sábado, 15 de março de 2025

STF TEMA 1238 RG ART 5 XLI LVI CF/88 INADMISSIBILIDADE DE USO DE PROVAS ILICITAS - NULIDADE IMPRESCRITIVEL

STF TEMA 1238 RG ! NINGUÉM PODE SER CONDENADO COM BASE EM PROVA ILICITA AgRE 1316369 DF

USO DE  PROVA ILÍCITA ANULA TUDO,  INDEPENDENTEMENTE DE PRAZO  


DIREITOS HUMANOS 


SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL sobre o CPC


TEMA 1238 DA REPERCUSSÃO GERAL 

OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA PARA TODOS  


A experiência desta Suprema Corte permite que se avance nas discussões, para reafirmar a jurisprudência consolidada sobre o tema, no sentido da inadmissibilidade, em qualquer âmbito ou instância decisória, de provas declaradas ilícitas pelo Poder Judiciário.


ISSO SIGNIFICA QUE TODOS QUE FORAM CONDENADOS  A PAGAR COTAS CONDOMINIAIS DE FALSOS CONDOMÍNIOS COMARY GLEBAS  E DE QUAISQUER  OUTROS QUE USARAM PROVAS ILICITAS - CNPJ OBTIDO MEDIANTE USO DE DOCUMENTOS FALSOS E CONVENÇÃO FALSA DE CONDOMINIO EDILICIO INEXISTENTE SEM REGISTRO DE CONTRATO NO REGISTRO DE IMOVEIS  ETC   -  PODEM ANULAR AS SENTENÇAS E OBTER A EXTINÇÃO DAS AÇÕES DE COBRANÇA E EXECUÇÃO 

(...)

 Não é dado a nenhuma autoridade pública valer-se de provas ilícitas em prejuízo do cidadão, seja no âmbito de judicial, seja na esfera administrativa, independentemente da natureza das pretensões deduzidas pelas partes.

5. Impossibilidade de valoração e aproveitamento, em desfavor do cidadão, de provas declaradas nulas em processos judiciais. Precedentes.


(...)




Transitou em julgado

TEMA 1238

 


08/12/2022 PLENÁRIO


REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO

1.316.369 DISTRITO FEDERAL


RELATOR : MIN. EDSON FACHIN

 

REDATOR DO

ACÓRDÃO

 

: MIN. GILMAR MENDES

 

RECTE.(S) : CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONOMICA-CADE

PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL RECDO.(A/S) : IBG INDUSTRIA BRASILEIRA DE GASES LTDA RECDO.(A/S) : NEWTON DE OLIVEIRA

ADV.(A/S) : MANUELA ALVES NUNES DODE

ADV.(A/S) : CRISTIANO RODRIGO DEL DEBBIO


Repercussão geral em recurso extraordinário com agravo. Constitucional. Administrativo. Processo administrativo. Condenação imposta pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, em face de empresa do ramo de gases industriais e medicinais, por suposta formação de cartel.

2. Com fundamento no art. 323-A do RISTF, é possível conferir maior alcance para a decisão a ser tomada no Plenário Virtual, evitando-se o estreitamento da deliberação a um aspecto preliminar, relativo ao reconhecimento da existência de repercussão geral da matéria.

3. A experiência desta Suprema Corte permite que se avance nas discussões, para reafirmar a jurisprudência consolidada sobre o tema, no sentido da inadmissibilidade, em qualquer âmbito ou instância decisória, de provas declaradas ilícitas pelo Poder Judiciário.

4. Não é dado a nenhuma autoridade pública valer-se de provas ilícitas em prejuízo do cidadão, seja no âmbito de judicial, seja na esfera administrativa, independentemente da natureza das pretensões deduzidas pelas partes.

5. Impossibilidade de valoração e aproveitamento, em desfavor do cidadão, de provas declaradas nulas em processos judiciais. Precedentes.

6. Jurisprudência do Tribunal no sentido da admissibilidade, em

 

processos administrativos, de prova emprestada do processo penal, desde que produzida de forma legítima e regular, com observância das regras inerentes ao devido processo legal

7. Repercussão geral reconhecida.

8. Flagrante ilicitude das provas utilizadas no julgamento realizado pelo CADE. Acórdão recorrido reconhece que a condenação imposta no âmbito administrativo baseou-se em provas que tiveram origem, direta ou indiretamente, em interceptações telefônicas declaradas ilícitas pelo Superior Tribunal de Justiça.

9. Não há espaço para acolher as teses defendidas pela autarquia, as quais conduziriam a um indevido aproveitamento de provas ilícitas em processo de fiscalização inaugurado para apuração de suposta formação de cartel. Acolher semelhante raciocínio corresponderia a um grave atentado contra a literalidade do art. 5º, inciso LVI, da Constituição da República, que preconiza a inadmissibilidade, no processo, de provas obtidas com violação a normas constitucionais ou legais. Além disso, ensejaria uma afronta ao entendimento sedimentado nesta Corte, que estabelece limites rígidos para o uso de prova emprestada em processos administrativos.

10. Reafirmação da jurisprudência consolidada do Tribunal. Não provimento ao recurso extraordinário.

11. Fixação da tese: “São inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário ”



Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. No mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, vencidos


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os Ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber.








Ministro GILMAR MENDES Redator do acórdão



























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REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO

1.316.369 DISTRITO FEDERAL



O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): Trata-se

de agravo cujo objeto é a decisão que inadmitiu recurso extraordinário interposto em face de acórdão da Quinta Turma do TRF da 1ª Região, assim ementado (eDOC 23, p. 237-238):


“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAIL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (CADE). FORMAÇÃO DE CARTEL. MERCADO DE GASES INDUSTRIAIS E MEDICINAIS. MULTA. PROVA EMPRESTADA DO PROCESSO PENAL. RECONHECIMENTO DA ILICITUDE DA PROVA PRODUZIDA. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA (FRUITS OF POISONOUS TREE DOCTRINE). ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. AUTONOMIA. DESCOBERTA INEVITÁVEL. MITIGAÇÃO. DESCABIMENTO. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DA AUTONOMIA DA PROVA QUE FUNDAMENTOU A DECISÃO ADMINISTRATIVA. NULIDADE. EFETIVIDADE DA GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARBITRAMENTO. MAJORAÇÃO”.


Os embargos de declaração foram desprovidos (eDOC 24, p. 46).

No recurso extraordinário interposto, com fundamento no art. 102, III, a, do permissivo constitucional, aponta-se ofensa aos arts. 5°, XII, LVI, e 170, caput, IV e V, da da Constituição Federal.

Nas razões recursais, defende-se, em suma, que deve ser mantida a licitude do processo administrativo conduzido pelo CADE que resultou na condenação dos recorridos e dos demais envolvidos no cartel dos gases hospitalares e industriais (eDOC 24, p. 85-107).

O Tribunal de origem inadmitiu o recurso extraordinário por entender que, se existissem, as violações seriam reflexas e que a matéria dos autos é de índole infraconstitucional, além da incidência da súmula

 

279 (eDOC 24, p. 216-219).

Encaminhados os autos ao Supremo Tribunal Federal, o processo foi a mim distribuído. Em 21.04.2021, determinei o encaminhamento do feito à Procuradoria-Geral da República para emissão de parecer, cujo parecer está assim ementado (eDOC 31):


“RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DECISÃO AGRAVADA QUE NEGOU SEGUIMENTO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE SE DIRIGIA CONTRA ACÓRDÃO DECIDIDO À LUZ DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. ALEGAÇÕES QUE NÃO LOGRAM DEMONSTRAR DE FORMA EFICAZ ERRO OU TERATOLOGIA DA DECISÃO AGRAVADA. PARECER PELO NÃO PROVIMENTO DO AGRAVO.”


