New direction for the indebted: STJ rules that only the Common Courts can judge over-indebtedness actions provided for in Law 14.181/2021
Source: CPG Click Petróleo e Gás
Escrito por
Caio Aviz
Publicado em
09/10/2025 às 14:47
Legislação e Direito
Entenda por que a Justiça Comum é a única competente para julgar casos de repactuação de dívidas previstos na Lei nº 14.181/2021 e o impacto dessa decisão para milhões de brasileiros.
O superendividamento é um problema que atinge milhões de famílias brasileiras e compromete o mínimo existencial de quem luta para equilibrar as contas.
Em 2023, o Banco Central apontou que mais de 80% das famílias endividadas enfrentam dificuldades para quitar seus compromissos. Para responder a esse cenário, a Lei nº 14.181/2021 alterou o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e criou um processo especial de repactuação de dívidas, previsto nos artigos 104-A e 104-B.
O objetivo é restaurar a dignidade do consumidor e permitir sua reintegração financeira.
Entretanto, uma dúvida crucial surgiu entre advogados e tribunais: o Juizado Especial Cível (JEC) pode julgar esse tipo de ação? A resposta, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2023, é não.
Rito especial exige estrutura mais ampla
O procedimento de repactuação de dívidas é composto por duas fases: conciliatória e pós-conciliatória. Em muitos casos, envolve dezenas de credores em um verdadeiro concurso de créditos. Essa complexidade, segundo o Enunciado 08 do Fonaje (Fórum Nacional dos Juizados Especiais), afasta a ação da competência dos Juizados, voltados apenas a causas simples e de rápida tramitação.
O processo também busca elaborar um plano de pagamento de até cinco anos, preservando o mínimo existencial do devedor. Por isso, exige análise técnica detalhada de contratos, prazos e valores. Essa característica torna impossível o julgamento célere típico do JEC, cuja estrutura é voltada à simplicidade.
Natureza de insolvência e exclusão legal
O §2º do artigo 3º da Lei nº 9.099/1995, que regula os Juizados, exclui de sua competência as causas de natureza falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública. Por analogia, o rito da Lei nº 14.181/2021 também deve ser excluído, já que trata de situações semelhantes à insolvência civil. Ele lida com o conjunto de dívidas do consumidor, exigindo uma abordagem ampla e aprofundada.
O ministro Luiz Fux, em análises de 2021, ressaltou que a proibição deve abranger todas as causas que compartilhem a natureza das vedadas. Essa visão reforça a necessidade de que os casos tramitem na Justiça Comum, e não nos Juizados.
Decisão do STJ consolidou a competência da Justiça Comum
Em 2023, a 2ª Seção do STJ julgou o Conflito de Competência nº 193.066/DF, decisão que mudou o rumo das ações de superendividamento no país. O tribunal definiu que somente a Justiça Comum Estadual e Distrital pode julgar essas demandas, mesmo quando há interesse de entes federais, como a Caixa Econômica Federal.
A decisão foi unânime e teve como base a complexidade do concurso de credores, prevista nos artigos 104-A, 104-B e 104-C do CDC. O STJ concluiu que o Juizado Especial Cível não possui estrutura nem competência técnica para conduzir esses casos. O motivo é claro: o processo envolve análise ampla, múltiplos contratos e negociações simultâneas.
Efeitos práticos e sociais da decisão
A Lei do Superendividamento, sancionada em 1º de julho de 2021, representa um marco na proteção do consumidor e na promoção da dignidade humana. Ela permite que pessoas endividadas negociem com seus credores sob mediação judicial. Assim, garante condições mínimas de sobrevivência e promove reintegração econômica e social.
Para que esse mecanismo funcione, é indispensável que as ações sejam propostas na Vara Cível da Justiça Comum. Esse juízo tem estrutura adequada e poder de cognição ampliado para analisar dívidas de forma justa e equilibrada. Segundo a advogada Patrícia Vieira, especialista em Direito do Consumidor, “a tramitação no Juizado Especial comprometeria a finalidade da lei, pois não há tempo nem estrutura para negociações amplas com todos os credores”.
Avanço jurídico e proteção ao consumidor brasileiro
A decisão do STJ em 2023 consolidou um entendimento essencial: o rito do superendividamento é especial e incompatível com o modelo dos Juizados Especiais.
Garantir que a ação tramite na Justiça Comum assegura tempo suficiente para negociação, proteção efetiva ao devedor e cumprimento real da Lei nº 14.181/2021.
Essa medida reforça o compromisso do Judiciário com a inclusão financeira, a educação para o consumo responsável e a função social do crédito. Ela também mostra a preocupação do Estado em proteger o consumidor e evitar abusos que agravam o endividamento das famílias.
O superendividamento, portanto, é mais do que uma questão financeira — é um problema social e jurídico que exige estrutura, especialização e sensibilidade.
O que você acha: o Brasil está realmente preparado para aplicar plenamente a Lei do Superendividamento e devolver ao consumidor sua dignidade econômica?
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Conflito de competência
STJ: Justiça comum deve julgar renegociação por superendividamento
No caso concreto, o autor contraiu empréstimos com bancos em razão de sequelas decorrentes da covid-19.
Da Redação
terça-feira, 28 de março de 2023
Atualizado às 14:37
Na última semana, a 2ª seção do STJ julgou o CC 193.066, que enfrentou tema alusivo à competência para processamento do pedido de repactuação de dívidas disciplinado pela lei do superendividamento (lei 14.181/21).
Os ministros, por unanimidade, acompanharam o voto do relator, ministro Marco Buzzi, no sentido de que compete ao juízo comum, estadual ou distrital, processar e julgar ações de repactuação de dívidas fundamentadas nos artigos 104-A a 104-C, do CDC.
O voto condutor firmou-se no sentido de que, mesmo presente no feito entidade Federal - no caso concreto, a Caixa Econômica Federal - a existência de concurso de credores atrai a competência do juízo estadual, pois o plano de pagamento apresentado pelo devedor deve abranger, de maneira uniforme, todos os credores, sob pena de eventual cisão do processo violar a própria filosofia da lei, que consiste em um tratamento global do superendividamento.
