quinta-feira, 7 de junho de 2012

Segurança é uma questão de sobrevivência

Prezados amigos, 

é com grande prazer que lhes encaminho o novo texto publicado em minha coluna no Portal DefesaNet, como sempre na intenção de envolver cada vez mais a sociedade nos assuntos da Segurança e da Defesa Nacional. 

Espero que gostem! 

Grande abraço,

Fernanda


Defesa em Debate - Segurança: a que exportamos é a mesma que temos?
Coluna da Fernanda Corrêa que analisa as ações


A DEFESA EM DEBATE

Nam et ipsa scientia potestas est
Segurança: a que exportamos é a mesma que temos?


Fernanda Corrêa
Historiadora, estrategista e pesquisadora do
Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.
fernanda.das.gracas@hotmail.com

De acordo com a Política de Defesa Nacional de 2005, segurança é uma sensação, é um estado de espírito. Isso significa que a sociedade só se sente insegura diante da ameaça. Por o Brasil viver um longo período sem se envolver diretamente em conflitos armados, o brasileiro tem a sensação de que está seguro em seu território. Se o brasileiro se sente seguro dentro de sua delimitação territorial, maiores investimentos em defesa se tornam desnecessários, a medida que há outras prioridades, como educação, saúde, previdência entre outras. Esse conceito que o Estado brasileiro assumiu foi baseado no conceito adotado pela ONU.

O crescimento econômico e a maior participação política do Brasil em fóruns e organizações internacionais ampliam as suas responsabilidades sociais no mundo. Isso significa que, cada vez mais, o Brasil será convidado para liderar operações de paz e humanitárias contribuindo com a (re)construção da segurança e da paz mundial. Assim, foram criados no Brasil centros de operações de paz no âmbito das Forças Armadas e, em muitos casos, com a participação ativa da sociedade, por intermédio das universidades e instituições de pesquisa, a fim de criar um modelo doutrinário para as Forças Armadas e um modelo de segurança do qual o Brasil se orgulha desempenhar. Apesar de haver algumas restrições jurídicas quanto a permanência destas operações, é a decisão política que demonstra o empenho do Brasil na consolidação da ordem e na (re)construção da segurança e da paz mundial.

O Haiti se tornou um divisor de águas na demonstração internacional deste empenho brasileiro, a medida que, por decisão política, o Brasil, mesmo bem depois da catástrofe natural que destruiu parte do país, manteve as operações logísticas e estratégicas militares e promoveu o desenvolvimento na região, no qual, em parceria com o Governo haitiano, estudou e viabilizou projetos de saneamento básico, construção de escolas e hospitais e, junto com o Exército e empresas brasileiras estão construindo uma hidrelétrica no Haiti. Com o terremoto, 4.300 criminosos presos pelas operações lideradas pelas tropas brasileiras fugiram da penitenciária nacional. Apesar de já haver os planos para iniciar a retirada das tropas militares da ONU do Haiti, por decisão política do Governo brasileiro, após o terremoto, os militares brasileiro permaneceram, mais militares voluntários chegaram ao país, auxiliaram os haitianos na sua reconstrução e formularam novas estratégias para recuperar os criminosos haitianos. Já em 2011, contabiliza-se que, por decisão política brasileira, 13.323 militares voluntários de todas as Forças Armadas brasileiras participaram das operações de paz no Haiti. Não há dúvida de que esta decisão foi uma clara demonstração de empenho político em contribuir com a segurança e a paz mundial.

O reconhecimento maior deste empenho brasileiro foi realizado pelos próprios haitiano quando, em abril de 2007, antes mesmo da catástrofe natural, aproximadamente 20 mil haitianosfizeram uma marcha pela paz,  cantaram e dançaram, ao som de um trio elétrico e de uma banda escolar o hino haitiano e a Canção do Exército brasileiro. Aos gritos pelas ruas, os haitiano gritavam “Brasil, Brasil", comemorando pelas ruas da capital Porto Príncipe, a pacificação da área caracterizada pela ONU como a mais crítica e violenta do Haiti, o bairro de Cité Soleil.

Perguntas: será que podemos aplicar o conceito de segurança e o modelo doutrinário que se adotou nas operações de paz, na própria sociedade brasileira? Será que é possível estabelecermos simetrias e convergências entre o conceito de segurança aplicado a nível internacional, nacional e local?

Alguns especialistas podem dizer que não; pois, os atores no sistema internacional são diferentes dos atores a níveis nacional e local. Será? Respondendo a pergunta retórica, fundamento que o tráfico de drogas, por exemplo, já foi reconhecido pela ONU, por sustentar o sistema financeiro internacional. Além disso, as grandes associações internacionais do tráfico de armas são financiadas pelo tráfico de drogas. A droga que é plantada na Colômbia, por exemplo, atravessa as fronteiras sul americanas, são ambientadas e refinadas em bases secretas no seio da floresta amazônica, transportadas em minisubmarinos, navios, barcos, aviões ao longo dos rios e céus amazônicos, são industrializadas nos grandes centros urbanos, comercializadas por traficantes nas favelas e em áreas imunes às atenções policiais e consumidas nos interiores dos lares de famílias brasileiras. Reforço: será mesmo que o modelo de segurança internacional não pode ser equiparado ou aplicado em níveis nacional ou local?

Parece que o Governo brasileiro e setores do Ministério da Defesa têm compreendido a importância de tratar o tráfico de drogas como um problema político e não apenas social. Contudo, o uso das Forças Armadas no interior do território nacional e no combate ao narcotráfico apresenta limitações jurídicas e constitucionais. Combater o tráfico de drogas é um papel juridicamente das instituições policiais, no entanto, por o narcotráfico estar provocando uma desestabilização política, econômica e social no País, torna-se imperativo que haja uma revisão conceitual no modelo de segurança vigente. Se entende-se que segurança é uma sensação, de fato, o combate ao tráfico de drogas é um problema social. Cabe a sociedade julgar se o tráfico de drogas é uma ameaça ou não. Porém, é preciso aprofundar este debate para que a sociedade também compreenda que, ao permitir que seus filhos façam uso livre das drogas em seus lares, está contribuindo com o financiamento do tráfico de drogas, de armas e do terrorismo internacional. A sociedade também precisa saber que os gastos que poderiam estar sendo feitos na construção de mais escolas e universidades, está sendo reorientado para a construção de mais clínicas e hospitais de reabilitação das drogas, de sistemas de vigilância e monitoramento de segurança, mais clínicas de assistência social às famílias de drogados, aumento do número de profissionais, do efetivo policial e militar e a mobilização de policiais e guarda municipais para áreas críticas e mais presídios.

O crack, pelo rápido efeito maléfico que provoca ao usuário, foi a única droga que gerou uma política de Estado; no entanto, os danos altamente maléficos das outras drogas também provocam degeneração na sociedade, estagna o seu progresso e demanda o aumento de cada vez mais a coleta de impostos para que os governos estaduais consigam remediar os danos que as drogas provocam na sociedade. Por isso, a importância de envolver a sociedade neste debate, esclarecendo os prós e os contra tanto na descriminalização do usuário quanto na própria liberação do uso das drogas. Como visto, o tráfico de drogas degenera a sociedade e desestabiliza a política e a economia do País.

Em 2007, taxa de homicídio no Brasil era de 25,4 mortes por cada cem mil habitantes. O Rio de janeiro se posicionava em quarto lugar no ranking nacional na taxa de mortes por homicídios, perdendo, respectivamente, para Alagoas, Espírito Santo e Pernambuco. Em 2008, a Secretaria Estadual de Segurança Pública do Rio de Janeiro lançou e implantou o sistema de policiamento comunitário chamado Unidade de Polícia Pacificadora, no qual o conceito adotado promove a parceria da população com as instituições de segurança pública, recuperando territórios perdidos para o tráfico e proporcionando inclusão social aos moradores das áreas carentes. Ao menos, em teoria, é assim que funciona.

Em 2010, se anunciou o pedido do Governador Sérgio Cabral de apoio das Forças Armadas aos então presidente Luis Inácio Lula da Silva e o ministro da Defesa Nelson Jobim na estratégia de contra ataque a onda de violência que se instalou no Rio de Janeiro. Jobim anunciou prontamente o envio de 800 militares do Exército para auxiliar os trabalhos das operações de segurança na cidade, dois helicópteros da Força Aérea e 10 blindados de transporte da Marinha. Duas questões importantes ressaltadas na época e que possuem um caráter estratégico na reconceituação do modelo de segurança: o apoio tanto da Força Aérea quanto da Marinha nas operações de retomada dos territórios ocupados até então pelo tráfico se configurou no apoio logístico. Além disso, foi extremamente ressaltado pelas autoridades militares e políticas que os militares que estavam atuando junto as forças de segurança pública eram militares experientes, inclusive, com atuação no Haiti.

Essas manifestações demonstram claramente que as Forças Armadas possuem sistemas de armas que as forças de segurança pública não possuem, que apenas uma ínfima parte dos militares possuem treinamento e experiência no combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas, que houve uma mudança na formação educacional policial e militar e na mentalidade jurídica de magistrados tanto na repressão ao tráfico quanto na punição do traficante, que a sociedade apoia e incentiva a parceria das Forças Armadas com as forças de segurança pública no combate ao crime organizado e que o conceito de segurança até então adotado pelo Estado brasileiro não deve ser mais utilizado pelo Governo para medir o índice de violência e criminalidade na sociedade.

Apesar da taxa de criminalidade no Rio, por exemplo, segundo dados de instituições de pesquisa do Governo, ter diminuído, não significou que os cariocas se sintam mais seguros. Por, historicamente, o Estado brasileiro exercer a função de repressor, desconsiderando os motivos que levam as pessoas a cometer os crimes, o sistema penal não abre espaço para ressocializar os transgressores das leis, o que torna o problema ainda mais grave, cíclico e ainda mais distante de ser solucionado. Dados de instituições de pesquisa de 2011 apontam que a população carcerária no Brasil se duplicou em dez anos, saindo de 233 mil, em 2000, para 496 mil presos, em 2010, o que representa um salto de 113%. Justamente pelo caráter repressor do Estado brasileiro, desconsiderando políticas sociais e educativas, em especial, nas áreas mais carentes, antes e após o sentenciamento do crime é que o número de presos aumenta cada vez mais.

O papel do judiciário é assegurar a ordem, garantir a lei e punir os seus transgressores. Não há dúvida de que o Governo deva considerar um equilíbrio de força, vontade e razão na aplicação da lei, mas, é extremamente necessário que as punições aos transgressores não se limitem exclusivamente às suas prisões. Caso seja da vontade do transgressor sentenciado, ele deve ser assistido por políticas sócio educativas durante o período que estiver preso e ser incluído em políticas sociais relacionadas à inserção no mercado de trabalho e investimento em educação quando for liberado da prisão. E, de forma geral, para todos os transgressores das leis, se soltos e houver reincidência, as repressões e punições devem ser aumentadas.   

Se o número de presos aumenta cada vez mais na sociedade significa que a democracia está comprometida. Isso só reforça a importância de envolver a sociedade cada vez mais no debate da segurança e da defesa; pois, estas operações de pacificação, com o apoio das Forças Armadas, ao vislumbrar a sociedade com ações de retomada de territórios e tornar a sociedade partícipe destes processos, tornou ainda mais claro e evidente que o crime organizado e o tráfico de drogas não se limitam ao traficante e ao usuário; mas sim, a uma rede internacionalizada, organizada, complexa, dinâmica e sistêmica, na qual políticos, policiais, militares, mídias, mercenários, banqueiros, empresários entre outros, se sustentam do dinheiro colhido do tráfico de drogas.

As pesquisas apontam que tanto a sensação de insegurança quanto a desconfiança da sociedade em relação às forças policiais são maiores de acordo com o nível de escolaridade das pessoas entrevistadas. Isto significa que, quanto mais educada, esclarecida e conscientizada é a sociedade, mais apoio as instituições policiais e militares poderão ter, se a lei for garantida e a ordem estabelecida, não tendo mais, estas instituições ter que se submeter as vontades e interesses de políticos e depender das oscilações da economia nacional e internacional.   

O modelo de policiamento comunitário do Rio de Janeiro já está sendo adotado em outros estados, como a Unidade Paraná Seguro, implantada nos bairros Uberaba e Parolin, no Paraná, em 2012. Importante ressaltar o destaque atribuído a estas unidades: que a adoção deste modelo de policiamento comunitário foi uma iniciativa do Governo estadual, que as áreas críticas são as dominadas pelo tráfico de drogas e que a retomada não contou com o apoio das Forças Armadas.

Dos aproximadamente 191 milhões de brasileiros, de acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas da ONU de 2008, cerca de 870 mil brasileiros são usuários de cocaína, ficando atrás apenas dos estadunidenses, com cerca de seis milhões de consumidores. A conclusão que se pode chegar com este texto é que a reorientação conceitual da segurança torna-se imperativa e urgente no Brasil. Ao invés de sensação, segurança é uma questão de sobrevivência. E no sentido claro do realismo, em nome da sobrevivência do Estado brasileiro todos os esforços devem ser maximizados. Se o tráfico de drogas rompeu as fronteiras dos Estados e está subjugando a vida em sociedade, degenerando e ceifando vidas brasileiras, é a força que garantirá a retomada da ordem e assegurará o progresso nacional e, por isso, o tráfico de drogas é um problema também da segurança e da defesa nacional.

Disponível em:  http://www.defesanet.com.br/defesa/noticia/6335/Defesa-em-Debate---Seguranca---a-que-exportamos-e-a-mesma-que-temos.

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