terça-feira, 29 de junho de 2021

TJ RS É CRIME FAZER PROPAGANDA ENGANOSA DE VENDA CONDOMINIO INEXISTENTE ART. 65 DA LEI 4591/64 VENDA DE "CONDOMINIO" INEXISTENTE

O CASO EVIDENCIA A  IMPORTÂNCIA DA FISCALIZAÇÃO DOS "LANÇAMENTOS DE CONDOMÍNIOS " POR PARTE DOS OFICIAIS TITULARES DOS CARTÓRIOS DE REGISTRO DE IMÓVEIS


DEMONSTRA TAMBEM A NECESSIDADE  DA PRONTA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DA ORDEM PUBLICA E DOS DIREITOS DOS  CONSUMIDORES 

APELAÇÃO CRIME. DEMAIS INFRAÇÕES PENAIS. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. LEI Nº 4.591/64. PRELIMINARES DE NULIDADE. REJEIÇÃO. 

(...)

Embora na inicial o fato tenha sido capitulado no art. 66, I, da Lei nº 4.591/64, a descrição fática amolda-se, na verdade, ao disposto no art. 65, caput, da mesma Lei, o que foi devidamente observado pelo julgador singular. Sabido que o réu se defende dos fatos e não da mera capitulação constante da denúncia, não há nulidade a declarar.

MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. 

Os elementos de convicção constantes dos autos demonstram a materialidade e a autoria do crime previsto no art. 65, caput, da Lei nº 4.591/64, revelando que os réus, agindo em comunhão de vontades, promoveram incorporação imobiliária, fazendo, em comunicação ao público, afirmação falsa sobre a construção de condomínio e alienação de frações ideais de edificação. 

DOSIMETRIA. 

Penas confirmadas nos padrões mínimos, na forma aplicada na sentença.

PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO DESPROVIDA. 


APELAÇÃO CRIME

OITAVA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70064695448 (Nº CNJ: 0154922-67.2015.8.21.7000)

COMARCA DE MARCELINO RAMOS

APELANTES: XXX

APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO 


ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos os autos. 

Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar as preliminares e em negar provimento à apelação.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores DES.ª ISABEL DE BORBA LUCAS E DES. DÁLVIO LEITE DIAS TEIXEIRA.

Porto Alegre, 27 de setembro de 2017.



DES.ª NAELE OCHOA PIAZZETA, 

Relatora.


RELATÓRIO

DES.ª NAELE OCHOA PIAZZETA (RELATORA)

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra XXXXX, dando-os como incursos nas sanções do artigo 66, inciso I, da Lei n.º 4591/64, c/c o artigo 29, “caput”, do Código Penal, do Código Penal, pelo fato assim narrado na peça acusatória:

“[...].

Durante o mês  abril de 2012, através do Jornal Bom Dia/Erechim, os denunciados  Xx em comunhão de esforços e vontades, promoveram incorporação, fazendo, em comunicação ao público interessado, afirmação falsa sobre a constituição do condomínio, alienação das frações ideais do terreno ou sobre a construção das edificações.

Ocorre que os denunciados, visando promover a comercialização de futuro empreendimento imobiliário, determinado Irmãos Marsaro Residencial (fl. 07/10), procuraram o Jornal Bom Dia para comunicar ao público, mediante anúncio jornalístico a propagando do imóvel.

Os denunciados Luiz Carlos e Marcio David eram os responsáveis pelas informações sobre o “empreendimento imobiliário”, enquanto o denunciado Antônio Carlos Gomes dos Santos fazia às vezes de “corretor”, ou seja, intermediação imobiliária. No entanto, a afirmação sobre a constituição do condomínio, alienação de frações ideais era falsa, uma vez que sequer o imóvel sob o qual seria erguida a edificação fora objeto de incorporação imobiliária.

 [...]”.

Citados (fl. 74), os denunciados compareceram à audiência, não aceitaram a proposta de suspensão condicional do processo e apresentaram resposta preliminar (fls. 75-78).

Denúncia recebida em 05-08-2013 (fl. 91/v).

Ofertada resposta à acusação por intermédio de defensor constituído, com rol de testemunhas (fls. 93-96)

Ausentes quaisquer das hipóteses do art. 397 do Código de Processo Penal, foi determinado o prosseguimento do feito, com o indeferimento da oitiva de três testemunhas arroladas pela defesa (fls. 97-98).

Durante a instrução, foram ouvidas 03 (três) testemunhas e interrogados os réus (CDs, fls. 105, 123, 174, 178 e 207). 

Apresentados memoriais pelo Ministério Público (fls. 214-216v) e pela defesa (fls. 218-223). 

Atualizados os antecedentes criminais (fls. 224-227).

Sobreveio sentença (fls. 228-238), publicada em 04-11-2014 (fl. 239), julgando procedente a pretensão punitiva para condenar os acusados XXXX como incursos nas sanções do artigo 65, “caput”, da Lei n.º 4.591/64, às penas  de 01 (um) anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade, e multa de cinco salários mínimos. Custas pelos réus, na razão de 1/3 (um terço) para cada um. 

Intimados da sentença pessoalmente (fls. 243 e 250), interpuseram recurso de apelação (fls. 241), recebida à fl. 242.

Em suas razões, apresentadas nesta Instância, a defesa suscita a nulidade da sentença pela suspeição ou impedimento do julgador; pela ocorrência de por cerceamento de defesa, devido ao indeferimento da oitiva de testemunhas; e pela violação ao princípio da correlação. No mérito, sustenta não haver nos autos prova apta a embasar o decreto condenatório (fls. 370-377).

Com as contrarrazões (fls. 379-385), manifestou-se a ilustre Procuradora de Justiça, Maria Cristina Cardoso Moreira de Oliveira pela rejeição das prefaciais e pelo desprovimento do recurso defensivo (fls. 387-392).

Após dúvida envolvendo a competência interna no âmbito desta Corte (fls. 394-396, 403 e 405-406), vieram conclusos para julgamento.


VOTOS

DES.ª NAELE OCHOA PIAZZETA (RELATORA)

Trata-se de recurso de apelação interposto por defensora constituída em favor de XXXXX, em face da sentença pela qual condenados como incursos nas sanções do artigo 65, “caput”, da Lei n.º 4.591/64.

Em suas razões, suscita a nulidade da sentença pela suspeição ou impedimento do julgador; pela ocorrência de cerceamento de defesa, devido ao indeferimento da oitiva de testemunhas; e pela violação ao princípio da correlação. No mérito, sustenta não haver nos autos prova apta a embasar o decreto condenatório (fls. 370-377).

Inicio pelo exame da prefacial de suspeição ou impedimento do julgador singular. 

De plano, constato que esta questão foi suscitada somente em sede recursal. Durante todo o trâmite processual, o magistrado singular conduziu o andamento do feito sem qualquer oposição por parte da defesa – que inclusive assumiu o processo na fase de defesa preliminar. 

Como a exceção de suspeição deve ser formulada na primeira oportunidade em que couber à parte se manifestar nos autos, o debate proposto pela defesa somente em preliminar recursal mostra-se precluso. 

Com o mesmo entendimento, colaciono precedente do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENAL E PROCESSO PENAL. EXCEÇÃO DE IMPEDIMENTO. ARGUIÇÃO APÓS PRÉVIA MANIFESTAÇÃO NOS AUTOS. PRECLUSÃO. PRECEDENTES.

1. De acordo com a jurisprudência deste Sodalício, a exceção de suspeição deve ser arguida na primeira oportunidade em que o réu se manifestar nos autos, sob pena de preclusão, entendimento que se aplica também à exceção de impedimento, em atenção ao que estabelece o artigo 112 do Código de Processo Penal.

2. Agravo regimental improvido.

(AgRg no Ag 1430977/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 04/06/2013, DJe 12/06/2013) (grifei)


Apenas para não passar in albis, cabe salientar que a defesa invoca a existência de supostas decisões parciais pelo julgador singular em outros feitos cíveis envolvendo os réus e as procuradoras constituídas – que apresentam laços de parentesco. Contudo, não há qualquer notícia dando conta da arguição de suspeição nas ações discriminadas nas razões recursais, o que demonstra que o expediente ora suscitado em preliminar é infundado. 

Já em relação ao invocado impedimento do julgador, não estão presentes quaisquer das hipóteses previstas no art. 252 do CPP, pelo que não há mácula a declarar. 

