LOTEAMENTO CLANDESTINO - INAPLICABILIDADE DA LEI 13.465/2017
AÇÃO CIVIL PUBLICA DANO AMBIENTAL PROCEDENTE
EXTINÇÃO DE EXECUÇÕES DE TITULOS EXECUTIVOS EXTRAJUDICIAIS DE FALSAS COTAS CONDOMINIAIS
Uma das principais origens de FALSOS condominios são INVASÕES e/ou GRILAGENS de TERRAS PÚBLICAS , e privadas, e a implantação de LOTEAMENTOS IRREGULARES ou CLANDESTINOS.
A ilegalidade da "criação" do falso "Condominio Flamboyant" foi comprovada na JUSTIÇA por laudos periciais e os danos ambientais foram comprovados em AÇÃO civil pública julgada procedente.
E uma das execuções de titulo extrajudicial instaurada pelo FALSO "Condominio Flamboyant" - foi extinta pelo juiz .
Leia AQUI:
Processo nº: 0020361-61.2018.8.19.0209
Tipo do Movimento:
Sentença
Descrição: Trata-se de embargos à execução proposto por Belmiro Humberto da Silva Mendes em face do Condomínio Flamboyant.
O processo principal é execução de título extrajudicial (crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício - art. 784, X, do CPC) que o embargado move em face da embargante.
A parte embargante alega que: houve indevido deferimento da gratuidade de justiça nos autos principais da execução; as despesas em cobrança não constituem título executivo extrajudicial, porque o exequente não é condomínio edilício, mas sim uma associação civil; a convenção de condomínio não está nos autos, porque o condomínio edilício não existe; alternativamente, há excesso de execução na importância total de R$ 4.281,69. Formula os seguintes pedido :Declaração de inexequibilidade do título nos termos do art. 917, inciso I, 1ª parte, do CPC. Resposta do embargado, fl. 33. A parte ré alega que: o embargado está '...em processo de 'Regularização', mas a cobrança promovida nos autos principais da execução independe de ser consumada a referida regularização; as despesas realizadas pelo condomínio de fato são levadas ao rateio entre os condôminos.
É o relatório.
Decido.
O processo comporta julgamento antecipado, tal como previsto no art. 920, inciso II, do CPC, porque não há necessidade de produção de outras provas.
O CPC estabelece que: Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
(...) X - o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas.
De outro lado,temos que uma das matérias alegáveis em sede de embargos execução é a inexequibilidade do título (artigo 917, inciso I, 1ª parte, do CPC).
Duas razões podem tornar o título inexequível. Uma delas é o título apresentado não estar previsto em lei como título executivo, o que acarretará a nulidade da execução em virtude da ausência/inexistência de título executivo (princípios da taxatividade e do nulla executio sine titulo).
No caso em exame, a prova documental revela que embargado não é condomínio edilício, resultando daí que o crédito documental referente às suas contribuições não é título executivo, tal como enumerado no citado dispositivo legal.
A alegação de excesso de execução não chega a ser apreciada, pois incide no caso a norma do inciso II, §4º, do artigo 917 do CPC.
Ademais, se reconhecida a inexequibilidade do título,obviamente a matéria do excesso fica prejudicada.
Ante o exposto: . Julgo procedentes os embargos à execução e declaro o título inexequível (art. 917, I, do CPC).
Revogo a gratuidade de justiça indevidamente concedida ao embargante nos na execução.
Condeno a parte embargada ao pagamento das despesas do processo e honorários, que arbitro em 10% do valor da causa. Sentença redigida, assinada e registrada por meios eletrônicos. Promova-se o desapensamento destes autos acessórios dos autos principais de execução. Certifique-se na execução a prolação de sentença e junte-se cópia da mesma. Intimem-se.
A sentença que acolheu os embargos à execução foi confirmada em 2a instancia e já transitou em julgado.
Situações semelhantes ocorrem em vários estados e municípios.
O CASO É DE TOTAL ILEGALIDADE DO FALSO CONDOMINIO .
VEJA SUAS ORIGENS :
APELAÇÃO do MUNICIPIO do RIO DE JANEIRO PROVIDA -
AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL SENTENÇA REFORMADA
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0024163-82.2009.8.19.0209
10ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL
APELANTE: MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
RELATORA: DES. MARGARET DE OLIVAES VALLE DOS SANTOS
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. Ação de usucapião. Artigo 1.238 do Código Civil. Alegação de cumprimento dos requisitos objetivos para aquisição da propriedade justo título e decurso de tempo. Loteamento irregular.
Prova dos autos que comprovou que os autores promoveram a ocupação desordenada e não autorizada de solo urbano municipal em violação à função social da cidade.
Fato previamente detectado pelo ente público municipal que, no exercício dos deveres que lhe foram cometidos pela Constituição Federal, instaurou procedimento administrativo contra os infratores.
Pretensão que esbarra na impossibilidade de individualização e registro de imóveis objeto de ocupação irregular, envolvendo, inclusive, área pública non aedificandi.
Direito dos invasores à moradia que não pode se sobrepor ao direito difuso de natureza fundamental do cidadão prestante de usufruir um meio ambiente urbano saudável somado ao seu justo direito à moradia.
Sem aplicação a Lei de nº13.465/2017 que dispõe sobre regularização fundiária urbana de núcleos informais de baixa renda, o que não se apresenta nos autos.
Reforma da sentença que se impõe para julgar improcedente a pretensão autoral.
PROVIMENTO DO RECURSO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0024163-82.2009.8.19.0209, ACORDAM os Desembargadores que compõem a Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO, para julgar improcedente o pedido inicial, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.
14 de abril de 2021
Relatório já anexado aos autos. Passo ao voto.
VOTO
O recurso deve ser conhecido, porquanto tempestivo, bem como estão presentes os demais requisitos de admissibilidade.