Do voto condutor do acórdão recorrido, destaco os seguintes fragmentos (eDOC 23, p. 224-229):


“Óbice jurídico à validade do julgamento e à imposição das sanções (Ilegalidade na produção das provas)

Entretanto, a evidência avassaladora dos documentos no sentido de que houve efetivamente a formação do cartel, causando um prejuízo bilionário para a economia pública e resultando em um enorme proveito econômico espúrio para seus participes, tudo isso cai por terra ante a sentença proferida nos autos Ação Criminal n° 4517-95.2009.403.6181, 3a Vara Federal Criminal de São Paulo.

Essa sentença, baseada em acórdão proferido pelo STJ no HC 190.334 -SP, entendeu pela ilicitude das provas produzidas por meio de interceptação telefônica (porque originada de denúncia anônima sem a realização de nenhum outro ato investigativo ou de prospecção para a aferição de sua idoneidade), maculando todas as outras provas produzidas, e julgou extinto o processo sem resolução de mérito, por falta de interesse de agir superveniente.

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De fato, não há negar que todas as conclusões a que chegou o órgão de defesa da concorrência apesar de também terem-se baseado em evidências colhidas pelo próprio órgão, tiveram origem, direta ou indiretamente, nos dados e documentos obtidos no processo criminal em trâmite na 3a Vara Criminal Federal da seção judiciária do estado de São Paulo, que foram tidos como ilícitos pelo STJ ao proferir o acórdão no HC 190.334 -SP.

Baseou-se o STJ para anular todas as provas obtidas no referido processo criminal na teoria dos frutos da árvore envenenada ("fruits of poisonous tree doctrine'), adotada no Brasil originalmente pelo STF nos HC 69.912 -O -RS, HC 71351 e HC 72.588, seguindo doutrina desenvolvida nos Estados Unidos. Todavia, nos Estados Unidos essa teoria é voltada para coibir excessos da autoridade policial e sofreu muitas mitigações e atenuações, não apresentando naquele país, atualmente, o rigor com que é seguida no Brasil, do que é exemplo flagrante este caso.

Sem embargo dessas considerações, certo é que sendo ilícitos tais documentos e informações originários, eles não poderiam justificar a instauração do processo administrativo nem embasar as conclusões de formação do cartel por parte do Cade, não restando outra opção a este juízo que não invalidar o julgamento do Cade, deixando ilesos os responsáveis pela formação do cartel, incólume o proveito espúrio por eles obtido e desprovida de reparação a economia nacional.

Posto isso, o acolhimento do pedido é medida que se impõe.’

(...)

Como visto, a pretensão recursal do CADE não merece prosperar, na medida em que a penalidade imposta aos autores, em razão do Procedimento Administrativo n° 08012.009888/2003-70 perante o CADE, está fundamentada em acervo probatório diretamente decorrente de provas ilícitas produzidas no âmbito da Ação Criminal n° 4517- 95.2009.403.6181,  uma  vez  que  resultam  de  interceptações


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telefônicas realizadas em razão de denúncia anônima. (...)

Em sendo assim, embora o recorrente afirme que há elementos probatórios suficientes para a condenação do apontado cartel, independentemente das provas declaradas nulas na esfera criminal, verifica-se dos elementos carreados para os presentes autos que o material produzido na mencionada ação penal forneceu fundamento probatório imprescindível para a definição do procedimento administrativo no CADE, não havendo, assim, que se falar em outras provas independentes das ilícitas.

Ademais, não prospera a pretendida mitigação da prova ilícita por derivação, na medida em que, de acordo com a teoria da descoberta inevitável, "construída pela Suprema Corte norte- americana no caso Nix x Williams (1984), o curso normal das investigações conduziria a elementos informativos que vinculariam os pacientes [os autores] ao fato investigado." (HC 91867, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-185 DIVULG 19-09-2012 PUBLIC 20-09-2012), o que não ocorre, na hipótese. Isso porque não restou demonstrado que a existência do aludido cartel seria fatalmente comprovada sem as informações decorrentes das interceptações telefônicas realizadas no juízo penal. Do contrário, o que se percebe é que os indícios de práticas anticompetitivas que o CADE dispunha não eram suficientes para conduzir a elementos fáticos que alavancassem uma condenação administrativa por infração à ordem econômica.

Com efeito, não se trata da aplicação irrestrita ao caso vertente da teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of poisonous tree doctrine), que conduz à contaminação das provas derivadas de evidências ilícitas, nos termos do § 1° do art. 157 do Código de Processo Penal, mas, sim, de prestigiar a norma constitucional inserta no inciso LVI do art. 5° da Carta Política Federal, que veda a admissão de provas obtidas por meios ilícitos, em qualquer processo judicial ou administrativo, promovendo,  desse  modo,  a  efetiva  garantia  do  devido


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processo legal, posto que, na espécie dos autos, resta evidente que a condenação imposta pelo CADE fundamenta-se em elementos diretamente relacionados com o conjunto probatório declarado nulo nos autos da citada ação penal.”


É o relatório.

Submeto a matéria aos meus pares, em sede de Plenário Virtual, a fim de que seja analisada a existência de repercussão geral no caso em análise.

A controvérsia em tela consiste em definir se há ou não ofensa ao art. 5º, LVI, do Texto Constitucional, considerando-se o reconhecimento da nulidade das provas consideradas ilícitas no processo penal, as quais foram emprestadas ao processo administrativo no âmbito do CADE.

Observo, no entanto, que não há precedente específico do Plenário deste Supremo Tribunal Federal a respeito da controvérsia dos autos.

No julgamento do RE 934.233-AgR, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 04.11.2016, assentei, com apoio na orientação desta Corte, que é válida a utilização em processo administrativo de provas emprestadas de processo penal, quando haja conexão entre os feitos.

Nesse sentido, em casos similares, confiram-se os seguintes julgados:


“DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROVA PRODUZIDA EM AÇÃO PENAL EMPRESTADA PARA UTILIZAÇÃO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO. VALIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. CRIMES PUNÍVEIS COM PENA DE DETENÇÃO. CRIMES CONEXOS. POSSIBILIDADE. CONTROVÉRSIA DECIDIDA COM BASE NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E NO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. MANDADO  DE  SEGURANÇA.  FASE  PROBATÓRIA.

IMPOSSIBILIDADE. 1. O acórdão recorrido está alinhado à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que é válida a utilização, em processo administrativo, de provas emprestadas no Processo Penal. Precedente. 2. “Uma


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vez realizada a interceptação telefônica de forma fundamentada, legal e legítima, as informações e provas coletas dessa diligência podem subsidiar denúncia com base em crimes puníveis com pena de detenção, desde que conexos aos primeiros tipos penais que justificaram a interceptação” (HC 83.515, Rel. Min. Nelson Jobim).

