terça-feira, 21 de agosto de 2012

STF - DIREITO DE DEFESA : NECESSIDADE DE RESPEITO, PELO PODER PÚBLICO, ÀS PRERROGATIVAS JURÍDICAS QUE COMPÕEM O PRÓPRIO ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE DEFESA

DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS RELATIVOS AO DEVIDO PROCESSO LEGAL

O devido processo legal é uma garantia da Ordem Constitucional que não pode ser violado sob pena de inquinar de NULIDADE ABSOLUTA todo o processo, em qualquer ramo do Direito 
Sendo assim, publicamos, como subsidio, o HABEAS CORPUS deferido por unanimidade pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL , no HC 94.601-CE   

Direitos fundamentais do acusado :
“HABEAS CORPUS - NECESSIDADE DE RESPEITO, PELO PODER PÚBLICO, ÀS PRERROGATIVAS JURÍDICAS QUE COMPÕEM O PRÓPRIO ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE DEFESA - A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO “DUE PROCESS OF LAW COMO EXPRESSIVA LIMITAÇÃO À ATIVIDADE PERSECUTÓRIA DO ESTADO (INVESTIGAÇÃO PENAL E PROCESSO PENAL) - O CONTEÚDO MATERIAL DA CLÁUSULA DE GARANTIA DO “DUE PROCESS” - INTERROGATÓRIO JUDICIAL - NATUREZA JURÍDICA - MEIO DE DEFESA DO ACUSADO - POSSIBILIDADE DE QUALQUER DOS LITISCONSORTES PENAIS PASSIVOS FORMULAR REPERGUNTAS AOS DEMAIS CO-RÉUS, NOTADAMENTE SE AS DEFESAS DE TAIS ACUSADOS SE MOSTRAREM COLIDENTES - PRERROGATIVA JURÍDICA CUJA LEGITIMAÇÃO DECORRE DO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA - PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (PLENO) - MAGISTÉRIO DA DOUTRINA - PEDIDO DEFERIDO. A ESSENCIALIDADE DO POSTULADO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, QUE SE QUALIFICA COMO REQUISITO LEGITIMADOR DA PRÓPRIA “PERSECUTIO CRIMINIS”. - O exame da cláusula referente ao “due process of law” permite nela identificar alguns elementos essenciais à sua configuração como expressiva garantia de ordem constitucional, destacando-se, dentre eles, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: 

(a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); 
(b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; 
(c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; 
(d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à defesa técnica); 
(e) direito de não ser processado e julgado com base em leis “ex post facto”; 
(f) direito à igualdade entre as partes; 
(g) direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude; 
(h) direito ao benefício da gratuidade; 
(i) direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio (privilégio contra a auto-incriminação); 
(l) direito à prova; e 
(m) direito de presença e de "participação ativa" nos atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, quando existentes. 
- O direito do réu à observância, pelo Estado, da garantia pertinente ao “due process of law”, além de traduzir expressão concreta do direito de defesa, também encontra suporte legitimador em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal, mesmo que se trate de réu estrangeiro, sem domicílio em território brasileiro, aqui processado por suposta prática de delitos a ele atribuídos. O INTERROGATÓRIO JUDICIAL COMO MEIO DE DEFESA DO RÉU. - Em sede de persecução penal, o interrogatório judicial - notadamente após o advento da Lei nº 10.792/2003 - qualifica-se como ato de defesa do réu, que, além de não ser obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo magistrado processante, também não pode sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em virtude do exercício, sempre legítimo, dessa especial prerrogativa. Doutrina. Precedentes. POSSIBILIDADE JURÍDICA DE UM DOS LITISCONSORTES PENAIS PASSIVOS, INVOCANDO A GARANTIA DO “DUE PROCESS OF LAW”, VER ASSEGURADO O SEU DIREITO DE FORMULAR REPERGUNTAS AOS CO-RÉUS, QUANDO DO RESPECTIVO INTERROGATÓRIO JUDICIAL. - Assiste, a cada um dos litisconsortes penais passivos, o direito - fundado em cláusulas constitucionais (CF, art. 5º, incisos LIV e LV) - de formular reperguntas aos demais co-réus, que, no entanto, não estão obrigados a respondê-las, em face da prerrogativa contra a auto-incriminação, de que também são titulares. O desrespeito a essa franquia individual do réu, resultante da arbitrária recusa em lhe permitir a formulação de reperguntas, qualifica-se como causa geradora de nulidade processual absoluta, por implicar grave transgressão ao estatuto constitucional do direito de defesa. Doutrina. Precedente do STF.”
(STF, 2ª Turma, HC 94.601-CE, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 11.09.2009) 




HC 94601 MC / CE - CEARÁ
MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS
Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO
Julgamento: 24/10/2008
Publicação
DJe-207 DIVULG 31/10/2008 PUBLIC 03/11/2008
RTJ VOL-00207-03 PP-01323
Partes
PACTE.(S): VICTOR ARES GONZALEZ
IMPTE.(S): JOSÉ OSVALDO ROTONDO E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES): RELATORA DO HABEAS CORPUS N° 93125 DO SUPERIOR
   TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Decisão
 
 
 
 
 
 
 
 
EMENTA: “HABEAS CORPUS”. RESPEITO, PELO PODER PÚBLICO, ÀS PRERROGATIVAS JURÍDICAS QUE COMPÕEM O PRÓPRIO ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE DEFESA. A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO “DUE PROCESS OF LAW” COMO EXPRESSIVA LIMITAÇÃO À ATIVIDADE PERSECUTÓRIA
DO
ESTADO (INVESTIGAÇÃO PENAL E PROCESSO PENAL). O CONTEÚDO MATERIAL DA CLÁUSULA DE GARANTIA DO “DUE PROCESS”. INTERROGATÓRIO JUDICIAL. NATUREZA JURÍDICA. POSSIBILIDADE DE QUALQUER DOS LITISCONSORTES PENAIS PASSIVOS FORMULAR REPERGUNTAS AOS DEMAIS
CO-RÉUS,
NOTADAMENTE SE AS DEFESAS DE TAIS ACUSADOS SE MOSTRAREM COLIDENTES. PRERROGATIVA JURÍDICA CUJA LEGITIMAÇÃO DECORRE DO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA. PRECEDENTE DO STF (PLENO). MAGISTÉRIO DA DOUTRINA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
 
- Assiste, a cada um dos litisconsortes penais passivos, o direito – fundado em cláusulas constitucionais (CF, art. 5º, incisos  LIV e LV) – de formular reperguntas aos demais co-réus, que, no entanto, não estão obrigados a respondê-las, em face da
prerrogativa contra a auto-incriminação, de que também são titulares. O desrespeito a essa franquia individual do réu, por implicar grave transgressão ao estatuto constitucional do direito de defesa, qualifica-se como causa geradora de nulidade
processual absoluta. Doutrina. Precedentes do STF.
 
 
DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pleito de ordem cautelar, impetrado contra decisão emanada de eminente Ministra de Tribunal Superior da União, que, em sede de outra ação de “habeas corpus” então em curso no Superior Tribunal de Justiça
(HC 93.125/CE), denegou medida liminar que lhe havia sido requerida em favor do ora paciente.
 
Os ora impetrantes alegam inobservância do devido processo legal em relação ao ora paciente, pelos seguintes fundamentos (fls. 03):
 
“A) em razão de ter sido produzido depoimentos judiciais de pessoas envolvidas com a conduta imputada ao paciente antes dele ser citado; B) não ter sido oportunizado aos advogados constituídos pelo paciente a presença na audiência de interrogatório dos
co-réus; C) o paciente ter sido citado e interrogado em menos de 24 horas; D) por ter sido nomeado advogado ‘ad doc’ para acompanhar os interrogatórios do co-réu à revelia da manifestação pessoal do paciente.” (grifei)
 
Presente tal contexto, impende verificar, desde logo, se a situação processual versada nestes autos justifica, ou não, o afastamento, sempre excepcional, da Súmula 691/STF.
 
Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal, ainda que em caráter extraordinário, tem admitido o afastamento, “hic et nunc”, da Súmula 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante nesta Corte ou, então,
veicule situações configuradoras de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade (HC 85.185/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 86.634-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 86.864-MC/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - HC 87.468/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO –
HC 89.025-MC-AgR/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - HC 90.112-MC/PR, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
 
Parece-me que a situação exposta nesta impetração ajustar-se--ia às hipóteses que autorizam a superação do obstáculo representado pela Súmula 691/STF. Passo, em conseqüência, a examinar a postulação cautelar ora deduzida nesta sede processual.
 
