domingo, 20 de março de 2011

MP RJ petição inicial de Ação Civil Publica - Contrato de adesão de venda de imóvel - Violação do art. 51 , X e XII do CDC, violação do art. 5o., inciso XX da CF /88

Processo 2009.001.218643-7                   1ª Petição inicial



Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da Vara Empresarial da Comarca da Capital

Construtora. Contrato de adesão de venda de imóveis. Cobrança de contribuição para a construção de escola municipal e de averbação da construção. Providências para obtenção da licença e regularização de construção. Cobranças indevidas e abusivas. Obrigações do incorporador/construtor. Violação do art. 51, X e XII do CDC. Cláusula obrigando a participar de Sociedade Civil. Violação do art. 5º XX da CR. Ninguém pode ser compelido a se associar. Violação da boa fé objetiva e dos deveres acessórios do contrato.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por intermédio do Promotor de Justiça que ao final subscreve, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, e com fulcro na Lei 7.347/85 e 8.078/90, ajuizar a competente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONSUMERISTA com pedido de liminar

em face de CALÇADA EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS S.A., inscrita no CNPJ/MF n.º 30.092.068/0001-09, com sede na Rua Victor Civita nº. 66, Bloco 2, Grupo 530, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro - RJ, e SPE BARRA BONITA EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO LTDA, inscrita no CNPJ/MF n.º 07.847.493/0001-49, com sede na Rua Victor Civita nº. 66, Bloco 2, Grupo 530, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro - RJ pelas razões que passa a expor:

Legitimidade do Ministério Público

O Ministério Público possui legitimidade para propositura de ações em defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, nos termos do art. 81, parágrafo único, I, II e III c/c art. 82, I, da Lei nº. 8078/90, assim como nos termos do art. 127, caput e art. 129, III da CF, ainda mais em hipóteses como a do caso em tela, em que o número de lesados é muito expressivo, vez que é sabido que a ré possui diversos empreendimentos e clientes, vinculando-os através de contrato de adesão, sendo a matéria de elevada importância. Claro está o interesse social que justifica a atuação do Ministério Público.



Nesse sentido podem ser citados vários acórdãos do E. Superior Tribunal de Justiça, entre os quais:



PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COLETIVA. DIREITOS COLETIVOS, INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS E DIFUSOS. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. JURISPRUDÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO.


- O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação coletiva de proteção ao consumidor, inclusive para tutela de interesses e direitos coletivos e individuais homogêneos. (AGA 253686/SP, 4a Turma, DJ 05/06/2000, pág. 176).


DOS FATOS

As sociedades empresárias exercem as atividades de incorporação e construção imobiliária e, durante a realização da obra, realizam a venda de imóveis decorrente da referida construção.

Conforme se esclareceu no inquérito civil nº. 314/2009, as Empresas rés, através de contrato de adesão, impõem aos consumidores a cobrança do que chama de "taxa de serviços complementares extraordinários" e nela incluem de forma indevida a cobrança de averbação da Construção, contribuição compulsória proporcional para a construção de escola municipal, além da cobrança de IPTU e contribuições mensais para a sociedade civil de Barra Bonita.



Dessa forma, a atitude dos réus revela-se contrária aos ditames da Constituição da República e do Código de Defesa do Consumidor, conforme veremos.




DA FUNDAMENTAÇÃO

a) Contrato de adesão

Inicialmente, antes da análise de cada cláusula abusiva, é preciso destacar que os contratos pactuados entre os réus e os consumidores são contratos de adesão. Entende-se por "contrato de adesão" aqueles contratos já escritos, preparados com anterioridade pelo fornecedor. Para caracterização dessa espécie contratual exige-se a aceitação em bloco, por parte do consumidor aderente, de uma série de cláusulas pré-elaboradas unilateralmente.

O tratamento legal do tema é destacado no art. 54 do Código de Defesa do Consumidor. Juntamente com a definição legal, as normas contidas no CDC albergam a tutela ao consumidor, impondo que as cláusulas contratuais deverão ser interpretadas da maneira mais favorável para a parte hipossuficiente na relação de consumo, ou seja, os consumidores.

Ocorre que, por suas características nitidamente impositivas, os contratos de adesão são, inúmeras vezes, desvirtuados e apresentam-se como grandes agressores dos direitos dos consumidores. É bastante comum ocorrer de o consumidor ser lesado de forma gravosa por empresas por conta de estipulações contratuais verdadeiramente criminosas contidas em contratos de adesão.

O consumidor aderente possui a seu favor toda a sorte de tutela admitida na Lei 8.078/90, mais especificamente em relação aos abusos das cláusulas estipuladas, pois a principal função do Código de Defesa do Consumidor é estabelecer, na medida do possível, o equilíbrio contratual entre as partes movido pelo princípio da função social do contrato.

Reputam-se abusivas aquelas cláusulas notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual, o que torna inválido o contrato pela nítida quebra do equilíbrio entre os estipulantes. O CDC trata da matéria em seu art. 51, quando o legislador não apenas define juridicamente o que são cláusulas abusivas como também delimita um rol exemplificativo de algumas dessas cláusulas, visto que sempre que for verificado desequilíbrio entre as partes o juiz poderá reconhecer a abusividade de uma cláusula, pautado nos princípios da boa-fé e da observância do Sistema de Proteção ao Consumidor. Devido à impossibilidade de o aderente discutir as bases do contrato, nos contratos de adesão, infelizmente, as cláusulas abusivas são muito freqüentes.

Um dos princípios basilares da proteção contratual é o princípio da boa-fé, constante no art. 4º, III, do Código de Defesa do Consumidor. Em consonância a este princípio todos os contratos celebrados nas relações de consumo devem possuir um aspecto geral de boa-fé, mesmo que indiretamente determinada. Toda cláusula que afrontar esse princípio será considerada abusiva e, portanto, nula de pleno direito.




b) Primeira cláusula abusiva: cobrança de IPTU e contribuições mensais para a sociedade civil de Barra Bonita

Deve-se destacar como cláusulas abusivas previstas pela ré em seu contrato adesivo de compra e venda de imóvel a cobrança de IPTU e contribuições mensais para a sociedade civil de Barra Bonita, encontrada na Cláusula 11.22 e 8.6.2 do referido contrato:



"11.22. Estuda-se a criação de uma sociedade civil, sem fins lucrativos para administração do condomínio de lotes de Barra Bonita, como um todo, que, quando criada, será devidamente registrada junto ao Cartório Civil de Pessoas Jurídicas e terá dentre seus objetivos a conservação da qualidade ambiental existente no condomínio assim como seu enriquecimento, a melhoria das condições de vida no loteamento, o cultivo da vida associativa, compreendendo a representação dos interesses da sociedade e seus sócios junto aos órgãos públicos, conservação e aprimoramento de todas as benfeitorias do loteamento, o cultivo da vida associativa, compreendendo a representação dos interesses da sociedade e seus sócios junto aos órgãos públicos, conservação e aprimoramento de todas as benfeitorias do loteamento, implementação de atividades culturais, recreativas, de esporte e lazer para seus integrantes. Caso isso venha a ocorrer, fica(m) o (a,s) outorgado (a,s) cientes de que terão que fazer parte dessa sociedade civil, tendo todos os direitos e deveres que ali forem declarados". (grifou-se)


8.6.2 - Além do pagamento acima, a titulo de preço fechado para os serviços descritos, serão rateados os valores necessários aos pagamentos dos itens elencados abaixo, que se revestem de indefinição da quantia, somente fixada no momento do pagamento.


(...)
* IPTU e Contribuições mensais para a Sociedade Civil Barra Bonita (grifo nosso).



A prática perpetrada pela ré afronta, de maneira clara, a nossa Constituição da República, mais precisamente seu art. 5º, inc. XX, que dispõe:


"Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito a vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:


XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;" (grifou-se)

De acordo com a supracitada norma, pode-se vislumbrar que na cláusula acima transcrita há violação de um direito fundamental que é a liberdade de associação. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação, e consequentemente, ser obrigado a contribuir para a sua manutenção.