Trata-se de ação de usucapião ajuizada por XXX representado por seus herdeiros, em face do BANCO DE CRÉDITO MÓVEL, com fundamento no artigo do 1.238 do Código Civil, já que seriam portadores de justo título, tendo cumprido o lapso temporal de mais de 15 anos exigível para a aquisição de propriedade dos imóveis que ocupam - lotes 22 e 23 do Condomínio Flamboyant, localizado na área 29, quadra F, da Rua Doutor Crespo, nº 170, Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro.
Da análise da inicial percebe-se que o 1º autor, XX e s/m XX, j falecida, ora representada por seus herdeiros, firmaram, em abril de 1993, no dia 07 e no dia 29, dois contratos particulares de cessão de direito de posse, respectivamente, com WILSON FIOCHI e com JEFFERSON MARQUES,tendo como objeto o lote no 29 (vinte e nove) quadra "F" do local denominado " Sitio Pombos Land” , localizado dentro da área maior da planta arquivada no DRI sob o nº 51.55.12915, da Gleba n° 641701, área maior da planta, medindo 17.700,426.43 m² localizado na quadra "F” da planta acima citada das FAZENDAS VARGEM GRANDE, VARGEM PEQUENA E CAMORIM, na restinga de Jacarepaguá perfazendo uma área total de 13.029.75m², e ainda, a Sessão "N", com a fração ideal de 600/13.059, 75 avos, cuja entrada e acesso se dá pela servidão "D", atual Rua Doutor Crespo n° 170, no Recreio dos Bandeirantes.
Verifica-se não ter restado comprovado qualquer relação jurídica entre WILSON e JEFFERSON e o réu deste processo, BANCO DE CRÉDITO MÓVEL, a quem se imputa a propriedade da área de mais de 13.029.75m², objeto da cessão de posse transacionada entre os autores e estas pessoas que, aliás, segundo os documentos produzidos pelos autores e que instruem a sua inicial, só passaram a exercer posse sobre esta extensa área de terra - 13.029.75m² e de 600/13.059, avos, respectivamente, em 20 de março de 1993 e 20 de março de 1992, não havendo sequer indícios, ainda que mínimos, nos autos de que esta posse tenha, efetivamente, existido.
Muito ao contrário.
A prova dos autos, em especial, o laudo técnico, atestou que foram os autores, policial militar bombeiro, e sua mulher hoje falecida que, ao ingressarem nesta extensa área de terra, de mais de 13.029.75m², de propriedade BANCO DE CRÉDITO MÓVEL, em abril de 1993, é que promoveram , sem qualquer autorização do ente público municipal, o parcelamento irregular desta área, invadindo, inclusive, área pública non aedificandi, ali estabelecendo loteamento clandestino por eles nomeado -Condomínio Flamboyant, cuja construção teria se iniciado em agosto de 1993 e se encerrado em 1995.
Esclareceu o expert que nos imóveis objeto deste pedido de usucapião - lotes 22 e 23, cada um deles com 645 m², e que se encontram fisicamente agregados, somando uma área total de 1.290,00 m², foi construído prédio de 03andares onde reside, na cobertura, o 1ª autor, corresponderiam a uma pequena fração do Condomínio Flamboyant, localizado na Rua Dr. Crespo nº 170.
O laudo descreveu que o assim chamado “Condomínio Flamboyant” é constituído,basicamente, de uma via interna central pavimentada e unidades dispostas lateralmente, seguindo simetria longitudinal, cujo área total de mais de 13.059,75m² integra quatro glebas de terra, respectivamente, de números 11, 12, 29 e 30 da quadra F inseridas na Planta de Loteamento Territorial cadastrado na Municipalidade sob o nº 51.55.12915.
As conclusões do laudo técnico confirmaram a irregularidade do parcelamento do solo no referido “Condomínio Flamboyant”, sendo patente o descumprimento a Planta de Loteamento Territorial cadastrado na Municipalidade sob o nº 51.55.12915, mediante ocupação indevida de parte da faixa marginal de proteção (FMP) do Canal do Cortado, área non aedificandi, que se localiza aos fundos do condomínio, com implantação de lotes e construção de muro,
Atestou o laudo técnico que na instalação do “Condomínio Flamboyant”, os autores descumpriram não só as normas de parcelamento do solo previstas na Planta de Loteamento Territorial, como também o projeto aprovado de alinhamento (PAL) do Município do Rio de Janeiro de nº 12.161, sobrepondo lotes de terrenos sobre via pública projetada no referido projeto.
Como se vê, as alegações do ente público municipal encontram respaldo no laudo técnico elaborado nos autos que confirmou que não só os lotes objeto do pedido de usucapião estão inseridos em loteamento clandestino, como também as construções ali erigidas são irregulares, já que não tinham autorização de construção da municipalidade, não possuindo o necessário habite-se.
Como muito bem salientado pela ilustrada Procuradoria de Justiça, as irregularidades do Condomínio Flamboyant ensejaram, inclusive, a propositura da ação civil pública nº 0298300-88.2012.8.219.0001 julgada procedente e confirmada pelo Tribunal de Justiça.
A ocupação irregular não caracteriza posse, mormente posse lícita ad usucapionem que conjuga os requisitos da continuidade, incontestabilidade e pacificidade, vale dizer inexistência de oposição ou resistência - posse mansa e pacífica, a traduzir o animus domini que provém, primordialmente, do valor dado ao uso dos bens através do trabalho e do seu aproveitamento econômico.
Por seu turno, o Município tem o dever legal de gerir a política urbana da cidade segundo as normas estabelecidas no seu Plano Diretor e nos seus Planos Urbanísticos, cuja edição é determinada pela Lei nº 10.257/01 - o Estatuto da Cidade. Estes diplomas legais funcionam como instrumentos norteadores da política de desenvolvimento na esfera municipal e têm como objeto principal garantir as funções sociais da cidade e da propriedade urbana, visando o desenvolvimento sustentável, mediante valorização das potencialidades locais e a conservação dos recursos naturais, com a consequente melhoraria da qualidade de vida dos moradores da cidade.
Não por outro motivo o Plano Diretor e os Planos Urbanísticos de uma cidade devem corresponder a um pacto social em torno de propostas que representem os anseios de todos os seus cidadãos e habitantes no sentido de viabilizar as alternativas econômicas existentes, com inclusão social e respeito ao meio ambiente, garantindo a todos entre outros direitos à infraestrutura urbana, ao saneamento ambiental, transporte e aos serviços públicos de boa qualidade.
O Poder Público Municipal, ora apelante, tem o dever legal de compatibilizar o uso e a ocupação do espaço urbano com a proteção do meio ambiente natural e construído, reprimindo a ação especulativa e garantindo o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, visando o seu desenvolvimento sustentável, com vistas a garantir o direito à cidade para todos os que nela vivem, com a melhoria da qualidade de vida de seus habitantes.
A propriedade não deve atender exclusivamente aos interesses do indivíduo-proprietário, mas sim da sociedade que compartilha o espaço, e neste passo os municípios devem utilizar as diretrizes e instrumentos de seu Plano Diretor e de seus correspondentes Planos Urbanísticos com o objetivo de estabelecer o desenvolvimento sustentável, modelo de desenvolvimento que defende a harmonia entre a produtividade econômica, os seres humanos e o meio-ambiente, ou seja, a busca pelo equilíbrio entre o econômico, o social e o ambiental.
Ao contrário do que entendeu o sentenciante de 1º grau, sem qualquer aplicação a Lei de nº13.465/2017 que dispõe sobre normas gerais e procedimentos aplicáveis à regularização fundiária urbana de núcleos informais de baixa renda para atender aos princípios de sustentabilidade econômica, social e ambiental e ordenação territorial, buscando a ocupação do solo de maneira eficiente e funcional e titulação de seus moradores.
A prova dos autos comprovou, e forma cabal, que os autores promoveram a ocupação desordenada e não autorizada de solo urbano municipal, ali instalando loteamento clandestino, com venda de lotes e construções por eles comercializados a terceiros não identificados nos autos, em violação à função social da cidade, fato, previamente, detectado pelo ente público municipal que, no exercício dos deveres que lhe foram cometidos pela Constituição Federal, instaurou procedimento administrativo contra os infratores, ora autores.
Impossibilidade de individualização e registro de imóveis objeto de ocupação irregular, envolvendo, inclusive, área pública non aedificandi através de ação de usucapião, uma vez que a tutela jurisdicional somente será útil, necessária e adequada quando o provimento pretendido for apto a corrigir a situação concreta, no caso a irregularidade da ocupação, que não se traduz em posse lícita tutelada pelo ordenamento,
Esse o entendimento esposado em precedente do Superior Tribunal de
Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE. INOVAÇÃO RECURSAL. DECISÃO MANTIDA.1. "É inadmissível a utilização da ação de usucapião para que a parte obtenha a individualização e o registro de fração de imóvel objeto de condomínio em loteamento irregular.[...]" (AgInt nos EDcl no REsp 1.539.964/DF, Rel.
Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 9/12/2019, DJe 12/12/2019).
2. Incabível o exame de tese não exposta no especial e invocada apenas em recurso posterior, pois configura indevida inovação recursal.
3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1645248/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 16/11/2020, DJe 20/11/2020)
Cumpre ressaltar que não se está pretendendo invalidar qualquer dos reflexos do direito à moradia, que se enquadra no rol dos denominados direitos prestacionais, aqueles que resultam da concepção social do Estado e estão em sua maioria enumerados exemplificativamente no artigo 6º da Constituição da República, mas exatamente da aplicação do preceito constitucional às circunstâncias concretas observáveis no dia a dia.
Nesse diapasão, o direito dos invasores à moradia não pode se sobrepor ao direito difuso de natureza fundamental do cidadão prestante de usufruir um meio ambiente urbano saudável somado ao seu justo direito à moradia, nada a justificar a chancela do Poder Judiciário, ao meu sentir, equivocadamente, outorgada na sentença de 1º grau.
Pelo exposto, VOTO no sentido de DAR PROVIMENTO AO RECURSO, para julgar improcedente o pedido inicial.
Rio de Janeiro, 14 de abril de 2021.
MARGARET DE OLIVAES VALLE DOS SANTOS
DESEMBARGADORA RELATORA
Veja TAMBEM A
AÇÃO CIVIL PUBLICA PROCEDENTE
Apelação Cível nº 0298300-88.2012.8.19.0001 (5)
Apelante 1: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
Apelante 2: Valmir Vaz de Andrade
Apelante 3: Município do Rio de Janeiro
Apelados: Os Mesmos
Relator: Des. Ricardo Rodrigues Cardozo
A C Ó R D Ã O
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATERRAMENTO EM ÁREA DE PROTEÇÃO PERMANENTE. DANO AMBIENTAL.
Três apelações da sentença que julgou procedentes os pedidos formulados em ação civil pública para determinar a demolição do muro construído em área de preservação permanente e condenar os réus a removerem o aterro irregular e recuperar a área aterrada indevidamente, além do ressarcimento pelos danos ambientais, cujo valor será apurado em liquidação.
Apelação do 1º réu:
Rejeita-se a preliminar de ilegitimidade passiva, porquanto o recorrente confessou ter procedido ao aterramento em área não edificável.
No mérito, a alegação do 1º réu de que não há nexo de causalidade entre qualquer conduta sua e o suposto dano à área do Canal do Cortado não condiz com o conjunto probatório dos autos, que indica que o aterro por ele feito estava atingindo o Canal em trecho de muita vegetação, bem como que persiste a ocupação irregular da faixa marginal de proteção e que não ocorreu a remoção completa do entulho sobre ela lançado.
Não há como afastar a condenação imposta ao 1º réu, porquanto este se enquadra perfeitamente como poluidor, segundo a definição do art. 3º, IV da Lei n° 6938/81.
Apelação do 2º réu:
Rejeita-se a preliminar de ilegitimidade passiva.
A responsabilidade do Município é solidária porquanto atuou como poluidor indireto, na medida em que agiu com negligência ao deixar de adotar medidas eficazes para impedir a ocupação
irregular de área de preservação permanente pelo
1º réu.