Na segunda prefacial, os recorrentes sustentam o cerceamento de defesa em virtude do indeferimento da inquirição de testemunhas, arroladas por ocasião da oferta da resposta à acusação. 

Não colhe.

Compulsando os autos, observo que, à fl. 91, o magistrado singular determinou a intimação dos denunciados para esclarecimentos quanto ao rol de testemunhas apresentado, pois continha nomes incompletos, pessoa jurídica e pessoas com residência em outros três Estados da Federação. 

A defesa se manifestou às fls. 93-94, elucidando o interesse  quanto a duas testemunhas. Em relação às testemunhas Vanderlei de Oliveira, Mauro Eger e Carlos de Mattos, residentes no Paraná, Santa Catarina e São Paulo, respectivamente, destacou que se tratava de pessoas que passaram férias no hotel da família dos réus no Município de Marcelino Ramos, oportunidade em que tomaram conhecimento do empreendimento e manifestaram intenção em constituir condomínio com os réus. 

Na decisão das fls. 93-94, foi indeferida a oitiva destas três testemunhas em razão do caráter protelatório, decorrente da necessidade da expedição de cartas precatórias para outros Estados e da própria finalidade, conforme explicação da defesa, que nada acrescentaria ao deslinde do fato. 

Não observo o invocado cerceamento de defesa decorrente da negativa da inquirição destas três últimas testemunhas, pois, de fato, manifesto o caráter protelatório, reforçado pela necessidade de expedição de cartas precatórias. A justificativa apresentada pela defesa revela que a intenção da prova era confirmar a existência de interesse na constituição de condomínio  fechado com os denunciados. Porém, diante dos elementos de convicção produzidos – que serão examinados oportunamente – não há dúvidas de que os réus almejavam a comercialização das unidades junto ao público em geral.

Ademais, como bem salientado pelo julgador singular, “relevância nenhuma assume perquirir se os acusados manifestaram ou não a terceiros, se tiveram ou não contato com terceiros, dando conta de intenção de constituir condomínio. Aliás, isso é até mesmo fato consequente lógico diante da imputação delituosa, que assevera a exposição à venda/propaganda de imóvel a despeito dos requisitos legais”. 

Por fim, caso a defesa entendesse ser imprescindível a colheita do mencionado meio de prova, poderia ter ajuizado correição parcial em face da decisão singular, para que a questão fosse reexaminada ainda durante a fase instrutória. Contudo, renovando o debate somente na fase dos memoriais, mais uma vez evidenciado o caráter protelatório da prova.

A última preliminar retrata possível violação ao princípio da correlação, tendo em vista que a distribuição de panfletos e prospectos, bem como a utilização de placas de publicidade sequer foram mencionadas na denúncia, mas foram utilizadas na formação do convencimento do julgador. 

Melhor sorte não lhe assiste. 

A simples leitura da inicial revela que foi descrita a ação conjunta no sentido da promoção de incorporação, em comunicação ao público, com falsas afirmações a respeito da constituição do condomínio e alienação das frações ideais, o que encontra perfeita correspondência na sentença. 

Embora na inicial o fato tenha sido capitulado no art. 66, I, da Lei nº 4.591/64, a descrição fática amolda-se, na verdade, ao disposto no art. 65, caput, da mesma Lei, o que foi devidamente observado pelo julgador singular. 

Sabido que o réu se defende dos fatos e não da mera capitulação constante da denúncia, não há nulidade a declarar. 

Ademais, sequer se cogita da ocorrência do delito disposto no art. 66, I, da referida Lei , pois este delito pressupõe a existência de negociação de frações ideais, o que não ocorreu em concreto no caso em apreço, uma vez que não veio aos autos informação dando conta da abertura de tratativas comerciais com eventual interessado na aquisição. 

Repiso, a conduta delitiva apurada no caso em tela amolda-se ao disposto no art. 65, caput, da Lei nº 4.591/64, como será ampliado a seguir. 

Avanço ao exame do mérito recursal. 

A tese defensiva pode ser sintetizada na inexistência de provas para sustentar o decreto condenatório. Aduzem os apelantes que em nenhum momento houve oferta de venda dos imóveis, que o material publicitário não circulou no município e que a reportagem jornalística sequer indicou valores de comercialização, manifestando apenas o interesse na futura edificação. 

