Trata-se de APELAÇÂO interposta perante a 9a. CAMARA CIVIL do TJ RJ
APELAÇÃO CÍVEL N.º 0011378-77.2007.8.19.0203
Apelante: ANA CRISTINA BASTOS GOMES DE MACEDO
Apelado: ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DA VISTA DO VALE
RELATOR: DESEMBARGADOR ROGERIO DE OLIVEIRA SOUZA
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DE
COBRANÇA. COTAS “CONDOMINIAIS”. ASSOCIAÇÃO DE
MORADORES. REVELIA. INEFICÁCIA DA CONTUMÁCIA.
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA LEGAL E DA
LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO (ARTIGO 5o., II E XX). A
configuração da revelia não implica automática procedência da
pretensão da parte autora (Apelado), mas tão-somente a
presunção de veracidade dos fatos por ela alegados.
Improcedência do pedido que se impõe. Ninguém é obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei,
não podendo ser compelido a se associar a entidade privada.
Associação de moradores não tem nenhum direito de crédito
em face de morador que não se associou. Serviços de
segurança, urbanização, lazer, etc. que cabem ao Poder
Público prestar como obrigação constitucional de sua razão de
ser. Privatização dos espaços públicos por entidade privada.
Imposição de obrigação ao particular de pagar duplamente
pelos mesmos serviços, pelos quais já paga através de
impostos e taxas. Conhecimento e provimento do recurso.
obtenha a integra do acordão em : http://srv85.tjrj.jus.br/ConsultaDocGedWeb/faces/ResourceLoader.jsp?idDocumento=0003A5DD13621E611DAED1FACC9CC639A4044BC40260234F
A relação jurídica ora posta à apreciação desta Corte versa sobre
cobrança de cotas associativas, vencidas e não pagas, julgada procedente em
face do Apelante, a quem foi imposta a condenação integral do débito, em
razão de sua revelia.
De fato, a recorrente é revel, porquanto não apresentou
contestação no momento que lhe competia.
Contudo, não se pode olvidar, no entanto, que a configuração do
fenômeno da revelia não implica automática procedência da pretensão da parte
autora, ora Apelado, mas tão-somente a presunção de veracidade dos fatos
por ela alegados.
Assim sendo, dos fatos narrados pela Associação, embora
verdadeiros, não se extrai as conseqüência legais pretendida, porquanto não
há que se confundir o fato com o direito dele decorrente.
Sob esta égide, se a confissão ficta incide apenas sobre a
exposição fática trazida pelo demandante, na presente hipótese tal presunção
recai apenas sobre a circunstância de ser a Apelada associação regularmente
constituída e responsável pelo recolhimento da contribuição, bem como o fato
da Apelante ser possuidora do imóvel, cujas cotas são cobradas.
O aspecto jurídico, contudo, refere-se ao direito de associações
de moradores imporem e cobrarem contribuições de todo e qualquer morador
que reside na área de sua atuação, fato que vem causando ferrenhas batalhas
na Cidade do Rio de Janeiro e que, como se verá, não pode prevalecer.
De início cumpre afirmar que o entrechoque do princípio
constitucional da LIVRE ASSOCIAÇÃO e do princípio de direito que veda o
enriquecimento sem causa é falso, não servindo para a solução do problema.
A Constituição Federal assegura que “ninguém será obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (artigo 5
o , II), asseverando ainda que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou
permanecer associado” (artigo 5 o , XX).
Vigora em plenitude absoluta o Princípio da Liberdade, da
liberdade perante a lei.
As associações privadas não têm nenhum poder e nenhum direito
de exigir que o particular se associe aos seus quadros e seja compelido a
pagar suas contribuições.
Repita-se: não existindo lei que imponha a associação do
particular a uma entidade privada, carece esta de qualquer direito em face do
daquele e, muito menos, de obter qualquer contribuição.
Normalmente tais associações buscam prestar “serviços” a
determinada localidade residencial, especialmente aqueles destinados a
segurança que tem por objeto.
Contudo, verifica-se que tais “serviços” são próprios do Poder
Público ou de qualquer pessoa, seja natural ou jurídica, não se revelando a
necessidade e imprescindibilidade de sua prestação.
A conservação e reparação das áreas públicas, mas
indevidamente delimitadas com de sendo de uso comum, devem caber ao
Poder Público e a sociedade como um todo e não a um determinado número
de residentes da localidade.
Assim, a obrigação legal do Apelante é para com o condomínio
legal ou para com o Poder Público. Destas obrigações, não pode o Apelado
válida e legalmente se afastar, sob pena de ser perseguido judicialmente para
o seu cumprimento.
Se, por ventura, o proprietário tal ou qual, não associado, vem
direta ou indiretamente, a se beneficiar deste ou daquele serviço, tal situação
de fato não tem o condão de criar obrigação jurídica, judicialmente exigível,
porquanto insuscetível de violação da liberdade individual de contratar.
Ao resolverem constituir a associação de moradores, seus
fundadores certamente tiveram ciência de que muitos não iriam aderir ao
projeto, devendo aqueles entusiastas suportar por si o empreendimento.
Sob qualquer enfoque não existe razão fática ou jurídica para
impor a Apelante qualquer obrigação pecuniária em favor do Apelado, sob
pena – aí sim – de propiciar enriquecimento indevido deste às custas daquela.
As contribuições em tela carecem de um simples requisito para
sua validação: a necessária e voluntária associação.