No mérito, considerando-se a reiterada leniência
do Município diante do dano ambiental do qual já
estava ciente desde 2004 sem ter adotado
nenhuma medida eficaz para evitar que este se
prolongasse ao longo dos anos até a propositura
da presente ação, não há que se falar em violação
do princípio da separação de poderes.
É perfeitamente possível a cumulação da
reparação in natura com a indenização pecuniária,
sem que isso configure bis in idem, conforme
reiteradamente reconhecido pela jurisprudência
do e. Superior Tribunal de Justiça, onde a matéria
já se encontra sumulada no verbete nº 629.
O Município é o 2º réu e foi condenado a pagar
apenas a metade da taxa judiciária, em razão do
rateio dos ônus sucumbenciais com o 1º réu.
Incidência da súmula nº 145 deste Tribunal.
Apelação do autor:
O Ministério Público não faz jus ao recebimento de honorários advocatícios sucumbenciais quando vencedor na ação civil pública por ele proposta.
No tocante à interpretação do disposto no art. 18 da Lei 7.347/85, a jurisprudência consolidada na Corte da Cidadania é no sentido de que, em não havendo má-fé, descabe a condenação em honorários advocatícios da parte requerida em ação civil pública, em razão do princípio da simetria.
Recursos desprovidos, nos termos do voto do desembargador relator.
VISTOS, RELATADOS E DISCUTIDOS estes autos, ACORDAM os Desembargadores que compõem a 15a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em conhecer dos recursos e desprovê-los, nos termos do voto do desembargador relator.
Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (1º apelante) em face de X (2º apelante) e do Município do Rio de Janeiro (3º apelante), alegando que instaurou inquérito civil, em 04/08/2008, a partir de notícia de aterramento irregular do solo em trecho do Canal do Cortado, tendo verificado que o 1º réu promoveu o aterramento de parte do terreno, sem autorização do órgão ambiental competente (INEA), pelo que foi instado a celebrar um Termo de Ajustamento de Conduta para remoção do aterro, mas não compareceu.
Informa, ainda, que a Rio Águas inspecionou o local e verificou que o aterro irregular não foi removido.
Requereu a concessão de tutela antecipada para
(I) determinar aos réus a demolição do muro construído irregularmente em área de preservação permanente do Canal do Cortado, no prazo de trinta dias, tendo em vista a impossibilidade de sua regularização;
(II) determinar aos réus que apresentassem projeto de remoção do aterro e de recuperação da área aterrada indevidamente, com o respectivo cronograma de execução de obras, subscrito por profissional habilitado, no prazo de trinta dias, contendo as recomendações indicadas nos itens a), b) e c) de fls. 20/21;
(III) determinar aos réus a remoção do aterramento irregular, em prazo não superior a noventa dias, contado da data da apresentação do projeto;
(IV) determinar ao 1º réu que se abstenha de realizar qualquer movimentação de terra, construção, demarcação ou intervenção na gleba em questão. No mérito, requereu a confirmação dos pedidos requeridos em sede de antecipação de tutela e a condenação dos réus na obrigação de fazer referente à execução do projeto de recuperação da área e no pagamento de indenização pelos danos ambientais permanentes verificados, em valor a ser revertido para o Fundo Estadual de Controle Ambiental - FECAM.
Às fls. 140/141 foi deferida a tutela antecipada para determinar a demolição do muro construído irregularmente na Rua Dr. Crespo n° 170, bem como para determinar aos réus que apresentassem projeto de remoção do aterro e de recuperação da área aterrada indevidamente, conforme requerido na inicial, no prazo de 30 dias. Foi determinado, ainda, que o 1 ° réu se abstivesse de realizar qualquer movimentação de terra, construção, demarcação ou intervenção na gleba em questão.
A juíza a quo, através da sentença de fls. 913/931, julgou procedentes os pedidos para, confirmando a tutela antecipatória, determinar a demolição do muro construído irregularmente na Rua Doutor Crespo nº170, nos limites do lote nº 31, no Recreio dos Bandeirantes, condenar os réus a removerem o aterro irregular e recuperar a área aterrada indevidamente, além do 1º réu abster-se de realizar qualquer movimentação de terra, construção, demarcação ou intervenção na gleba em questão, sem autorização dos órgãos competentes. Condenou, ainda, os réus, solidariamente, ao ressarcimento pelos danos ambientais, cujo valor será apurado em liquidação. Condenou-os, outrossim, ao pagamento das custas processuais e deixou de condená-los ao pagamento de honorários, com base na regra do art. 18 da Lei 7347/85 e no princípio da simetria, de acordo com a jurisprudência do STJ (EAREsp 962250/SP).
Acolhendo, com efeitos infringentes, os embargos de declaração opostos pelo Município, a sentença foi integrada às fls. 1039/1046 para: a) estabelecer o regime da solidariedade tanto em relação às obrigações de fazer quanto em relação à obrigação de indenizar fixada na sentença, observada, em ambos os casos, em favor da municipalidade, a subsidiariedade da execução (ordem de preferência); b) definir como destinatário da indenização o FECAM - Fundo Estadual de Conservação Ambiental; e c) em razão da sucumbência ínfima experimentada pela parte autora, condenar os demandados ao custeio, pro rata, das despesas processuais, observado, em relação ao Município, o teor da súmula nº 145 deste Tribunal (recolhimento apenas da taxa judiciária, na proporção que lhe cabe no rateio: 50%).
O Ministério Público (autor) apelou às fls. 961/975, insurgindo-se unicamente contra a parte da sentença que deixa de condenar os ora apelados em honorários sucumbenciais em seu favor. Sustentou que o art. 18 da Lei 7.347/85 não traz qualquer regra especial que excepcione o art. 85 do CPC quando a sucumbência recai sobre o réu em ação civil pública, razão pela qual se aplicam, na hipótese, as regras comuns do Código de Processo Civil por força do art. 19 da Lei 7.347/85.
Argumentou que este Tribunal de Justiça admite a condenação em honorários advocatícios em favor do Centro de Estudos da Defensoria Pública do RJ, conforme o enunciado da súmula nº 182 desta Corte, e que o entendimento deve ser o mesmo com relação ao Ministério Público em razão da verba ser destinada ao Fundo Especial dessa instituição, nos termos da Lei Estadual nº 2819/97 e da Resolução GPGJ nº 801 de
19/03/1998, que regulamenta o Fundo Especial do Ministério Público.
Citou precedentes do e. Superior Tribunal de Justiça, pré-
questionou o art. 85 do CPC, o art. 18 da Lei nº 7.347/1985 e o art. 4º, XII
da Lei Estadual nº 2.819/1997 e pugnou pela reforma parcial da sentença,
para que os réus fossem condenados a pagar-lhe honorários
sucumbenciais.
O 1º réu (Walmir) apelou às fls. 985/996, onde reiterou a
preliminar de ilegitimidade passiva, alegando que, apesar de figurar como
possuidor do lote 31, o aterramento somente se deu em cumprimento à
determinação da Associação de Moradores Flamboyant, sob ameaça de
tomada do respectivo terreno pela associação em caso de desatendimento,
como pode ser vislumbrado mediante a leitura da ata da assembleia e da
ata de reunião de fls. 68/70. Afirmou que cumpriu a decisão que antecipou
a tutela, que a continuidade do aterramento foi perpetrada pelo proprietário
dos lotes 29 e 30 e que o muro nos limites dos terrenos 30 e 31 foi levantado
pela associação de moradores e não por ele.
No mérito, alegou, em síntese, que as condenações em
obrigações de fazer impostas aos réus se deram nos termos da tutela
antecipada, a qual foi devidamente cumprida, conforme demonstrado nos
autos, o que desqualifica qualquer condenação indenizatória. Afirmou que o
juiz a quo não atentou para os documentos de fls. 736 e seguintes, os quais
deixam claro que a área está totalmente recoberta por vegetação típica, de
modo que não há qualquer prejuízo ambiental. Asseverou que não se
enquadra na definição de poluidor do art. 3º, IV da Lei 6.938/81, não
podendo recair sobre si a obrigação de recuperar ou indenizar qualquer
dano.
Defendeu que não há nada que justifique a sua condenação, uma
vez que sempre agiu com lisura e boa-fé e que não existe qualquer nexo de
causalidade entre qualquer conduta sua e o suposto dano à área do Canal
do Cortado. Pugnou pela reforma da sentença, para que fosse acolhida a
preliminar de ilegitimidade passiva. Alternativamente, requereu que fosse caçada a sentença, devolvendo-se os autos à 1ª instância para melhor análise e verificação das responsabilidades específicas (Condomínio, proprietário dos lotes 29/30, etc.), ou, ainda, a modificação da sentença, em
razão da inexistência de dano ambiental de sua responsabilidade específica.
O 2º réu (Município) apelou às fls. 1084/1097, reiterando a preliminar de ilegitimidade passiva, ao argumento de que não concedeu licença ambiental nem urbanística para a construção dita irregular e que, portanto, não há dúvidas quanto à exclusiva responsabilidade do 1º réu.
No mérito, alegou, em síntese, que, ainda que se pretenda a responsabilização objetiva do ente público em razão de suposta omissão específica, não restou demonstrado nos autos o descumprimento de dever jurídico específico do Município. Destacou que, de acordo com o inquérito civil juntado aos autos, é possível observar que diversas medidas administrativas foram adotadas com o objetivo de inibir a construção clandestina, tais como as notificações 002/2004 e 030/2008, que determinaram a remoção imediata dos aterros executados no Canal do Cortado.
Argumentou que que os próprios documentos que instruíram o Inquérito Civil constituem provas inequívocas de que o Poder Público não poupou esforços para tentar ver restabelecida a ordem urbanística e ambiental, de modo que não resta configurada a culpa, tampouco omissão específica do ente Municipal capaz de ensejar sua responsabilização nesta ação de danos ambientais causados pela construção irregular.
Alegou violação ao princípio da separação de poderes (art. 2º, CRFB) e ao princípio da reserva orçamentária, eis que o Poder Judiciário só está autorizado a intervir em matéria de políticas públicas quando comprovadamente se verifica uma omissão injustificável e reiterada da Administração, o que não ocorre no caso em tela. Sustentou a impossibilidade de cumulação da reparação in natura com a indenização pecuniária, sob pena de bis in idem, já que a indenização pelos danos causados só é devida excepcionalmente, quando não for possível o retorno ao status quo ante.
Pugnou pela reforma da sentença, para que fosse excluída a sua condenação ao ressarcimento em pecúnia ou, ao menos, condicionando-a
à eventual insuficiência da reparação in natura para a recomposição integral
do dano. Requereu que a obrigação de fazer fosse reconhecida
expressamente como obrigação principal do 1º réu (responsável direto por
eventuais danos) e apenas subsidiária do ente público. Subsidiariamente,
requereu que fosse levada em consideração a culpa concorrente, de modo
a reduzir substancialmente o valor indenizatório, com base no art. 945 do
Código Civil. Por fim, requereu que fosse que eximido do pagamento de
custas processuais, uma vez que goza da isenção prevista no art. 17, IX, da
Lei estadual nº 3350/99.
Contrarrazões ao apelo do autor às fls. 1171/1179 (1º réu) e
1181/1184 (2º réu). Contrarrazões ao apelo do 1º réu às fls. fls. 1117/1154
(autor) e 1186/1192 (2º réu). Contrarrazões ao apelo do 2º réu às fls.
1117/1154 (autor) e 1161/1169 (1º réu).
Parecer da 9ª Procuradoria de Justiça de Tutela Coletiva às fls.
1230/1242, opinando pelo provimento do recurso do autor e desprovimento
dos recursos dos réus.
É o relatório.
Estão presentes os requisitos de admissibilidade dos recursos.
Serão analisados primeiramente o 2º e o 3º apelos (dos réus), eis
que envolvem matéria prejudicial ao conhecimento do 1º apelo (do autor).