Em que pese a argumentação defensiva, o detido exame do material probatório constante dos autos conduz à confirmação da condenação dos réus. 

Isso porque a existência material do crime pode ser visualizada por meio do registro de ocorrência (fl. 06), do ofício do Oficial Registrador contendo cópia de material publicitário e de reportagem jornalística (fls. 09, 10-11 e 12-13), ao passo que a autoria é certa e recai sobre os denunciados. 

Neste ponto, considerando que a prova oral foi devidamente sintetizada pelo julgador singular, Eduardo Marroni Gabriel, transcrevo o respectivo trecho da sentença, bem como da análise procedida, com o intuito de evitar desnecessária repetição:

“[...].

Os elementos incorporados aos autos permitem apreender terem os denunciados, em comunhão de vontades e conjunção de esforços, levado a efeito, em comunicação ao público, afirmação falsa acerca de imóvel que sequer havia sido objeto de prévia incorporação imobiliária, o que configura a prática ilícita tipificada no artigo 65, “caput”, da Lei nº 4.591/64.

O dispositivo em exame considera crime contra a economia popular promover incorporação, fazendo, em proposta, contratos, prospectos ou comunicação ao público ou aos interessados, afirmação falsa sôbre a construção do condomínio, alienação das frações ideais do terreno ou sôbre a construção das edificações.

Na hipótese, resta claro que os denunciados divulgaram ao público imóvel para venda (condomínio de apartamentos, denominado Irmãos Marsaro Residencial) sem que sequer pudessem assumir a condição de incorporadores do bem, porquanto não enquadrados em quaisquer dos requisitos do artigo 31 da lei em comento1, assim como porque, via de  consequência, não haviam promovido o prévio registro da incorporação, em desatenção ao artigo 32 desse mesmo texto legal2, o que permite afirmar a falsidade da postura adotada. Assumiram a condição de empreendedores de imóvel específico e suficientemente definido, ofertando suas unidades condominiais, sem que tivessem aptidão para tanto. A oferta, portanto, era inverídica, inconsistente. Ademais, também transparece ter sido falsa a afirmação sobre a construção e alienação do bem porque sequer acabou se concretizando. Expuseram à venda bem cuja realização, além de inviável por inobservância dos requisitos legais atinentes à incorporação, também figurou inverídica porque, posteriormente, nenhuma medida foi tomada para superação desses empecilhos legais efetiva construção da edificação. 

Os documentos retratados nas fls. 10/13 demonstram com exatidão a prática delitiva e, embora bastem por si sós, encontram amparo na prova oral e ganham maior força probante frente à inconsistência das negativas dos acusados. 

Nas fls. 10 e 11 percebe-se propaganda do imóvel em referência, com especificação de localização, dimensões, planta baixa e, o mais relevante, a indicação de CENTRAL DE VENDAS com apontamento dos nomes e telefones dos três denunciados para contatos com esse objetivo. Há nítida proposição de oferta de apartamentos, com suficiente definição do objeto, tanto que consta no prospecto: edifício com 08 pavimentos e 03 aptos por andar. Dispõe de 15 unidades de apartamentos + cobertura com 118,46m² de área construída. Com dois ou três quartos (sendo um suíte). O edifício ainda dispõe de: Sacada c/ churrasq., medidores de água e luz individuais, garagem privativa (01 vaga), pintura externa e texturas, portão eletrônico, pontos de TV, telefone e internet. Área total do empreendimento = 2.127,85m². Anotaram-se, ainda, no corpo da divulgação, de modo que transparece união de forças para realização do empreendimento, as inscrições Transportes Luiz Marsaro, M Marsaro Empreendimentos e Antônio Carlos - Corretor de Imóveis, além de Construtora Guarany e Gambeta Engenheiro Civil. Os dois primeiros, por certo, remetem aos irmãos Marsaro - os acusados Luiz e Márcio - enquanto o terceiro diz expressamente com o corretor imobiliário Antônio, co-denunciado.    

Já na fl. 13 há matéria jornalística em que um dos acusados, Luiz Carlos, logo após introdução sobre o crescimento da construção civil, divulga expressamente o imóvel em questão, in verbis: Dentro dessa perspectiva, o empresário Luiz Marsaro anuncia dois novos empreendimentos no Município de Marcelino Ramos: o Hotel Thermas Classic II (que será inaugurado no final deste ano) e o Residencial Irmãos Marsaro (com obras previstas para o início de 2013). Note-se que o apontamento até mesmo de data para o início das obras do prédio de apartamentos (início de 2013) evidencia, sem sombra de dúvida, que intenção de divulgação desse empreendimento existiu. Não bastasse isso, consta na matéria definição do imóvel de apartamentos com reprodução do texto transcrito no parágrafo acima e, ainda, ilustração da edificação (grifei).    

Percebe-se, frente a esse panorama, que a prova documental incorporada aos autos, por si só, seria bastante para afirmação da prática delitiva pelos réus. 

Há matéria jornalística - promovida a partir de informações do acusado Luiz Carlos - nitidamente voltada a comentar dois novos empreendimentos, com exposição da edificação despida do prévio registro da incorporação, claramente voltada à divulgação do produto – o Irmãos Marsaro Residencial. Enfim, fosse um simples comentário sobre as potencialidades do município, evidentemente não caberiam ter constado na matéria as características da edificação, nem ilustração a respeito. Fosse uma simples matéria voltada ao desenvolvimento do turismo regional, como buscou fazer crer o acusado Luiz Carlos em seu interrogatório - o qual, aliás, se qualifica como turismólogo - certamente a ilustração seria dotada de outra ordem. Poderia retratar o complexo termal da cidade, a ponte férrea, o rio, o santuário, talvez até um hotel, mas não empreendimento particular voltado à comercialização de apartamentos. E o texto seguiria o mesmo caminho. Não há, entretanto, uma linha, salvo a em que Luiz Carlos assevera ter o desenvolvimento da cidade ocorrido no entorno do complexo termal, em que seja destacado algum atrativo turístico do município.   

Existe, ainda, prospecto de oferta para alienação das unidades imobiliárias, com descrição bastante do imóvel e apontamento dos nomes dos acusados, com os respetivos telefones, para negociação com  interessados, tanto que constam logo abaixo da indicação CENTRAL DE VENDAS. Verifica-se, ademais, menção a negócios dos acusados como concorrentes para realização do empreendimento (Transportes Luiz Marsaro, M Marsaro Empreendimentos e Antônio Carlos - Corretor de Imóveis). 

Deflui dessa conjuntura que divulgação do imóvel com o objetivo de comercialização houve. 

E não apenas em prospecto cuja circulação é incontestável. Sublinhe-se, no aspecto, que a testemunha Ari Vendrúsculo (fl. 124 -verso), responsável pela gráfica indicada pela defesa, deu conta de que a impressão consubstanciava propaganda de apartamentos (uma propagandinha que ele veio lá, imprimiu comigo pra divulgação do empreendimento de apartamentos, enfim, isso aí). Ora, não se crê alguém promova impressão de prospecto, dotado das características reveladas nas cópias das fls. 10/11, para simples deleite particular. Aliás, é da natureza da propaganda sua publicidade. Evidentemente, portanto, visava a distribuição, tanto que ocorreu. Enfim, se às mãos do tabelião da cidade, Jorge Zanin, chegou esse folheto, tal como informado pelo registrador Newton Cheron, que daquele recebeu a documentação para as providências cabíveis (mídia da fl.174), somente carência de lógica e razoabilidade poderia sustentar não ter circulado a propaganda. 

Houve também publicação de matéria jornalística voltada à divulgação do imóvel. Apenas exame despido de cuidado ou mente iluminada por extrema ingenuidade poderia enxergar matéria desprovida de interesse comercial. Nem mesmo poderíamos pensar em merchandising na hipótese. A divulgação do prédio de apartamentos é patente, ostensiva, e não há, como visto, no conteúdo do texto, apontamento de atrativos regionais. Cabe ressaltar, no contexto, que a testemunha Hélio, responsável pela publicação jornalística, confirma esse quadro ao salientar que se pautou em folder entregue ao repórter, evidentemente, o mesmo sobre o qual acima se comentou, tanto que seu texto descritivo do bem constou na matéria (fl. 125 - verso). 