É que se impõe, ao Judiciário, o dever de assegurar, ao réu, os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as
partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante.
 
A essencialidade dessa garantia de ordem jurídica reveste-se de tamanho significado e importância no plano das atividades de persecução penal que ela se qualifica como requisito legitimador da própria “persecutio criminis”.
 
Daí a necessidade de se definir o alcance concreto dessa cláusula de limitação que incide sobre o poder persecutório do Estado.
 
O exame da garantia constitucional do “due process of law” permite nela identificar alguns elementos essenciais à sua própria configuração, destacando-se, dentre eles, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: (a) direito ao
processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à
autodefesa e à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis “ex post facto”; (f) direito à igualdade entre as partes; (g) direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude; (h) direito ao benefício da gratuidade; (i) direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio (privilégio contra a auto-incriminação); (l) direito à prova; e (m) direito de presença e de “participação ativa” nos atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, quando existentes.
 
Não constitui demasia assinalar, neste ponto, analisada a função defensiva sob uma perspectiva global, que o direito do réu à observância, pelo Estado, da garantia pertinente ao “due process of law”, além de traduzir expressão concreta do direito de defesa, também encontra suporte legitimador em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal por suposta prática de delitos a ele atribuídos.
 
A justa preocupação da comunidade internacional com a preservação da integridade das garantias processuais básicas reconhecidas às pessoas meramente acusadas de práticas delituosas tem representado, em tema de proteção aos direitos humanos, um dos tópicos mais sensíveis e delicados da agenda dos organismos internacionais, seja em âmbito regional, como o Pacto de São José da Costa Rica (Artigo 8º), aplicável ao sistema interamericano, seja em âmbito global, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Artigo 14), celebrado sob a égide da Organização das Nações Unidas, e que representam instrumentos que reconhecem, a qualquer réu, dentre outras liberdades eminentes, o direito à plenitude de defesa e às demais prerrogativas que derivam da cláusula concernente à garantia do devido processo.
 
Tendo em consideração as prerrogativas básicas que derivam da cláusula constitucional do “due process of law”, passo a examinar o pedido de medida cautelar ora formulado nesta sede processual.
 
E, ao fazê-lo, entendo que a magnitude do tema constitucional versado na presente impetração impõe que se conceda a presente medida cautelar, seja para impedir que se desrespeite uma garantia instituída pela Constituição da República em favor de
qualquer réu, seja para evitar eventual declaração de nulidade do processo penal em referência, ora em curso perante a Justiça Federal da Seção Judiciária do Estado do Ceará (11ª Vara Federal).
 
A questão suscitada nesta causa concerne ao debate em torno da possibilidade jurídica de um dos litisconsortes penais passivos, invocando a garantia do “due process of law”, ver assegurado o seu direito de formular reperguntas aos co-réus, quando do
respectivo interrogatório judicial.
 
Daí as razões que dão suporte à presente impetração deduzida em favor de réu que pretende ver respeitado, em procedimento penal contra ele instaurado, o direito à plenitude de defesa e ao tratamento paritário com o Ministério Público, em ordem a que se
lhe garanta, por intermédio de seus Advogados, o direito “(...) de estar presente na audiência de colheita de provas contra si, oferecendo por meio de seu defensor a necessária contradita, bem como no direito de ser citado de forma a possibilitar o
conhecimento não só da peça acusatória, mas também de todos os elementos incriminativos colhidos durante a fase inquisitiva (...)” (fls. 24).
 
Não foi por outro motivo que os ora impetrantes, para justificar sua pretensão, buscam, por este meio processual, que se permita a observância dos “(...) princípios constitucionais concernentes ao devido processo legal, cujo interesse de preservação é público e não está restrito às partes, mas representa antes de mais nada, o interesse estatal de que a função jurisdicional seja exercida dentro de um processo justo, imparcial, em que seja garantido paridade de forças entre os litigantes com a possibilidade ampla do acusado em defender-se no litígio, afinal é ele o maior interessado na colheita da prova” (fls. 24).
 