A preliminar de ilegitimidade passiva reiterada pelo 1º réu não prospera, porquanto o ora 2º apelante confessou ter procedido ao aterramento em área não edificável, embora tente esquivar-se de sua responsabilidade alegando que o fez em cumprimento à determinação da Associação de Moradores Flamboyant, sob ameaça de tomada do respectivo terreno.
Ocorre que ninguém está obrigado a cumprir determinações ilegais, assim como ninguém pode se eximir de cumprir a lei sob a escusa de desconhecê-la. Logo, o recorrente não pode alegar que ignorava que o aterro e a construção do muro foram feitos em área de preservação permanente Ademais, ainda que tenha agido a mando da associação, a situação do 1º réu permanece inalterada porque, em matéria ambiental, a responsabilidade independe da análise de culpa, eis que a teor do que dispõe o art. 14, § 1º c/c art. 3°, IV da Lei 6.938/81, trata-se de responsabilidade objetiva e solidária a todos aqueles que participarem da relação jurídica direta ou indiretamente e violarem as normas ambientais, causando danos ao meio ambiente e à coletividade.
Tampouco prospera a preliminar de ilegitimidade passiva reiterada pelo 2º réu, que pretende que a responsabilidade seja atribuída exclusivamente ao 1º réu.
Nos termos do art. 3º, IV da Lei n° 6938/81, entende-se por poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. In casu, a responsabilidade do Município é solidária porquanto atuou como poluidor indireto, na medida em que agiu com negligência ao deixar de adotar medidas eficazes para impedir a ocupação irregular de área de preservação permanente pelo 1º réu.
A alegação de que não concedeu licença ambiental nem urbanística não socorre o 2º apelante. Com efeito, conforme já decidido pelo e. Superior Tribunal de Justiça, “Diante de ocupação ou utilização ilegal de espaços ou bens públicos, não se desincumbe do dever-poder de fiscalização ambiental (e urbanística) o Administrador que se limita a embargar obra ou atividade irregular e a denunciá-la ao Ministério Público ou à Polícia, ignorando ou desprezando outras medidas, inclusive possessórias, que a lei põe à sua disposição para eficazmente fazer valer a ordem administrativa e, assim, impedir, no local, a turbação ou o esbulho do patrimônio estatal e dos bens de uso comum do povo, resultante dedesmatamento, construção, exploração ou presença humana ilícitos”.
(Resp. nº 1071741 / SP. Segunda Turma. Rel. Min. Herman Benjamin. Julgado em 24/03/2009).
O Município se limitou a expedir notificações em 2004 e 2008, que foram ignoradas pelo 1º réu durante anos, até que houvesse a intervenção
do Poder Judiciário neste feito para suprir a inércia da Administração
Pública. Logo, não há como afastar a responsabilidade solidária do 2º réu.
Rejeito, pois, as preliminares.
No mérito, melhor sorte não assiste aos réus.
O 1º réu/2º apelante tenta fazer crer que houve cumprimento
integral da decisão que antecipou os efeitos da tutela e que os documentos
existentes nos autos comprovam que não há qualquer prejuízo ambiental,
de modo que ele não se enquadraria na definição legal de poluidor, nem
poderia ser condenado a recuperar ou indenizar qualquer dano.
Tais teses não se sustentam, porquanto é incontroverso que o ora
recorrente promoveu o aterramento do solo e a construção de um muro em
área non aedificandi e ainda depositou entulho na faixa marginal de
proteção do Canal do Cortado. Logo, o 1º réu enquadra-se perfeitamente
como poluidor, segundo a definição do já mencionado do art. 3º, IV da Lei
n° 6938/81. In casu, a conduta comissiva do 2º apelante o caracteriza como
poluidor direto.
Ademais, não restou comprovado nos autos o cumprimento integral da decisão que antecipou os efeitos da tutela.
Com efeito, o 1º réu/2º apelante embasa a sua tese nos documentos de fls. 736 e seguintes. Trata-se, na verdade, de um trecho de um documento mais amplo, que é o Parecer Técnico elaborado pelo Grupo de Apoio Técnico Especializado do Ministério Público - GATE Ambiental às fls. 727/742. Tal parecer está baseado numa segunda vistoria daquele órgão, realizada em 07/01/2016. Naquela ocasião, “constatou-se a permanência do muro que delimita o Lote 31, extrapolando o alinhamento do muro dos fundos do Condomínio Flamboyant (também mantido), avançando ainda mais sobre a FMP do Canal do Cortado, constituindo acréscimo de área do referido Lote” (fl. 733. Destaquei).
É verdade que consta à fl. 736 que, em relação ao que fora constatado na primeira vistoria, constatou-se “a completa demolição do muro do Lote situado em frente ao Lote 31” (destaquei). Entretanto, logo abaixo do texto citado consta uma foto da região, obtida do Programa Google Earth, com anotações sobrepostas indicando que o prolongamento do muro do lote 31, de propriedade do 1º réu, permanecera “Sem alteração”.
Ou seja, o muro que foi completamente demolido não é o mesmo muro construído pelo 2º apelante, eis que se tratava do muro do lote situado em frente àquele de sua propriedade.
Como se vê, a referência do Parecer Técnico do GATE Ambiental ao muro do lote de propriedade do 1º réu encontra-se à fl. 733 do documento, ao passo que a informação contida à fl. 736 é referente ao muro de outro lote, situado em frente ao lote do recorrente.
Considerando que a decisão que deferiu a tutela antecipada é de 27/08/2012 (fl. 140) e que a segunda vistoria do GATE no local ocorreu em 07/01/2016, mostra-se correta a conclusão da juíza sentenciante no sentido de que “não há certeza quanto ao cumprimento da liminar deferida pelo Juízo”.
A alegação do 1º réu de que não existe nexo de causalidade entre qualquer conduta sua e o suposto dano à área do Canal do Cortado não condiz com o conjunto probatório dos autos. Com efeito, conforme se verifica às fls. 35/40, o ora 2º apelante vinha sendo notificado desde 2004 a executar a remoção dos aterros executados no Canal do Cortado nos limites do lote 31, por solicitação da Diretoria de Obras da Rio Águas, a qual, em vistoria realizada em 02/02/2004, constatou que o aterro estava “atingindo o Canal que neste trecho tem muita vegetação”. (Fl. 37, destaquei).
Ademais, o próprio Parecer Técnico do GATE Ambiental, em que se apoia o 2º apelante, aponta que as intervenções na Faixa Marginal de Proteção em tela causaram danos ambientais constituídos de alteração do solo com aterro e impermeabilização e alteração da paisagem. No mesmo sentido, o Relatório de Vistoria da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de fls. 760/766 aponta que, embora não fosse constatado, no momento da vistoria, o lançamento de entulho ou de aterro sobre a FMP do Canal do Cortado, “nota-se a presença de focos de entulho, já coberto por vegetação.
Como também um possível aterro quando da análise da ortofoto de 1999”. (Fl. 761).
Diante desse quadro não há que se falar em ausência de dano
ambiental causado em área de proteção permanente somente porque os
vestígios do entulho sobre ela lançado estejam atualmente recobertos por
vegetação. Pelo contrário, o conjunto probatório está a indicar que persiste
a ocupação irregular da faixa marginal de proteção e que não ocorreu a
remoção completa do entulho sobre ela lançado, de modo que não se
sustenta a tese de que já teria ocorrido a recuperação ambiental da área
danificada.
Logo, não há como afastar a condenação imposta ao 1º réu.
Quanto à apelação do 2º réu, uma vez superada a preliminar de
ilegitimidade passiva, o inconformismo do Município pode ser sintetizado em
cinco tópicos: 01) violação ao princípio da separação de poderes; 02)
impossibilidade de cumulação da reparação in natura com a indenização
pecuniária; 03) necessidade de se reconhecer que o 1º réu é o responsável
direto por eventuais danos, de modo que a obrigação de fazer do ente
público é apenas subsidiária; 04) necessidade de se considerar a culpa
concorrente, a fim de reduzir substancialmente o valor indenizatório; e 05)
impossibilidade de condenação do Município ao pagamento de custas
processuais, em razão da isenção legal.
No tocante ao primeiro tópico, o e. Supremo Tribunal Federal
posiciona-se no sentido de que "O Poder Judiciário, em situações
excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas
assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como
essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação de
poderes" (AI 708667 AgR, Relator(a): Min. Dias Toffoli, Primeira Turma,
julgado em 28/02/2012).
O próprio 3º apelante reconhece que “O Poder Judiciário só está
autorizado a intervir em matéria de políticas públicas quando
comprovadamente se verifica uma omissão injustificável e reiterada da
Administração.” (Fl. 1093).
É exatamente o que ocorre no presente caso. Com efeito, conforme já apontado supra, o Município se limitou a expedir notificações
em 2004 e 2008, que foram ignoradas pelo 1º réu durante anos, até que
houvesse a intervenção do Poder Judiciário neste feito para suprir a inércia
da Administração Pública.
Logo, considerando a reiterada leniência do Município diante do
dano ambiental do qual já estava ciente desde 2004 sem ter adotado
nenhuma medida eficaz para evitar que este se prolongasse ao longo dos
anos até a propositura da presente ação, não há que se falar em violação
do princípio da separação de poderes.
Com relação ao segundo tópico, é perfeitamente possível a
cumulação da reparação in natura com a indenização pecuniária, sem que
isso configure bis in idem, conforme reiteradamente reconhecido pela
jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça. A título de exemplo,
confira-se o seguinte julgado:
.........................................................................................................
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO
AMBIENTAL. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE
OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA
DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA
(INDENIZAÇÃO).
1. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que a
necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio
ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer e indenizar
2. Com efeito, a cumulação de obrigação de fazer, não fazer e
pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização não é
para o dano especificamente já reparado, mas para os seus efeitos
remanescentes, reflexos ou transitórios, com destaque para a
privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo, até
sua efetiva e completa recomposição, assim como o retorno ao
patrimônio público dos benefícios econômicos ilegalmente
auferidos.
3. Agravo Interno não provido.
(AgInt no REsp 1770219/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin,
Segunda Turma, julgado em 23/05/2019, DJe 19/06/2019).
..........................................................................................................
Destaco que, neste tópico, o 3º recurso não prospera, porquanto se mostra contrário ao enunciado da súmula 629 do STJ, in verbis: “Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar.”
Quanto ao terceiro tópico, não se vislumbra o interesse em
recorrer do Município ao requerer que a obrigação de fazer fosse
reconhecida expressamente como obrigação principal do 1º réu
(responsável direto por eventuais danos) e apenas subsidiária do ente
público, já que a sentença não dispôs de modo diverso.
Com efeito, conforme se verifica às fls. 1039/1046, em razão do
acolhimento, com efeitos infringentes, dos embargos de declaração opostos
pelo Município, a sentença foi integrada para, dentre outras coisas,
“estabelecer o regime da SOLIDARIEDADE tanto em relação às obrigações
de fazer quanto em relação à obrigação de indenizar fixada na sentença,
observada, em ambos os casos, em favor da municipalidade, a
SUBSIDIARIEDADE DA EXECUÇÃO (ordem de preferência)”. (Fl. 1046.
Destaquei).
Como se vê, embora as obrigações estabelecidas na sentença
tenham sido impostas de forma solidária, a execução de ambas ficará a
cargo do 1º réu. Somente na hipótese de omissão ou de impossibilidade do
1º réu no cumprimento integral das obrigações de fazer e de indenizar é
estas deverão ser cumpridas pelo 2º réu, em caráter subsidiário.
No que tange ao quarto tópico, o Município pretende que seja
levada em consideração a culpa concorrente, de modo a reduzir
substancialmente o valor indenizatório.
Tal pedido está embasado no art. 945 do Código Civil, que assim
dispõe: “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a
sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa
em confronto com a do autor do dano”.