Digno de apontamento que o próprio Luiz Carlos, ao tentar justificar a fotografia do prédio de apartamentos inserta na matéria, acabou revelando outro detalhe capaz de robustecer a convicção de que havia oferta imobiliária correlata. Disse que a imagem poderia ser fotografia de uma placa que haviam colocado no local da construção. Pois bem, se até placa com a foto do imóvel colocaram no local da pretendida construção, ganha corpo a convicção de que intentavam alienação do bem. Havia divulgação não apenas por prospecto e jornal, mas também por placa publicitária.    

O problema, no entanto, é que tal divulgação pautou-se em premissas falsas. O imóvel não havia sido objeto de incorporação imobiliária, o que desautorizava, na linha do artigo 32 da Lei regente do tema, sua exposição. Soma-se a isso o fato de que os réus nem mesmo tinham ingerência sobre o terreno onde seria edificado o prédio, tal como esclareceu Luiz Carlos, sendo isto obstáculo a que figurassem como incorporadores, na linha do artigo 31 desse mesmo diploma legal. 

Ocorreu, dessa forma, divulgação ao público, através de prospectos e matéria jornalística, de imóvel que não existia nem haveria como existir nas circunstâncias em que anunciado. A comunicação era falsa no que diz com a construção e alienação das unidades imobiliárias porque não se poderia informar sequer início das obras para o começo de 2013 - tal como constou na matéria jornalística - nem dimensões e planta de apartamentos - como lançado não apenas na matéria, mas também nos prospectos que acabaram circulando - sem que esses dados estivessem devidamente registrados. Sem o prévio registro - que existe, como esclareceu o registrador Newton, para conferir segurança ao que se propõe à venda, sujeito a série de condicionantes – qualquer informação sobre características de unidade imobiliária ou data para início de sua construção merece ser qualificada como flagrantemente inverídica. Inverídica, aliás, não apenas no plano formal, mas também material, tanto que a edificação, como dito pelos denunciados, em juízo, não se concretizou nem está em andamento.        

 De mais a mais, não se pode deixar de sublinhar que a narrativa dos acusados é inverossímil.

Tentaram fazer acreditar que tudo não passou de um mal entendido. Luiz Carlos e Márcio falaram em simples sonho de investir na cidade. Deram conta de que teria Luiz Carlos, ao participar da matéria jornalística, agido sem conhecimento de Márcio e Antônio, sendo que o último nem mesmo tinha conhecimento da inserção de seu nome no folheto publicitário. 

Em simples sonho, todavia, não se pode falar. Quem promove confecção de prospectos de divulgação e matéria jornalística, além de placa de divulgação, com descrição do imóvel, inclusive planta baixa, indicação de sua localização e, ainda, define prazo para o início das obras, por certo, já superou em muito essa fase.  

Quanto à alegação de que Antônio teria tido seu nome inscrito no prospeto a sua revelia, bem como de que Márcio não tinha sequer conhecimento da matéria jornalística da qual participou Luiz Carlos, cumpre, primeiramente, esclarecer a relação entre os envolvidos. Márcio e Luiz Carlos são irmãos. Isso se depreende de suas qualificações. Não é sem razão que o residencial se chama Irmãos Marsaro. Antônio, por sua vez, é cunhado de Márcio, tal como asseverado por este quando interrogado. Ou seja, Antônio é irmão da esposa de Márcio, a qual, diga-se de passagem, figura como advogada atuante no seio do presente feito, Liziane dos Santos  Marsaro. 

Ressai induvidoso, diante desse quadro, que os denunciados agiram em família. São pessoas conhecidas, com laços íntimos. Em nossa diminuta cidade de Marcelino Ramos, onde a população urbana mal ultrapassa duas mil pessoas, evidente que não se pode crer que Luiz Carlos fosse atuar sem anuência de Márcio (sobremodo tendo em conta que o nome do empreendimento remete a ambos – revelando interesse conjunto de divulgação). Também é forçoso concluir que Antônio, vereador conhecido (fato notório), sabia da inserção de seu nome no prospecto de divulgação. Enfim, é irmão da esposa de Márcio, advogada atuante no feito.

