terça-feira, 29 de junho de 2021

TJ MG AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA VENDA DE "FRAÇÃO IDEAL" DE FALSO CONDOMÍNIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO TEM LEGITIMIDADE PARA INSTAURAR AÇÃO CIVIL PUBLICA PARA IMPEDIR AS VENDAS DE FRAÇÕES IDEAIS DE  FALSOS CONDOMÍNIOS  : 

 Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Processo: 1.0110.18.000336-7/001

Relator: Des.(a) Carlos Roberto de Faria

Relator do Acordão: Des.(a) Carlos Roberto de Faria

Data do Julgamento: 07/11/2019

Data da Publicação: 19/11/2019

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - FALSO CONDOMÍNIO - PRELIMINAR DE

DECISÃO ULTRA PETITA - ACOLHIDA - ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - REJEITADA -

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO

1. Nos termos do art. 492, do Código de Processo Civil, é vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da

pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

2. A condenação que excede ao demandado na inicial configura vício de julgamento ultra petita e, por isso, o excesso

deve ser decotado.

3. Cabe ao Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e

social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

4. A Lei nº 6.766/79 estabelece que "somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei

municipal".

5. Recurso parcialmente provido.


CONFIRA :


AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0110.18.000336-7/001 - COMARCA DE CAMPESTRE - AGRAVANTE(S):

VITORINO RIDOLFI - AGRAVADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

A C Ó R D Ã O

 Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na

conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO PARA ACOLHER A

PRELIMINAR DE DECISÃO ULTRA PETITA.

DES. CARLOS ROBERTO DE FARIA

RELATOR.

DES. CARLOS ROBERTO DE FARIA (RELATOR)

V O T O

 Trata-se de agravo de instrumento interposto por VITORINO RODOLDI, nos autos da ação civil pública, contra a

decisão de fls. 156-159v/TJMG, que deferiu tutela provisória de urgência à requerida.

 Alega o agravante que a decisão se encontra em franco confronto com seus interesses, vez que proferida de

maneira ultra petita e, de ofício, incluiu impedimentos e estendeu efeitos os quais não foram requeridos pelo Ministério

Público. Nesse sentido, acrescenta, a decisão excedeu o pedido formulado pelo ora agravado, prejudicando

veemente o agravante e os demais interessados, que não podem sequer realizar benfeitorias em suas propriedades.

 Pondera que, como existe apenas um jornal na região, o agravante fica obrigado a, mensalmente, renovar as

publicações que, de fato, não produzem os efeitos esperados, uma vez que própria averbação às margens já seria o

suficiente. Acrescenta que, como se trata de uma região onde todos conhecem a vida de todos, a notícia já se

espalhou, além do fato de que o agravante não sair anunciando vendas de lotes a ninguém.

 Aduz a patente ilegitimidade do Ministério Público para propor a presente demanda, visto que a mesma se trata,

única e exclusivamente, de direito imobiliário, tema este sobre o qual a d. Promotoria não tem competência ou

legitimidade. Alega que ora o Ministério Público defende os padrões urbanísticos (interesses difusos), ora pleiteia

indenização aos compradores de lotes (interesses individuais). Nesse sentido, afirma que se faz necessária a

extinção do feito sem resolução do mérito, vez que comprovada a ilegitimidade ativa.

 Sustenta a inadequação da via eleita, ao argumento de que o representante do Ministério Público não se atentou para o fato de que o imóvel está situado na área rural e pondera que não há parcelamento, tampouco

loteamento instalado naquela área, mas sim um condomínio de pessoas da mesma família, não podendo ser

regularizado sob a égide da Lei nº 6.766/79, devendo a ação ser extinta de plano.

 Conta que possui um filho, que herdou do falecimento de sua esposa, uma parte ideal e que lá está construindo

uma casa para morar com sua família e, devido aos efeitos da liminar, está com a obra parada, sendo que todo o

material para construção está se deteriorando, com prejuízos gritantes. Defende que não irá vender os lotes, porém

as pessoas que moram lá necessitam cuidar e fazer reparos em seu patrimônio.

 Por todo o exposto, requer que seja conhecido e provido o presente recurso, bem como, liminarmente, concedida

a tutela recursal, para tornar sem efeito as abstenções incluídas de forma ultra petita pelo d. magistrado a quo e

permitir que o agravante possa realizar obras, benfeitorias, reformas, melhoramentos e manutenção na área descrita

na inicial, bem como tornar sem efeito a obrigação de publicar em jornais e rádios locais a informação do referido

impedimento. Ao final, pede que a decisão agravada seja cassada, tendo em vista a ilegitimidade do Ministério

Público no que tange o direito imobiliário e por demandar direitos difusos e individuais homogêneos.

 Em decisão constante às fls. 183-187/TJMG, o recurso foi recebido apenas no seu efeito devolutivo.

 Contraminuta às fls. 300-303/TJMG, pelo não provimento do recurso.

 É o relatório. Decido.

 Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

 PRELIMINAR

 DECISÃO ULTRA PETITA

 Nos termos do art. 492, do Código de Processo Civil, é vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da

pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

 A análise da petição inicial revela que a autora formulou os seguintes pedidos:

a) Seja deferida a medida liminar, a fim de determinar a expedição de ofício ao Cartório de Registro de Imóveis de

Campestre, para que averbe a existência da presente ação civil pública na matrícula n. 5.407, na forma do art. 167, II,

item 12, da Lei 6.015/73, ficando impedido ainda de qualquer registro translativo de propriedade sem autorização

judicial.

 (...)

c) Seja, ao final, julgada procedente a presente ação, nos termos do art. 11 da Lei n° 7.347/85, condenando os

registros à obrigação de fazer consistente em efetuarem o desfazimento integral do parcelamento irregular,

declarando-se ainda a nulidade de todos os títulos registrados na matrícula n. 5.407 (R-2 a R-10), e os que porventura

sucederem.

 O agravante sustenta que a decião foi ultra petita no tocante a inclusão de impedimentos e a extensão de efeitos,

quais sejam, a abstenção em realizar obras, benfeitorias, venda, desmembramento e a determinação para publicação

de notícia informacional, em jornal e rádios locais. De fato, é possível ver que a decisão excedeu o pedido. Dessa

forma, torna-se necessário que esse excesso seja decotado.

 Nesse sentido é a jurisprudência do TJMG:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - TUTELA ANTECIPADA - PRELIMINAR DE OFÍCIO - AUSÊNCIA DE

PEDIDO DA PARTE AUTORA - DECISÃO EXTRA PETITA - ACOLHIMENTO - JUSTIÇA GRATUITA - PESSOA

FÍSICA - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA - CONCESSÃO INTEGRAL DA BENESSE -

IMPOSSIBILIDADE.

- O Código de Processo Civil determina que o douto magistrado julgue a lide nos limites propostos pelas partes,

sendo-lhe defeso proferir decisão aquém (citra petita), além (ultra petita) ou diversa (extra petita) do que fora pedido

no feito.

- Nos termos do art. 1013, §3º, II, do Código de Processo Civil/2015, a incongruência da decisão com os limites do

pedido ou da causa de pedir é motivo da sua anulação apenas quanto a esse tópico.

- O NCPC veio positivar orientação, há muito consolidada pela jurisprudência, no sentido de considerar relativa a

presunção de veracidade que decorre da alegação de hipossuficiência deduzida pela pessoa física. Nos termos do §

2º, art. 99, do NCPC, o juiz poderá indeferir o pedido de gratuidade de justiça integral se houver elementos que

evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade integral.

- Nas hipóteses em que a prova pericial foi postulada pelo beneficiário da justiça gratuita urge que os honorários do

perito sejam pagos pelo próprio beneficiário, sendo esta a única medida hábil a viabilizar a prestação jurisdicional

célere e completa. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.19.068024-9/001, Relator(a): Des.(a) Sérgio André da

Fonseca Xavier , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08/10/2019, publicação da súmula em 08/10/2019)

 Desta forma, acolho a preliminar.

ILEGITIMIDADE ATIVA

 O recorrente sustenta a falta de interesse de agir do Ministério Público para a propositura da ação civil pública,

contudo, a Carta Magna de 1988, em seu art. 129, III, preceitua:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente

e de outros interesses difusos e coletivos.

 A Lei 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública), em seus arts. 1º, 5º e 6º, prevê:

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por

danos morais e patrimoniais causados:

l - ao meio-ambiente;

ll - ao consumidor;

III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;

V - por infração da ordem econômica.

(...)

Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

I - o Ministério Público; (...).

Art. 6º Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe

informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção.

 Por outro giro, a Lei 6.938/81 (Política Nacional de Meio Ambiente), prevê que:

Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das

medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade

ambiental sujeitará os transgressores:

§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da

existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua

atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e

criminal, por danos causados ao meio ambiente."

 Portanto, dos dispositivos supra aludidos, pode-se constatar a legitimidade do Ministério Público da União e dos

Estados para a propositura da ação.

 DO MÉRITO

 Observa-se, in casu, tratar-se de falso condomínio, onde o proprietário da gleba estabelece a venda de partes

ideais, a serem alienadas a pessoas diversas, prevendo a existência de área de circulação de uso em comum.

 Tratando-se, deste modo, de parcelamento irregular do solo rural para fins urbanos. Tendo a irregularidade

constatada no empreendimento, diante da fraude perpetrada com a constituição de "falso condomínio", e da

inexistência de licenciamento para o loteamento em questão.

 A Lei n° 6.766/79 dispõe sobre os requisitos necessários para as alterações de uso do solo rural para fins

urbanos, quais sejam:

Art. 53. Todas as alterações de uso do solo rural para fins urbanos dependerão de prévia audiência do Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, do Órgão Metropolitano, se houver, onde se localiza o

Município, e da aprovação da Prefeitura municipal, ou do Distrito Federal quando for o caso, segundo as exigências

da legislação pertinente.

 Nesse sentido, a Lei n° 6.766/79, alterada pela Lei n° 9.785/99, prevê:

Art. 3°. Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou

de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal.

 Mais, o Estatuto da Terra veda a divisão da propriedade rural em área inferior à constituída do módulo da

propriedade. Veja-se:

Art. 65. O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural.

 Outrossim, sabe-se que a implantação de loteamento transcende o direito subjetivo da propriedade da gleba, vez

que causa influências diretas à economia das famílias carentes de moradia e gera insegurança jurídica.

 Torna-se necessária, portanto, a manutenção da decisão no que tange a necessidade de averbação da matrícula

do referido imóvel e a condenação dos registros à obrigação de fazer consistente em efetuarem o desfazimento

integral do parcelamento irregular, declarando a nulidade dos títulos registrados na matrícula n° 5.407.

 Com tais considerações, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, apenas para acolher a preliminar de decisão

ultra petita e decotar o impedimento a realização de obras e benfeitorias na referida área de propriedade do agravante

e a publicação de notícias informacionais nos veículos de informação de jornal e rádios locais.

 Custas, na forma da lei.

JD. CONVOCADO FÁBIO TORRES DE SOUSA - De acordo com o(a) Relator(a).

DESA. TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO - De acordo com o(a) Relator(a).

 SÚMULA: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO PARA ACOLHER A PRELIMINAR DE

DECISÃO ULTRA PETITA."


TRANSITADO EM JULGADO 



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