3. No caso, para chegar a conclusão diversa do acórdão recorrido, imprescindíveis seriam a análise da legislação infraconstitucional pertinente e uma nova apreciação dos fatos e do material probatório constante dos autos (Súmula 279/STF), procedimentos inviáveis em recurso extraordinário. 4. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que “o mandado de segurança não viabiliza a fase probatória, devendo vir com a inicial os elementos de convicção quanto à ofensa a direito líquido e certo” (MS 28.538, Min. Marco Aurélio). 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 810.906-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 14.09.2015)


“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DE DECISÃO QUE DECRETOU A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DO RECORRENTE. TEMA JÁ ANALISADO E DEBATIDO POR ESSA SUPREMA CORTE, NO MS 24.803. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO DE AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Esta SUPREMA CORTE, no MS

24.803 (rel. Min. JOAQUIM BARBOSA), analisou, com profundidade, a questão de mérito versada no mandado de segurança que originou o presente recurso ordinário. 2. O Plenário deste TRIBUNAL concluiu pela legalidade da decretação da interceptação telefônica do investigado, uma vez que não possuía prerrogativa de foro; bem como pela possibilidade de utilização da prova emprestada no processo administrativo disciplinar. 3. O recurso ordinário em questão trata de hipótese onde a situação fática não fez surgir direito inquestionável, como necessário para o deferimento da ordem (MS 21.865/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Plenário, DJ de


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1º/12/2006), não sendo, portanto, cabível a concessão da segurança. 4. Recurso de agravo a que se nega provimento” (RMS 36.434-AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, DJe 14.10.2019).


“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO INTERNO EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ALEGAÇÕES INOVATÓRIAS. INVIABILIDADE DO SEU EXAME, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA E DE INOBSERVÂNCIA DO PRAZO DECADENCIAL PARA MANEJO DA IMPETRAÇÃO. PENA DE DEMISSÃO DO CARGO DE AGENTE DA POLÍCIA FEDERAL. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS AUTORIZADAS JUDICIALMENTE. POSSIBILIDADE DA SUA UTILIZAÇÃO, COMO PROVA EMPRESTADA, NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO   E   OBSCURIDADE   INEXISTENTES.

CARÁTER INFRINGENTE. REJEIÇÃO. 1. Ausentes quaisquer dos vícios justificadores da oposição de embargos de declaração, nos termos do art. 1.022 do CPC, a evidenciar o caráter meramente infringente da insurgência. 2. Não se prestam os embargos de declaração, não obstante sua vocação democrática e a finalidade precípua de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, para o reexame de questões de fato e de direito já apreciadas no acórdão embargado. 3. Embargos de declaração rejeitados, com aplicação de multa de 1% sobre o valor atualizado da causa (art. 1.026, § 2º, do CPC)” (RMS 25.495-AgR-ED, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 25.09.2019).


“AGRAVO REGIMENTAL. PETIÇÃO. COLABORAÇÃO PREMIADA. PEDIDO DE COMPARTILHAMENTO DE TERMOS DE DEPOIMENTO. COMPETÊNCIA DO ÓRGÃO JURISDICIONAL HOMOLOGADOR. INSTRUÇÃO DE PROCEDIMENTO DEFLAGRADO PARA APURAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.


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POSSIBILIDADE. INSURGÊNCIA DESPROVIDA. 1. Ainda que

remetidos a outros órgãos do Poder Judiciário para as apurações dos fatos declarados, remanesce competência ao juízo homologador do acordo de colaboração premiada a deliberação acerca de pretensões que envolvem o compartilhamento de termos de depoimento prestados pelo colaborador. 2. É assente na jurisprudência desta Corte a admissibilidade, em procedimentos administrativos, de prova emprestada do processo penal (RE 810.906, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 25.5.2015, DJe de 28.5.2015), assim como já se decidiu pela admissibilidade para o fim de subsidiar apurações de cunho disciplinar (INQ-QO 2.725,  Rel.  Min.  CARLOS  BRITTO,  julgado  em  25.6.2008,

publicado em 26.9.2008, Tribunal Pleno). 3. Havendo delimitação dos fatos, não se verifica causa impeditiva ao compartilhamento de termos de depoimento requerido pelo Ministério Público estadual com a finalidade de investigar a prática de eventual ato de improbidade administrativa por parte de agente público. 4. Agravo regimental desprovido” (Pet 7065-AgR, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 20.02.2020).


“Mandado de Segurança. 2. Direito administrativo. 3. Acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU). 4. Uso de provas oriundas de interceptações telefônicas obtidas no âmbito da “Operação Navalha”. 5. Provas declaradas nulas pelo Supremo Tribunal Federal no Inquérito 3.732. 6. Doutrina dos frutos da árvore envenenada. 7. Valoração das provas ilícitas pelo TCU em controle externo. 8. Impossibilidade. 9. Segurança concedida” (MS 36.173, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 02.07.2021).


“(...) 2. A prova emprestada utilizada sem o devido contraditório, encartada nos acórdãos que deram origem à condenação do extraditando na Itália, no afã de agravar a sua situação jurídica, é vedada pelo art. 5º, LV e LVI, da Constituição, na medida em que, além de estar a matéria


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abrangida pela preclusão, isto importaria verdadeira utilização de prova emprestada sem a observância do Contraditório, traduzindo-se em prova ilícita” (...) (Ext 1085- ET-AV, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJe 03.04.2013).


No caso, não há discussão sobre a licitude ou não das provas, porquanto, já reconhecidas como ilícitas na esfera penal, o que afasta a incidência da Súmula 279 do STF.

Ressalte-se que a matéria veiculada no presente recurso transcende os limites subjetivos do caso concreto e apresenta relevância, considerando, sobretudo, a nulidade do processo administrativo no âmbito do CADE, instaurado para apurar condutas configuradoras de infrações contra a ordem econômica, diante da utilização de provas reconhecidamente ilícitas na esfera penal.

Sendo assim, sem qualquer antecipação de juízo de mérito, compreendo prudente e submeto aos pares a proposta de exame da questão, de modo a emitir decisão plenária com definitividade sobre o tema.

Ante o exposto, manifesto-me pela existência de repercussão geral da questão constitucional aqui exposta referente, em consequência, torno sem efeito a decisão monocrática por mim exarada em 10.12.2021 (eDOC 33).

Submeto, portanto, esta questão à apreciação dos demais Ministros integrantes desta Corte, nos termos dos arts. 322, parágrafo único, e 324 do RISTF.

É como me manifesto.











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REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO

1.316.369 DISTRITO FEDERAL


O  SENHOR  MINISTRO  GILMAR  MENDES:  Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão da Quinta Turma do TRF da 1ª Região que, reconhecendo a ilicitude das provas utilizadas no processo administrativo, anulou condenação imposta pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, em face de empresa do ramo de gases industriais e medicinais, por suposta formação de cartel.

Eis a ementa do acórdão recorrido:


“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (CADE). FORMAÇÃO DE CARTEL. MERCADO DE GASES INDUSTRIAIS E MEDICINAIS. MULTA. PROVA EMPRESTADA DO PROCESSO PENAL. RECONHECIMENTO DA ILICITUDE DA PROVA PRODUZIDA. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA (FRUITS OF POISONOUS TREE DOCTRINE). ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. AUTONOMIA. DESCOBERTA INEVITÁVEL. MITIGAÇÃO. DESCABIMENTO. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DA AUTONOMIA DA PROVA QUE FUNDAMENTOU A DECISÃO ADMINISTRATIVA. NULIDADE. EFETIVIDADE DA GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARBITRAMENTO. MAJORAÇÃO

I - Afigura-se nula a decisão proferida em processo administrativo perante o CADE, que condenou empresa do ramo de gases industriais e medicinais, por formação de cartel, tendo em vista que está fundamentada em acervo probatório diretamente decorrente de provas ilícitas produzidas no âmbito da ação criminal, assim reconhecidas em acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça.

II - Na espécie dos autos, não há que se falar em provas autônomas, uma vez que o material produzido na ação penal forneceu fundamento probatório imprescindível para o procedimento administrativo no CADE. Ademais, não prospera

 

a pretendida mitigação da prova ilícita por derivação, com amparo na teoria da descoberta inevitável, na medida em que não restou demonstrado que a existência do aludido cartel seria fatalmente comprovada sem as informações decorrentes das interceptações telefônicas realizadas no juízo penal. Do contrário, o que se percebe é que os indícios de práticas anticompetitivas que o CADE dispunha não eram suficientes para conduzir a elementos fáticos que alavancassem uma condenação administrativa por infração à ordem econômica.