As razões ora expostas justificam – ao menos em juízo de estrita delibação – a plausibilidade jurídica da pretensão deduzida nesta sede processual, especialmente se se considerar o precedente que o Plenário desta Suprema Corte firmou no exame da matéria:
 
“(...) AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA (...). INTERROGATÓRIOS (...). PARTICIPAÇÃO DOS CO-RÉUS. CARÁTER FACULTATIVO. INTIMAÇÃO DOS DEFENSORES NO JUÍZO DEPRECADO.
.......................................................
É legítimo, em face do que dispõe o artigo 188 do CPP, que as defesas dos co-réus participem dos interrogatórios de outros réus.
Deve ser franqueada à defesa de cada réu a oportunidade de participação no interrogatório dos demais co-réus, evitando-se a coincidência de datas, mas a cada um cabe decidir sobre a conveniência de comparecer ou não à audiência (...).” 
(AP 470-AgR/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - grifei)
 
Ninguém ignora a importância de que se reveste, em sede de persecução penal, o interrogatório judicial, cuja natureza jurídica permite qualificá-lo, notadamente após o advento da Lei nº 10.792/2003, como ato de defesa (ADA PELLEGRINI GRINOVER, “O interrogatório como meio de defesa (Lei 10.792/2003)”, “in” Revista Brasileira de Ciências Criminais nº 53/185-200; GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Código de Processo Penal Comentado”, p. 387, item n. 3, 6ª ed., 2007, RT; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 174, 21ª ed., 2004, Saraiva; DIRCEU A. D. CINTRA JR., “Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisdicional”, coordenação: ALBERTO SILVA FRANCO e RUI STOCO, p. 1.821, 2ª ed., 2004, RT; FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO,
“Processo Penal”, vol. 3/269-273, item n. 1, 28ª ed., 2006, Saraiva, v.g.), ainda que passível de consideração, embora em plano secundário, como fonte de prova, em face dos elementos de informação que dele emergem.
 
Essa particular qualificação jurídica do interrogatório judicial, ainda que nele se veja um ato simultaneamente de defesa e de prova (JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 510, item n. 185.1, 11ª ed., 2007, Atlas, v.g.), justifica o reconhecimento de que se revela possível, no plano da persecutio criminis in judicio, “(...) que as defesas dos co-réus participem dos interrogatórios de outros réus (...)” (AP 470-AgR/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Pleno – grifei).
 
Esse entendimento que o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou no precedente referido reflete-se, por igual, no magistério da doutrina, como resulta claro da lição de EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA (“Curso de Processo Penal”, p. 29, item n. 3.1.4, 9ª ed., 2008, Lumen Juris):
 
“Embora ainda haja defensores da idéia de que a ampla defesa vem a ser apenas o outro lado ou a outra medida do contraditório, é bem de ver que semelhante argumentação peca até mesmo pela base.
É que, da perspectiva da teoria do processo, o contraditório não pode ir além da ‘garantia de participação’, isto é, a garantia de a parte poder impugnar - no processo penal, sobretudo a defesa - toda e qualquer alegação contrária a seu interesse, sem,
todavia, maiores indagações acerca da concreta efetividade com que se exerce aludida impugnação.
E, exatamente por isso, não temos dúvidas em ver incluído, no princípio da ampla defesa, o direito à participação da defesa técnica - do advogado - de co-réu durante o interrogatório de ‘todos os acusados’. Isso porque, em tese, é perfeitamente
possível a colisão de interesses entre os réus, o que, por si só, justificaria a participação do defensor daquele co-réu sobre quem recaiam acusações por parte de outro, por ocasião do interrogatório. A ampla defesa e o contraditório exigem, portanto, a participação dos defensores de co-réus no interrogatório de ‘todos os acusados’.” (grifei)
 
Esse mesmo entendimento, por sua vez, é perfilhado por ANTONIO SCARANCE FERNANDES (“Prova e sucedâneos da prova no processo penal”, “in” Revista Brasileira de Ciências Criminais nº 66, p. 224, item n. 12.2):
 
“(...) Ressalta-se que, em virtude de recente reforma do Código, o advogado do co-réu tem direito a participar do interrogatório e formular perguntas.” (grifei)
 
Igual percepção do tema é revelada por AURY LOPES JR (“Direito Processual e sua Conformidade Constitucional”, vol. I/603-605, item n. 2.3, 2007, Lumen Juris):
 
“No que tange à disciplina processual do ato, cumpre destacar que - havendo dois ou mais réus - deverão eles ser interrogados separadamente, como exige o art. 191 do CPP. Aqui existe uma questão muito relevante e que não tem obtido o devido tratamento
por parte de alguns juízes, até pela dificuldade de compreensão do alcance do contraditório inserido nesse ato, por força da Lei nº 10.792/2003, que alterou os arts. 185 a 196 do CPP.
Até essa modificação legislativa, o interrogatório era um ato pessoal do juiz, não submetido ao contraditório, pois não havia qualquer intervenção da defesa ou acusação.
Agora a situação é radicalmente distinta. Tanto a defesa como a acusação podem formular perguntas ao final. Isso é manifestação do contraditório.
Nessa linha, discute-se a possibilidade de a defesa do co-réu fazer perguntas no interrogatório. Pensamos que, principalmente se as teses defensivas forem colidentes, deve o juiz permitir o contraditório pleno, com o defensor do outro co-réu (também)formulando perguntas ao final. Ou seja, deve o juiz admitir que o defensor do interrogando formule suas perguntas ao final, mas também deve permitir que o advogado do(s) outro(s) co-réu(s) o faça. Contribui para essa exigência o fato de que à palavra do co-réu é dado, pela maioria da jurisprudência, o valor probatório similar ao de prova testemunhal.” (grifei)
 
Observo, finalmente, que essa orientação vem de ser reafirmada em recentíssimo julgamento emanado da colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, que, ao decidir o HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, reiterou o entendimento de que cada litisconsorte penal passivo tem o direito, fundado em cláusulas constitucionais (CF, art. 5º, incisos LIV e LV), de formular  reperguntas aos demais co-réus, que, no entanto, não  estão  obrigados a respondê-las, em face da prerrogativa contra a auto-incriminação, de que também são titulares.
 
As razões que venho de expor, como ora salientado nesta decisão, convencem-me da absoluta plausibilidade jurídica de que se acha impregnada a pretensão deduzida pelos ilustres impetrantes, notadamente porque referida postulação tem integral suporte em precedentes firmados por esta Suprema Corte (AP 470-AgR/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
 
Concorre, por igual, o requisito concernente ao “periculum in mora”, que foi adequadamente demonstrado na presente impetração (fls. 27/28).
 
Sendo assim, em face das razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, até final julgamento da presente ação de “habeas corpus”, o andamento do Processo-crime nº 2006.81.00.009709-1, ora em tramitação perante a 11ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Ceará.
 
Comunique-se, com urgência, encaminhando-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 93.125/CE), ao E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região (HC nº 2007.05.00.057218-1) e ao Senhor Juiz da 11ª Vara Federal da Seção Judiciária
do
Estado do Ceará (Processo nº 2006.81.00.009709-1).
 
2. Ouça-se a douta Procuradoria-Geral da República.
 
Publique-se.
 
Brasília, 24 de outubro de 2008.
 
 
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
 
 
 
 
 
Legislação
LEG-FED   CF       ANO-1988
          ART-00005 INC-00054 INC-00055
          CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
LEG-FED   DEL-003689      ANO-1941
          ART-00185 ART-00186 ART-00187 ART-00188
          ART-00189 ART-00190 ART-00191 ART-00192
          ART-00193 ART-00194 ART-00195 ART-00196
          REDAÇÃO DADA PELA LEI-10792/2003
          CPP-1941 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-INT   PCT      ANO-1966
          ART-00014
          PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS, ONU
LEG-INT   CVC      ANO-1969
          ART-00008
          PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA
          CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS ASSINADA EM
          SÃO JOSÉ DA COSTA RICA, OEA
LEG-FED   LEI-010792      ANO-2003
          LEI ORDINÁRIA
LEG-FED   DLG-000226      ANO-1991
          APROVA O PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E
          POLÍTICOS, ONU
          DECRETO LEGISLATIVO
LEG-FED   DLG-000027      ANO-1992
          APROVA A CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS
          ASSINADA EM SÃO JOSÉ DA COSTA RICA, OEA
          DECRETO LEGISLATIVO
LEG-FED   DEC-000592      ANO-1992
          PROMULGA O PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E
          POLÍTICOS, ONU
          DECRETO
LEG-FED   DEC-000678      ANO-1992
          PROMULGA A CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS
          ASSINADA EM SÃO JOSÉ DA COSTA RICA, OEA
          DECRETO
LEG-FED   SUM-000691
          SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF
Observação
Legislação feita por:(EAN).
fim do documento

Nenhum comentário: