sexta-feira, 25 de junho de 2021

A LEI E A JUSTIÇA PROIBEM A VENDA DE "FRAÇÃO IDEAL" DE FALSOS CONDOMINIOS

Pareceres/Decisões 189/2006


Parecer 189/2006-E - Processo CG 245/2006
: 22/02/2008

REGISTRO DE IMÓVEIS – Recurso de apelação recebido como recurso administrativo - Admissibilidade – Condomínio especial mascarando um autêntico loteamento não regularizado – Bloqueio da matrícula - Cabimento da medida – Imprescindibilidade de prévia regularização, nos termos do artigo 37 da Lei nº 6.766/79 e dos itens 152 e seguintes do capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Provimento negado.
 
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
 
Cuida-se de recurso interposto por CARLOS HENRIQUE BENATTI contra decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito Corregedor Permanente do Registro de Imóveis e anexos da Comarca de Piracicaba.
 
Tal decisão (fls. 259) determinou o bloqueio da matrícula n° 73.804, em virtude de lá ter sido registrada, sob o n° 01, a incorporação do Condomínio Fechado Benvenuto, que, conforme representação formulada pelo registrador, consistiria em autêntico condomínio de lotes, em afronta à Lei nº 6.766/79 e ao decidido por esta Corregedoria Geral da Justiça (Processo CG 1.536/96) e pelo E. Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível nº 100.767-0/9).
 
Alega o recorrente (fls. 268/281), em resumo, ser o caso de reforma da decisão atacada. Isto porque o MP opinou pelo desbloqueio, no que foi seguido pelo juízo a quo, mas este, posterior e indevidamente, reviu seu posicionamento. Ademais, o oficial já havia feito o registro, só tendo posteriormente questionado o ocorrido três anos depois, movido por exagerado rigor formal, ao arrepio dos princípios registrários e em afronta ao constitucional direito à propriedade. Acrescenta que a menção a lotes seria fruto de mero errode grafia e que dita incorporação já estava aprovada pela municipalidade e em consonância com a Lei nº 4.591/64. Via de conseqüência, o oficial do registro, e não o recorrente, é que deveria suportar os eventuais ônus decorrentes da eventual adequação aos preceitos da Lei n° 6.676/79.
 
O MP opinou pela manutenção do decisum e os autos vieram encaminhados do Conselho Superior da Magistratura (fls. 295/296).
 
É o relatório.
 
Passo a opinar.
 
De início, observo que o recorrente ofertou recurso de apelação, invocando o artigo 513 do CPC.
 
Ocorre que o referido dispositivo legal se insere na regulamentação do procedimento recursal processual civil, não sendo a hipótese dos autos. Aqui, há procedimento administrativo relativo ao registro imobiliário.
 
Nada impede, contudo, que se receba o presente como o recurso administrativo capitulado no artigo 246 do Código Judiciário.
 
O recurso deve, assim, ser conhecido.
 
No mérito, contudo, pode-se concluir que não é caso de modificação do decidido pelo MM. Juízo a quo.
 
Como se sabe, o bloqueio de matrícula imobiliária teve origem como uma criação administrativo-judicial, que tinha por escopo a correção de erro registrário, quando isto fosse possível, sem que se tivesse de decretar a rigorosa medida até então estabelecida no art. 214, caput, da Lei de Registros Públicos.
 
Assim, identificada uma invalidade extrínseca do registro, ao invés de ser ordenado o seu cancelamento, adotar-se-ia providência administrativa menos drástica e, ao depois de uma futura recuperação dos assentamentos, era possível o retorno ao estado de normalidade.
 
Inúmeras são as decisões desta Corregedoria Geral da Justiça neste sentido, valendo lembrar o que inserto no parecer do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria Geral, Dr. Marcelo Fortes Barbosa Filho, lançado no Processo CG nº 1911/96, da Comarca de Cotia:
 
“Com efeito, o bloqueio constitui uma criação administrativo-judicial, que busca a correção de erro registral pretérito e ostenta certa função acautelatória, impedindo, simplesmente, novos assentamentos sejam exarados com base em registro maculado. A   providência   se   justifica, como o ressaltado nos Processos CG ns. 38/87, da Comarca da Capital e 1319, da Comarca de Cotia, pela possibilidade de ser evitada medida drástica, consistente no cancelamento, desde que se mostre suficiente para remediar ou prevenir o mal ocorrido ou em potencial”.
 
O bloqueio representa, portanto, providência acautelatório-instrumental, caracterizada pela provisória suspensão do “ius disponendi” referente a determinado bem imóvel, destinada a salvaguardar a integridade dos assentamentos registrários e servindo de substitutivo ao cancelamento, só podendo, por princípio, ser decretado quando, configurada a incidência do artigo 214, caput, da Lei Federal 6.015/73, seja viável, por meio da prática de novos atos, a recuperação da validade.
 
Ressalte-se que o bloqueio em comento foi criado com o fim de evitar a assunção de prejuízos patrimoniais para particulares, sempre quando viável o futuro e completo saneamento do vício registrário identificado.
 
Quando averbado na matrícula, impede a prática de qualquer assentamento enquanto não determinado o seu levantamento, estando, a partir da edição da Lei nº 10.931/2004, previsto nos §§ 3º e 4º do art. 214 da LRP.
 
No caso em tela, impôs-se bloquear a matrícula, preventivamente, até a efetiva regularização do loteamento, sendo esta a sua verdadeira essência, ainda que impropriamente denominado de condomínio.
 