III - Com efeito, não se trata da aplicação irrestrita ao caso vertente da teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of poisonous tree doctrine), que conduz à contaminação das provas derivadas de evidências ilícitas, nos termos do § 1° do art. 157 do Código de Processo Penal, mas, sim, de prestigiar a norma constitucional inserta no inciso LVI do art. 5° da Carta Política Federal, que veda a admissão de provas obtidas por meios ilícitos, em qualquer processo judicial ou administrativo, promovendo, desse modo, a efetiva garantia instrumental do devido processo legal, posto que, na espécie dos autos, restou evidente que a condenação imposta pelo CADE fundamenta-se em elementos diretamente relacionados com o conjunto probatório declarado nulo nos autos da citada ação penal. Precedentes do TRF/1 a Região.

IV - No que tange à fixação da verba honorária, prospera a insurgência da promovente, eis que o valor não se encontra em conformidade com a regra do § 4° do art. 20 do CPC, então vigente, com vistas nos parâmetros previstos nas alíneas a, b e c do § 3° do aludido dispositivo legal. Assim, atentando-se para a importância da causa, a natureza da demanda, o princípio da razoabilidade, bem como respeitando o exercício da nobre função e o esforço despendido pelos ilustres advogados da autora, na espécie, afigura-se razoável a quantia de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), a título de honorários de sucumbência.

V - Apelação do CADE desprovida. Apelação dos autores parcialmente provida, para majorar a verba honorária e deferir o pedido de substituição dos bens dados em garantia”.


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No recurso extraordinário, interposto pelo CADE, aponta-se ofensa aos arts. 5°, XII, LVI, e 170, caput, IV e V, da Constituição Federal.

Defende o recorrente a higidez do processo administrativo que resultou na condenação dos recorridos e dos demais envolvidos no assim chamado cartel dos gases hospitalares e industriais (eDOC 24, p. 85-107).

O recurso extraordinário não foi admitido na origem, sob o fundamento de que a ofensa sustentada pelo recorrente seria meramente reflexa, bem assim pela aplicação da Súmula 279/STF (eDOC 24, p. 216- 219).

Iniciada a discussão no Plenário Virtual a respeito do reconhecimento da repercussão geral da matéria, o eminente Ministro Edson Fachin manifestou-se da seguinte forma:


“A controvérsia em tela consiste em definir se há ou não ofensa ao art. 5º, LVI, do Texto Constitucional, considerando- se o reconhecimento da nulidade das provas consideradas ilícitas no processo penal, as quais foram emprestadas ao processo administrativo no âmbito do CADE.

Observo, no entanto, que não há precedente específico do Plenário deste Supremo Tribunal Federal a respeito da controvérsia dos autos.

(…)

No caso, não há discussão sobre a licitude ou não das provas, porquanto, já reconhecidas como ilícitas na esfera penal, o que afasta a incidência da Súmula 279 do STF.

Ressalte-se que a matéria veiculada no presente recurso transcende os limites subjetivos do caso concreto e apresenta relevância, considerando, sobretudo, a nulidade do processo administrativo no âmbito do CADE, instaurado para apurar condutas configuradoras de infrações contra a ordem econômica, diante da utilização de provas reconhecidamente ilícitas na esfera penal.

Sendo assim, sem qualquer antecipação de juízo de mérito, compreendo prudente e submeto aos pares a proposta


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de exame da questão, de modo a emitir decisão plenária com definitividade sobre o tema.

Ante o exposto, manifesto-me pela existência de repercussão geral da questão constitucional aqui exposta referente, em consequência, torno sem efeito a decisão monocrática por mim exarada em 10.12.2021 (eDOC 33).


Peço vênia, nesta oportunidade, para divergir parcialmente do eminente Relator, por entender não apenas pela existência de repercussão geral da matéria, como também pela necessidade de reafirmação da jurisprudência dominante sobre a controvérsia constitucional deduzida no recurso extraordinário.

A esse respeito, dispõe o art. 323-A do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal que “quando o relator não propuser a reafirmação de jurisprudência dominante, outro ministro poderá fazê-lo, mediante manifestação devidamente fundamentada”.

É com base nesse dispositivo que proponho um maior alcance para a decisão a ser tomada no Plenário Virtual, evitando-se o estreitamento da decisão a um aspecto preliminar, relativo ao reconhecimento da existência de repercussão geral da matéria. Entendo que a experiência do Tribunal permite que se avance nas discussões, para reafirmar a jurisprudência consolidada sobre o tema, no sentido da inadmissibilidade, em qualquer âmbito ou instância decisória, de provas declaradas ilícitas pelo Poder Judiciário.

Afora a importância doutrinária do assunto, essa providência representaria um gesto explícito do Tribunal em direção ao reconhecimento da centralidade da garantia assegurada pelo art. 5º, inciso LVI, da Constituição da República, que preconiza, com clareza meridiana, a impossibilidade de emprego de provas ilícitas em desfavor do cidadão, em qualquer âmbito ou instância decisória.

Ademais, um posicionamento claro do Tribunal sobre o tema revela- se necessário para inibir a gestação de expectativas indevidas quanto a uma flexibilização dessa garantia constitucional, para, distorcendo o regime de liberdades públicas erigido pelo legislador constituinte,


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alcançar objetivos conflitantes com o substrato ético do devido processo legal.

Por isso, é fundamental assentar o óbvio: não é dado a nenhuma autoridade pública valer-se de provas ilícitas em prejuízo do cidadão, seja no âmbito de judicial, seja na esfera administrativa, independentemente da natureza das pretensões deduzidas pelas partes.

Em boa hora, o presente processo franqueia oportunidade para que a Corte, valendo-se das sempre valiosas lições do eminente Ministro Celso de Mello, reafirme que “absoluta nulidade da prova ilícita qualifica-se como causa de radical invalidação de sua eficácia jurídica, destituindo-a de qualquer aptidão para revelar, legitimamente, os fatos e eventos cuja realidade material ela pretendia evidenciar” (RE 251.445/GO, Rel. Min. Celso de Mello).

Afinal, o compromisso assumido pelos membros do Tribunal em face do texto constitucional não permite nenhuma espécie de transigência, ou de contemporização, ante a necessidade de refrear indevidas pretensões de aproveitamento de provas obtidas com violação a normas constitucionais.

Como já tive a oportunidade de lecionar no âmbito acadêmico, “as regras que regulam e limitam a obtenção, a produção e a valoração das provas são direcionadas ao Estado, no intuito de proteger os direitos fundamentais do indivíduo atingido pela persecução penal”. Por esse motivo “a proteção da garantia quanto à inadmissibilidade da prova ilícita está em estreita conexão com outros direitos e garantias fundamentais, como o direito à intimidade e à privacidade (art. 5º, X), o direito à inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI), o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (art. 5º, XII), o direito ao sigilo profissional (art. 5º, XIII e XIV), ao devido processo legal (art. 5º, LIV) e à proteção judicial efetiva, entre outros.” (MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, Curso de Direito Constitucional, 17ª edição, São Paulo, Saraiva, p. 630).

No mesmo sentido as lições de Eugênio Pacelli, para quem “mais do que uma afirmação de propósitos éticos no trato das questões do Direito, as aludidas normas, constitucional e legal, cumprem uma função ainda mais


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relevante, particularmente no que diz respeito ao processo penal, a saber: a valoração das provas ilícitas atua no controle da regularidade da atividade estatal persecutória, inibindo e desestimulando a adoção de práticas probatórias ilegais por parte de quem é o grande responsável pela sua produção. Nesse sentido, cumpre função eminentemente pedagógica, ao mesmo tempo que tutela determinados valores reconhecidos pela ordem jurídica” (Curso de Processo Penal, 21ª edição, São Paulo, Atlas, p. 351).