A liberdade de associação é um conceito legal constitucional que se caracteriza pelo direito que os homens têm de mutuamente escolherem os seus associados para cumprir um determinado fim. Este conceito encontra-se incluído em diversas constituições bem como na Convençao Européia dos Direitos Humanos. Portanto, se há obrigação de contribuir para a associação, burlada está tal liberdade, porque, de forma indireta está obrigando a pessoa a se associar.



A chamada Sociedade Civil de Barra Bonita caracteriza-se como uma associação de moradores e não como um condomínio edilício e, portanto, não pode obrigar os moradores da região a contribuir para a subsistência de sua associação através de contribuições, muito menos com base no contrato de adesão.



Vale transcrever algumas das inúmeras decisões do Superior Tribunal de Justiça que apontam a impossibilidade de cobrança compulsória para associação de moradores:



CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. CONDOMÍNIO ATÍPICO. COTAS RESULTANTES DE DESPESAS EM PROL DA SEGURANÇA E CONSERVAÇÃO DE ÁREA COMUM. COBRANÇA DE QUEM NÃO É ASSOCIADO. IMPOSSIBILIDADE.


1. Consoante entendimento firmado pela Eg. Segunda Seção desta Corte Superior, "as taxas de manutenção criadas por associação de moradores, não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo." (EREsp n.º 444.931/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Rel. p/ Acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, Segunda Seção, DJU de 01.02.2006).


2. Recurso especial provido.


(REsp 1071772/RJ, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 07/10/2008, DJe 17/11/2008)

Loteamento. Associação de moradores. Cobrança de taxa condominial. Precedentes da Corte.


1. Nada impede que os moradores de determinado loteamento constituam condomínio, mas deve ser obedecido o que dispõe o art. 8º da Lei nº 4.591/64. No caso, isso não ocorreu, sendo a autora sociedade civil e os estatutos sociais obrigando apenas aqueles que o subscreverem ou forem posteriormente admitidos.


2. Recurso especial conhecido e provido.


(REsp 623.274/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/05/2007, DJ 18/06/2007 p. 254)

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES.


TAXAS DE MANUTENÇÃO DO LOTEAMENTO. IMPOSIÇÃO A QUEM NÃO É ASSOCIADO.


IMPOSSIBILIDADE.


- As taxas de manutenção criadas por associação de moradores, não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo.


(EREsp 444931/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Rel. p/ Acórdão Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/10/2005, DJ 01/02/2006 p. 427)

AgRg no Ag 1026529 / RJ
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
2008/0056012-1 Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS) (8155) T3 - TERCEIRA TURMA12/05/2009 DJe 25/05/2009 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. FUNDAMENTOS INSUFICIENTES PARA REFORMAR A DECISÃO AGRAVADA. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES QUALIFICADA COMO SOCIEDADE CIVIL. COBRANÇA COMPULSÓRIA DE TAXA CONDOMINIAL. IMPOSSIBILIDADE. ART. 3º DO DECRETO-LEI 271/67.


AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N.º 282 STF.


1. A agravante não trouxe argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a
negativa do provimento ao agravo regimental.


2.A orientação jurisprudencial desta Corte é no sentido de que a associação de moradores, qualificada como sociedade civil, sem fins lucrativos, não tem autoridade para cobrar taxa condominial ou qualquer contribuição compulsória .


3. É inadimissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada (Súmula 282 do STF). Aplicável por analogia.


4. Agravo regimental a que se nega provimento. (grifou-se)

REsp 1071772 / RJ
RECURSO ESPECIAL 2008/0146245-5 Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (8135) T4 - QUARTA TURMA07/10/2008 DJe 17/11/2008 CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES.


CONDOMÍNIO ATÍPICO. COTAS RESULTANTES DE DESPESAS EM PROL DA SEGURANÇA E CONSERVAÇÃO DE ÁREA COMUM. COBRANÇA DE QUEM NÃO É ASSOCIADO. IMPOSSIBILIDADE.