"Ao fim e ao cabo, a definição de competência, na Justiça comum estadual, afigura-se imperiosa em razão da necessidade de concentrar todas as decisões que envolvam os interesses e patrimônio do consumidor, a fim de não comprometer os procedimentos atinentes à tentativa de, preservado o mínimo existencial, o devedor possa solver suas obrigações financeiras."
Na situação fática, o autor contraiu dívidas (empréstimos com bancos) em razão de sequelas decorrentes da covid-19, o que o deixou acamado até os dias atuais, razão pela qual constou da decisão a recomendação para que o juízo distrital, declarado competente, examine o feito com a maior brevidade possível.
A decisão foi unânime.
Processo: CC 193.066
Fonte Migalhas link: https://www.migalhas.com.br/quentes/383835/stj-justica-comum-deve-julgar-renegociacao-por-superendividamento
Faça o download aqui da íntegra do Acórdão do STJ em português
Ou clique no link abaixo:
Visão geral criada por IA
O Conflito de Competência nº 193.066/DF decidiu que a Justiça comum estadual ou distrital é a competente para julgar ações de repactuação de dívidas por superendividamento, mesmo quando há interesse de ente federal como a Caixa Econômica Federal. O motivo é que o procedimento de superendividamento (Lei n. 14.181/2021) exige uma análise complexa que envolve o concurso de credores, o que não é adequado ao Juizado Especial Cível (JEC).
Detalhes da decisão
Competência: A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou o entendimento de que a competência é da Justiça comum estadual ou distrital.
Fundamento: O objetivo da repactuação de dívidas é oferecer um plano de pagamento único para todos os credores (concurso de credores), o que é inviável em processos fragmentados ou mais simples.
Risco: Permitir que a disputa corresse em juízos diferentes (federal e estadual) poderia levar a decisões conflitantes, prejudicando o objetivo da lei, que é o tratamento global do superendividamento.
Parte Federal: A presença de um ente federal, como a Caixa Econômica Federal, não afasta a competência da Justiça comum.
Leia também Opinião - Conjur
Por que a ação do superendividamento não deve ser ajuizada no JEC?
Ana Carolina Fontana de Mattos
7 de outubro de 2025, 15h22
Civil Consumidor
O superendividamento é um fenômeno social que afeta milhões de brasileiros, exigindo uma resposta legal capaz de resgatar a dignidade e o mínimo existencial do consumidor de boa-fé.
A Lei nº 14.181/2021 aprimorou o Código de Defesa do Consumidor (CDC), introduzindo um processo especial de repactuação de dívidas (artigos 104-A e 104-B, CDC).
Apesar da nobre finalidade desta legislação, que atua como um remédio para o tratamento do endividamento, e da forte base conciliatória do rito, surge uma questão processual crítica para clientes e advogados: o Juizado Especial Cível (JEC) é competente para processar e julgar essa nova ação?
O cerne da questão reside na complexidade inerente ao rito da repactuação, que o afasta da simplicidade do rito sumaríssimo do JEC. O procedimento, que se divide em fase conciliatória e pós-conciliatória (judicial compulsória), estabelece um “verdadeiro concurso de credores que poderão ou não receber partes dos valores dessas dívidas”. [1]
Leia a íntegra no site do Conjur
Referências:
BRASIL. STJ. Conflito de Competência n. 193.066/DF. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. 2ª Seção, julgado em 08/03/2023.
EFING, Antonio Carlos; OYAGUE, Adriana. O processo judicial de repactuação das dívidas: modelo brasileiro de mínimo existencial instrumental. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 144, ano 31, p. 17-35, nov./dez. 2022.
FONAJE. Enunciado 08.
FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023. pp. 590-591.
[1] OLIVEIRA, Amanda Flávio de; MIRAGEM, Bruno; MARQUES, Claudia Lima; Magalhães, Lucia Ancona Lopez de. Direito do consumidor: 30 anos do CDC: da consolidação como direito fundamental aos atuais desafios da sociedade. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 95.
[2] FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 172.
[3] BRASIL. STJ. Conflito de Competência n. 193.066/DF. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. 2ª Seção, julgado em 08/03/2023.
Ana Carolina Fontana de Mattos
é advogada especialista em Direito do Consumidor e Bancário, doutoranda e mestre em Direito pela PUC/PR, pós-graduada em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Uerj, graduada em Direito pela PUC/PR, diretora da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/PR, membro da Comissão de Direito Bancário da OAB/PR, professora titular de Direito na Uniguairacá — Centro Universitário.
Veja também
INTEGRA DO ACÓRDÃO DO STJ
Superior Tribunal de Justiça
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 193.066 - DF (2022/0362595-2) RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI
SUSCITANTE : JUÍZO DE DIREITO DA VARA DE FALÊNCIAS RECUPERAÇÕES JUDICIAIS INSOLVÊNCIA CIVIL E LITÍGIOS EMPRESARIAIS DO DISTRITO FEDERAL
SUSCITADO : JUÍZO FEDERAL DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL ADJUNTO À 8A VARA DE BRASÍLIA - SJ/DF
INTERES. : ELIAS EZEQUIEL DOS SANTOS
REPR. POR : MARIA DE JESUS RODRIGUES SALES - CURADOR ADVOGADO : DEISEMIR COSTA DA SILVA - DF060830
INTERES. : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL INTERES. : BRB BANCO DE BRASILIA SA INTERES. : CARTÃO BRB S/A
INTERES. : BANCO PAN S.A.
INTERES. : BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.
EMENTA
CONFLITO DE COMPETÊNCIA - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS
- SUPERENDIVIDAMENTO - CONCURSO DE CREDORES PREVISTO NOS ARTIGOS 104-A, B E C, DO CDC, NA REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI 14.181/21 - POLO PASSIVO COMPOSTO POR DIVERSOS CREDORES BANCÁRIOS, DENTRE ELES, A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - EXCEÇÃO À REGRA DE COMPETÊNCIA PREVISTA NO ART. 109, I, DA CF/88 - EXEGESE DO COL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DEFINIDA EM REPERCUSSÃO GERAL - DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM DO DISTRITO FEDERAL.
1. O Superior Tribunal de Justiça é competente para o conhecimento e processamento do presente incidente, pois apresenta controvérsia acerca do exercício da jurisdição entre juízos vinculados a Tribunais diversos, nos termos do artigo 105, I, "d", da Constituição Federal.
2. A discussão subjacente ao conflito consiste na declaração do juízo competente para o processar e julgar ação de repactuação de dívidas decorrentes do superendividamento do consumidor, em que é parte, além de outras instituições financeiras privadas, a Caixa Econômica Federal.
3. A alteração promovida no Código de Defesa do Consumidor, por meio do normativo legal n.º 14.181/2021, de 1º de julho de 2021, supriu lacuna legislativa a fim de oferecer à pessoa física, em situação de vulnerabilidade (superendividamento), a possibilidade de, perante seus credores, rediscutir, repactuar e, finalmente, cumprir suas obrigações contratuais/financeiras.
4. Cabe à Justiça comum estadual e/ou distrital processar e
GMMB-25 CC 193066
2022/0362595-2 Página 1 de 2
Documento eletrônico VDA35932691 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): MARCO AURÉLIO GASTALDI BUZZI Assinado em: 29/03/2023 19:25:40
Código de Controle do Documento: 76E38D38-57EA-477B-AEB2-6B24F69D47F5
Superior Tribunal de Justiça
julgar as demandas oriundas de ações de repactuação de dívidas decorrentes de superendividamento - ainda que exista interesse de ente federal - porquanto a exegese do art. 109, I, do texto maior, deve ser teleológica de forma a alcançar, na exceção da competência da Justiça Federal, as hipóteses em que existe o concurso de credores.
5. Conflito conhecido para declarar a competência do r. juízo comum do Distrito Federal e Territórios para processar e julgar a ação de repactuação de dívidas por superendividamento, recomendando-se ao respectivo juízo, ante à delicada condição de saúde do interessado, a máxima brevidade no exame do feito.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça A Segunda Seção, por unanimidade, conhecer do conflito para declarar a competência do juízo comum do Distrito Federal e Territórios para processar e julgar a ação de repactuação de dívidas por superendividamento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Impedida a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira.
Brasília (DF), 22 de março de 2023(Data do Julgamento)
MINISTRO MARCO BUZZI
Relator
GMMB-25 CC 193066
2022/0362595-2 Página 2 de 2
Documento eletrônico VDA35932691 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): MARCO AURÉLIO GASTALDI BUZZI Assinado em: 29/03/2023 19:25:40
Código de Controle do Documento: 76E38D38-57EA-477B-AEB2-6B24F69D47F5
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 193066 - DF (2022/0362595-2) RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI
SUSCITANTE : JUÍZO DE DIREITO DA VARA DE FALÊNCIAS RECUPERAÇÕES JUDICIAIS INSOLVÊNCIA CIVIL E LITÍGIOS EMPRESARIAIS DO DISTRITO FEDERAL
SUSCITADO : JUÍZO FEDERAL DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL ADJUNTO À 8A VARA DE BRASÍLIA - SJ/DF
INTERES. : ELIAS EZEQUIEL DOS SANTOS
REPR. POR : MARIA DE JESUS RODRIGUES SALES - CURADOR ADVOGADO : DEISEMIR COSTA DA SILVA - DF060830
INTERES. : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL INTERES. : BRB BANCO DE BRASILIA SA INTERES. : CARTÃO BRB S/A
INTERES. : BANCO PAN S.A.
INTERES. : BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.
EMENTA
CONFLITO DE COMPETÊNCIA - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS - SUPERENDIVIDAMENTO - CONCURSO DE CREDORES PREVISTO NOS ARTIGOS 104-A, B E C, DO CDC, NA REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI 14.181/21 - POLO PASSIVO COMPOSTO POR DIVERSOS CREDORES BANCÁRIOS, DENTRE ELES, A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - EXCEÇÃO À REGRA DE COMPETÊNCIA PREVISTA NO ART. 109, I, DA CF/88 - EXEGESE DO COL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DEFINIDA EM REPERCUSSÃO GERAL - DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM DO DISTRITO FEDERAL.
1. O Superior Tribunal de Justiça é competente para o conhecimento e processamento do presente incidente, pois apresenta controvérsia acerca do exercício da jurisdição entre juízos vinculados a Tribunais diversos, nos termos do artigo 105, I, "d", da Constituição Federal.
2. A discussão subjacente ao conflito consiste na declaração do juízo competente para o processar e julgar ação de repactuação de dívidas decorrentes do superendividamento do consumidor, em que é parte, além de outras instituições financeiras privadas, a Caixa Econômica Federal.
3. A alteração promovida no Código de Defesa do Consumidor, por meio do normativo legal n.º 14.181/2021, de 1º de julho de 2021, supriu lacuna legislativa a fim de oferecer à pessoa física, em situação de vulnerabilidade (superendividamento), a possibilidade de, perante seus credores, rediscutir, repactuar e, finalmente, cumprir suas obrigações contratuais/financeiras.
4. Cabe à Justiça comum estadual e/ou distrital processar e julgar as demandas oriundas de ações de repactuação de dívidas decorrentes de superendividamento - ainda que exista interesse de ente federal - porquanto a exegese do art. 109, I, do texto maior, deve ser teleológica de forma a alcançar, na exceção da competência da Justiça Federal, as hipóteses em que existe o concurso de credores.
