LOTEAMENTO IRREGULAR NÃO CRIA "CONDOMÍNIO"
AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS NA LEI 6766/79 PELA LEI 13.465/2017 NÃO PODEM SER APLICADAS RETROATIVAMENTE .
CONFORME decidido por esta Corregedoria Geral da Justiça (Processo CG 1.536/96):
”REGISTRO DE IMÓVEIS – Matrícula – Bloqueio – Quebra ao princípio da especialidade – Condomínio de casas – inexistência de efetivo atrelamento das construções ao terreno – Impossibilidade de constituição de condomínio especial de solo – Inteligência do art. 8° da lei n° 4.591/64 – Fraude à Lei do Parcelamento do Solo – Condomínio deitado e loteamento fechado -Diferenças e requisitos.”
No mesmo diapasão, o v. acórdão do E. Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível nº 100.767-0/9):
”Registro de Imóveis – Condomínio especial – Glebas de extensa área, vinculadas a pequenas edificações – Sérios indícios de burla à Lei 6.766/79 – REGISTRO NEGADO – Dúvida procedente – Recurso Desprovido.”
Consoante já decidido por esta E. Corregedoria Geral de Justiça, não cabe falar em condomínio de lotes, sob pena de se burlar a Lei de Parcelamento do Solo.
Por tal motivo, fundamental a vinculação da unidade imobiliária à construção, ou a projeto de construção previamente aprovado pela Municipalidade, em consonância com o disposto no art. 8º, da Lei n. 4.591/64.
Nesse sentido, parecer da lavra do então Juiz Assessor Luciano Gonçalves Paes Leme, aprovado por Vossa Excelência, no processo n. 143.001/2015:
“(…)
Aliás, a vinculação do terreno às construções como traço distintivo entre o condomínio deitado e o loteamento ficou consagrada na jurisprudência administrativa do TJSP:
Já o art. 8º, da lei 4.591/64, embora a possibilidade de condomínio em terreno onde não houver edificação, pressupõe o plano para a construção das mesmas. …
A conclusão inafastável é, portanto, no sentido de que a Lei 4.591 não permite o condomínio de lotes, sem vinculação à edificação.
A instituição pretendida pela recorrida não trata da construção de casas.
Não há vinculação entre as frações ideais do terreno e as edificações.
Ausentes os pressupostos contidos nos artigos 7º e 8º da Lei 4.591/64, é evidente que o condomínio a que se refere o título não tem a ver com o regulado neste diploma legal. (grifei) [1]
A instituição da Lei 4.591/64, posto que não se aplique somente a edifícios, tem sua existência subordinada à construção de casas térreas, assobradadas ou de edifícios. Sem a vinculação do terreno às construções não há condomínio que se sujeite a lei especial. (grifei) [2]
O art. 8º admite a possibilidade de condomínio em terreno onde não há edificação, mas pressupõe necessariamente plano para a construção. (grifei) [3]
Não resta dúvida existir a possibilidade de construção e incorporação do chamado “condomínio deitado”, composto de mais de uma casa térrea ou assobradada em terreno onde não houver edificação.
… a hipótese é expressamente prevista no art. 8º da Lei 4.591 (Lei de Condomínio e Incorporações).
O que não se admite – daí a razão do bloqueio – é a falta de vinculação efetiva do terreno à construção. O artigo supracitado é expresso ao determinar que as unidades autônomas se constituem de casas térreas ou assobradadas.
Existe um erro conceitual de base em toda a argumentação da requerente. A unidade autônoma, para a requerente, é considerada não a construção, mas o terreno de propriedade comum e uso exclusivo do condômino (lote). …
Claro que o terreno pode não conter a edificação no momento da incorporação, como, de resto, expressa o caput do art. 8º da Lei 4.591/64, mas pressupõe, necessariamente, plano, projeto para construção. (grifei) [4]
… o que caracteriza o denominado condomínio deitado ou condomínio de casas, e o distingue, fundamentalmente, para o que aqui interessa, do loteamento, é a vinculação efetiva do terreno à construção, constituindo-se as unidades autônomas de casas térreas ou assobradadas. Daí se mostrar impossível admitir a figura do condomínio de lotes. …
É bem verdade que não se tem como imprescindível estar o terreno, desde o início, edificado. Todavia, faz-se necessário que as edificações constem, efetivamente, do projeto levado à aprovação e que sejam elas as unidades autônomas do empreendimento. [5] (grifei)
… em se tratando de condomínio de casas térreas ou assobradadas, há, nos termos do art. 8º da Lei 4.591/1964, necessidade de as unidades autônomas estarem vinculadas a edificações, não se admitindo sua vinculação a lotes. [6] (grifei)
Aqui, portanto, reafirma-se, a incompatibilidade da regra do art. 8.º, a, da Lei nº 4.591/1964 com o condomínio de solo, malgrado não se desconheçam vozes em outro sentido, como a de Marco Aurelio S.Viana, para quem – remodelado o conceito de loteamento e uma vez mitigada a relevância do atrelamento do lote à construção -, o condomínio deitado, que nomeia loteamento horizontal, pode também abranger fração ideal correspondente a unidade autônoma de terreno, independentemente da existência de um projeto de edificação. [7]
Todavia, pelas razões antes aduzidas, o raciocínio não convence. Não há espaço para tão elástica interpretação do artigo 8.º da Lei nº 4.591/1964: a efetiva vinculação das unidades autônomas à construção (e não aos lotes), suavizada por Marco Aurelio S. Viana, é da essência da regra nele positivada. Além disso, as profundas diferenças entre as operações econômicas próprias da incorporação e do loteamento desautorizam o divergente posicionamento. É necessário, de mais a mais, desencorajar práticas com potencial para ocultar loteamentos irregulares.
A ponderação de Francisco Loureiro, ao voltar suas atenções ao loteamento fechado, é, mais uma vez, oportuna:
O que não se admite é a implantação de tais loteamentos sob o rótulo de “condomínios especiais”, em manifesta fraude à Lei do Parcelamento do Solo.
Não há previsão em nosso direito positivo de um tertius genus entre “loteamento fechado” e “condomínio deitado”. Não se admite que, ao sabor dos interesses do momento, crie-se uma figura jurídica híbrida de loteamento e condomínio, aplicando, tão-só, a parte de cada lei que atenda à conveniência do empreendedor.
Admitir o registro do loteamento como se condomínio fosse significaria aniquilar a Lei do Parcelamento do Solo Urbano. Não mais haveria controle urbanístico e ver-se-ia privada a Municipalidade de expressivo espaço público. A médio prazo, estaria comprometido o próprio sistema viário, uma vez que as cidades estariam totalmente tomadas e cercadas por grandes “guetos” privados. [8]
Ocorre que, consoante acentuado na Apelação Cível n.º 595.415.4/4-00, rel. Des. Francisco Loureiro, j.4.12.2008, em v. acórdão afinado com o pensamento de Caio Mário da Silva Pereira[17] – “a peculiaridade do condomínio deitado, em relação ao condomínio de planos horizontais, é que além da área da unidade autônoma construída, vinculada à fração ideal de terreno e de partes comuns, existe nesta modalidade uma parte de terreno que é de uso exclusivo do condômino, como quintal ou jardim.”
A necessidade de vinculação do edifício, ou, ao menos, de projeto de construção previamente aprovado, à unidade imobiliária também se confirma pela leitura do art. 32, e, da Lei n. 4.591/64, que impõe ao incorporador que somente possa negociar as unidades autônomas após ter arquivado, no Cartório de Registro de Imóveis, dentre outros documentos, o “cálculo das áreas das edificações, discriminando, além da global, a das partes comuns, e indicando, para cada tipo de unidade a respectiva metragem de área construída”.
Não se confunde com o loteamento, em que determinado terreno é parcelado em lotes, destinando-se ao Poder Público Municipal as áreas de circulação entre esses lotes. No condomínio horizontal, o sistema viário integra as áreas comuns e o que se negocia são casas térreas ou assobradadas, ou o projeto de construção já aprovado dessas futuras edificações, assim como área de terreno para jardim ou quintal. Confira-se, ainda, sobre o tema, parecer também da lavra do Juiz Assessor Luciano Gonçalves Paes Leme, aprovado pelo então Corregedor Geral de Justiça, Dr. José Renato Nalini, nos autos do processo CG N. 84.852/2012, citando v. acórdão nos autos do Recurso Especial n. 709.403/SP (Relator Ministro Raul Araújo, j. 06/12/2011):
(…) Com base nessas considerações, pode-se inferir que o loteamento, disciplinado pela Lei 6.766/79, difere-se do condomínio horizontal de casas, regulado pela Lei 4.591/64 (art. 8º). E a diferença fundamental entre o loteamento (inclusive o fechado) e o condomínio horizontal de casas consubstancia-se no fato de que, no primeiro, há mero intuito de edificação (finalidade habitacional), sem que, para tanto, haja sequer plano aprovado de construção. No segundo, no entanto, se ainda não houver a edificação pronta ou em construção, deve, ao menos, existir aprovação de um projeto de construção. (grifei)
Idêntico entendimento, acentuando a vinculação do terreno às construções como o principal traço distintivo entre o condomínio deitado e o loteamento, tem sido reiteradamente prestigiado, e há tempos, pela jurisprudência administrativa do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo. Confira-se:
Já o art. 8º, embora a possibilidade de condomínio em terreno onde não houver edificação, pressupõe o plano para a construção das mesmas. …
A conclusão inafastável é, portanto, no sentido de que a Lei 4.591 não permite o condomínio de lotes, sem vinculação à edificação.
A instituição pretendida pela recorrida não trata da construção de casas. Não há vinculação entre as frações ideais do terreno e as edificações. Ausentes os pressupostos contidos nos artigos 7º e 8º da Lei 4.591/64, é evidente que o condomínio a que se refere o título não tem a ver com o regulado neste diploma legal. [9] (grifei)
A instituição da Lei 4.591/64, posto que não se aplique somente a edifícios, tem sua existência subordinada à construção de casas térreas, assobradadas ou de edifícios. Sem a vinculação do terreno às construções não há condomínio que se sujeite a lei especial. [10] (grifei)
O art. 8º admite a possibilidade de condomínio em terreno onde não há edificação, mas pressupõe necessariamente plano para a construção. [11] (grifei)
Não resta dúvida existir a possibilidade de construção e incorporação do chamado “condomínio deitado”, composto de mais de uma casa térrea ou assobradada em terreno onde não houver edificação. … a hipótese é expressamente prevista no art. 8º da Lei 4.591 (Lei de Condomínio e Incorporações).
O que não se admite – daí a razão do bloqueio – é a falta de vinculação efetiva do terreno à construção. O artigo supracitado é expresso ao determinar que as unidades autônomas se constituem de casas térreas ou assobradadas.
Existe um erro conceitual de base em toda a argumentação da requerente. A unidade autônoma, para a requerente, é considerada não a construção, mas o terreno de propriedade comum e uso exclusivo do condômino (lote). …
Claro que o terreno pode não conter a edificação no momento da incorporação, como, de resto, expressa o caput do art. 8º da Lei 4.591/64, mas pressupõe, necessariamente, plano, projeto para construção. [12] (grifei)
… o que caracteriza o denominado condomínio deitado ou condomínio de casas, e o distingue, fundamentalmente, para o que aqui interessa, do loteamento, é a vinculação efetiva do terreno à construção, constituindo-se as unidades autônomas de casas térreas ou assobradadas. Daí se mostrar impossível admitir a figura do condomínio de lotes. … É bem verdade que não se tem como imprescindível estar o terreno, desde o início, edificado. Todavia, faz-se necessário que as edificações constem, efetivamente, do projeto levado à aprovação e que sejam elas as unidades autônomas do empreendimento. [13] (grifei)
… em se tratando de condomínio de casas térreas ou assobradadas, há, nos termos do art. 8º da Lei 4.591/1964, necessidade de as unidades autônomas estarem vinculadas a edificações, não se admitindo sua vinculação a lotes. [14] (grifei)
Notas:
[1] Apelação Cível n.º 2.002-0, rel. Des. Bruno Affonso de André, j. 13.6.1983.
[2] Apelação Cível n.º 2.349-0, rel. Des. Bruno Affonso de André, j. 4.7.1983.
[3] Processo CG n.º 16/89, parecer n.º 285/89 da lavra do hoje Desembargador Kioitsi Chicuta, aprovado em 9.4.1989.
[4] Processo CG n.º 1.536/96, parecer de autoria do hoje Des. Francisco Eduardo Loureiro, aprovado em 27.9.1996.
[5] Processo CG n.º 2.051/2007, parecer de autoria do Juiz Assessor da Corregedoria Álvaro Luiz Valery Mirra, aprovado, em 16.10.2007, pelo Des. Gilberto Passos de Freitas.
[6] Processo CG n.º 2010/128661, parecer n.º 84/2011-E da lavra do Juiz Assessor da Corregedoria Hamid Charaf Bdine Júnior, aprovado, em 09.03.2011, pelo Des. Maurício da Costa Carvalho Vidigal.
[7] Loteamento fechado e loteamento horizontal. Rio de Janeiro: Aide, 1991. p. 114-128.
[8] Loteamentos clandestinos – prevenção e repressão. In: Doutrinas essenciais: direito registral. Ricardo Dip; Sérgio Jacomino (Org.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 957-977. v. IV. p. 966-967.
[9] Apelação Cível n.º 2.002-0, relator Desembargador Bruno Affonso de André, julgada em 13.06.1983.
[10] Apelação Cível n.º 2.349-0, relator Desembargador Bruno Affonso de André, julgada em 04.07.1983.
[11] Processo CG n.º 16/89, parecer n.º 285/89 da lavra do hoje Desembargador Kioitsi Chicuta, aprovado em 09.04.1989.
[12] Processo CG n.º 1.536/96, parecer de autoria do hoje Desembargador Francisco Eduardo Loureiro, aprovado em 27.09.1996.
[13] Processo CG n.º 2.051/2007, parecer de autoria do Magistrado Álvaro Luiz Valery Mirra, aprovado, em 16.10.2007, pelo Desembargador Gilberto Passos de Freitas.
[14] Processo CG n.º 2010/128661, parecer n.º 84/2011-E da lavra do Magistrado Hamid Charaf Bdine Júnior, aprovado, em 09.03.2011, pelo Desembargador Maurício da Costa Carvalho Vidigal.
Fonte: INR Publicações
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