STF - Loteamento. Aprovado o arruamento, para urbanização de terrenos particulares, as áreas destinadas às vias e logradouros públicos passam automaticamente para o domínio do município, independentemente de título aquisitivo e transcrição, visto que o efeito jurídico do arruamento é, exatamente, o de transformar o domínio particular em domínio público, para uso comum do povo. Não tem o loteador infringente do Dl 58⁄37, mais direitos que o loteador a ele obediente.
Inalterabilidade das plantas em o consenso do Município.
RE conhecido, porém não provido (RE 84.327⁄SP, Segunda Turma, Rel. Ministro Cordeiro Guerra, DJ de 17.11.1976).
STJ - RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. LOTEAMENTO. APROVAÇÃO. ÁREA DESTINADA A UMA PRAÇA. TRANSMISSÃO AO DOMÍNIO PÚBLICO. DOCUMENTO ESPECÍFICO DE DOAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. DECRETO-LEI Nº 58⁄1937. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. (...) 21 DE JUNHO DE 2013
RECURSO ESPECIAL Nº 1.137.710 - PR (2009⁄0167790-5)
RELATOR | : | MINISTRO CASTRO MEIRA |
RECORRENTE | : | JOSÉ RUPP - ESPÓLIO E OUTROS |
RECORRIDO | : | MUNICÍPIO DE SÃO JORGE D'OESTE |
ADVOGADO | : | DÉBORA CRISTINA DE GOIS MOREIRA LOBO E OUTRO(S) |
REPR. POR | : | JORGE HENRIQUE RUPP - INVENTARIANTE |
ADVOGADO | : | EDSON LUIZ NUNES |
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. LOTEAMENTO. APROVAÇÃO. ÁREA DESTINADA A UMA PRAÇA. TRANSMISSÃO AO DOMÍNIO PÚBLICO. DOCUMENTO ESPECÍFICO DE DOAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. DECRETO-LEI Nº 58⁄1937. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. POSTERIOR PERMUTA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. SÚMULA 7⁄STJ.
1. Cuida-se de ação de desapropriação indireta proposta por herdeiros do autor do loteamento contra a municipalidade, buscando indenização decorrente de alegado esbulho praticado pelo Poder Público em áreas que, inicialmente destinadas à efetivação de uma praça, conforme o projeto aprovado em 1959, teriam sido objeto de posterior permuta por outros lotes mediante "acordo de cavalheiros" entre o falecido e os Prefeitos que se sucederam na administração da municipalidade.
2. A aprovação de loteamento pela Administração Pública transfere, automaticamente, os bens destinados ao uso comum ou ao uso especial da municipalidade para o domínio público, independente de registro. Precedentes do STF e do STJ.
3. Considerando que a transferência ao domínio público dos bens destinados ao uso comum (uma praça) se deu com a aprovação do loteamento, em 1959, cabia aos autores provar que os lotes 49 e 63 voltaram ao patrimônio privado (fato constitutivo do direito) mediante as permutas que teriam sido efetuadas pelo alegado "acordo de cavalheiros", em decorrência das quais a municipalidade teria recebido outros lotes, tudo na forma do art. 333, I, do Código de Processo Civil.
4. Incide a vedação contida na Súmula 7⁄STJ na parte em que o Tribunal de origem entendeu, expressamente, não estar comprovada a posterior permuta envolvendo os lotes 49 e 63 – objetos da aprovação original do loteamento – por outros lotes de interesse das administrações que se sucederam.
5. Transferidos os lotes ao domínio público já em 1959 e não comprovado que tais bens voltaram à propriedade particular mediante permutas, a ação de desapropriação indireta não pode ser julgada procedente, pois é inviável a indenização a quem não é proprietário.
6. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça , por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin (Presidente), Mauro Campbell Marques e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 06 de junho de 2013(Data do Julgamento).
Ministro Castro Meira
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1.137.710 - PR (2009⁄0167790-5)
RELATOR | : | MINISTRO CASTRO MEIRA |
RECORRENTE | : | JOSÉ RUPP - ESPÓLIO E OUTROS |
RECORRIDO | : | MUNICÍPIO DE SÃO JORGE D'OESTE |
ADVOGADO | : | DÉBORA CRISTINA DE GOIS MOREIRA LOBO E OUTRO(S) |
REPR. POR | : | JORGE HENRIQUE RUPP - INVENTARIANTE |
ADVOGADO | : | EDSON LUIZ NUNES |
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA: O recurso especial foi interposto pelo Espólio de José Rupp e outros, com base no art. 105, III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra o acórdão de fls. 324-337 (e-STJ), da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, assim ementado:
DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA – ÁREA URBANA LOTEADA – QUADRA RESERVADA À IMPLANTAÇÃO DE UMA PRAÇA, MEDIANTE DOAÇÃO – OCUPAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, PARA FIM DIVERSO; FALTA DE PROVA DO REGISTRO DO LOTEAMENTO E DE FORMALIZAÇÃO DA DOAÇÃO – FATOS QUE NÃO DEMANDAM O FORÇOSO RECONHECIMENTO DO INVOCADO APOSSAMENTO ILÍCITO E DO DEVER DE INDENIZAR OS DONATÁRIOS – ESPAÇO DE USO PÚBLICO QUE DEVE SER PRESERVADO – PEDIDO INICIAL INVIÁVEL – APELO PROVIDO (e-STJ fl. 324).
O Tribunal de origem rejeitou, ainda, os declaratórios opostos pelos ora recorrentes, com os seguintes fundamentos:
Pretendem os embargantes, na verdade, a rediscussão da matéria, o que é vedado em sede embargos, razão pela qual devem ser rejeitados.
Verifica-se que, ainda que na parte final dos declaratórios consta a oposição em razão de omissão, contradição ou obscuridade, a abordagem da matéria é genérica e inespecífica.
Em momento algum diz-se ali expressamente em que consistiriam os alegados defeitos. Desenvolvem-se apenas argumentos contrariando o entendimento adotado no acórdão embargado.
[...]
Nem se fale que a referida alegação genérica, constante da parte final, afronta a diversos dispositivos legais possa suprir a falta.
O mesmo se diga quanto à enumeração dos dispositivos legais ditos violados.
O artigo 333 do CPC, em seus incisos I e II indica o ônus da prova, atribuível ao autor e ao réu. Porém, deixam os embargantes de indicar o ponto em que teria sido afrontado o dispositivo.
Já os artigos 186 e 187 do Código Civil de 1946 dispõe sobre o consentimento dos pais, e o art. 1228 do mesmo códex prevê a hipótese de o locatário despedir o locador sem justa causa, todos, portanto, inaplicáveis à espécie.
Ainda, portanto, que tenha havido erro material, e os artigos mencionados refiram-se ao Código Civil em vigor, nenhum defeito aparente há a ser sanado.
Os artigos 186 e 187 do Novo Código Civil contêm normas sobre atos ilícitos, mas nenhuma afronta a seus termos aqui se verifica, eis que o acórdão embargado considerou não ser reconhecível qualquer ato ilícito passível de indenização. Já o artigo 1228 refere-se a direitos do proprietário, os quais, conforme o entendimento adotado no acórdão embargado, não foram violados de forma alguma, e o mesmo se diga quanto ao artigo 5º, XXII e XXIV da CF.
3. O julgado, portanto, não registra os vícios apontados (e-STJ fls. 364-365).
Alegam os recorrentes violação do art. 333, I e II, do Código de Processo Civil, esclarecendo, sob o enfoque probatório, o seguinte:
Os Autores, ora Recorrentes, comprovaram serem os proprietários da quadra 63, cujo título dominial em seus nomes constam do caderno processual e é matéria incontroversa.
Comprovaram, igualmente, a doação da porção de 56.200 m² (entre praças e doações), fato incontroverso, mediante escrituras públicas, a entes públicos e à entidades sem fins lucrativos e a uma empresa privada, este ato com a anuência expressa do Requerido, donatários esses comprometidos com o desenvolvimento do Município, tudo de acordo com o mapa do loteamento, aprovado em agosto de 1959.
A prova pericial comprovou a inexistência da construção da praça passados 14 anos sobre as quadras 49 e 63, bem assim a posse da quadra 49 pelos Autores, contendo a área plantações recém-colhidas.
Quanto à quadra 63, a perícia comprovou o esbulho, representado pela terraplanagem do local e a construção de uma edificação intitulada "casa do aprendiz".
Por fim, ficou comprovado a inexistência de doação formalizada da quadra 63, nos termos do art. 1.168 do Código Civil.
Os Autores, portando, desincumbiram-se de seu ônus, a teor do disposto no art. 333, I, do CPC.
[...]
Ora, o esbulho ocorreu exatamente como constou da inicial, ou seja quando a Prefeitura tomou posse da quadra 63, em meados de abril⁄2003 e iniciou a terraplanagem da área para construir a "casa de aprendiz". Note-se que a e. Corte admite expressamente a ocorrência do esbulho.
[...]
Ora, a área correspondente às quadras 49 e 63 foram substituídas por outras quadras, cuja área integrou o total de 57.400 m² (56.200 m² escriturados e 1.200 m² por escriturar) doados (fato incontroverso), compreendidas entre praças e doações, conforme previsto no mapa do loteamento, e note-se, não definindo tal documento, qual seria a área de praças nem tão-pouco a área a título de doações.
Nesse caso, resta indene de dúvida, que o ônus de provar que as áreas permutadas não foram integralizadas era do Requerido, que dele não se desincumbiu.
[...]
Conforme salientado, as quadras 49 e 63 apesar de projetadas para abrigarem uma praça, no mapa do loteamento, foram substituídas por outras, tanto isso é verdade que a praça passados 14 anos jamais saiu do papel.
O ato ilícito, pois, restou configurado, vez que os imóveis continuaram mansa e pacificamente na posse dos Autores, e cuja doação, por óbvio, não restou concretizada (e-STJ fls. 374-376 – grifo meu).
Concluem, ainda sob o enfoque dos fatos comprovados, que "a matéria, como posta, não visa pela via do presente remédio recursal, a revisão de fatos e provas, visto que a teor da Súmula 07⁄STJ, para tanto este não se presta, mas demonstrar que a decisão é manifestamente contrária às provas dos autos, o que constitui, induvidosamente, hipótese de cabimento" (e-STJ fl. 377).