Sobre o tema, há inúmeros precedentes do Tribunal, assentando a impossibilidade de valoração e aproveitamento, em desfavor do cidadão, de provas declaradas nulas em processos judiciais. Reporto-me aos seguintes julgados:


“(...) 2. A prova emprestada utilizada sem o devido contraditório, encartada nos acórdãos que deram origem à condenação do extraditando na Itália, no afã de agravar a sua situação jurídica, é vedada pelo art. 5º, LV e LVI, da Constituição, na medida em que, além de estar a matéria abrangida pela preclusão, isto importaria verdadeira utilização de prova emprestada sem a observância do Contraditório, traduzindo-se em prova ilícita” (...) (Ext 1085- ET-AV, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJe 03.04.2013).


Habeas Corpus. 2. Quebra de sigilo bancário e telefônico. Alegação de que as decisões proferidas pelo magistrado de primeiro grau não foram devidamente motivadas, por terem apresentado mera menção às razões expostas pelo Parquet. 3. Ausência de decisão com fundamentos idôneos para fazer ceder a uma excepcional situação de restrição de um direito ou garantia constitucional. 4. Prova ilícita, sem eficácia jurídica. Desentranhamento dos autos. 5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nesta parte, deferido. (HC 96056, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 28/06/2011)


Mandado de Segurança. 2. Direito administrativo. 3. Acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU). 4. Uso de


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provas oriundas de interceptações telefônicas obtidas no âmbito da “Operação Navalha”. 5. Provas declaradas nulas pelo Supremo Tribunal Federal no Inquérito 3.732. 6. Doutrina dos frutos da árvore envenenada. 7. Valoração das provas ilícitas pelo TCU em controle externo. 8. Impossibilidade. 9. Segurança concedida (MS 36173, da minha relatoria, Segunda Turma, DJe 02-07-2021)


No mesmo sentido, é farta a jurisprudência do Tribunal no sentido da admissibilidade, em processos administrativos, de prova emprestada do processo penal, desde que produzida de forma legítima e regular, com observância das regras inerentes ao devido processo legal:


HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO. DESDOBRAMENTO DAS INVESTIGAÇÕES. IDENTIFICAÇÃO, NO CURSO DAS DILIGÊNCIAS, DE POLICIAL MILITAR COMO SUPOSTO AUTOR DO DELITO APURADO. DESLOCAMENTO DA PERSECUÇÃO PARA A JUSTIÇA MILITAR. VALIDADE DA INTERCEPTAÇÃO  DEFERIDA  PELO  JUÍZO  ESTADUAL

COMUM. ORDEM DENEGADA. 1. Não é ilícita a prova obtida mediante interceptação telefônica autorizada por Juízo competente. O posterior reconhecimento da incompetência do Juízo que deferiu a diligência não implica, necessariamente, a invalidação da prova legalmente produzida. A não ser que “o motivo da incompetência declarada [fosse] contemporâneo da decisão judicial de que se cuida” (HC 81.260, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence). 2. Não há por que impedir que o resultado das diligências encetadas por autoridade judiciária até então competente seja utilizado para auxiliar nas apurações que se destinam a cumprir um poder-dever que decola diretamente da Constituição Federal (incisos XXXIX, LIII e LIV do art. 5º, inciso I do art. 129 e art. 144 da CF). Isso, é claro, com as ressalvas da jurisprudência do STF quanto aos limites da chamada prova emprestada 3. Os elementos informativos de uma investigação criminal, ou as provas colhidas no bojo de


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instrução processual penal, desde que obtidos mediante interceptação telefônica devidamente autorizada por Juízo competente, admitem compartilhamento para fins de instruir procedimento criminal ou mesmo procedimento administrativo disciplinar contra os investigados. Possibilidade jurisprudencial que foi ampliada, na Segunda Questão de Ordem no Inquérito

2.424 (da relatoria do ministro Cezar Peluso), para também autorizar o uso dessas mesmas informações contra outros agentes. 4. Habeas corpus denegado. (HC 102293, Rel. Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, DJe 19-12-2011)


AGRAVO INTERNO EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DEMISSÃO DE POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA. UTILIZAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA EM PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS AUTORIZADAS JUDICIALMENTE.

(…)

3. Dados obtidos em interceptações telefônicas realizadas com chancela judicial, no curso de investigação criminal ou de instrução processual penal, podem ser utilizados como prova emprestada em processo administrativo disciplinar. Precedentes (…). (RMS 30295-AgR, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe 13-02-2019)


DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO MINSTRO DA FAZENDA. DEMISSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE VÍCIOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NEGATIVA DE PROVIMENTO DO RECURSO. (…)

4. A jurisprudência desta Corte admite o uso de prova emprestada em processo administrativo disciplinar, em especial a  utilização  de  interceptações  telefônicas  autorizadas


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judicialmente para investigação criminal. Precedentes. 5. Recurso ordinário a que se nega provimento. (RMS 28774, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Relator para acórdão Ministro ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe 25-08-2016)


No presente caso, como bem salientado pelo eminente Ministro Edson Fachin, não há dúvidas quanto à flagrante ilicitude das provas utilizadas no julgamento realizado no âmbito do CADE. Ao contrário, o acórdão recorrido afirma categoricamente que a condenação imposta no âmbito administrativo baseou-se em provas que tiveram origem, direta ou indiretamente, em interceptações telefônicas que foram tidas como ilícitas pelo Superior Tribunal de Justiça.

Transcrevo, no que importa, fragmentos do acórdão recorrido:


“Óbice jurídico à validade do julgamento e à imposição das sanções (Ilegalidade na produção das provas)

Entretanto, a evidência avassaladora dos documentos no sentido de que houve efetivamente a formação do cartel, causando um prejuízo bilionário para a economia pública e resultando em um enorme proveito econômico espúrio para seus participes, tudo isso cai por terra ante a sentença proferida nos autos Ação Criminal n° 4517-95.2009.403.6181, 3ª Vara Federal Criminal de São Paulo.

Essa sentença, baseada em acórdão proferido pelo STJ no HC 190.334-SP, entendeu pela ilicitude das provas produzidas por meio de interceptação telefônica (porque originada de denúncia anônima sem a realização de nenhum outro ato investigativo ou de prospecção para a aferição de sua idoneidade), maculando todas as outras provas produzidas, e julgou extinto o processo sem resolução de mérito, por falta de interesse de agir superveniente.

De fato, não há negar que todas as conclusões a que chegou o órgão de defesa da concorrência apesar de também terem-se baseado em evidências colhidas pelo próprio órgão, tiveram origem, direta ou indiretamente, nos dados e documentos obtidos no processo criminal em trâmite na 3a Vara

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Criminal Federal da Seção Judiciária do estado de São Paulo, que foram tidos como ilícitos pelo STJ ao proferir o acórdão no HC 190.334-SP.

(...)

Como visto, a pretensão recursal do CADE não merece prosperar, na medida em que a penalidade imposta aos autores, em razão do Procedimento Administrativo n° 08012.009888/2003-70 perante o CADE, está fundamentada em acervo probatório diretamente decorrente de provas ilícitas produzidas no âmbito da Ação Criminal n° 4517- 95.2009.403.6181, uma vez que resultam de interceptações telefônicas realizadas em razão de denúncia anônima. (...)

Em sendo assim, embora o recorrente afirme que há elementos probatórios suficientes para a condenação do apontado cartel, independentemente das provas declaradas nulas na esfera criminal, verifica-se dos elementos carreados para os presentes autos que o material produzido na mencionada ação penal forneceu fundamento probatório imprescindível para a definição do procedimento administrativo no CADE, não havendo, assim, que se falar em outras provas independentes das ilícitas”.


Como se observa das conclusões fáticas do acórdão recorrido, o Tribunal de origem, analisando o acervo probatório acostados autos, concluiu que as provas utilizadas pelo CADE para aplicação da penalidade administrativa derivaram, direta e indiretamente, de interceptações telefônicas consideradas ilícitas pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 190.334-SP.

Ante essas premissas, não há espaço para acolher as teses defendidas pela autarquia, as quais conduziriam a um indevido aproveitamento de provas ilícitas em processo de fiscalização inaugurado para apuração de suposta formação de cartel.

Acolher semelhante raciocínio corresponderia a um grave atentado contra a literalidade do art. 5º, inciso LVI, da Constituição da República, que preconiza a inadmissibilidade, no processo, de provas obtidas com


 

violação a normas constitucionais ou legais. Além disso, ensejaria uma afronta ao entendimento sedimentado nesta Corte, que estabelece limites rígidos para o uso de prova emprestada em processos administrativos.

Ante o exposto, peço vênia para voto no sentido de reconhecer a repercussão geral da questão constitucional deduzida pelo recorrente e, reafirmando a jurisprudência consolidada do Tribunal, negar provimento ao recurso extraordinário.

Por fim, proponho a fixação da seguinte tese de repercussão geral:


“São inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder judiciário "



EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS





01/07/2024 PLENÁRIO


SEGUNDOS EMB.DECL. NA REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.316.369 DISTRITO FEDERAL


RELATOR : MIN. GILMAR MENDES

EMBTE.(S) : CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA

ECONOMICA-CADE

PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL EMBDO.(A/S) : IBG INDUSTRIA BRASILEIRA DE GASES LTDA EMBDO.(A/S) : NEWTON DE OLIVEIRA

ADV.(A/S) : MANUELA ALVES NUNES DODE

ADV.(A/S) : CRISTIANO RODRIGO DEL DEBBIO


Embargos de declaração no recurso extraordinário com agravo. 2. Processo-paradigma do tema 1.238 da sistemática da repercussão geral. 3. Impossibilidade de valoração e aproveitamento, em desfavor do cidadão, de provas declaradas nulas em processos judiciais. Precedentes. 4. Reafirmação de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido da admissibilidade, em processos administrativos, de prova emprestada do processo penal, desde que produzida de forma legítima e regular, com observância das regras inerentes ao devido processo legal. 5. Havendo autonomia entre as fontes, não há como se falar em ilicitude da prova proveniente de origem diversa, tendo em vista a ausência de vinculação entre uma e outra 6. Ausência de omissão, contradição ou obscuridade. Efeitos infringentes. Não configuração de situação excepcional. Impossibilidade. 7. Embargos de declaração rejeitados.


A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, rejeitar os embargos de declaração, nos termos do voto do Relator.

Brasília, Sessão Virtual de 21 a 28 de junho 2024.

Ministro GILMAR MENDES

 

ARE 1316369 RG-ED-SEGUNDOS / DF


Relator

Documento assinado digitalmente





































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01/07/2024 PLENÁRIO


SEGUNDOS EMB.DECL. NA REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.316.369 DISTRITO FEDERAL


RELATOR : MIN. GILMAR MENDES

EMBTE.(S) : CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA

ECONOMICA-CADE

PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL EMBDO.(A/S) : IBG INDUSTRIA BRASILEIRA DE GASES LTDA EMBDO.(A/S) : NEWTON DE OLIVEIRA

ADV.(A/S) : MANUELA ALVES NUNES DODE

ADV.(A/S) : CRISTIANO RODRIGO DEL DEBBIO R E L A T Ó R I O


O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): Trata-se de dois

embargos de declarações opostos contra acórdão do Plenário desta Corte que, em sede de repercussão geral, reafirmou jurisprudência consolidada deste Tribunal, fixou a tese do Tema 1238, e negou provimento ao recurso extraordinário, ementado nos seguintes termos:


“Repercussão geral em recurso extraordinário com agravo. Constitucional. Administrativo. Processo administrativo. Condenação imposta pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, em face de empresa do ramo de gases industriais e medicinais, por suposta formação de cartel.

2. Com fundamento no art. 323-A do RISTF, é possível conferir maior alcance para a decisão a ser tomada no Plenário Virtual, evitando-se o estreitamento da deliberação a um aspecto preliminar, relativo ao reconhecimento da existência de repercussão geral da matéria.

3. A experiência desta Suprema Corte permite que se avance nas discussões, para reafirmar a jurisprudência consolidada sobre o tema, no sentido da inadmissibilidade, em qualquer âmbito ou instância decisória, de provas declaradas

 


ilícitas pelo Poder Judiciário.

4. Não é dado a nenhuma autoridade pública valer-se de provas ilícitas em prejuízo do cidadão, seja no âmbito de judicial, seja na esfera administrativa, independentemente da natureza das pretensões deduzidas pelas partes.

5. Impossibilidade de valoração e aproveitamento, em desfavor do cidadão, de provas declaradas nulas em processos judiciais. Precedentes.

6. Jurisprudência do Tribunal no sentido da admissibilidade, em processos administrativos, de prova emprestada do processo penal, desde que produzida de forma legítima e regular, com observância das regras inerentes ao devido processo legal

7. Repercussão geral reconhecida.

8. Flagrante ilicitude das provas utilizadas no julgamento realizado pelo CADE. Acórdão recorrido reconhece que a condenação imposta no âmbito administrativo baseou-se em provas que tiveram origem, direta ou indiretamente, em interceptações telefônicas declaradas ilícitas pelo Superior Tribunal de Justiça.

9. Não há espaço para acolher as teses defendidas pela autarquia, as quais conduziriam a um indevido aproveitamento de provas ilícitas em processo de fiscalização inaugurado para apuração de suposta formação de cartel. Acolher semelhante raciocínio corresponderia a um grave atentado contra a literalidade do art. 5º, inciso LVI, da Constituição da República, que preconiza a inadmissibilidade, no processo, de provas obtidas com violação a normas constitucionais ou legais. Além disso, ensejaria uma afronta ao entendimento sedimentado nesta Corte, que estabelece limites rígidos para o uso de prova emprestada em processos administrativos.

10. Reafirmação da jurisprudência consolidada do Tribunal. Não provimento ao recurso extraordinário.

11. Fixação da tese: ‘São inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário.’” (eDOC 48 – ID: 926e27d5, p. 1-2)


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Os embargantes aduzem, em síntese, a necessidade de esclarecimento da prestação jurisdicional e a consequente aplicação dos excepcionais efeitos infringentes ao acórdão embargado.

Nos embargos opostos pela Procuradoria-Geral da República, alega- se que o acórdão embargado “mostra-se omisso por ter deixado de examinar a possibilidade de o juízo da causa cível admitir e valorar as provas que seriam inevitavelmente produzidas e/ou produzidas de forma autônoma ou independente no procedimento administrativo questionado, a despeito da prova que haja sido reputada nula no âmbito penal” (eDOC 50 – ID: 6ce72c4f, p. 8).

Sustenta-se a necessidade de revisitar a tese fixada no julgamento do presente paradigma, a fim de registrar a mitigação dos efeitos da ilicitude da prova ante a descoberta inevitável e a fonte independente.