5. Conflito conhecido para declarar a competência do r. juízo comum do Distrito Federal e Territórios para processar e julgar a ação de repactuação de dívidas por superendividamento, recomendando-se ao respectivo juízo, ante à delicada condição de saúde do interessado, a máxima brevidade no exame do feito.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI (RELATOR):
Cuida-se de conflito de competência apresentado pelo r. juízo da vara de falências, recuperações judiciais, insolvência civil e litígios empresariais do Distrito Federal (processo n.º 724774-70.2022.8.07.0015), tendo como suscitado o r. juízo da 8ª Vara Federal da Seção Judiciária de Brasília/DF (autos n.º 1048413- 75.2022.4.01.3400/DF)
Noticiam os autos que ELIAS EZEQUIEL DOS SANTOS, com fundamento no art. 104 e ss. do Código de Defesa do Consumidor, com a redação dada pela Lei n.º 14.181/2021, ajuizou contra o BRB - Banco de Brasília S.A., Banco PAN S/A., Banco Santander S.A., Cartão BRB S/A e a Caixa Econômica Federal - CEF, ação de repactuação de dívidas em razão de alegado superendividamento.
Em suas razões, aduziu que "(...) Atualmente o rendimento líquido do requerente gira em torno de R$ 4.004,31 (quatro mil quatro reais e trinta e um centavos), porém, os descontos dos empréstimos realizados em conta corrente, contracheque e cartão de crédito alcançam a monta de R$ 10.990,29 (dez mil novecentos e noventa reais e vinte e nove centavos)" Acrescentou que "(...) o valor após abatimento de todos os empréstimos se mostra completamente insuficiente para garantir o mínimo existencial." Disse, nesse contexto, que "(...) após contrair COVID-
19 grave, em agosto de 2020, sofreu uma parada cardiorrespiratória que provocou sérios danos neurológicos, ficando dependente do uso de cânula de traqueostomia com oxigênio intermitente, outrossim, a necessidade de ser alimentado via gastrostomia e utilização de medicação de uso contínuo fato este que abalou as estruturas psicológicas do autor e sua família também causou grande impacto na vida financeira de todos, inclusive, tal situação foi fator determinante para a contratação da maioria dos empréstimos aqui discutidos e que o levou a situação de superendividamento."
Assim, segundo argumenta, "(...) mostra-se necessária a repactuação de suas dívidas de forma a readequar as parcelas buscando garantir o pagamento dos credores do autor, mas também assegurar a subsistência do requerente." Apresentou, com fundamento no art. 104-A, do CDC, a respectiva proposta de adimplemento dos débitos, consoante plano de pagamento (fl. 22). Requereu, ao final, a procedência do pedido a fim de repactuar as dívidas contraídas perante as instituições financeiras. (fls. 7/28)
O r. juízo federal, a quem inicialmente distribuída a demanda, declinou da competência, com os seguintes fundamentos:
"(...) Não vislumbro a competência desta Justiça Federal para processar e julgar o presente caso.
Muito embora conste do polo passivo da presente ação a CEF, empresa pública federal, a presente causa tem natureza falimentar, eis que versa sobre clara situação de insolvência civil (em função do alegado superendividamento), o que tem o condão de excluí-la da competência da Justiça Federal, nos termos do art.109, I, da Constituição.
(...)
Tenho para mim, portanto, que a presente demanda, cujo objeto é a repactuação de dívida de consumidor superendividado, versa sobre insolvência civil e, nada obstante ter sido movida contra a CEF, deve ser processada pela Justiça do Distrito Federal, dada a incompetência absoluta deste juízo federal para apreciar a matéria em questão, o que declaro de ofício, nos termos do art.64, §1º, do CPC." (fls. 84/85)
Recebidos os autos, o r. juízo suscitante (processo n.º 724774- 70.2022.8.07.0015) argumentou, por sua vez, que:
"(...)
No caso concreto, analisando a petição inicial, verifica-se que a parte autora não postula a declaração da sua insolvência civil, mas sim a repactuação de algumas dívidas, nos termos da Lei 14.181/21 e dos artigos 104-A e seguintes do CDC.
Ainda, a parte autora não traz como causa de pedir a alegação da sua
insolvabilidade econômica (ou seja, ter obrigações vencidas e inadimplidas superiores ao seu ativo), mas sim que se encontra em situação de superendividamento, incapaz de pagar suas dívidas sem que isso importe no comprometimento à garantia de sua própria subsistência. Nesse aspecto, acaso postulasse a autoinsolvência, caberia à autora instruir sua inicial com a individuação de todos os bens, com a estimativa do valor de cada um, além de relatório do seu estado patrimonial (artigo 760, II e III, do CPC/73), o que não veio aos autos." (fls. 87/93)
Entendeu, assim, por suscitar o presente conflito de competência. (fls. 87/93)
Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal considerou desnecessária sua manifestação. (fls. 106/108)
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI (RELATOR):
O conflito merece ser dirimido declarando-se a competência do r. juízo comum do Distrito Federal e dos Territórios para processar e julgar a ação de repactuação de dívidas por superendividamento proposta por Elias Ezequiel dos Santos.
1. Prefacialmente, destaca-se a competência deste egrégio Tribunal para o conhecimento e processamento do presente incidente, pois apresenta controvérsia entre juízos vinculados a Tribunais diversos, nos termos do artigo 105, I, "d", da Constituição Federal, porquanto identifica-se de um lado, r. juízo da vara de falências, recuperações judiciais, insolvência civil e litígios empresariais do Distrito Federal (processo n.º 724774-70.2022.8.07.0015) e, de outro, o r. juízo da 8ª Vara Federal da Seção Judiciária de Brasília/DF (autos n.º 1048413-75.2022.4.01.3400).
A discussão subjacente ao presente incidente consiste na declaração do juízo competente para o processar e julgar ação de repactuação de dívidas por superendividamento do consumidor em que é parte, além de outras instituições financeiras privadas, a Caixa Econômica Federal.