Não bastasse isso, a própria defesa deixa transparecer de modo inequívoco que os acusados agiram conjuntamente. Ao tentar justificar a necessidade de inquirição das testemunhas Vanderlei, Mauro e Carlos (fl. 93 – item 3), fez constar que seriam pessoas que tem conhecimento dos fatos, pois tinham a intenção em constituir condomínio com os ora denunciados (…) (grifei). Então, se a própria defesa - promovida pela irmã de Antônio e esposa de Márcio - sustenta que a inquirição das testemunhas seria relevante para esclarecer a intenção DOS DENUNCIADOS de constituírem condomínio, é certo que todos tinham esse desiderato. Não se pode acreditar teriam Luiz e Márcio inserido na impressão das fls. 10/11 o nome, telefone e número de registro profissional de Antônio sem ciência deste. São parentes, pessoas próximas inseridas em restrita comunidade urbana e que, segundo afirmação da própria defesa, tinham intenção conjunta de constituir o condomínio. 

De mais a mais, vale notar que o depoimento de Ibanilto Trentin, testemunha da defesa, nada relevante é para apuração da prática delitiva. Limitou-se a dizer que não soube de nenhuma venda feita pelos acusados e a abonar suas condutas. 

Desta forma, tal como afirmado logo de início, exsurge patente a configuração do tipo penal em exame, o qual, calha frisar, coaduna-se com a descrição fática da denúncia, figurando viável falar em emendatio libelli, tal como esclarecido, inclusive, no despacho da fl. 84.  

Por fim, cumpre referir, em atenção à argumentação defensiva, que a ausência de lesão a terceiros não é pressuposto para perfectibilização do tipo penal.

As condenações, portanto, são imperativas.

[...].”

Em adição, a verificação conjunta destes elementos não deixa dúvidas em relação à efetiva prática delitiva levada a efeito pelos denunciados, uma vez que, agindo em comunhão de vontades, promoveram incorporação, fazendo, em comunicação ao público, afirmação falsa sobre a construção de condomínio e alienação de frações ideais de edificação, cujo imóvel não havia sido objeto de prévia incorporação imobiliária. 

A falsidade da afirmação pública sobre a construção do condomínio reside no fato de que os acusados não preenchiam os requisitos para assumir a condição de incorporadores e de que sequer houve o prévio registro de incorporação. Como se anteciparam às exigências legais e, desde logo, realizaram inverídica comunicação ao público, incorreram nas sanções do art. 65 da Lei nº 4.591/64.

Apreciando caso análogo, colaciono precedente desta Corte:

 APELACAO-CRIME. INCORPORACAO IMOBILIARIA. DELITOS DO ARTIGO 65, CAPUT, E PAR-1, INC-II ,D A LEI N.4591/64 CARACTERIZADOS. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNANIME. (8FLS.) (Apelação Crime Nº 70002698736, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 04/10/2001)


A defesa argumenta que a matéria jornalística publicada no Jornal Bom Dia tenha se dado por iniciativa do próprio veículo de comunicação – o que, a seu ver, desnaturaria a imputação de que teriam os réus procurado o jornal para comunicar ao público a incorporação.

A reportagem publicada na edição dos dias 21, 22 e 23 de abril de 2012 (fl. 13) contém uma entrevista com o réu Luiz Marsaro, no qual ele discorre sobre o desenvolvimento do Município de Marcelino Ramos e sustenta que “estamos investindo pesado em nossa terra”. Veicula que “Todos saem ganhando, não só os empresários do setor de turismo, hoteleiro e imobiliário, mas também o comércio em geral”. Ao final da reportagem, há a descrição de um novo hotel que o grupo familiar está construindo (de acordo com a legislação), bem como de edifício denominado “Residencial Irmãos Marsaro” (objeto da presente ação), com obras previstas para o início de 2013, com a seguinte descrição (fl. 10):

“RESIDENCIAL IRMÃOS MARSARO (APS. P/VENDA)

- Edifício com 08 pavimentos e 03 apts por andar;

- Dispõe de 15 unidades de aps. Mais uma cobertura com 118,48m2 de área construída; 

- Apts. Com dois ou três quartos (sendo uma suíte);

- O edifício ainda dispõe de: sacada com churrasqueira, medidores de água e luz individuais; garagem privativa (01 vaga); pintura externa e texturas; portão eletrônico; pontos de TV, telefone e internet;

- área total do empreendimento: 2.127,85m2.”