Sustentam afronta ao art. 3º do Decreto-Lei nº 58⁄1937, ressaltando que "a inscrição de que trata o DL é aquela realizada no cartório de registro de imóveis. Assim, uma vez inscrito o loteamento no ofício imobiliário, as vias de comunicação e etc., constantes da planta, tornam-se inalienáveis, por estarem afetados ao Ente Público" (e-STJ fl. 378). Entretanto, "o loteamento em discussão não se encontra inscrito ou registrado, e como razão também de decidir o v. acórdão recorrido deixa assente que a 'questão da efetiva data de inscrição ou registro do loteamento, como ponto de partida para se afirmar o domínio do Poder Público (art. 3 do Decreto-Lei n. 58⁄37), não tem o realce que se lhe queira ou possa atribuir como fundamento para a pretendida prevalência do título dos autores apelados', asseverando o decisum que por se tratar de praça (como as vias, espaços livres e equipamentos) tal área foi automaticamente transmitida ao domínio do Município desde a aprovação da planta, em 1959, pouco importando, para o deslinde da causa indenizatória, o registro imobiliário" (e-STJ fl. 378).
Segundo os recorrentes, portanto, "a decisão objurgada hostiliza o dispositivo invocado, aplicável ao caso, em face das peculiaridades apontadas, entendendo a e. Corte que domínio da área correspondente à quadra 63 passou automaticamente para o Recorrido em 1959, não obstante se possa inferir que tal fato a teor do DL pudesse ocorrer a partir da inscrição ou registro do empreendimento, que aliás, o Poder Público poderia fiscalizar" (e-STJ fl. 378). Acrescentam que, "de qualquer maneira, as provas coligidas demonstram que o imóvel, embora no projeto pudesse conter uma praça, foi o mesmo substituído por outro, e jamais deixou de pertencer aos Autores e seus antecessores, tanto que a praça, passados quarenta e seis anos não foi construída" (e-STJ fl. 379).
Aduzem, ainda, que a Lei nº 6.766⁄1979 "não se aplica ao caso em tela, pois não se trata de desapropriação de loteamento teórico e tampouco de alteração na destinação de áreas públicas" (e-STJ 380). Ademais, "se o enfoque legislativo serve para sustentar a tese da decisão recorrida", infere-se do art. 22 do referido diploma "que apenas a partir do registro do loteamento, em princípio, o domínio de praças, vias e etc., passariam automaticamente ao domínio do Município, o que convenhamos no caso em exame, resta inaplicável, posto que como dito, o loteamento não restou inscrito ou registrado (fato incontroverso)" (e-STJ fl. 380).
No tocante à violação do art. 1.168 do Código Civil de 1916, esclarecem que "o v. acórdão recorrido, [...], refutando o argumento singular, sustenta que 'evidenciou-se o fato consumado do acordo de vontades entre o administrador e o loteador que ofereceu a área destinada à construção da praça" (e-STJ fl. 380). Ocorre que, afirmam os recorrentes, "é da essência do ato jurídico e a lei assim determina que a doação se opere dentro de uma das formas previstas, ou seja, pública ou particular. Inexistindo prova documental do acordo de vontades, não há como asseverar a doação como que a Corte local, no caso em apreço" (e-STJ fl. 381).
Para comprovar o dissídio jurisprudencial, trazem precedente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, proferido em ação de reintegração de posse (AC 70008792061), relativo à ausência de prova da posse anterior, da regularidade do loteamento e da doação, e ao art. 333, II, do Código de Processo Civil (e-STJ fls. 381-383).
Pede, ao final, o provimento do recurso "a fim de que sejam anulados os acórdãos recorridos, reconhecendo-se a ocorrência da desapropriação indireta e de consequência o direito destes à indenização como deferida em primeiro grau de jurisdição" (e-STJ fl. 384).
O Município de São Jorge do Oeste⁄PR apresentou contrarrazões (e-STJ fls. 417-432).
Os recursos especial e extraordinário não foram admitidos na origem (e-STJ 570-577). O especial teve seguimento por força do provimento do Agravo de Instrumento nº 1.060.006⁄PR nesta Corte.
Opina o Dr. Pedro Henrique Távora Niess, ilustrado Subprocurador-Geral da República, pelo parcial conhecimento e, nessa extensão, pelo não provimento. Considerou (i) aplicável a Súmula 7⁄STJ em relação ao art. 333, I e II, do Código de Processo Civil, (ii) ausente o prequestionamento do art. 1.168 do Código Civil de 1916, ressaltando que o recurso especial não veicula contrariedade ao art. 535 do Código de Processo Civil, e (iii) não afrontados os arts. 3º do Decreto-Lei nº 58⁄1937 e 22 da Lei nº 6.766⁄1979, salientando que a aprovação da planta se deu em 1959 e que o entendimento do acórdão recorrido encontraria amparo na jurisprudência desta Corte (e-STJ fls. 596-602).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.137.710 - PR (2009⁄0167790-5)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. LOTEAMENTO. APROVAÇÃO. ÁREA DESTINADA A UMA PRAÇA. TRANSMISSÃO AO DOMÍNIO PÚBLICO. DOCUMENTO ESPECÍFICO DE DOAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. DECRETO-LEI Nº 58⁄1937. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. POSTERIOR PERMUTA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. SÚMULA 7⁄STJ.