Sem perder de vista os limites do presente incidente (ut. AgInt nos EDcl no CC 180847/MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 30/08/2022), é de rigor salientar, em breves linhas, que a alteração promovida no Código de Defesa do Consumidor, por meio do normativo legal n.º 14.181/2021, de 1º de julho de 2021, supriu lacuna legislativa a fim de oferecer à pessoa física, em situação de
vulnerabilidade (superendividamento), a possibilidade de, perante seus credores, rediscutir, repactuar e, finalmente, cumprir suas obrigações contratuais/financeiras, exigindo-se, dentre outros requisitos, a apresentação do respectivo plano de pagamentos dos débitos (art. 104-A, do CDC), que será objeto de discussão e debate entre os interessados na solução da controvérsia.
Nesse contexto, além de incluir os arts. 54-A a 54-G ao Código de Defesa do Consumidor – CDC para abordar especificamente da prevenção e tratamento ao superendividamento, a norma prevê forma específica de tratamento judicial do fenômeno, a saber: o juiz, a requerimento do devedor, poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, tutelado pelo art. 104-A e seguintes da legislação consumerista, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado, com a presença de todos os credores de dívidas, oportunidade em que o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.
Por oportuno, eis os artigos 104-A, B e C, do CDC, na redação conferida pela supracitada novel legislação:
"(...)
Art. 104-A. A requerimento do consumidor superenvididado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas." (grifos nossos)
§ 1º Excluem-se do processo de repactuação as dívidas, ainda que decorrentes de relações de consumo, oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento, bem como as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural.
§ 2º O não comparecimento injustificado de qualquer credor, ou de seu procurador com poderes especiais e plenos para transigir, à audiência de conciliação de que trata o caput deste artigo acarretará a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora, bem como a sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo consumidor, devendo o pagamento a esse credor ser estipulado para ocorrer apenas após o pagamento aos credores presentes à audiência conciliatória.
§ 3º No caso de conciliação, com qualquer credor, a sentença judicial que homologar o acordo descreverá o plano de pagamento da dívida e terá eficácia de título executivo e força de coisa julgada.
§ 4º Constarão do plano de pagamento referido no § 3º deste artigo:
I - medidas de dilação dos prazos de pagamento e de redução dos encargos da dívida ou da remuneração do fornecedor, entre outras destinadas a facilitar o pagamento da dívida;
II - referência à suspensão ou à extinção das ações judiciais em curso;
III - data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados e de cadastros de inadimplentes;
IV - condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento.
§ 5º O pedido do consumidor a que se refere o caput deste artigo não importará em declaração de insolvência civil e poderá ser repetido somente após decorrido o prazo de 2 (dois) anos, contado da liquidação das obrigações previstas no plano de pagamento homologado, sem prejuízo de eventual repactuação.’
‘Art. 104-B. Se não houver êxito na conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório e procederá à citação de todos os credores cujos créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado.
§ 1º Serão considerados no processo por superendividamento, se for o caso, os documentos e as informações prestadas em audiência.
§ 2º No prazo de 15 (quinze) dias, os credores citados juntarão documentos e as razões da negativa de aceder ao plano voluntário ou de renegociar.
§ 3º O juiz poderá nomear administrador, desde que isso não onere as partes, o qual, no prazo de até 30 (trinta) dias, após cumpridas as diligências eventualmente necessárias, apresentará plano de pagamento que contemple medidas de temporização ou de atenuação dos encargos.
§ 4º O plano judicial compulsório assegurará aos credores, no mínimo, o valor do principal devido, corrigido monetariamente por índices oficiais de preço, e preverá a liquidação total da dívida, após a quitação do plano de pagamento consensual previsto no art. 104-A deste Código, em, no máximo, 5 (cinco) anos, sendo que a primeira parcela será devida no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado de sua homologação judicial, e o restante do saldo será devido em parcelas mensais iguais e sucessivas.’
‘Art. 104-C. Compete concorrente e facultativamente aos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor a fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas, nos moldes do art. 104-A deste Código, no que couber, com possibilidade de o processo ser regulado por convênios específicos celebrados entre os referidos órgãos e as instituições credoras ou suas associações.
§ 1º Em caso de conciliação administrativa para prevenir o superendividamento do consumidor pessoa natural, os órgãos públicos poderão promover, nas reclamações individuais, audiência global de conciliação com todos os credores e, em todos os casos, facilitar a elaboração de plano de pagamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, sob a supervisão desses órgãos, sem prejuízo das demais atividades de reeducação financeira cabíveis.
§ 2º O acordo firmado perante os órgãos públicos de defesa do consumidor, em caso de superendividamento do consumidor pessoa natural, incluirá a data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados e de cadastros de inadimplentes, bem como o condicionamento de seus efeitos
à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento, especialmente a de contrair novas dívidas."
A professora Cláudia Lima Marques, inspiradora do texto legal acima mencionado, por sua vez, já discutia tal assunto desde 2010, e em seu já clássico conceito, define o supracitado do superendividamento como sendo: "(...) a impossibilidade global do devedor-pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e de alimentos) em um tempo razoável com sua capacidade atual de rendas e patrimônio." (ut. Algumas perguntas e respostas sobre prevenção e tratamento do superendividamento dos consumidores pessoas físicas. Revista de Direito do Consumidor, vol. 75 Ed. RT, jul. 2010, p. 85)
Na mesma linha, confiram-se os seguintes posicionamentos doutrinários acerca do tema: LUNARDELLI. Rosângela. Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 400; Antônio José Maristrello Porto; Danielle Borges; Melina de Souza Rocha Lukic; Patrícia Regina Pinheiro Sampaio (orgs.). Superendividamento no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2015. vol. 2; BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos. (organizador) Comentários à Lei 14.181/2021: A atualização do CDC em matéria de superendividamento. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2021, p. 120/135; CERSAVIO, DANIEL Bucar. Superendividamento: reabilitação patrimonial da pessoa humana. São Paulo/SP. Saraiva: 1ª Ed. p. 80/85; SOUZA, Nadialice Francischini de. Consumidor Superendividado. São Paulo/SP. Saraiva. p. 400; DICKERSON, Andreas Michaele. O superendividamento do consumidor: uma perspectiva a partir dos EUA. Revista do Direito do Consumidor. São Paulo/SP. 2021, p. 153/181; TARTUCE, Flávio. Manual de Direito do Consumidor - Direito Material e Processual - Volume Único: Grupo GEN, 2021, p. 371; GAGLIANO, Pablo Stolze; OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Comentários à Lei do Superendividamento (Lei n.º 14.181/2021) e o princípio do crédito responsável. (ut. direitocivilbrasileiro.jusbrasil.com.br/artigos/1333424616/lei-do- superendividamento. Acesso em 15/03/2023); GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – Contratos – vol. 04. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 189; FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2001; LIMA, Clarissa Costa De. O tratamento do superendividamento e o direito de recomeçar dos consumidores. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, dentre outros autores.