Argumenta-se que “é importante que a Suprema Corte esclareça que a tese fixada neste Tema 1238 circunscreve-se às situações em que, como no caso concreto subjacente, haja comprovação de que a condenação imposta no âmbito administrativo baseou-se unicamente em elementos que derivam, de forma direta ou indireta, de provas declaradas ilícitas por decisão do Poder Judiciário” (eDOC 50 – ID: 6ce72c4f, p. 2).

Nos embargos opostos pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, alega-se que “o julgado não tratou expressamente da possibilidade de mitigação da teoria dos frutos da árvore envenenada (Fruit Of The Poisonous Tree Doctrine) quando demonstrada a obtenção da prova por uma fonte independente da eivada de ilicitude ou a inexistência de nexo de causalidade entre a prova ilícita e a utilizada no processo administrativo” (eDOC 53 – ID: 9602e051, p. 5).

Requer-se, assim, a integração do julgado, para que seja reconhecida “a possibilidade da mitigação da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação diante de elementos de prova suficientes, autônomos e independentes que sustentem a condenação na esfera administrativa” (eDOC 53 – ID: 9602e051, p. 7).

É o relatório.



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01/07/2024 PLENÁRIO


SEGUNDOS EMB.DECL. NA REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.316.369 DISTRITO FEDERAL


V O T O



O  SENHOR  MINISTRO  GILMAR  MENDES  (RELATOR):  Inicialmente,

ressalto que os embargos de declaração são cabíveis para sanar a ocorrência de obscuridade, contradição e omissão, bem como para corrigir eventual erro material (art. 1.022 do CPC). No presente caso, não se verifica nenhuma dessas hipóteses.

Registre-se que os embargos de declaração não constituem meio processual cabível para reforma do julgado, não sendo possível atribuir- lhes efeitos infringentes, salvo em situações excepcionais, não vislumbradas no presente caso.

Como já demonstrado pelo acórdão embargado, é farta a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido da admissibilidade, em processos administrativos, de prova emprestada do processo penal, desde que produzida de forma legítima e regular, com observância das regras inerentes ao devido processo legal.

Os embargos de declaração, por sua vez, voltam-se a defender que a necessária inobservância das regras inerentes ao devido processo legal durante a produção probatória podem, excepcionalmente, ser mitigadas pelas hipóteses de descoberta inevitável e de fonte independente e que tais situações deveriam estar contempladas na tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do presente tema de repercussão geral.

Oportunamente, registro que a omissão não se mostra presente no julgado impugnado, considerando-se que as questões suscitadas não foram objeto de apreciação no paradigma, estando a matéria debatida nos autos voltada a resolver a controvérsia quanto à possibilidade de aproveitamento de provas declaradas ilícitas no bojo de instrução processual penal no âmbito de processo administrativo. Tal limitação ao âmbito de cognição do recurso extraordinário se mostra imprescindível

 


para visualizar a amplitude com que a matéria foi devolvida para apreciação por esta Corte constitucional.

Isso porque o acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região anulou a condenação imposta pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, com fundamento no reconhecimento da ilicitude das provas utilizadas no processo administrativo, tendo sido devidamente consignado no acórdão daquela Corte a ausência de independência da fonte probatória ou da inevitabilidade da descoberta dos fatos que sustentaram a condenação. Confira-se, a propósito, a ementa do acórdão do TRF1:


“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAIL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA. PROCESSOADMINISTRATIVO. CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA(CADE). FORMAÇÃO DE CARTEL. MERCADO DE GASES INDUSTRIAIS EMEDICINAIS. MULTA. PROVA EMPRESTADA DO PROCESSO PENAL. RECONHECIMENTO DA ILICITUDE DA PROVA PRODUZIDA. TEORIADOSFRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA (FRUITS OF POISONOUS TREEDOCTRINE). ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. AUTONOMIA. DESCOBERTAINEVITÁVEL. MITIGAÇÃO. DESCABIMENTO. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DAAUTONOMIA DA PROVA QUE FUNDAMENTOU A DECISÃO ADMINISTRATIVA. NULIDADE. EFETIVIDADE DA GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO   LEGAL.   HONORÁRIOS   ADVOCATÍCIOS.

ARBITRAMENTO. MAJORAÇÃO. I - Afigura-se nula a decisão proferida em processo administrativo perante o CADE, que condenou empresa do ramo de gases industriais e medicinais, por formação de cartel, tendo em vista que está fundamentada em acervo probatório diretamente decorrente de provas ilícitas produzidas no âmbito da ação criminal, assim reconhecidas em acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça. II - Na espécie dos autos, não há que se falar em provas autônomas, uma vez que o material produzido na ação penal forneceu


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fundamento probatório imprescindível para o procedimento administrativo no CADE. Ademais, não prospera a pretendida mitigação da prova ilícita por derivação, com amparo na teoria da descoberta inevitável, na medida em que não restou demonstrado que a existência do aludido cartel seria fatalmente comprovada sem as informações decorrentes das interceptações telefônicas realizadas no juízo penal. Do contrário, o que se percebe é que os indícios de práticas anticompetitivas que o CADE dispunha não eram suficientes para conduzir a elementos fáticos que alavancassem uma condenação administrativa por infração à ordem econômica.

III - Com efeito, não se trata da aplicação irrestrita ao caso vertente da teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of poisonous tree doctrine), que conduz à contaminação das provas derivadas de evidências ilícitas, nos termos do § 1° do art. 157 do Código de Processo Penal, mas, sim, de prestigiar a norma constitucional inserta no inciso LVI do art. 5° da Carta Política Federal, que veda a admissão de provas obtidas por meios ilícitos, em qualquer processo judicial ou administrativo, promovendo, desse modo, a efetiva garantia instrumental do devido processo legal, posto que, na espécie dos autos, restou evidente que a condenação imposta pelo CADE fundamenta-se em elementos diretamente relacionados com o conjunto probatório declarado nulo nos autos da citada ação penal. Precedentes do TRF/1 a Região. IV - No que tange à fixação da verba honorária, prospera a insurgência da promovente, eis que o valor não se encontra em conformidade com a regra do § 4°do art. 20 do CPC, então vigente, com vistas nos parâmetros previstos nas alíneas a, b e c do § 3° do aludido dispositivo legal. Assim, atentando-se para a importância da causa, a natureza da demanda, o princípio da razoabilidade, bem como respeitando o exercício da nobre função e o esforço despendido pelos ilustres advogados da autora, na espécie, afigura-se razoável a quantia de R$50.000,00 (cinquenta mil reais), a título de honorários de sucumbência. V - Apelação do CADE desprovida. Apelação dos autores parcialmente provida, para


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majorar a verba honorária e deferir o pedido de substituição dos bens dado sem garantia.” (eDOC 23, p. 237-238)


Logo, a matéria que fora devolvida a esta Suprema Corte objetivou resolver a repercussão da nulidade das provas no processo penal na esfera administrativa, ou seja, partindo-se da premissa inicial quanto à ilicitude das provas emprestadas.

Em outras palavras, a partir de um contexto em que declaradas ilícitas as provas produzidas em instrução processual penal, surgiu a controvérsia a qual se pretendeu a resolução pelo presente paradigma, qual seja, a repercussão desta ilicitude na utilização de tais elementos de prova em eventual condenação em âmbito administrativo.

De fato, anotei na decisão embargada a necessidade de se reafirmar a jurisprudência consolidada sobre o tema, no sentido da inadmissibilidade, em qualquer âmbito ou instância decisória, de provas declaradas ilícitas pelo Poder Judiciário.

Afora a importância doutrinária do assunto, registrei que essa providência representaria um gesto explícito do Tribunal em direção ao reconhecimento da centralidade da garantia assegurada pelo art. 5º, inciso LVI, da Constituição da República, que preconiza, com clareza meridiana, a impossibilidade de emprego de provas ilícitas em desfavor do cidadão, em qualquer âmbito ou instância decisória.

De fato, um posicionamento claro do Tribunal sobre o tema revela-se necessário para inibir a gestação de expectativas indevidas quanto a uma flexibilização dessa garantia constitucional, para, distorcendo o regime de liberdades públicas erigido pelo legislador constituinte, alcançar objetivos conflitantes com o substrato ético do devido processo legal.

Pois bem.

Quanto à necessidade de integração do julgado para que reste expressamente destacada a mitigação da teoria da árvore envenenada, registro que a autonomia perante a prova declarada ilícita revela, inevitavelmente, a própria licitude da fonte probatória. Explico.

O  substrato  que  sustenta  a  teoria  da  árvore  envenenada  e,

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consequentemente, a imprestabilidade das provas emprestadas declaradas ilícitas no âmbito penal reside, justamente, no liame objetivo que as relaciona. Logo, havendo autonomia entre as fontes, não há como se falar em ilicitude da prova proveniente de origem diversa, tendo em vista a ausência de vinculação entre uma e outra. À luz do que se entende por “árvore envenenada”, significa, pois, reconhecer a diversidade do tronco e da própria raiz das provas utilizadas no processo. Efetivamente, esta Corte, em diversas oportunidades, entendeu pela aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada, de modo que todo o conjunto probatório derivado de prova ilícita também padece de nulidade, excetuando-se da sua aplicação apenas os casos em que os demais elementos probatórios não estiverem vinculados àqueles cuja

ilicitude foi reconhecida. Nesse sentido, cito os seguintes julgados:


“’HABEAS CORPUS’. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PROVA ILÍCITA: ESCUTA TELEFÔNICA. CORRUPÇÃO ATIVA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO NA DOSAGEM DA

PENA: IMPROCEDÊNCIA. 1. A prova ilícita, caracterizada pela escuta telefônica, não sendo a única produzida no procedimento investigatório, não enseja desprezarem-se as demais que, por ela não contaminadas e dela não decorrentes, formam o conjunto probatório da autoria e materialidade do delito. 2. Não se compatibiliza com o rito especial e sumário do habeas corpus o reexame aprofundado da prova da autoria do delito. 3. Sem que possa colher-se dos elementos do processo a resultante conseqüência de que toda a prova tenha provindo da escuta telefônica, não há falar-se em nulidade do procedimento penal. 4. Não enseja nulidade processual a sentença que, apesar de falha quanto à fundamentação na dosimetria da pena, permitiu fosse corrigida em sede de apelação.” (HC 75.497, Rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ 9.5.2003; grifo nosso);


“AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. QUADRILHA,  CORRUPÇÃO  PASSIVA,  VIOLAÇÃO  DE


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SIGILO FUNCIONAL, FALSIDADE IDEOLÓGICA E LAVAGEM DE DINHEIRO. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS AUTORIZADAS POR DECISÃO JUDICIAL. ALEGAÇÃO DE ‘QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA’. PERDA OU SUBTRAÇÃO DE PARTE DAS GRAVAÇÕES. CONSTRAGIMENTO ILEGAL RECONHECIDO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NA DETERMINAÇÃO DE REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO

DE PRIMEIRA INSTÂNCIA. 1. As provas ilícitas, bem como todas aquelas delas derivadas, são constitucionalmente inadmissíveis, mesmo quando reconduzidas aos autos de forma indireta, devendo, pois, serem desentranhadas do processo, não tendo, porém, o condão de anulá-lo, permanecendo válidas as demais provas lícitas e autônomas delas não decorrentes, ou ainda, que também decorreram de outras fontes, além da própria prova ilícita; garantindo-se, pois, a licitude da prova derivada da ilícita, quando, conforme salientado pelo Ministro EROS GRAU, ‘arrimada em elementos probatórios coligidos antes de sua juntada aos autos’. 2. Assentou o Superior Tribunal de Justiça que, em matéria de provas ilícitas, o art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n. 11.690/2008, excepciona a adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada na hipótese em que os demais elementos probatórios não estiverem vinculados àquele cuja ilicitude foi reconhecida. 3. Não há, portanto, nenhuma ilegalidade na remessa dos autos ao Juízo processante de primeira instância, a quem ordinariamente compete o primeiro exame dos elementos de prova pertinentes à causa, para o fim de selecionar e expurgar as provas contaminadas, mantendo hígida a porção lícita, delas independente. Em outras palavras, não cabe a esta CORTE, nesta via estreita, se antecipar e proferir qualquer decisão acerca da legalidade de provas que nem mesmo foram analisadas pelo Juízo competente. 4. Agravo Regimental a que se nega provimento.” (HC 156.157 AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, DJe 26.11.2018; grifo nosso).


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Seguindo nesse sentido, é farta a jurisprudência do Tribunal quanto à admissibilidade, em processos administrativos, de prova emprestada do processo penal, desde que produzida de forma legítima e regular, com observância das regras inerentes ao devido processo legal:


“Direito processual penal. Agravo regimental em habeas corpus. Estelionato e associação criminosa. Prova emprestada. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 1. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF) é no sentido de que ‘nenhuma nulidade há por terem sido juntadas aos autos do processo principal provas emprestadas de outro processo crime’ (HC 109.909, Rel.ª Min.ª Cármen Lúcia). 2. O STF já decidiu que ‘a utilização de prova emprestada legalmente produzida em outro processo de natureza criminal não ofende os princípios constitucionais do processo. O amplo acesso à totalidade dos áudios captados realiza o princípio da ampla defesa’ (Inq 2.774, Rel. Min. Gilmar Mendes). 3. No julgamento do HC 204.128, o Ministro Edson Fachin deixou consignado que este Tribunal ‘admite a apreciação de provas colhidas em ação penal diversa, desde que assegurado às partes o direito de manifestação acerca do teor dos elementos compartilhados’. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (HC 219.734 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 1º.12.2022; grifo nosso).


Por tal razão, a ausência da alegada omissão se verifica na medida em que a discussão travada neste paradigma se circunscreveu ao âmbito da legalidade da prova emprestada e à repercussão da eventual ilegalidade declarada no processo penal de origem na possibilidade de sua utilização no âmbito administrativo. Consequentemente, a autonomia da fonte probatória configura elemento acidental que justifica, pela sua própria natureza, a mitigação pleiteada, conforme jurisprudência desta Corte, não havendo necessidade para a integração do julgado sobre a questão, restando o acórdão impugnado devidamente fundamentado.

 

Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração.



PLENÁRIO

EXTRATO DE ATA


SEGUNDOS EMB.DECL. NA REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.316.369

PROCED. : DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES

EMBTE.(S) : CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONOMICA-CADE PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL (00000/DF) EMBDO.(A/S) : IBG INDUSTRIA BRASILEIRA DE GASES LTDA EMBDO.(A/S) : NEWTON DE OLIVEIRA

ADV.(A/S) : MANUELA ALVES NUNES DODE (24815/DF, 269764/SP) ADV.(A/S) : CRISTIANO RODRIGO DEL DEBBIO (29021/DF, 173605/SP)


Decisão: (RG-ED-segundos) O Tribunal, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração, nos termos do voto do Relator. Plenário, Sessão Virtual de 21.6.2024 a 28.6.2024.



Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Nunes Marques, André Mendonça, Cristiano Zanin e Flávio Dino.




Carmen Lilian Oliveira de Souza Assessora-Chefe do Plenário



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