1. Consoante entendimento firmado pela Eg. Segunda Seção desta Corte Superior, "as taxas de manutenção criadas por associação de Moradores", não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo." (EREsp n.º 444.931/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Rel. p/ Acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, Segunda Seção, DJU de 01.02.2006).


2. Recurso especial provido. (grifou-se)

Ademais, prevê o art. 6º, IV do Código de Defesa do Consumidor que é direito básico do consumidor a proteção contra práticas coercitivas, bem como práticas abusivas:




Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:



IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; (grifou-se).

A estipulação da obrigação de se associar em contrato de adesão figura-se completamente abusiva. A prática descrita, pois, deve ser vedada por ser abusiva e coercitiva, indo de encontro ao previsto pela Constituição da República e pelo Código de Defesa do Consumidor.



c) Segunda cláusula abusiva: cobrança de contribuição compulsória proporcional para a construção de escola municipal e averbação de construção

A cláusula 8.6.2 também não ultrapassada uma análise rasa de legalidade. Dispõe a referida cláusula in verbis:



8.6.2 - Além do pagamento acima, a titulo de preço fechado para os serviços descritos, serão rateados os valores necessários aos pagamentos dos itens elencados abaixo, que se revestem de indefinição da quantia, somente fixada no momento do pagamento.


(...)
* Averbação da Construção
* (...)
* Despesas com ligações definitivas de serviços públicos e de concessionárias, tais como CEDAE, CORPO DE BOMBEIROS, CEG, LIGHT (incluindo os medidores eletrônicos), TELEMAR, contribuição compulsória proporcional para a construção de escola municipal e emolumentos para aceite do Departamento de PARQUES E JARDINS e plantio de mudas. (grifou-se).



Essa construção de escola municipal citada é uma obrigação do empreendedor exigida pelo Município, quando há a construção de grandes empreendimentos. Para que seja concedida a licença de construção e o 'habite-se", o Município exige que seja construído algum tipo de espaço, que preste serviços público, para atender a demanda populacional que passará a freqüentar aquela localidade.



No entanto, essa exigência do Poder Público configura-se como custo da obrigação do Empreendedor e, portanto, não pode ser repassada para o consumidor, por constituir uma cláusula abusiva e vedada pelo Código de Defesa do Consumidor.



Da mesma forma no tocante à averbação da construção, diretamente ligada à entrega do imóvel regularizado, obrigação do incorporador.

Dispõe o art. 51 que são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos ou serviços que:



XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;



Dessa forma, restando clara a intenção dos réus em repassar para o consumidor um custo que é seu, através da malfadada cláusula contratual, age o Empreendedor de forma abusiva e contrária aos princípios que regem a relação de consumo.



d) Violação ao princípio da boa-fé objetiva

A par do já exposto, as condutas adotas pelos réus violam claramente o princípio da boa-fé objetiva esculpido no art. 51, IV do CDC:



Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:



IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;



O inciso IV do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, conforme a doutrina pátria, é visto como cláusula geral de conduta a ser seguida pelo consumidor e, principalmente, pelo fornecedor, parte mais forte na relação consumerista.



Ocorre, no caso em tela, a chamada violação positiva do contrato, porque o fornecedor de serviço infringe os deveres jurídicos anexos, atingindo, consequentemente, a boa-fé objetiva.



Os deveres anexos, obrigações concomitantes à prestação principal, podem ser divididos em três: dever de informação, dever de cooperação e dever de cuidado.



Na presente lide, percebemos que a atitude dos réus de fornecimento de serviço ao consumidor, obrigando-o a se associar e repassando o custo de uma obrigação que não lhe pertence, viola esses deveres anexos que devem atuar na fase pré-contratual e pós-contratual.

O que se vê, portanto, é a perpetração de uma atitude que além de contrariar a própria Lei Maior, em seu art. 5º, XX, e os arts. 6º, IV e 51, XII do Código de Defesa do Consumidor, afronta o princípio regente, principalmente, das relações de consumo, o qual é o princípio da boa-fé objetiva.



e) O dano moral coletivo

Em um primeiro momento é importante frisar, com relação ao dano moral coletivo, a sua previsão expressa no nosso ordenamento jurídico nos art. 6º, VI e VII do CDC.



