressalva feita pelo constituinte, até mesmo o exercício das ações ressarcitórias poderia ser inviabilizado, diante do ínterim ordinariamente verificado entre a prática do ato lesivo e seu efetivo conhecimento pelo público. Poderiam essas ações serem transformadas em verdadeiros fantasmas a assombrar nosso ordenamento jurídico.
Sendo assim, é feliz, precisa e irreparável a imunidade conferida às ações de ressarcimento pelo art. 37, §5º, CF, em relação aos prazos prescricionais traçados na legislação infraconstitucional.
A cisão do objeto da ação popular, seus efeitos para prescrição e a divergência jurisprudencial
Das premissas anteriores, decorre a necessidade de separar os efeitos da sentença proferida na ação popular, assistindo total razão à voz de LUIS GUILHERME MARINONI quando enuncia:
Nessa ordem de idéias, a pretensão à anulação do ato lesivo prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data de publicação do mesmo[08], enquanto a pretensão condenatória é imprescritível.
Em que pese a simplicidade do tema, alguns Tribunais permanecem aplicando à pretensão de ressarcimento ao erário o prazo prescricional de 5 (cinco) [09].
Bom mencionar ainda a posição adotada pela 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, no sentido de que o § 5º do art. 37 da Constituição Federal não conduz à imprescritibilidade das ações em comento[10].
Sem embargo de algumas decisões em direção contrária, andou bem o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ao cingir os efeitos da ação popular e julgar imprescritível o pedido de reparação de danos causados ao erário. Nessa senda, é trazido à baila uma de suas repetidas decisões:
Aliás, não é outra a posição do PRETÓRIO EXCELSO, pois, fazendo jus ao nome de paladino da Constituição, pacificou o entendimento de que as ações de ressarcimento ao erário, não são alcançadas pelos prazos prescricionais disciplinados em lei[11].
Outrossim, a pretensão para ressarcimento ao patrimônio público, exercível tanto pela via da ação popular como pela ação civil pública, é imprescritível.
Da necessidade de sumular a matéria
Evidente que a ação popular desenvolve fundamental papel no ordenamento jurídico vigente, para permitir o controle dos atos administrativos e zelo do patrimônio público por qualquer cidadão, mesmo que inerte a autoridade competente.
Sucede ainda que pela ação popular busca-se a tutela de interesses indisponíveis, difusos, dos mais relevantes, a conservação da res publica.
Embora o STF e o STJ tenham julgado iterativamente pela imprescritibilidade em tela, tanto em sede de ação popular como de ação civil pública, com fulcro no art. 37, § 5º, CF, nos Tribunais de Justiça ainda se vêem decisões dissociadas de nossa Lei Maior.
Assim, diante da relevância geral da matéria, da sua suma importância, vista, inclusive, do tratamento especial que lhe foi dispensado pelo constituinte, acreditamos oportuna a edição de enunciado pelo STF ou pelo STJ com o seguinte teor:
Com toda certeza, a publicação de súmula nesse sentido pelo Pretório Excelso ou pelo STJ, ainda que não vinculante, orientaria os juízes e Tribunais pátrios, de modo que se reduziriam as decisões que ainda aplicam o art. 21 da lei 4.717/65 sem interpretá-lo à luz da Constituição Federal.
Conclusão
Embora a questão não seja pacífica no âmbito de nossos tribunais, entendemos, na esteira do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que a pretensão ao ressarcimento de danos causados ao erário público é imprescritível, por ser a única interpretação compatível com o art. 37, § 5º, da Lei Fundamental.
Para exame da prescrição em ação popular, seu objeto deve ser cingido, de um lado, se coloca a anulação do ato inquinado, sobre a qual incide o prazo prescricional de 5 (cinco) anos (art. 21, lei 4.717/65), e, de outro, a condenação à recomposição do erário, por sua vez, imprescritível (art. 37, § 5º, CF).
A fim de reduzir decisões contrárias ao Texto Constitucional, seria conveniente a edição de súmula pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça dispondo sobre a imprescritibilidade da pretensão em testilha, o que, inexoravelmente, facilitaria a defesa da res publica.
Notas:
- STF, RE 167.137, rel. min. Paulo Brossard, DJ 25.11.94. A prova da cidadania se faz pela apresentação do título de eleitor. Assim, exige-se que o autor popular seja pessoa física (Súmula 365-STF);
- Compreendem-se os atos lesivos ao patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, entes estatais e seus órgãos paraestatais e autarquias, pessoas jurídicas, subvencionadas com dinheiro público.
- MEIRELES, Hely Lopes; WALD, Arnold; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de Segurança e ações constitucionais, 33ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 170;
- TJRS, Ap. Cível Nº 584053565, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Vellinho de Lacerda, Julgado em 06/08/1985;
- MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 16ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1996, pág. 110. No mesmo sentido: SILVA, José Pacheco da. Tratados das Locações, Ações de Despejo e Outras, São Paulo, 9ª ed., RT, 1994, p. 405;
- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 26ª ed., revista e atualizada até a Emenda Constitucional 57 de 18.12.2008, ed. Malheiros: São Paulo, 2009, p.1.048;
- MARINONI, Luis Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Procedimentos especiais, São Paulo: RT, 2009, p. 281;
- STJ, REsp 1134075/PR, 2ª T., rel. min. Mauro Campbell Marques, DJe 14.12.2010
- Por todos: TJPR, AC 1118307, Terceira Câmara Cível, rel. des. Ronald Schulman, j. 20.11.2001. Na doutrina: HELY LOPES MEIRELES, GILMAR FERREIRA MENDES e ARNOLD WALD, mesmo sem maiores aprofundamentos, entendem que a ação popular prescreve em 5 (cinco) anos (ob. cit.).
- TJSP- 13ª Câmara de Direito Público, Apelação 302.016-5/3, J. 27.01.2006. No mesmo sentido: Ap. Cível 916296-08.2008.8.26.0000;
- STF: MS 26.210-DF, DJ 10/10/2008; do STJ: REsp 764.278-SP, DJ 28/5/2008; REsp 705.715-SP, DJ 14/5/2008, e REsp 730.264-RS. REsp 1.056.256-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 16/12/2008
Autor
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
ANDRADE JUNIOR, Mozart Vilela. A imprescritibilidade da ação popular à luz da Constituição Federal. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2915, 25 jun. 2011. Disponível em:<http://jus.uol.com.br/revista/texto/19404>. Acesso em: 26 jun. 2011.
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