1. Cuida-se de ação de desapropriação indireta proposta por herdeiros do autor do loteamento contra a municipalidade, buscando indenização decorrente de alegado esbulho praticado pelo Poder Público em áreas que, inicialmente destinadas à efetivação de uma praça, conforme o projeto aprovado em 1959, teriam sido objeto de posterior permuta por outros lotes mediante "acordo de cavalheiros" entre o falecido e os Prefeitos que se sucederam na administração da municipalidade.
2. A aprovação de loteamento pela Administração Pública transfere, automaticamente, os bens destinados ao uso comum ou ao uso especial da municipalidade para o domínio público, independente de registro. Precedentes do STF e do STJ.
3. Considerando que a transferência ao domínio público dos bens destinados ao uso comum (uma praça) se deu com a aprovação do loteamento, em 1959, cabia aos autores provar que os lotes 49 e 63 voltaram ao patrimônio privado (fato constitutivo do direito) mediante as permutas que teriam sido efetuadas pelo alegado "acordo de cavalheiros", em decorrência das quais a municipalidade teria recebido outros lotes, tudo na forma do art. 333, I, do Código de Processo Civil.
4. Incide a vedação contida na Súmula 7⁄STJ na parte em que o Tribunal de origem entendeu, expressamente, não estar comprovada a posterior permuta envolvendo os lotes 49 e 63 – objetos da aprovação original do loteamento – por outros lotes de interesse das administrações que se sucederam.
5. Transferidos os lotes ao domínio público já em 1959 e não comprovado que tais bens voltaram à propriedade particular mediante permutas, a ação de desapropriação indireta não pode ser julgada procedente, pois é inviável a indenização a quem não é proprietário.
6. Recurso especial não provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Jorge Henrique Rupp, Marizete Debortoli Rupp e José Rupp Neto ajuizaram, em 27.5.2003, "ação de indenização por desapropriação indireta" contra o Município de São Jorge D'Oeste – PR, postulando a procedência da ação para condenar "o réu a indenizar os promoventes pela desapropriação indireta ocorrida na quadra 63, com base no valor de mercado dos 3.122,00 m² de área, que correspondem a 5,2 lotes de 600,00 m², devendo o valor ser corrigido até o final do pagamento, com o acréscimo de juros compensatórios a partir da ocupação (abril de 2003) mais juros moratórios a partir do trânsito em julgado, cumulando-se os juros compensatórios e de mora" (e-STJ fls. 14-15). Requereram, ainda, "indenização dos lotes 1, 2, 3, da quadra 62 se restarem prejudicados pelas obras que estão sendo realizadas na quadra 63 (art. 286, II, do CPC" (e-STJ fl. 15), e "que se abstenha o réu de imitir-se na posse da quadra 49 e nela realizar obras, pena de ter que responder por indenização nos moldes propostos no pedido inicial" (e-STJ fl. 15).
Consta da inicial que os autores são os únicos herdeiros de José Henrique Rupp, falecido em 1988, narrando a seguir:
Quando o patriarca JOSÉ RUPP por essas plagas aportou, São Jorge não existia.
Adquiriu a área que futuramente iria se constituir em uma nova célula municipal do Estado do Paraná.
As certidões da comarca de Palmas juntadas a que pertencia quase que a totalidade do sudoeste, historiam a natividade do futuro município, que, à época, quando da aquisição, era conhecida como Fazenda São Jorge (ver transcrição 10.769, fls. 205 a 206, livro 3-N, doc. nº 06).
Tal fato aconteceu em 1958.
A seguir, foi implementado um projeto de urbanização da Fazenda São Jorge que originou a atual cidade.
O mapa juntado (doc. nº 6-A) aprovado em 1959 pelo prefeito do município de Chopinzinho a que pertencia São Jorge, documenta todo o arruamento da futura cidade, lografouros públicos, as quadras, etc.
[...]
A obrigação de doação para as finalidades de domínio público se consubstanciava em 56.400,00 m², ou seja, 2,9% da totalidade da área, o que à direito do mapa se visualiza.
Nessa área que ultrapassa 2 alqueires seriam construídas a Prefeitura, Posto de Saúde, igreja, centros esportivos, obras do Estado do Paraná, etc, e as doações se materializavam através de escrituras públicas.
Foi o que efetivamente aconteceu e as escrituras públicas anexadas (doc. 7 a 18) atestam o cumprimento do avençado, quer pelo fundador, quer por seus sucessores.
[...]
A escritura pública ainda não se perfez por total desinteresse da Prefeitura, que no entanto, há muitos anos ocupa os mencionados lotes, podendo a escritura ser outorgada no omento em que a Prefeitura desejar.
[...]
No entanto, o réu, mesmo havendo formalmente recebido 57.400,00 m², 1.000,00 m² a mais do que era credor, avançou o sinal e passou a ocupar outros lotes que lhe não pertencem.
[...]
No esboço original representado pelo mapa (doc. 6-A), previra-se a doação dos antecessores dos promoventes das quadras 63 e 49, hoje localizadas à margem da Avenida Prefeito Adelarte Debortoli (antiga Av. Brasil), que dá acesso à cidade, vindo de Dois Vizinhos ou São João.
No entanto, em face de prioridades, preferiu o Município permutar essas quadras por outras mais ao centro que lhe interessavam mais.