Art. 6º São direitos básicos do consumidor:



VI - a efetiva proteção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;



VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

No mesmo sentido, o art. 1º da Lei nº. 7.347/85:



Art. 1º Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (grifou-se).

I - ao meio ambiente;


II - ao consumidor;


III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;


IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;


V - por infração da ordem econômica e da economia popular;


VI - à ordem urbanística.



Assim, como afirma Leornado Roscoe Bessa, em artigo dedicado especificamente ao tema, "além de condenação pelos danos materiais causados ao meio ambiente, consumidor ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, destacou, a nova redação do art. 1º, a responsabilidade por dano moral em decorrência de violação de tais direitos, tudo com o propósito de conferir-lhes proteção diferenciada".1

Como afirma o autor, a concepção do dano moral coletivo não pode está mais presa ao modelo teórico da responsabilidade civil privada, de relações intersubjetivas unipessoais.



Tratamos, nesse momento, uma nova gama de direitos, difusos e coletivos, necessitando-se, pois, de uma nova forma de sua tutela. E essa nova proteção, com base no art. 5º, inciso XXXV da Constituição da República, se sobressai, sobretudo, no aspecto preventivo da lesão. Por isso, são cogentes meios idôneos a punir o comportamento que ofenda (ou ameace) direitos transindividuais.



Nas palavras do mesmo autor, "em face da exagerada simplicidade com que o tema foi tratado legalmente, a par da ausência de modelo teórico próprio e sedimentado para atender aos conflitos transindividuais, faz-se necessário construir soluções que vão se utilizar, a um só tempo, de algumas noções extraídas da responsabilidade civil, bem como de perspectiva própria do direito penal".2

Portanto, a par dessas premissas, vemos que a função do dano moral coletivo é homenagear os princípios da prevenção e precaução, com o intuito de propiciar uma tutela mais efetiva aos direitos difusos e coletivos, como no caso em tela.



Neste ponto, a disciplina do dano moral coletivo se aproxima do direito penal, especificamente de sua finalidade preventiva, ou seja, de prevenir nova lesão a direitos metaindividuais.



Menciona, inclusive, Leonardo Roscoe Bessa que "como reforço de argumento para conclusão relativa ao caráter punitivo do dano moral coletivo, é importante ressaltar a aceitação da sua função punitiva até mesmo nas relações privadas individuais.".3

Ou seja, o caráter punitivo do dano moral sempre esteve presente, até mesmo nas relações de cunho privado e intersubjetivas. É o que se vislumbra da fixação de astreintes e de cláusula penal compensatória, a qual tem o objetivo de pré-liquidação das perdas e danos e de coerção ao cumprimento da obrigação.



Ademais, a função punitiva do dano moral individual é amplamente aceita na doutrina e na jurisprudência. Tem-se, portanto, um caráter dúplice do dano moral: indenizatório e punitivo. E o mesmo se aplica, nessa esteira, ao dano moral coletivo.



Em resumo, mais uma vez se utilizando do brilhante artigo produzido por Leonardo Roscoe Bessa, "a dor psíquica ou, de modo mais genérico, a afetação da integridade psicofísica da pessoa ou da coletividade não é pressuposto para caracterização do dano moral coletivo. Não há que se falar nem mesmo em "sentimento de desapreço e de perda de valores essenciais que afetam negativamente toda uma coletividade" (André Carvalho Ramos) "diminuição da estima, inflingidos e apreendidos em dimensão coletiva" ou "modificação desvaliosa do espírito coletivo" (Xisto Tiago). Embora a afetação negativa do estado anímico (individual ou coletivo) possa ocorrer, em face das mais diversos meios de ofensa a direitos difusos e coletivos, a configuração do denominado dano moral coletivo é absolutamente independente desse pressuposto".4

Constitui-se, portanto, o dano moral coletivo de uma função punitiva em virtude da violação de direitos difusos e coletivos, sendo devidos, de forma clara, no caso em apreço.



O repasse para o consumidor de uma obrigação do fornecedor e a obrigação imposta de fazer parte de uma associação, sem a prévia solicitação do consumidor viola o Código de Defesa do Consumidor. É necessário, pois, que o ordenamento jurídico crie sanções a essa atitude dos réus, a par da cessação da prática, sendo esta a função do dano moral coletivo.



Nesse sentido a jurisprudência do TJ-RJ, com o reconhecimento do dano moral coletivo:


2008.001.35720 - APELAÇÃO, DES. ANA MARIA OLIVEIRA - Julgamento: 07/10/2008 - OITAVA CÂMARA CIVEL Ação civil pública proposta pelo Ministério Público objetivando compelir a Ré, fornecedora de serviço de energia elétrica, a não condicionar a ligação da luz no imóvel ao pagamento de débito de terceiro, sob pena de multa, bem como, a indenizar seus consumidores por danos material e moral. Sentença que julga procedente o pedido, arbitrando indenização por dano moral coletivo em R$ 5.000,00. Apelação da Ré. Legitimidade do Ministério Público para figurar no pólo ativo de ação civil pública que envolve interesses individuais homogêneos. Inteligência dos artigos 81, parágrafo único, inciso III e 82, inciso I da Lei 8.078/90. Reiteradas ações judiciais individuais sobre a questão objeto desta controvérsia que comprovam a prática de atribuir indevidamente ao débito da tarifa de energia elétrica a natureza propter rem, o que não tem amparo legal, nem nas resoluções da ANEEL. Prática abusiva que conduziu com acerto à imposição à Ré de se abster de qualquer ato que atribua ao consumidor responsabilidade por débitos anteriores, inclusive, condicionando o fornecimento do serviço à quitação desse débito. Multa cominatória arbitrada em valor compatível com o caráter coercitivo do instituto. Dever de indenizar corretamente reconhecido na sentença. Dano material que será apurado em liquidação de sentença, ocasião em que o consumidor deverá comprovar o fato gerador do direito reclamado. Dano moral coletivo corretamente reconhecido ante a intranqüilidade gerada pela ofensa à proteção legal do direito do consumidor. Indenização arbitrada observando critérios de razoabilidade e de proporcionalidade. Desprovimento da apelação. (grifou-se).


2008.001.08246 - APELAÇÃO, DES. JOSE CARLOS PAES - Julgamento: 13/08/2008 - DÉCIMA QUARTA CÂMARA CIVEL AGRAVO INOMINADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO.1. A alegação da ocorrência de cerce-amento de defesa não prospera, visto que, conforme expresso na sentença, basta a verificação da documentação acostada para que o Juízo possa afe-rir se houve violação ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor, não dependendo, portanto, de conhe-cimento técnico para tal. Assim, a hi-pótese se enquadra no art. 420, pará-grafo único, I, do CPC.2. O argumento de que nas promo-ções realizadas não havia qualquer condição de consumo dos minutos do plano de franquia é facilmente afasta-do, diante de suas próprias alegações de que as publicidades ofertadas fo-ram claras em informar que dependia do consumo dos minutos da franquia.3. Da mesma forma, as afirmativas de que informou expressamente em seu material publicitário que a tarifa pro-mocional somente seria válida após o consumo da franquia e do pacote principal não merecem amparo, uma que dispostas de forma difícil de ler, em letras miúdas, que não chamam a atenção do consumidor, dificulta-lhe a leitura. 4. O dano moral coletivo é direito básico do consumidor. Art. 6º, VI, da lei 8078/90. Precedentes do STJ, TJ/MG e TJ/RS.5. Todavia, não há de se falar em con-denação da ré em honorários ao Mi-nistério Público. Precedente do STJ.6. Negado provimento ao recurso. (grifou-se)

f) Os pressupostos para o deferimento da liminar

PRESENTES AINDA OS PRESSUPOSTOS PARA O DEFERIMENTO DE LIMINAR, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora.

O fumus boni iuris encontra-se configurado, já que os réus vêm desrespeitando a lei de defesa do consumidor, através da efetivação de práticas abusivas e coercitivas, impondo ao consumidor o pagamento de custos que não são de sua obrigação e obrigando o consumidor a contribuir para uma associação da qual não faz parte.



O periculum in mora se prende à circunstância de que os prejuízos que vêm sendo causados ao consumidor são irreparáveis ou de difícil reparação.

O contrato de promessa de compra e venda ou de compra e venda oferecido pelos réus aos consumidores é de adesão, e inclui as cláusulas abusivas, contrariando a Constituição da República e o Código de Defesa do Consumidor. Assim, diversos consumidores que assinaram e que venha a assinar o referido contrato estão ou serão lesados pela imposição desta prática abusiva.



Desse modo, caso espere-se até a sentença da lide, novos consumidores serão lesados e, em muitos casos, não obterão o ressarcimento dos valores pagos injustamente, o que acarretará o enriquecimento sem causa da ré.



DO PEDIDO LIMINAR

Ante o exposto o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO requer LIMINARMENTE E SEM A OITIVA DA PARTE CONTRÁRIA que seja determinado initio litis aos réus para que se abstenham: a) de exigir do consumidor a associação a qualquer ente, bem como cobrar importâncias, de qualquer natureza, relacionadas com tais associações; b) de repassar ao consumidor as despesas para averbação da Construção, para a construção da escola municipal ou quaisquer outros gastos realizados para obtenção de licença de construção, sob pena de multa diária no valor de R$20.000,00 (vinte mil reais).




DOS PEDIDOS PRINCIPAIS

Requer ainda o Ministério Público:
a) que, após apreciado liminarmente e deferido, seja julgado procedente o pedido formulado em caráter liminar;

b) se abstenham de: i) de exigir do consumidor a associação a qualquer ente, bem como cobrar importâncias, de qualquer natureza, relacionadas com tal associação; ii) de repassar ao consumidor as despesas para averbação da Construção, para a construção de escola municipal ou quaisquer outros gastos realizados para obtenção de licença e regularização da construção, sob pena de multa diária no valor de R$20.000,00 (vinte mil reais);

c) que sejam os réus condenados ao pagamento, a título de dano moral coletivo, do valor mínimo de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), corrigidos e acrescidos de juros, cujo valor reverterá ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados, mencionado no art. 13 da Lei n° 7.347/85;

d) que seja a ré condenada a indenizar, da forma mais ampla e completa possível, os danos materiais e morais causados aos consumidores individualmente considerados, como estabelece o art. 6º, VI do CDC, pelas práticas descritas como causas de pedir, inclusive com a repetição, em dobro, dos valores recebidos indevidamente, conforme dispõe o art. 42 do CDC;


e) a publicação do edital ao qual se refere o art. 94 do CDC;

f) a citação dos réus para que, querendo, apresentem contestação, sob pena de revelia;

g) que sejam condenadas os réus ao pagamento de todos os ônus da sucumbência, incluindo os honorários advocatícios.

Protesta, ainda, o Ministério Público, nos termos do art. 332 do Código de Processo Civil, pela produção de todas as provas em direito admissíveis, notadamente a pericial, a documental, bem como depoimento pessoal da ré, sob pena de confissão, sem prejuízo da inversão do ônus da prova previsto no art. 6o, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.

Dá-se a esta causa, por força do disposto no art. 258 do Código de Processo Civil, o valor de R$500.000,00 (quinhentos mil reais).

Rio de Janeiro, 24 de agosto de 2009.

Julio Machado Teixeira Costa
Promotor de Justiça
Mat. 2099
1 BESSA, Leonardo Roscoe. Dano moral coletivo. In Revista de Direito do Consumidor nº 59/2006.


2 _____, Leonardo Roscoe. Dano moral coletivo. In Revista de Direito do Consumidor nº 59/2006.


3 _____. Dano moral coletivo. In Revista de Direito do Consumidor nº 59/2006.


4 _____. Dano moral coletivo. In Revista de Direito do Consumidor nº 59/2006.

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