A se entender diferente, não estaria longe o dia em que nos
veríamos sendo cobrados pela “associação de taxistas do fórum” porque
simplesmente mantém ponto próximo propiciando segurança e rapidez. Ou
deveríamos ainda contribuir para a “associação dos ascensoristas de
elevadores da cidade do Rio de Janeiro” porque prestam serviço de qualidade
ao nos transportar de um andar para o outro.
Não.
Apenas no caso de associação voluntária a determinada
entidade, pode estar exigir o pagamento dos encargos sociais do associado.
Uma associação de moradores, por mais digna e atuante que
seja, continua sendo uma associação voluntária. Não pode o morador de
determinada rua que, por decisão do grupo dominante na associação, passou a
integrar sua área de atuação, seja compelido a contribuir para a sua
manutenção. Tais imposições afastam cada vez o Estado do cidadão
contribuinte, valendo o alerta contido no trecho da sentença da lavra da
saudosa Juíza ROSALINA MENDES, em proferida em processo de igual jaez
de que “uma vez fechada uma rua dessas, o Poder Público deixa de conferir a
devida proteção policial ao local”. Por último, se “persistir o entendimento de
que, para evitar o enriquecimento sem causa, devem ser estabelecidas cotas
IDÊNTICAS de contribuição entre os moradores, sejam eles associados ou
não, corre-se o risco de legitimar a elitização particular de um logradouro
público, expulsando-se dali quem não puder por serviços desnecessários, ou
ainda que úteis, dispensáveis. À custa da moradia de uns, o deleito de outros:
essa é a conseqüência futura de um raciocínio menos atento à questão social
presente” (trecho da sentença da lavra da Juíza CLAUDIA PIRES DOS
SANTOS FERREIRA proferida no processo n.º 2005.209.008406-5).
A situação é mais ilegal ainda quando a associação pretende
prestar serviços que são de responsabilidade do Estado.
O mesmo enfoque foi veiculado na Apelação Cível 1994.08920,
do extinto Tribunal de Alçada Cível, da lavra do Eminente Desembargador
JAIR PONTES DE ALMEIDA: “Associação de moradores. Ninguém será
compelido a se associar ou a permanecer associado, nem será obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Associações de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Associações de moradores, de proprietários ou de amigos de determinado logradouro público só se constituem com aqueles que a elas aderem voluntariamente”.
Por último, a legitimação que o poder judiciário vem outorgando a
tais associações, está lançando as sementes para um problema futuro que as
grandes metrópoles certamente terão que enfrentar: é a tomada de tais
associações por motes de delinquentes locais (como já ocorre em diversas
associações de favelas), impondo a lei do terror àquele que ousar discordar ou
resistir em “contribuir” para os serviços de proteção. é a volta a épocas
passadas em que o particular terá que pagar para não ser atacado no recanto
de seu lar, é a ausência do poder público das áreas de asfalto (como já ocorre
nos morros circundantes da cidade).
As recentes tentativas do Governo Estadual com as Unidades de
Polícia Pacificadora (UPP) pretendem reverter tal situação, mas é de se
esperar ainda os frutos de tal política e augurar que não seja apenas
imposições externas de segurança para as Competições internacionais que se
aproximam.
Tal situação absurda fomenta a conduta ilícita do estado Estado,
que não presta o serviço a que está obrigado constitucionalmente, mas recebe
o excessivo tributo, bem como autoriza a cobrança de eventual “contribuição”
imposta pelo grupo que se apossou de umas poucas ruas da vizinhança,
colocou duas ou três cancelas ilegais nas extremidades e passou a se servir do
medo que ela própria fez nascer no morador.
Não se pode afastar o Direito da realidade social e atual que a
Sociedade Brasileira vivencia nos dias de hoje.
Ao invés de privatizar as obrigações do Estado, a Sociedade deve
exigir que o Estado cumpra com suas obrigações, para as quais recebe grande
parte da riqueza produzida por esta mesma Sociedade.
Diante do exposto, o voto é no sentido de conhecer e dar
provimento ao recurso para julgar improcedente o pedido, invertendo-se
os ônus da sucumbência.
Rio de Janeiro, 15 de março de 2011
Rogerio de Oliveira Souza
Desembargador Relator
MINDD - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DAS VITIMAS DOS FALSOS CONDOMINIOS - 13.06.2008 A 13.06.2023- 15 ANOS DE GRANDES VITORIAS FALSE CONDOMINIUMS´s VICTIMS Community- A non-profit organisation focusing on Human Rights issues around the world, with particular focus on BRAZIL - DESDE 2008 AJUDANDO A DEFENDER A DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS NO BRASIL - email : mindd.defesa.de.direitos@gmail.com
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Um comentário:
Que bom, ainda existem pessoas lúcidas como o Desembargador Rogério de Oliveira Souza. Consegue enxergar o óbvio. Imaginem os Cariocas se o Rei Roberto Carlos que mora na Urca, resolva fundar uma Associaçao, colocar guaritas nas duas ruas de acesso, e passe a cobrar dos moradores a taxa de "Condomínio". Será que neste caso o poder público ficaria omisso?
O ilustre Desembargador consegue com linguagem e texto impecável transmitir o pensamento de uma minoria que nao se entrega aos golpes proferidos pelas Associaçoes, que luta pela Democracia e o respeito pela Carta Magna Brasileira.
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