Com efeito, de fato, em boa hora o legislador traz a lume a possibilidade, em
primeiro lugar, de uma conciliação mediada pelo Poder Judiciário e, acaso esta se revele não exitosa, há previsão de um procedimento o qual fixará plano judicial compulsório, a fim de viabilizar a quitação das dívidas do consumidor superendividado, de modo que, com o advento da lei 14.181/2021, é possível contemplar uma nova fase no mercado de concessão créditos ao consumidor na qual deve haver o uso responsável deste - o crédito - mas também a sua oferta deve ser responsável porquanto, consoante destaca o e. Min. desta eg. Corte de Justiça, Antonio Herman Benjamin, "o consumidor não existe sem crédito, dele destituído é um nada." (ut. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do Anteprojeto, Ada Pellegrini Grinover et al. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 363)
Com esse norte hermenêutico e retomando o exame do caso concreto, observa-se que o ora interessado - ELIAS EZEQUIEL DOS SANTOS - com fundamento no art. 104 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor, em atenção à redação dada pela Lei n.º 14.181/2021, ajuizou contra o BRB - Banco de Brasília S.A., Banco PAN S/A., Banco Santander S.A., Cartão BRB S/A e a Caixa Econômica Federal - CEF, ação de repactuação de dívidas oriundas da contratação de vários empréstimos, os quais segundo alegou, foram realizados para tratamento médico, decorrente de graves sequelas de COVID-19.
Aforou a referida demanda no juizado especial da Justiça Federal do DF que, por sua vez, entendeu ser incompetente para exame do feito porquanto, na compreensão do r. juízo federal, o pleito possui características de insolvência civil, afastando-se, por conseguinte, as atribuições da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal.
A seu turno, o r. juízo suscitante entendeu que o autor não trouxe, como causa de pedir, "alegação da sua insolvabilidade econômica (ou seja, ter obrigações vencidas e inadimplidas superiores ao seu ativo), mas sim que se encontra em situação de superendividamento, incapaz de pagar suas dívidas sem que isso importe no comprometimento à garantia de sua própria subsistência."
Com efeito, ao contrário do que sustentado pelo r. juízo suscitante, o autor da demanda subjacente ao presente conflito de competência demonstrou às fls. 16/17, como causa de pedir, circunstância segundo a qual, em decorrência das sequelas de COVID-19, contraiu diversos empréstimos perante as instituições financeiras supracitadas, a fim de adquirir medicamentos e oferecer suporte financeiro à sua família, os quais, segundo noticiou, comprometem, atualmente, à sua própria subsistência, vez que referidas obrigações alcançam cerca de R$ 10.990,29 (dez mil e novecentos e noventa reais e vinte nove centavos), mensais, enquanto que sua renda,
na qualidade de policial militar aposentado do DF, aponta o patamar de R$ 4.004,31 (quatro mil reais e trinta e um centavos), valor inferior ao cumprimento de suas obrigações contratuais.
Assim, delimitada a controvérsia, adota-se a compreensão segundo a qual cabe à Justiça comum estadual e/ou distrital analisar as demandas cujo fundamento fático e jurídico possuem similitude com a insolvência civil - como é a hipótese do superendividamento - ainda que exista interesse de ente federal porquanto a exegese do art. 109, I, do texto maior, deve ser teleológica de forma a alcançar, na exceção da competência da Justiça Federal, as hipóteses em que existe o concurso de credores.
Não custa rememorar a redação do aludido art. 109, I, da CF, o qual dispõe que, aos juízes federais compete processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.
Com efeito, em interpretação do aludido dispositivo constitucional, o col. Supremo Tribunal Federal, na oportunidade do julgamento do RE 678162, Rel. p/ ac. Min. EDSON FACHIN, DJe de 13/5/2021, firmou tese sentido de que “a insolvência civil está entre as exceções da parte final do art. 109, I, da Constituição da República, para fins de definição da competência da Justiça Federal”.
Eis a ementa do julgado:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. INSOLVÊNCIA CIVIL. EXCEÇÃO DA PARTE FINAL DO ARTIGO 109, I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A questão constitucional em debate, neste recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida (Tema 859), é se a insolvência civil está, ou não, entre as exceções postas na parte final do artigo 109, I, da Constituição da República, para fins de definição da competência da Justiça Federal de primeira instância.
2. A falência, no contexto do rol de exceções à competência da Justiça Federal de primeira instância, significa tanto a insolvência da pessoa jurídica, quanto a insolvência da pessoa física, considerando que ambas envolvem, em suas respectivas essências, concurso de credores.
3. Assim sendo, diante do caso dos autos, fixa-se a seguinte tese: “A insolvência civil está entre as exceções da parte final do artigo 109, I, da Constituição da República, para fins de definição da competência da Justiça Federal.”
4. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
Na mesma compreensão: RE 598.650/SP, Rel. Min. Alexandre de Morais, DJe de 04/11/2021; RE 907.745/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Dje de 18/09/2022; ARE 1.376.219/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Dje de 08/04/2022; RCL 30.908/SP, Rel. Min. Carmen Lúcia, Dje de 09/10/2022; ARE 1.118.868/MG, Rel. Min. Edson Fachin, Dje de 26/04/2021; ARE 1.008.471/RJ, Rel. Min. Alexandre de Morais, Dje de 30/11/2021; AI 646.041/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Dje de 18/06/2022; ARE 1.062.414/RJ, Rel. Min. Rosa Weber, Dje de 09/08/2022; ARE 762.735/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, Dje de 07/11/2021; ARE 669.847/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, Dje de 15/06/2022.
Dessa forma, a teor da exegese estabelecida pelo STF, no sentido de que, para a definição das exceções à competência da Justiça Federal previstas no art. 109, I, da CF/88, é mister examinar a existência, ou não, de concurso de credores, na hipótese dos autos, revela-se absolutamente identificada tal circunstância, porquanto a redação do art. 104-A, do CDC, introduzido pela Lei n.º 14.181/21, estabelece a previsão de que, para instaurar o processo de repactuação de dívidas, impõe-se a presença, perante o r. juízo, de todos os credores do consumidor superendividado, a fim de que o mesmo possa propor àqueles, o respectivo plano de pagamentos de seus débitos.
De fato, o procedimento judicial relacionado ao superendividamento, tal como o de recuperação judicial ou falência, possui inegável e nítida natureza concursal, de modo que, as empresas públicas federais, consoante a hipótese em liça, a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, excepcionalmente, sujeitam-se à competência da Justiça Estadual e/ou distrital, justamente em razão, repita-se, da existência de concursalidade entre credores, impondo-se, dessa forma, a concentração, na Justiça comum estadual, de todos os credores, bem como o próprio consumidor para a definição do plano de pagamento, suas condições, o seu prazo e as formas de adimplemento dos débitos.
Ao fim e ao cabo, a definição de competência, na Justiça comum estadual, afigura-se imperiosa em razão da necessidade de concentrar todas as decisões que envolvam os interesses e patrimônio do consumidor, a fim de não
comprometer os procedimentos atinentes à tentativa de, preservado o mínimo existencial, o devedor possa solver suas obrigações financeiras.
Com efeito, a natureza concursal estabelecida pela novel legislação encontra-se identificada na redação do art. 104-A, do CDC, porquanto dispõe que " (...) A requerimento do consumidor superenvididado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas." (grifos nossos)
Essa interpretação - ora proposta - tem sido utilizada em deliberações unipessoais/monocráticas no âmbito desta Corte Superior, valendo destacar, a propósito, excerto do CC 194.750/SP, de Relatoria do e. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Dje de 15/02/2023, no qual expõe "(...) Assim como a recuperação judicial e a insolvência civil, a repactuação de dívida da pessoa física deve ter a mesma intepretação quanto a competência originária para o processamento e julgamento do feito na justiça comum estadual."
Por sua vez, o e. Min. Moura Ribeiro, no CC 192.823/SP, Dje de 20/12/2022, aduziu que "(...) O processo relacionado ao superendividamento, tal como o de recuperação judicial ou falência, possui natureza concursal."
Na mesma linha intelectiva, a e. Min. Maria Isabel Gallotti, destacou, no CC 190.947/DF, Dje de 25/10/2022, que "(...) questão já foi dirimida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que adotou o entendimento de que cabe à Justiça distrital ou estadual analisar as demandas que tratem de insolvência civil ou equivalentes, como se admite para o caso do superendividamento, ainda que seja parte ou interessado ente federal."
E ainda: CC 144.238/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA,
Segunda Seção, DJe de 31/8/2016; (decisão monocrática); CC 117.210/AL, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, Primeira Seção, DJe de 18/11/2011; CC 193.510/RJ, Rel. Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, DJe de 07/03/2023 (decisão
monocrática); CC 194.339/SP, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Dje de 17/02/2023 (decisão monocrática); CC 189.657/MG, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJe de 08/02/2023 (decisão monocrática); CC 192.334/SP, Rel. Min.
MOURA RIBEIRO, DJe de 20/12/2022.
Neste mesmo sentido é o pensamento doutrinário de Pablo Stolze Gagliano e Carlos Eduardo Elias de Oliveira, verbis:
"(...) A competência para o processo de repactuação das dívidas do consumidor superendividado não deve ser deslocado para a Justiça Federal se a Caixa Econômica Federal ou se outra empresa pública federal for credora. A competência é da justiça comum.
O art. 109, I, da Constituição Federal (CF) merece interpretação teleológica.
Embora o referido preceito fixe a competência da Justiça Federal quando empresa pública federal for parte, essa regra é excepcionada nas causas “de falência”. A referência à falência, aí, é constitucional. Não pode, pois, ser tomada no sentido técnico estrito. Abrange, em verdade, todos os procedimentos de natureza concursal.
Abarca, pois, o recentemente criado procedimento concursal relativo ao superendividamento.
Engloba, assim, processos que tenham sido etiquetados diversamente pelo legislador infraconstitucional.
É importante registrar, portanto, nesse ponto, que a referência à "falência" no texto constitucional é, em verdade, alusiva a todos os procedimentos infraconstitucionais destinados ao tratamento das dívidas de um devedor com patrimônio líquido negativo. Abrange, portanto, não apenas o procedimento de falência previsto na Lei nº 11.101/2005, mas também outros procedimentos etiquetados com outros títulos.
É o caso, por exemplo, da recuperação judicial prevista na Lei nº 11.101/2005, do procedimento de insolvência civil de operadoras de planos de saúde nos termos do art. 23, §1º, Lei nº 9.656/1998 bem como dos procedimentos decorrentes da intervenção e liquidação extrajudicial em instituições financeiras na forma da Lei nº 6.024/1974.
(...) Em arremate, vale lembrar que o CPC, no seu art. 45, I, expressa exatamente essa linha de entendimento, ao aludir, ao lado da falência, à recuperação judicial e à insolvência civil.