Em hipótese semelhante, esta Corregedoria Geral da Justiça assim já decidiu (Processo CG nº 319/2005):
 
“Inviável o acolhimento da pretensão recursal. Cediço que se cuida de um loteamento sem formalização tabular, de modo que dar guarida ao pedido em relação aos lotes apontados, sem atentar para a legislação de parcelamento do solo, importaria manifesta afronta aos princípios que norteiam o Registro de Imóveis. A abertura de matrículas em hipóteses quejandas, longe de configurar, como se busca fazer crer, ato sem maior repercussão a ser singelamente praticado independentemente de outras considerações, passa pela inarredável observância das exigências legais e normativas para que o chão possa ser fracionado.
 
Do contrário, perderiam elas, por completo, a razão de existir. Bastaria que alguém, sem nenhuma sorte de fiscalização ou controle, alienasse a terceiros diversas partes de área sua para que qualquer deles (ou, mesmo, todos) pudesse reclamar do Oficial matrícula individualizada, dando azo a nova realidade in tabula. Seria algo como comprar em grosso e vender a retalho, com desprezo pelos cuidados que as diferentes ordens de interesses envolvidos impõem, o que não se admite na esfera registrária. Sem condão de modificar tal panorama a circunstância de haver a Prefeitura Municipal tributado os lotes separadamente, lançando IPTU, pois a tributação decorre de critérios próprios, distintos dos que regem o fólio real. Este o entendimento pacífico e reiterado desta Corregedoria Geral.
(...)
A resposta negativa dimana da sistemática de regência. Hodiernamente, dispõe o artigo 37 da Lei nº 6.766/79: “É vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado”.
 
 Mas, mesmo no tocante a situações concretas anteriores à promulgação de tal estatuto, como já se viu, considerado inclusive farto arrimo jurisprudencial, não é possível, em se cuidando de loteamento propriamente dito, registrar lotes sem que se ache este regularizado, no sentido de permitir a devida e indispensável especialização geodésica de cada fração a ser matriculada, conhecendo-se sua perfeita localização no bojo da gleba matriz, assim como, para cotejo, das quadras, vias de circulação e logradouros públicos. (...) Nesse diapasão, se a área em tela foi loteada sem observância de formalidades imperativas, mister se faz que, almejada a abertura de matrículas para os lotes, providencie-se, antes de mais nada, a regularização do empreendimento, mercê do espaço aberto no artigo 40 do diploma supra citado e nos itens 152 e seguintes do capítulo XX das Normas de Serviço desta Corregedoria Geral da Justiça, nas quais legitimada, inclusive, a iniciativa dos adquirentes. Necessário, enfim, que a regularização seja promovida mediante procedimento próprio, com pleno atendimento aos requisitos legais e normativos.”
 
(....)
 
Definitivamente, conforme aqui ressaltado na representação do zeloso registrador, bem como no parecer da douta Procuradoria de Justiça, não foram preenchidos todos os requisitos acima exigidos.
 
Em que pese o empenho do digno patrono do recorrente, seus argumentos trazidos não autorizam a reforma da decisão atacada.
 
Em se tratando de matéria administrativa-registral, pode perfeitamente o juízo a quo rever seu posicionamento, do mesmo modo que o oficial, ainda que alguns anos após a realização do registro da incorporação.
 
Não se verificou qualquer exagerado rigor formal a afrontar os princípios registrários. Tampouco se afrontou o constitucional direito à propriedade, que não é absoluto e inequivocamente está sujeito a limitações.
 
A menção aos lotes não foi fruto de mero errode grafia, pois, como bem observado a fls. 02/04, não houve vinculação do terreno a efetiva construção ou qualquer referência à composição de cada residência aprovada, bem como sua individualização e discriminação.
 
Por outro lado, eventual aprovação pela municipalidade não supre a falta de adequação às regras relativas aos loteamentos acima referidas.
 
Finalmente, não há respaldo legal para que o oficial do registro, e não o recorrente, suporte os eventuais ônus decorrentes da adequação aos preceitos da Lei n° 6.676/79.
 
Prevalece, assim, o decidido por esta Corregedoria Geral da Justiça (Processo CG 1.536/96):
 
”REGISTRO DE IMÓVEIS – Matrícula – Bloqueio – Quebra ao princípio da especialidade – Condomínio de casas – inexistência de efetivo atrelamento das construções ao terreno – Impossibilidade de constituição de condomínio especial de solo – Inteligência do art. 8° da lei n° 4.591/64 – Fraude à Lei do Parcelamento do Solo – Condomínio deitado e loteamento fechado -Diferenças e requisitos.”
 
No mesmo diapasão, o v. acórdão do E. Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível nº 100.767-0/9):
 
”Registro de Imóveis – Condomínio especial – Glebas de extensa área, vinculadas a pequenas edificações – Sérios indícios de burla à Lei 6.766/79 – REGISTRO NEGADO – Dúvida procedente – Recurso Desprovido.”
 
Diante do exposto, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de que:
 
A) se receba a apelação como sendo recurso administrativo;
 
B) no mérito, seja negado provimento ao recurso, mantendo-se o bloqueio da matrícula nº 73.804 do Registro de Imóveis e anexos da Comarca de Piracicaba, tal qual foi decretado pelo seu MM. Juízo Corregedor Permanente.
 
C) ocorra, ao final, o arquivamento destes autos na origem.   
 
Sub censura.
 
São Paulo, 16 de maio de 2.006.
 
(a) ROBERTO MAIA FILHO
 Juiz Auxiliar da Corregedoria
 
 
DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria e por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso. Arquivem-se os autos na origem. Publique-se. São Paulo, 30 de maio de 2006(a) GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da Justiça

Nenhum comentário: