terça-feira, 18 de janeiro de 2011

CARTA ABERTA AO PRESIDENTE DO BRASIL

Camaçari, Bahia 17 de novembro de 2010

Excelentíssimo Senhor Presidente Luiz Inácio LULA da Silva,

Esta é a primeira vez que escrevo ao senhor nesses oitos anos de seu governo. Antes de mais nada, quero enfatizar que pela primeira vez na minha vida tenho orgulho do Presidente do meu país. O Brasil tem carência de líderes e o senhor tornou-se um grande líder dos cidadãos deste país, reconhecido internacionalmente. Sua história, personalidade e caráter asseguram-me que apesar de todas as barreiras, tudo é possível quando uma pessoa se dedica a uma grande causa.
Presidente Lula, sou morador do estado da Bahia, estado composto de praias belíssimas, o qual o senhor conhece bem. Contudo, os fatos que descreverei a seguir, não referem-se à beleza das praias, mais sim a violações de direitos constitucionais e direitos humanos que estão ocorrendo aqui.
A Constituíção Federal de 1988, que o senhor ajudou a escrever, garante a todos os cidadãos brasileiros independentemente da classe social, da cor, sexo, idade, etc., o direito de respeito à sua dignidade de pessoa humana, o direito ao trabalho, ao lazer e a transitar livremente no território nacional sem serem constrangidos. Infelizmente, esses direitos estão sériamente ameaçados e sendo negados em alguns casos pela ganância, desrespeito às leis, desrespeito à Constitituíção Federal e abuso de poder por parte de empresas de seguranças e associações de moradores de loteamentos irregularmente fechados que se auto-denominam “condomínios” para auferir direitos que não possuem, sobre a propriedade de uso comum do POVO.
Presidente Lula, não só os direitos de cidadãos estão sendo ameaçados, mais também uma parte da cultura da Bahia, está em jogo – a cultura da pesca artesanal, da vida na beira da praias e das lagoas. Cultura essa imortalizada nas imagens e canções da Lagoa do Abaeté, nas canções de Dorival Caymmi e nos livros de Jorge Amado.
Senhor Presidente, os fatos que se seguem são depoimentos que colhi e eventos que presenciei dos quais possuo testemunhas e posso provar com documentos, vídeos ou fotos:
Um grande parte do município de Camaçari, na Bahia, é banhado por belíssimas praias. Contudo, o POVO deste e outros municípios, que usufruem destas praias, estão sendo impedidos a terem acesso as mesmas, devido à construção de inúmeras portarias em ruas públicas por parte dos loteamentos irregularmente fechados, dificultando em alguns casos e negando completamente em outros, o acesso a estas praias.
Os abusos são inúmeros: Seguranças privadas param e anotam placas de carros em vias públicas; pedestres são constrangidos a mostrarem documento de identidade para transitar em ruas publicas e em casos extremos, existem denúncias de proíbição de jogo de futebol e realização de churrasco na areia da praia.
Pessoas que precisam ter acesso às praias diariamente são as que mais sofrem com esses abusos. Pescadores, por exemplo, em algumas praias da Bahia estão tendo que discutir, brigar e enfrentar os maiores tipos de constrangimentos e humilhações para poderem trabalhar e sustentar suas famílias.
Por exemplo, o Condomínio Resort Busca Vida - um "condomínio" de legalidade duvidosa, uma vez que se trata de loteamento urbano aberto, e a Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Município de Camaçari não dispõe do Termo de Acordo e Compromisso(TAC), nem das plantas originais da área, mas apenas de um decreto do ano 2000, em que um ex-prefeito transformou uma área PUBLICA, inclusive as ruas que dão acesso às PRAIAS, em "condomínio fechado" – mantém segurança motorizada na praia. Nas patrulhas da segurança do tal "condomínio", pescadores e cidadãos são abordados e constrangidos em sua liberdade de livre transito . Os pescadores são obrigados a mostrarem carteira de pescador. A não apresentação da carteira faz com que seguranças exijam que o mesmo se retire da praia. Outros abusos incluem: Pescadores sendo proíbidos de armar barraca a noite na areia da praia, e em casos mais absurdos, pescadores são proibidos de andarem sem camisa, em uma ciclovia construída literalmente na areia da praia – área está tão próxima ao mar, que somente a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) pode decidir se foi construída legalmente.
Em outra praia, em Guarajuba, pescadores tem que discutir com síndicos para poderem atracarem seus barcos em portos secos. Isto acontece, devido aos inúmeros loteamentos fechados ilegalmente na região de Guarajuba fazerem fundo com as praias. Em tempo de mar alto ou em época de reparos nos barcos, pescadores tiram seus barcos d´água e os colocam na vegetação rasteira entre a areia da praia e o fundo dos loteamentos. Os síndicos desses loteamentos constrangem a retirar os barcos, discutem com pescadores e chamam até a polícia para que os barcos sejam removidos. O desgaste, irritação e a humilhação que essas pescadores passam para poderem trabalhar é vergonhoso e inaceitável. Tudo isso porque os loteamentos - falsos condominios - estão se apropriando das áreas da praia.
Os abusos continuam em outras áreas do municipio e nem mulheres marisqueiras estão livres do abuso. Em um incidente, as marisqueiras foram abordadas por seguranças enquanto mariscavam nas margens de um rio – as mulheres encontravam-se com o nível da água no altura do joelho – e o segurança de uma pousada alegou que aquela área era privada. As mulheres reclamaram, e se negaram a sair. Não há dúvidas contudo, baseados em seus relatos, de que suas auto-estimas foram abaladas por terem sido desrespeitadas. Outros abusos são as cercas e muros destes loteamentos, que invadem rios e manguezais e desta forma inviabilizam o trabalho delas. Sem nenhum respeito às leis ambientais, esses loteamentos - falsos condomínios - estão acabando com a pesca artesanal de mulheres que aprenderam esta forma de trabalho com suas mães e avós, que aprenderam anteriormente também com suas mães e avós, e que é uma fonte de SUSTENTO. Não estamos glamorizando este tipo trabalho. O que clamamos aqui é que os direitos humanos e as leis ambientais e de parcelamento do uso do solo sejam respeitadas, para que famílias que necessitam trabalhar em rios ou no mar possam utilizar essas áreas de maneira digna sem serem constrangidas ou terem suas formas de subsistência negadas.
Os abusos e desrespeito às leis não param por aí Presidente Lula. Em outros loteamentos, lagoas imensas foram usurpadas e mantidas a distância do POVO para o benefício de poucos. No lotemento fechado Parque do Jacuípe, seguranças proíbem pessoas de entrarem na lagoa para pescar ou banhar-se, a menos que o documento de identidade seja apresentado na portaria do loteamento.
Novamente na região de Guarajuba, no loteamento Paraíso das Lagoas, uma das maiores e mais belas lagoas do Litoral Norte da Bahia está vigiada 24 horas por dia e 7 dias por semana e em um trecho da lagoa, grades foram instaladas, tudo para garantir que o POVO não tenha acesso à mesma. É importante lembrar que gerações de famílias banhavam-se e pescavam nessa lagoa e agora somente algumas centenas de casas tem acesso privativo à mesma.
Por fim, as ruas públicas estão sob controle destes grupos que se consideram acima da lei. Ônibus de passeio são proíbidos de trafegarem nas ruas dos loteamentos; empresas de limpeza pública e correios estão proíbidos também de entrarem.
O loteamento Vilas do Jacuípe chegou ao ponto de exigir que trabalhadores como piscineiros, jardineiros e encanadores mostrarem antecedentes criminais se quiserem transitar em áreas públicas. Tirar esses antecendentes não constitui tarefa fácil e os trabalhadores precisam aguardar em longas filas no centro da cidade e muitas vezes perdem suas oportunidades de trabalho.
É de suma importãncia enfatizar que, num estado como a Bahia, onde a desigualdade social é mais gritante do que em outras partes do Brasil e a pobreza limita milhares de famílias a terem como únicas formas de lazer o acesso à praias, a rios, a lagoas e reservas naturais, proibir o acessso a essas áreas não é só inaceitável e aviltante como é uma questão de violação de direitos humanos. Violações tão inaceitáveis que requerem a atenção da comunidade internacional. Esses são bens inalienáveis do POVO que não podem ser usurpados por administradoras de loteamentos e associações de moradores de loteamentos e por "empresas" de segurança privada patrulhando ruas publicas.
Presidente Lula, a existência e proliferação destes loteamentos fechados, em nada está contribuindo para o fortalecimento de uma sociedade brasileira justa e igualitária, onde brasileiros orgulham-se de seu país. Muito pelo contrário. Este fenômeno de apropriação e usurpação ilegal do bem público, está trazendo sérias consequências para a sociedade brasileira, deixando milhares de brasileiros envergonhados de seu país.
Por exemplo, as famílias que moram atrás dos muros e portarias armadas desses loteamentos são vítimas também. Elas são obrigadas a pagarem taxas caras de “condomínio” morando em loteamento. Muitas dessas famílias não se associaram e recusam-se a pagar bi-tributação para morar em área pública. Contudo o não pagamento dessas taxas resulta em ações judicias por parte dos falsos condomínios, o que gera desgaste financeiro e emocional a essas famílias. Outra consequência é que essas famílias, tornam-se prisioneiras do medo e do isolamento. Todos tornam-se suspeitos para elas, devido a propaganda de medo criada pelas empresas de seguranças. Como consequência, essas famílias ficam longe de oportunidades de envolvimento na comunidade o que enriqueceria e beneficiaria a todos.
As administradoras de loteamentos e empresas de segurança que vendem medo e terror, lucram ilegalmente e fecham áreas públicas, não são a solução para os problemas de segurança. Muito pelo contrário. Elas apenas aumentam o clima de tensão, aguçam preconceitos, criam oportunidades de práticas discriminatórias e incitam a hostilidade e animosidade entre as classes sociais, gerando desta forma mais conflitos. Além do mais, a tolerância dessas organizações por parte do poder público, manda a mensagem para todos de que criar esquemas ilegais e lucrativos será tolerado neste país.
Por seguinte, a segregação social criada pela visível presença dos que TEM e dos que NÂO TEM NADA ficam ainda mais explícitos, uma vez que incontáveis áreas públicas estão tornando-se da noite para o dia em “condomínios” fechados. Como resultado, os ressentimentos e possíveis conflitos entre a comunidade excluída e discriminada e esses loteamentos vai aumentar e não diminuir.
Por fim, as violações claras à Constituícão Federal e as decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça mostram a todos os cidadãos brasileiros e à comunidade internacional, que o Brasil não é um país SÉRIO. Que as únicas coisas que são tratadas com seriedade neste país são o carnaval e o futebol.
Em meio a esse caos que estamos vivendo aqui na Bahia, acredito que somente com sua intervenção, senhor Presidente, pode-se impedir o que está acontecendo aqui. Não podemos retroceder ao passado recente de nossa história em que terras públicas eram doadas a fazendeiros e latifundios eram criados e o POVO era forçado à marginalidade.
Presidente Lula, invoco seu passado de menino pobre, de filho de nordestinos, de alguém que já pegou caranguejo no mangue e vendeu laranja, para imaginar o que está acontecendo aqui na Bahia. Invoco também sua posição de Presidente de todos os brasileiros, independentemente de classe social, respeitado mundialmente, para intervir urgentemente nesta situação no mínimo vexatória praticada por grupos que se acham acima da lei. Com essas, encerro meu apelo.
Muito obrigado, axé forte.
the undersigned

www.avilesba.blogspot.com

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