É nesse contexto que se deve compreender o procedimento judicial de conciliação e repactuação das dívidas do consumidor superendividado." ( ut. GAGLIANO, Pablo Stolze; OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Comentários à Lei do Superendividamento (Lei n.º 14.181/2021) e o princípio do crédito responsável."
E ainda, vejam-se: LIMA, Clarissa Costa De. O tratamento do superendividamento e o direito de recomeçar dos consumidores. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014; SILVA E SAMPAIO, Marília de Ávila e. Justiça e Superendivamento: um estudo de caso sobre decisões judiciais no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016; FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Ed.
Renovar, 2001; PEREIRA, Andressa; ZAGANELLI, Margareth Vetis. Superendividamento do consumidor: prevenção e tratamento sob o prisma da dignidade da pessoa humana. Disponível em:
https://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revjuridica/article/download/6864/3397/.Acesso em 18 de junho de 2021; WODTKE, Guilherme Domingos Gonçalves. O superendividamento do consumidor: as possíveis previsões legais para seu tratamento.
Disponível em: https://www.pucrs.br/direito/wp- content/uploads/sites/11/2018/09/guilherme_wodtke_2014_2.pdf. Acesso em 18 de junho de 2021; SILVA, Daniela Borges. Regulação para o tratamento do superendividamento: diretrizes para a construção de um modelo de falência da pessoa natural no Brasil. Disponível
em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/27342/2019_02_22%20Disserta Elaborado em 2019.
Por lealdade intelectual, destaca-se, na pesquisa de dados jurisprudenciais deste col. STJ, a decisão unipessoal exarada pelo e. Min. Raul Araújo nos autos do CC 188.669/MT, Dje de 01/06/2022, no qual sua Excelência, em circunstância análoga, determinou o desmembramento do feito em duas ações: de um lado, no foro federal, a ação tramitará somente em face da Caixa Econômica Federal - CEF; e, de outro lado, a demanda ajuizada contra os demais credores - instituições financeiras de natureza privada - deverá prosseguir na Justiça Estadual.
A despeito de seus fundamentos, a referida conclusão não se afigura aplicável ao caso dos autos.
A uma, eventual desmembramento ensejará notável prejuízo ao devedor (consumidor vulnerável, reitere-se) porquanto, consoante dispõe a própria legislação de regência (art. 104-A, do CDC), todos os credores devem participar do procedimento, inclusive na oportunidade da audiência conciliatória. A duas, caso tramitem separadamente, em jurisdições diversas, federal e estadual, estaria maculado o objetivo primário da Lei do Superendividamento, qual seja, a de conferir a oportunidade do consumidor - perante seus credores - apresentar plano de pagamentos a fim de quitar suas dívidas/obrigações contratuais. A três, haverá o risco de decisões conflitantes entre os juízos acerca dos créditos examinados, em violação ao comando do art. 104-A, do CDC. A quatro, a periclitante situação do autor da demanda subjacente ao presente conflito de competência - ora interessado - no sentido de se encontrar em grave estado de saúde, decorrente das lamentáveis sequelas da COVID-19 (fls. 14/15) demanda reflexão deste eg. colegiado, porquanto eventual cisão
da demanda, ao contrário de respeitar a situação de vulnerabilidade do devedor, tratará, como consequência, violação à celeridade processual (art. 4º, do CPC/15), à efetividade das decisões judiciais (art. 6º, do CPC/15) e, em última ratio, à própria dignidade da pessoa humana (art. 8º, do CPC/15).
3. Do exposto, conheço do presente conflito e, por conseguinte, declaro a competência do r. juízo comum do Distrito Federal e Territórios para processar e julgar a ação de repactuação de dívidas por superendividamento proposta por Elias Ezequiel dos Santos, recomendando-se ao r. juízo, ante à delicada condição de saúde do interessado, a máxima brevidade no exame do feito.
É o voto.
Superior Tribunal de Justiça
S.T.J
Fl.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA SEÇÃO
Número Registro: 2022/0362595-2 PROCESSO ELETRÔNICO CC 193.066 / DF
Números Origem: 07247747020228070015 10484137520224013400 7247747020228070015 PAUTA: 22/03/2023 JULGADO: 22/03/2023
Relator
Exmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI
Ministra Impedida
Exma. Sra. Ministra : NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOSÉ BONIFÁCIO BORGES DE ANDRADA
Secretária
Bela. ANA ELISA DE ALMEIDA KIRJNER
AUTUAÇÃO
SUSCITANTE : JUÍZO DE DIREITO DA VARA DE FALÊNCIAS RECUPERAÇÕES JUDICIAIS INSOLVÊNCIA CIVIL E LITÍGIOS EMPRESARIAIS DO DISTRITO FEDERAL
SUSCITADO : JUÍZO FEDERAL DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL ADJUNTO À 8A VARA DE BRASÍLIA - SJ/DF
INTERES. : ELIAS EZEQUIEL DOS SANTOS
REPR. POR : MARIA DE JESUS RODRIGUES SALES - CURADOR ADVOGADO : DEISEMIR COSTA DA SILVA - DF060830
INTERES. : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
INTERES. : BRB BANCO DE BRASILIA SA
INTERES. : CARTÃO BRB S/A
INTERES. : BANCO PAN S.A.
INTERES. : BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.
ASSUNTO: DIREITO DO CONSUMIDOR - Superendividamento
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Segunda Seção, por unanimidade, conheceu do conflito para declarar a competência do juízo comum do Distrito Federal e Territórios para processar e julgar a ação de repactuação de dívidas por superendividamento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Impedida a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira.
C542524449;00:101:0449@ 2022/0362595-2 - CC 193066
Documento eletrônico VDA35785289 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): ANA ELISA DE ALMEIDA KIRJNER, SEGUNDA SEÇÃO Assinado em: 22/03/2023 17:18:53
Código de Controle do Documento: 3478EA2F-351C-4A83-A477-54C47194C5D9




Nenhum comentário:
Postar um comentário