A tese de que a iniciativa de publicação teria partido do veículo de comunicação e não dos réus não se sustenta principalmente pelo conteúdo da matéria jornalística, por meio da qual o denunciado Luiz anunciou ao público os novos empreendimentos que estava lançando. Certamente o jornalista não teria o detalhamento de informações do empreendimento residencial publicado na matéria, o que lhe foi repassado pelo réu. 

Nesse sentido, a testemunha Helio, editor do periódico, salientou que foi realizada uma reportagem para destacar as potencialidades de turismo da região, sendo entrevistado o réu Luiz. Disse que “foi um repórter lá e daí foi feita a matéria e daí eles deram um folder pro repórter, né, que foi usado como ilustrativo, né, um folder normal pra... e eu não se se eles tinham construído ou não e eu acho que foi usado pra ilustrar a matéria né.” (fl. 125v).

Portanto, devidamente elucidado que jornal foi utilizado como instrumento para a comunicação ao público da constituição do condomínio. 

Outro argumento defensivo que merece refutação diz com o folder publicitário das fls. 10-11. Alegam os acusados que não o colocaram em circulação, sendo impresso apenas para uso futuro. 

A testemunha Ari, proprietário de uma gráfica, declarou que foi procurado por um dos irmãos (Luiz ou Márcio), oportunidade em que imprimiu um material “para a divulgação do empreendimento de apartamentos.” (fl. 124).

É inequívoca a propagação da oferta pública, tanto que no dia 24 de abril de 2012, o Oficial Registrador da Comarca de Marcelino Ramos enviou ofício Juízo (fl. 09), salientando que estavam circulando no município prospectos publicitários (folders) e anúncios na mídia escrita (jornal), anunciado a comercialização de unidades autônomas de prédio em construção, sem a devida incorporação imobiliária. 

Nos documentos acostados pelo Oficial Registrador, consta um prospecto de duas páginas (fls. 10-11), com o endereço, a descrição do empreendimento, as plantas dos apartamentos e informações de uma central de vendas, com os telefones dos três denunciados. Para reforçar a credibilidade do material, havia indicação de outros empreendimentos da família Marsaro (transportadora e hotéis), além da indicação do engenheiro civil responsável, da construtora e do corretor de imóveis responsável pela comercialização (o corréu Antônio). 

Ainda que os recorrentes afirmem que o Oficial Registrador não indicou onde obteve a cópia apresentada, o certo é que, caso a defesa tivesse interesse em esclarecer esta questão, caberia arrolá-lo como testemunha. Além disso, trata-se de pessoa dotada de fé pública, que comunicou ao Juízo possível ilícito que chegou a seu conhecimento, de modo que nada há a reparar quanto a seu proceder. 

Outra linha argumentativa da defesa que não vinga diz com o suposto caráter fechado da edificação, cuja comercialização não seria aberta ao público. 

Isso porque no material publicitário há a expressa menção à existência de uma central de vendas, coordenada pelos três denunciados. Caso não houvesse o interesse na comercialização dos apartamentos, certamente a construção sequer seria anunciada ao público ou, ainda, veiculadas em jornal as características da obra. 

Igualmente não prospera a tentativa levada a efeito pelos réus Márcio e Antônio, no sentido de se eximir da responsabilidade penal. Como bem apontado pelo magistrado sentenciante, todos os acusados são ligados por laços de parentesco, sendo que Luiz e Márcio são irmãos, ao passo que o réu Antônio (que é corretor de imóveis) é casado com a irmã dos corréus. Não é por acaso que o edifício residencial foi batizado como “Irmãos Marsaro”. 

Em conclusão, comprovada a presença das elementares dispostas no art. 65, caput, da Lei nº 4.591/64, confirmo a condenação dos réus . 

No que se refere à dosimetria das penas, observo que, além de inexistir irresignação recursal específica, foram adotados os padrões mínimos na sentença, de modo que não há maiores considerações a tecer neste particular. 

Por tais fundamentos, rejeito as preliminares e nego provimento à apelação. 





DES.ª ISABEL DE BORBA LUCAS (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. DÁLVIO LEITE DIAS TEIXEIRA - De acordo com o(a) Relator(a).


DES.ª NAELE OCHOA PIAZZETA - Presidente - Apelação Crime nº 70064695448, Comarca de Marcelino Ramos: "REJEITARAM AS PRELIMINARES E NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME."



Julgador(a) de 1º Grau: EDUARDO MARRONI GABRIEL


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