A simples leitura do dispositivo invocado pelo 3º apelante já
revela, por si só, o descabimento de seu pedido. Basta que se indague:
quem seria a vítima que teria concorrido culposamente para o evento danoso?
No caso concreto, considerando-se que o evento danoso é um dano ambiental, as vítimas são o próprio meio ambiente e a sociedade como um todo, incluindo as futuras gerações que possam vir a enfrentar os
eventuais desdobramentos do dano ambiental. Ambos os réus deram causa
ao evento danoso. O primeiro, por sua ação; o segundo, por sua omissão.
Sendo assim, não se vislumbra como o Município 3º apelante,
com base no art. 945 do Código Civil, possa querer reduzir
substancialmente o valor da indenização pelo dano ambiental causado pela
ação do 1º réu e por sua omissão em combatê-la, sem nenhuma
concorrência culposa por parte das vítimas do evento danoso.
No pertinente ao quinto tópico, nenhuma razão assiste ao 3º
apelante.
Embora pretenda ser eximido do pagamento de custas
processuais, uma vez que goza da isenção prevista no art. 17, IX, da Lei
estadual nº 3350/99, o Município não foi condenado ao pagamento de
custas, mas, sim, ao “recolhimento apenas da taxa judiciária, na proporção
que lhe cabe no rateio - 50%”.
Desnecessário tecer maiores considerações sobre este tópico,
porquanto a matéria já se encontra sumulada neste Tribunal no verbete nº
145, in verbis:
.........................................................................................................
Se for o Município autor estará isento da taxa judiciária desde que se comprove que concedeu a isenção de que trata o parágrafo único do artigo 115 do CTE, mas deverá pagá-la se for o réu e tiver sido condenado nos ônus sucumbenciais.
..........................................................................................................
No caso concreto, o Município é o 2º réu e foi condenado a pagar apenas a metade da taxa judiciária, em razão do rateio dos ônus sucumbenciais com o 1º réu, de modo que, também nesse aspecto, a sentença não merece reparos.
Como se vê, não há como acolher os apelos dos réus, sequer parcialmente.
Passo à análise do apelo do autor, cujo inconformismo está restrito à ausência de condenação dos réus ao pagamento de honorários sucumbenciais em seu favor.
O argumento de que este Tribunal de Justiça admite a condenação em honorários advocatícios em favor do Centro de Estudos da Defensoria Pública do RJ, conforme o enunciado da súmula nº 182 desta Corte, e que o entendimento deve ser o mesmo com relação ao Ministério Público em razão da verba a ser destinada ao Fundo Especial desta instituição não socorre o 1º apelante.
Com efeito, a súmula nº 182 desta Corte trata especificamente da a verba honorária arbitrada em favor do Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública nas ações que versem sobre a prestação unificada de saúde, e não em ações civis públicas.
Embora a Defensoria Pública também tenha legitimidade para propor a ação civil pública (art. 5º, II da Lei nº 7347/1985), não há nenhuma súmula deste Tribunal que lhe assegure o pagamento de honorários sucumbenciais neste tipo de ação. Logo, não há tratamento diferenciado para a Defensoria Pública e o Ministério Público no que tange à ausência de condenação dos réus ao pagamento de honorários sucumbenciais em sede de ação civil pública. O entendimento aplicado à matéria por este Tribunal é o mesmo para ambas as instituições.
Com relação à tese de que o art. 18 da Lei 7.347/85 não traz qualquer regra especial que excepcione a aplicação das regras comuns do Código de Processo Civil quando a sucumbência recai sobre o réu em ação civil pública, compete ao e. Superior Tribunal de Justiça dirimir controvérsias acerca da correta aplicação da legislação infraconstitucional.
Assim, no tocante à interpretação do disposto no art. 18 da Lei 7.347/85, a jurisprudência consolidada na Corte da Cidadania é no sentido de que, em não havendo má-fé, descabe a condenação em honorários advocatícios da parte requerida em ação civil pública, em razão do princípio da simetria. Nesse sentido, confira-se o seguinte aresto:
..........................................................................................................
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. PROCEDÊNCIA. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA
CONTRA O RÉU. DESCABIMENTO. PRINCÍPIO DA SIMETRIA.
ART. 18 DA LEI 7.347/1985.
1. A Corte Especial do STJ, no julgamento dos EAREsp
962.250/SP, de relatoria do Ministro Og Fernandes (DJe 21/8/18),
firmou compreensão no sentido de que, em razão da simetria,
descabe a condenação em honorários advocatícios da parte
requerida em Ação Civil Pública, quando inexistente má-fé,
como ocorre com a parte autora, por força da aplicação do art.
18 da Lei 7.347/1985, qualquer que seja o legitimado ativo.
2. "O Ministério Público não faz jus ao recebimento de
honorários advocatícios sucumbenciais quando vencedor na
ação civil pública por ele proposta. Não se justificando, de igual
maneira, conceder referidos honorários para outra instituição"
(REsp 1.358.057/PR, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma,
DJe de 25/6/2018).
3. Nesse sentido: AgInt no AREsp 506.723/RJ, Rel. Ministro Og
Fernandes, Segunda Turma, DJe 16/5/2019; AgInt nos EDcl no
AgInt nos EDcl no AREsp 317.587/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina,
Primeira Turma, DJe 1º/4/2019.
4. Recurso Especial provido.
(REsp 1820022/AL, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda
Turma, julgado em 10/09/2019, DJe 11/10/2019).
..........................................................................................................
Destaco que os precedentes citados pelo 1º apelante são
julgados dos anos de 2005 e 2009, os quais já se encontram superados,
conforme demonstrado no julgado citado supra, bem como nos vários
julgados nele mencionados. Logo, não se vislumbra nenhuma violação aos
dispositivos prequestionados pelo 1º recorrente.
Como se vê, nenhum dos três recursos prospera, porquanto a
sentença deu correta solução ao litígio e não está a merecer reparos.
Assim nego provimento aos recursos. É como voto.
Rio de Janeiro, 08 de setembro de 2020.
Desembargador RICARDO RODRIGUES CARDOZO
Relator
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