Recurso tempestivo, estando presentes os demais requisitos de admissibilidade.
A controvérsia devolvida a este órgão julgador se restringe a definir se o autor é um condomínio regularmente constituído ou se é uma associação de moradores, a fim de identificar o regime legal aplicável à hipótese e, via de consequência, definir a possibilidade de se impor à ré o pagamento das cotas condominiais.
Com efeito, a natureza jurídica do Condomínio Village das Rosas já foi analisada por este Tribunal de Justiça em diversos julgados, alguns reconhecendo que se trata de um condomínio, outros afirmando tratar-se de mera associação de moradores.
Na verdade, os precedentes que reconhecem ser o autor um condomínio se baseiam no fato de que o demandante possuiu uma convenção condominial aprovada pelos moradores, ainda que sem registro no RI, a qual prevê o rateio das despesas comuns. Argumenta-se também que o Condomínio Village das Rosas está inscrito no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica perante a Receita Federal como “condomínio edilício”.
Ocorre que a constituição de um condomínio depende da inscrição do seu ato constitutivo no Cartório de Registro de Imóveis, conforme preconizado no artigo 1332 do Código Civil, cujo teor se transcreve, verbis:
“Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial:
I - a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns;
II - a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns;
III - o fim a que as unidades se destinam.
Art. 1.333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde
logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos
sobre elas tenham posse ou detenção.
Parágrafo único. Para ser oponível contra terceiros, a convenção do condomínio
deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis.” Grifei.
No mesmo sentido a Lei 4.591/64, que dispõe sobre o condomínio em
edificações e sobre as incorporações imobiliárias, estabelece, em seu art. 7º, que o
condomínio pressupõe a inscrição obrigatória no Registro de Imóveis. Confira-se:
“Art. 7º - O condomínio por unidades autônomas instituir-se-á por ato entre
vivos ou por testamento, com inscrição obrigatória no Registro de Imóvel,
dele constando; a individualização de cada unidade, sua identificação e
discriminação, bem como a fração ideal sobre o terreno e partes comuns,
atribuída a cada unidade, dispensando-se a descrição interna da unidade.”
Grifei.
O Condomínio Village das Rosas, porém, não possui seu ato de
instituição registrado no Cartório de Registro de Imóveis. Por outro lado, o fato de estar
inscrito no CNPJ como “condomínio” não infirma a conclusão de que não se trata de
condomínio, já que o CNPJ tem finalidade meramente fiscal, sendo certo que a
inscrição se dá independentemente da natureza da entidade ou da existência ou não
de personalidade jurídica, na forma do art. 4.º, da Instrução Normativa RFB n.º 1.863,
DE 27/12/2018. Vale ressaltar que a ré anexou aos autos uma consulta ao site da
Receita Federal onde consta o registro do Condomínio Village das Rosas como
associação no ano de 2001 (fls. 139/140).
Desse modo, não tendo ato constitutivo registrado perante o Cartório de
Registro de Imóveis, impõe-se concluir que o autor é mero “condomínio de fato”,
situação que atrai o entendimento firmado pelo STF no Tema nº 492, segundo o qual:
“É inconstitucional a cobrança por parte de associação de taxa de
manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de
proprietário não associado até o advento da Lei nº 13.465/17, ou de anterior
lei municipal que discipline a questão, a partir da qual se torna possível a
cotização dos proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em
loteamentos de acesso controlado, que i) já possuindo lote, adiram ao ato constitutivo das entidades equiparadas a administradoras de imóveis ou (ii)
sendo novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação esteja
registrado no competente Registro de Imóveis.”
Destaco a jurisprudência deste Tribunal de Justiça em hipóteses
idênticas, em que figura como o autor o mesmo condomínio:
“Apelação Cível. Ação de Cobrança. Direito Civil. Condomínio de fato.
Pretensão de cobrança de cota condominial. Associação de moradores.
Alegação de inadimplência. Sentença de improcedência. Manutenção.
Liberdade de associação. Não admissão de manifestação por “anuência
tácita”. Julgamento pelo E.STJ do TEMA N.882, Recurso Repetitivo, firmando a
seguinte tese: “As taxas de manutenção criadas por associações de moradores
não obrigam os não associados ou os que a elas não anuíram.”
Inconstitucionalidade de cobrança de cota associativa a ente não associado.
Julgamento pelo E.STF, em sede de Repercussão Geral, do RE nº 695.911, j.
18/12/2020, Tema n.492. Ausência de prova de associação. Descumprimento do
art.373, I, do CPC. Majoração dos honorários advocatícios, na forma do art.85,
§11, do CPC. Jurisprudência e precedentes citados: 0050038-
47.2019.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). REGINA LUCIA PASSOS -
Julgamento: 06/10/2021 - VIGÉSIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL; 0026448-
33.2018.8.19.0209 - APELAÇÃO. Des(a). ALVARO HENRIQUE TEIXEIRA DE
ALMEIDA - Julgamento: 13/10/2021 - VIGÉSIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL;
0028852-12.2017.8.19.0203 - APELAÇÃO. Des(a). LUIZ EDUARDO C
CANABARRO - Julgamento: 12/05/2021 - VIGÉSIMA QUARTA CÂMARA
CÍVEL. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (0028135-29.2019.8.19.0203 -
APELAÇÃO. Des(a). REGINA LUCIA PASSOS - Julgamento: 01/12/2021 -
VIGÉSIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL).” Grifei.
E mais:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONDOMÍNIO VILLAGE DAS
ROSAS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELO DA RÉ. 1. Ação em que o
Autor objetiva a condenação da Ré ao pagamento das ¿cotas condominiais¿ em
aberto. 2. Sentença de procedência, sob o fundamento de que, ainda que não se
trate de condomínio formalizado, o Autor ¿encontra-se constituído porque assim
é reconhecido por seus condôminos¿, os quais se reúnem periodicamente em
assembleias devidamente registradas. 3. Apelo interposto pela Ré, reiterando a argumentação vertida em sua peça de bloqueio, no sentido de que o Autor é
mera associação de moradores, e não um condomínio, o que inviabilizaria a
pretensão de cobrança aqui veiculada, notadamente por não ser associada ao
Autor. 4. De fato, o Autor não possui ato de instituição registrado no
Cartório de Registro de Imóveis, como reconhecido pelo próprio. 9. E, não
tendo ato constitutivo registrado perante o Cartório de Registro de
Imóveis, impõe-se concluir que o Autor é mero ¿condomínio de fato¿,
situação que atrai o entendimento firmado pelo STF no Tema nº 492,
segundo o qual: ¿É inconstitucional a cobrança por parte de associação de taxa
de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário
não associado até o advento da Lei nº 13.465/17, ou de anterior lei municipal
que discipline a questão, a partir da qual se torna possível a cotização dos
proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos de
acesso controlado, que i) já possuindo lote, adiram ao ato constitutivo das
entidades equiparadas a administradoras de imóveis ou (ii) sendo novos
adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação esteja registrado no
competente Registro de Imóveis. 10. Nesse passo, considerando que a Ré,
residente no loteamento em questão desde 2011, não se filiou ao Autor, não
merece ser acolhida a pretensão de cobrança aqui formulada. RECURSO A
QUE SE DÁ PROVIMENTO. (0037928-60.2017.8.19.0203 - APELAÇÃO.
Des(a). BENEDICTO ULTRA ABICAIR - Julgamento: 04/08/2022 - VIGÉSIMA
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL). Grifei.
E ainda:
APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA. CONDOMÍNIO VILLAGE DAS ROSAS EM
VILA VALQUEIRE. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RECURSO DO RÉU. 1)
INEXISTÊNCIA DE CONDOMÍNIO REGULAR. ASSOCIAÇÃO DE
MORADORES DE 127 IMÓVEIS LOCALIZADOS EM LOGRADOURO
PÚBLICO QUE ADOTOU O NOME DE CONDOMÍNIO VILLAGE DAS ROSAS,
APROVOU ATOS CONSTITUTIVOS E FOI LEVADO A REGISTRO EM
CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS EM 14/07/2015. O CONDOMÍNIO
VERTICAL OU HORIZONTAL SE CONSTITUI MEDIANTE REGISTRO DE SUA
CONVENÇÃO EM CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. ART. 167, I, 17,
DA LEI N.º 6.015/73, CONSTANDO DA MATRÍCULA DOS IMÓVEIS QUE O
COMPÕEM, O QUE NÃO OCORRE NA ESPÉCIE. 2) MORADOR QUE NÃO
ADERIU À ASSOCIAÇÃO E NÃO ESTÁ OBRIGADO AO PAGAMENTO DE
TAXA DE MANUTENÇÃO. MATÉRIA PACIFICADA, SUBMETIDA AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. RESP N.º 1.439.163/SP, ¿As taxas de
manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não
associados ou que a elas não anuíram. 3) TEMA 492 DA REPERCUSSÃO
GERAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: É inconstitucional a cobrança
por parte de associação de taxa de manutenção e conservação de
loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento
da Lei nº 13.465/17 ou de anterior lei municipal que discipline a questão, a
partir do qual se torna possível a cotização de proprietários de imóveis,
titulares de direitos ou moradores em loteamentos de acesso controlado,
desde que, i) já possuidores de lotes, tenham aderido ao ato constitutivo
das entidades equiparadas a administradoras de imóveis ou, (ii) no caso de
novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação tenha sido
registrado no competente registro de imóveis. PROVIMENTO DO
RECURSO. (0018599-96.2016.8.19.0203 - APELAÇÃO. Des(a). NORMA
SUELY FONSECA QUINTES - Julgamento: 23/11/2021 - OITAVA CÂMARA
CÍVEL). Grifei.
Infere-se, portanto, que nenhum reparo merece a sentença, visto que
proferida em harmonia com a jurisprudência deste Tribunal de Justiça.
À conta de tais fundamentos, voto no sentido de CONHECER O RECURSO
E NEGAR O PROVIMENTO, mantendo íntegra a sentença hostilizada.
Rio de Janeiro, data da assinatura digital.
LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA MARQUES
Desembargador Relator
12/04/2023