Tal permuta ocorreu tacitamente, por acordo de cavalheiros com os prefeitos anteriores, tudo em obediência aos 56.400,00 m² que RUPP deveria doar.
Já está exaustivamente provado documentalmente que os autores cumpriram a obrigação, agraciando o Município com 1.000,00 m² a mais que o exigido.
Qual não foi a surpresa dos promoventes ao depararem nos últimos dias, mais precisamente a partir da segunda quinzena de mês de abril de 2003, com maquinário da Prefeitura sobre a quadra 63, de propriedade dos autores, e que não foi doada ao Município, realizando obras.
Alertado o Sr. prefeito de que estava cometendo esbulho, eis que a área não era do município, fez ouvidos de mercador, continuou escarafunchando a quadra 63, e, segundo se sabe, pretende ali instalar a Casa do Ofício e um açude.
O primeiro requerente, na qualidade de dominus e possuidor sempre ocupou a quadra 63 e nela plantava, eis que está situada fora da área central, mas dentro do perímetro urbano.
[...]
Se o arruamento pertence ao Município, as quadras são de particulares, entre os quais os promoventes (e-STJ fls. 7-11 – grifos meus).
Em primeiro grau, a ação foi julgada procedente, esclarecendo o Juiz de Direito que, "compulsando os autos, denota-se que em data de 22 de agosto de 1959, foi aprovado o mapa da cidade, conforme documento de fls. 29, no qual consta que as quadras nº 49 e 63 seriam utilizada para a construção da Praça Tiradentes e, ainda, que uma área de 54.600 m² resultaria de praças e doações realizadas pelo falecido autor do espólio" (e-STJ fl. 251). Relaciona, na sequência, as várias doações efetivamente documentadas, atingindo o total de "56.200 m², sendo que o autor informa que houve a doação de mais 1.200,00 m², não escriturada" (e-STJ fl. 252). Concluiu, então, o Magistrado: "De plano, exsurge dos autos dois fatos incontroversos: o primeiro deles, é que não ocorreu a doação das áreas relativas às quadras 49 e 63, uma vez que não foi firmado o instrumento público ou particular exigido pelo artigo 1.168, do Código Civil então vigente. Nesse passo, tal entendimento também se aplica à pretensão doação da área de 1.200 m², uma vez que não escriturada" (e-STJ fl. 253). "O segundo, que o Município requerido não tomou nenhumaprovidência no sentido de construir a praça Tiradentes nas aludidas quadras" (e-STJ fl. 253). Mais adiante, com base na perícia realizada, concluiu, também, assim:
6 – O projeto previa a doação, por parte de JOSÉ RUPP da área de 56.400 m², não especificando contudo qual seria o beneficiário ou beneficiários das doações, presumindo-se é óbvio que tais doações deveriam reverter em prol do Município. Ora, analisando-se o rol de beneficiários das doações (Mitra Diocesana, COPEL, FUNDEPAR, Conselho Nacional do Educandários Gratuitos, TELEPAR, Estado do Paraná, Município Requerido, Rádio Difusora) tem-se que todas as doações atingiram tal finalidade, uma vez que auxiliaram no progresso e desenvolvido do Município (e-STJ fl. 256).
Por sentença, então, o réu foi condenado "ao pagamento da indenização pelo valor de mercado do imóvel no total de R$ 50000,00 (cinquenta mil reais), devidamente corrigida monetariamente a partir da elaboração do laudo – 04 de junho de 2.004 – e acrescida de juros compensatórios, a partir de 27 de maio de 2.003 e juros moratórios, ambos à taxa de 12% ao ano, incidente a partir do trânsito em julgado da sentença" (e-STJ fl. 258).
O Tribunal de origem, entretanto, no acórdão recorrido, reformou a sentença para julgar improcedente a ação. Ficou ressaltado no aresto que, nestes autos, "a questão é relacionada à ocupação, pelo Poder Público municipal, de área destinada ao uso comum em projeto de loteamento aparentemente não registrado" (e-STJ fl. 330). Em seguida, com base nas provas dos autos, invoca as seguintes ilações:
A instrução processual demonstrou, não obstante, que sobre a área correspondente à quadra 63, que o município foi condenado a indenizar, não foram praticados atos possessórios, senão a partir de 19.12.2003, quando a Prefeitura Municipal inaugurou a obra que atinge em minúscula proporção (1,82 m²) a referida quadra (item 5 e croqui de localiza de localização do laudo pericial f. 156 e 159). Na verdade, a quase totalidade do edifício estáconstruída sobre o arruamento projetado (resposta ao quesito 2. f. 155).
E não há vestígios de plantações na mesma quadra (item 7, f. 156). De terraplanagem os há, mas em definição de quem a realizou e quando se iniciou o movimento de terras (respostas aos quesitos 3 e 4, f. 156).
Daí se concluir que nenhum fato relevante ou pertinente pode ser invocado de modo a descaracterizar essa área como destinada ao uso comum, segundo o projeto original (o edifício pode ser removido ou integrado à praça).
Pode-se afirmar, ainda, que os autores não provaram o alegado "acordo de cavalheiros" que permitiria suposta permuta com outros lotes. Como não provaram, igualmente, culpa ou a prática de ato ilícito pelo município, já que este praticou atos decorrentes de sua disponibilidade sobre o arruamento e logradouros públicos.
Aos apelados não era permitida a escolha aleatória de quadras que não haviam sido objeto de doação. E, como reforço argumentativo, diga-se que nem mesmo poderiam validamente invocar o cumprimento integral das doações ao município, eis que como tal não se podem considerar as referentes, por exemplo, à Companhia Nacional de Educandários Gratuitos, Mitra Diocesana de Palmas ou Paraná Rádio Difusão S.A, instituições desvinculadas do Poder Público.
O argumento da sentença, segundo o qual a área ainda pertence aos autores e que restou caracterizada a intervenção na propriedade privada, não se sustenta porque evidenciou-se o fato consumado do acordo de vontades entre o administrador e o loteador que ofereceu a área destinada à construção da praça, destinada ao uso comum, sem que se configurasse a existência de outro fato a tornar inviável esse propósito inicial.
Como o município não tinha prazo para a implantação da praça, permaneceu o imóvel como seu, e inalienáveis os espaços de uso público, na forma originalmente prevista.
A questão da efetiva data de inscrição ou registro do loteamento, como ponto de partida para se afirmar o domínio do Poder Público (art. 3º do Decreto-lei n. 58⁄37), não tem o realce que se lhe queira ou possa atribuir como fundamento para a prevalência do título dos autores apelados.
Cuidaram estes de não invocar ou trazer a lume esse fato da efetivação do registro, talvez com o intuito de evitar discussão sobre o temo a quo da contagem do prazo de incorporação dos bens de uso comum ao patrimônio público, porém, nas circunstâncias dos autos, tal verificação era dispensável.
É que se trata de praça (como as vias, espaços livres e equipamentos) que realmente consta da planta aprovada (fl. 29) cujas especificações determinaram a distribuição do espaço físico da atual cidade de São Jorge D'Oeste, tanto que constituem as suas quadras urbanas, como verificada na perícia (fl. 153⁄159).
Em consequência disso só se pode concluir que as áreas destinadas em definitivo ao uso comum da população foram automaticamente transmitidas ao domínio do município desde a aprovação da planta, em 1959, pouco importando, para o deslinde da causa indenizatória, o registro imobiliário já com a identificação e numeração de quadras em nome dos autores apelados, por força de partilha judicial, em 2004 (fl. 162⁄163), referidas na inicial como parte da aquisição original, em 1958 (f. 07).
[...]
As áreas em referência estavam, em decorrência do loteamento implantado, desde logo integradas ao domínio público. De registro do loteamento não se havia de cogitar poque o arruamento, com as especificações cabíveis, foi-se consumando no correr do tempo, de acordo com o projeto.
Assim, não cabia a indenização, pois não houve apossamento administrativo.
[...]
A lei que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano (de n. 6.766⁄79), por exemplo, afasta, nas desapropriações, a indenização de loteamento teórico (art. 42) e coíbe eventual alteração na destinação de áreas públicas, em loteamento (art. 43).
Quis o legislador, uma vez mais, fiel à tradição de nosso Direito, impor aí essa condicionantes inclusive para evitar interpretações dúbias, estranhas a um sistema voltado à proteção do patrimônio público.
[...]
Tampouco lhes é dado reclamar indenização por apossamento de local já destinado a uma praça, sob o argumento (não confirmado nos autos) de que a quantidade de áreas doadas acomodava todo o arruamento e praças indicados, como se isso fosse suficiente para poderem "escolher" como sua, para efeito de indenização, a área pública que lhes conviesse, quando utilizada pelo município, mesmo aquela projetada para uso de todos.
Ora, ainda que de doação se tratasse, na metragem prevista (e disso igualmente não há prova), a conclusão seria a mesma. Não é a quantidade de área doada que define, na hipótese examinada, a questão da titularidade do bem, e sim a respectiva destinação ao uso público, desde a elaboração e aprovação, pelo prefeito, do projeto que deu origem à cidade, inalterado até o presente e cuja finalidade não pode ser modificada (e-STJ fls. 332-336).
Rejeitados os embargos de declaração, veio o presente recurso especial, que passo a analisar.
Sem dúvida, diante do que consta da petição inicial, da sentença, dos acórdãos e do recurso especial, o imbróglio jurídico descrito nestes autos, para ser resolvido nesta Corte Superior, implica o enfrentamento de duas questões fundamentais, na seguinte ordem:
a) decidir "se", "como" e "em que momento" os lotes 49 e 63, destinados a uma praça, tornaram-se bens de uso comum, passando, definitivamente, ao domínio público; e
b) apurar se os referidos lotes foram, de fato, posteriormente permutados mediante "acordo de cavalheiros" havido em sucessivas administrações, tendo a municipalidade recebido, por meio de documentadas doações, outros lotes.
I. Da transmissão de bens particulares para o domínio público:
No caso em debate, o loteamento foi aprovado em 1959, quando em vigor o Decreto-Lei nº 58, de 10.12.1937, o qual dispõe: "A inscrição torna inalienáveis, por qualquer título, as vias de comunicação e os espaços livres constantes do memorial e da planta".
O referido dispositivo, como se pode verificar, não disciplina, de forma clara, como e o momento de transmissão de bens particulares objeto do loteamento para o domínio público, impedindo a alienação após o registro. Com isso, o eg. Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, em julgados muito antigos, passou a adotar o "princípio do concurso voluntário", explicitado assim pelo saudoso e em. Ministro Djaci Falcão, Relator do RE 59.065⁄SP, Primeira Turma, DJ de 10.9.1969, in verbis:
Por aí se vê que o acórdão se baseou no princípio do concurso voluntário, segundo o qual se impõe o ato da oferta do particular ao Poder Público (aprovação da planta) e a aceitação por parte da Municipalidade. No caso, operou-se a transferência do domínio particular para o domínio público municipal. As vias de comunicação se tornaram bens públicos de uso comum, sendo entregues ao público (Lei Municipal nº 4.371, de 1953). Foi adotada razoável exegese do art. 3º do Decreto-lei nº 58, de 1937, verbis:
"A inscrição torna inalienáveis, por qualquer título, as vias de comunicação e os espaços livres constantes do memorial e da planta" (f. 298).
Dentro dessa linha de entendimento não se pode dizer que a decisão recorrida haja negado vigência aos arts. 530, I, 531 e 533 do Código Civil, eis que não se cuida na hipótese de relações meramente civis, mas da situação particular, na qual não é o título de aquisição civil, nem a transcrição imobiliária que emprestam ao bem o caráter público. Em consequência, também não se justifica o arguido repúdio ao princípio do § 16, do art. 141 da Constituição de 1946 (indenização em virtude de desapropriação).
Essa orientação deve ser mantida e aplicada no caso em debate. Com efeito, apresentado o projeto de loteamento, ofertando-se à administração áreas destinadas ao uso comum pela população ou ao uso especial pela municipalidade, e consumada a aceitação mediante a formal aprovação, nos termos da lei, do referido projeto, não há como deixar de reconhecer o compromisso legal assumidos entre as partes, envolvendo a transferência de bens particulares para o domínio público.
No mesmo sentido, aplicando o "princípio do concurso voluntário" na vigência do Decreto-Lei nº 58⁄1937, trago o seguinte precedente do Pretório Excelso:
Loteamento. Aprovado o arruamento, para urbanização de terrenos particulares, as áreas destinadas às vias e logradouros públicos passam automaticamente para o domínio do município, independentemente de título aquisitivo e transcrição, visto que o efeito jurídico do arruamento é, exatamente, o de transformar o domínio particular em domínio público, para uso comum do povo. Não tem o loteador infringente do Dl 58⁄37, mais direitos que o loteador a ele obediente.
Inalterabilidade das plantas em o consenso do Município.
RE conhecido, porém não provido (RE 84.327⁄SP, Segunda Turma, Rel. Ministro Cordeiro Guerra, DJ de 17.11.1976).
Esta Corte Superior não registra muitos precedentes a respeito do tema. Todavia, igualmente, consolidou a tese de que a aprovação do loteamento basta para a transferência de domínio, independentemente de registro imobiliário, como se colhe nas seguintes manifestações:
LOTEAMENTO. ESPAÇOS LIVRES DE USO COMUM. USUCAPIÃO. TRANSFERÊNCIA AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. AÇÃO RESCISÓRIA COM ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 9º, § 2º, INC. III, 17, 22 E 23, §§ 2º E 3º, DA LEI Nº 6.766, DE 19.12.79.
As áreas livres de uso comum incorporam-se ao domínio do Município com a simples aprovação do loteamento, não sendo exigível para tanto o registro no cartório imobiliário.
Ação rescisória julgada improcedente (AR 387⁄SP, Segunda Seção, Rel. Ministro Barros Monteiro, DJ de 18.3.1996).
Usucapião. Loteamento. Domínio público. Registro Imobiliário. Precedentes da Corte.
1. Na esteira de precedentes da Corte, é desnecessário o registro imobiliário em se tratando de área de loteamento, aprovado por decreto municipal, para que seja a área considerada de domínio público.
2. Recurso especial conhecido e provido (REsp 76.784⁄PR, Terceira Turma, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 30.6.1997).
LOTEAMENTO.
Espaços destinados às vias e outros logradouros incorporam-se ao domínio público sem dependência de atos cartoriais.
Dissídio jurisprudencial superado.
Recurso especial não conhecido (REsp 8.401⁄SP, Quarta Turma, Rel. Ministro Fontes de Alencar, DJ de 25.5.1998).
DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA - APOSSAMENTO - ÁREAS DE USO COMUM - INCORPORAÇÃO AO DOMÍNIO DO MUNICÍPIO - INDENIZAÇÃO.
O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, independentemente do registro em cartório imobiliário, incorporam-se ao domínio ao Município as áreas destinadas ao uso comum, sendo suficiente a aprovação de loteamento.
[...]
Recurso provido (REsp 431.845⁄SP, Primeira Turma, Rel. Ministro Garcia Vieira, DJ de 30.9.2002).
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LOTEAMENTO. REGISTRO. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. ARTIGO 535, II, CPC. ALEGADA VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. DIVERGÊNCIAJURISPRUDENCIAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
[...]
2. Quanto ao mérito, a questão cinge-se em saber se é dispensável ou não a inscrição no registro imobiliário para a comprovação do caráter público da área cujo loteamento foi aprovado pelo Poder Público. Já é pacífico no STJ o entendimento no sentido de que, independentemente do registro em cartório imobiliário, incorporam-se ao domínio do Município as áreas destinadas ao uso comum, sendo suficiente a aprovação do loteamento. Precedentes.
[...]
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido (REsp 900.873⁄SP, Segunda Turma, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 15.10.2010).
Concretamente, portanto, os lotes 49 e 63, destinados a uma praça, passaram ao domínio público em 22.8.1959, quando aprovado o loteamento e o mapa da cidade, independentemente de registro, não se podendo acolher a alegada violação dos artigos 3º do Decreto-Lei nº 58⁄1937, diploma em vigor à época, e 22 da Lei nº 6.766⁄1979.
No tocante ao art. 1.168 do Código Civil de 1916, o qual disciplina a forma de realização de doação (escritura público ou instrumento particular), além de não prequestionado, é irrelevante para o deslinde do caso, tendo em vista que, conforme já assinalado acima, a transferência do domínio se dá, automaticamente, com a aprovação do loteamento.
II. Da permuta dos lotes 49 e 63 por outros mediante "acordo de cavalheiros"
O presente tema, sob um primeiro enfoque, esbarra na vedação contida na Súmula 7⁄STJ, tendo em vista que o Tribunal de origem decidiu, expressamente, que os autores não comprovaram a posterior permuta envolvendo os lotes 49 e 63, objeto da aprovação original do loteamento, por outros lotes de interesse das administrações que se sucederam. Nessa parte, reitere-se o que disse o que consta do acórdão da apelação:
Pode-se afirmar, ainda, que os autores não provaram o alegado "acordo de cavalheiros" que permitiria suposta permuta com outros lotes. Como não provaram, igualmente, culpa ou a prática de ato ilícito pelo município, já que este praticou atos decorrentes de sua disponibilidade sobre o arruamento e logradouros públicos.
Aos apelados não era permitida a escolha aleatória de quadras que não haviam sido objeto de doação. E, como reforço argumentativo, diga-se que nem mesmo poderiam validamente invocar o cumprimento integral das doações ao município, eis que como tal não se podem considerar as referentes, por exemplo, à Companhia Nacional de Educandários Gratuitos, Mitra Diocesana de Palmas ou Paraná Rádio Difusão S.A, instituições desvinculadas do Poder Público.
[...]
Tampouco lhes é dado reclamar indenização por apossamento de local já destinado a uma praça, sob o argumento (não confirmado nos autos) de que a quantidade de áreas doadas acomodava todo o arruamento e praças indicados, como se isso fosse suficiente para poderem "escolher" como sua, para efeito de indenização, a área pública que lhes conviesse, quando utilizada pelo município, mesmo aquela projetada para uso de todos.
Ora, ainda que de doação se tratasse, na metragem prevista (e disso igualmente não há prova), a conclusão seria a mesma. Não é a quantidade de área doada que define, na hipótese examinada, a questão da titularidade do bem, e sim a respectiva destinação ao uso público, desde a elaboração e aprovação, pelo prefeito, do projeto que deu origem à cidade, inalterado até o presente e cuja finalidade não pode ser modificada (e-STJ fls. 332-336).
Sob outro enfoque, considero prequestionado o art. 333 do Código de Processo Civil – o qual disciplina o ônus da prova –, pois o aresto, ao afirmar "que os autores não provaram o alegado", impôs a eles, como consequência, o respectivo ônus.
Entretanto, não está configurada a afronta ao referido dispositivo processual. Considerando que a transferência do domínio se deu com a aprovação do loteamento, em 1959, cabia aos autores provar que os lotes 49 e 63 voltaram ao patrimônio privado (fato constitutivo do direito) mediante as permutas que teriam sido efetuadas por "acordo de cavalheiros", e em decorrência das quais a municipalidade teria recebido outros lotes, tudo na forma do art. 333, I, do Código de Processo Civil.
III. Conclusão
Com efeito, transferidos os lotes ao domínio público já em 1959 e não comprovado que tais bens voltaram à propriedade particular mediante permutas, a ação de desapropriação indireta não pode mesmo ser julgada procedente, pois é inviável a indenização a quem não é proprietário.
Ante o exposto, conheço do recurso especial e nego-lhe provimento.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA TURMA
Número Registro: 2009⁄0167790-5 | REsp 1.137.710 ⁄ PR |
Números Origem: 1772003 200801205620 3505955 350595504
PAUTA: 06⁄06⁄2013 | JULGADO: 06⁄06⁄2013 |
Relator
Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOSÉ CARLOS PIMENTA
Secretária
Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE | : | JOSÉ RUPP - ESPÓLIO E OUTROS |
RECORRIDO | : | MUNICÍPIO DE SÃO JORGE D'OESTE |
ADVOGADO | : | DÉBORA CRISTINA DE GOIS MOREIRA LOBO E OUTRO(S) |
REPR. POR | : | JORGE HENRIQUE RUPP - INVENTARIANTE |
ADVOGADO | : | EDSON LUIZ NUNES |
ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Intervenção do Estado na Propriedade - Desapropriação Indireta
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a), sem destaque e em bloco."
Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin (Presidente), Mauro Campbell Marques e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.
Documento: 1241301 | Inteiro Teor do Acórdão | - DJe: 21/06/2013 |
Nenhum comentário:
Postar um comentário