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segunda-feira, 28 de abril de 2025

STJ RESP Nº 1.539.056 PROVIDO DIREITO DO CONSUMIDOR - DEFESA DO CONSUMIDOR E DA ORDEM PÚBLICA DEVER DE REPARAR OS DANOS MORAIS E MATERIAIS Contratos de Consumo

STJ  - Responsabilidade solidária do loteador , e do Município, no ressarcimento dos danos morais e materiais individuais dos consumidores lesados e dos danos morais coletivos. 

MUITOS LOTEADORES VENDERAM TERRENOS SEM FAZER AS OBRAS PÚBLICAS DE INFRAESTRUTURA URBANA EXIGIDAS NA LEI DE LOTEAMENTOS LEI 6.766/79 

MUITOS CRIARAM "FALSOS CONDOMÍNIOS" E "ASSOCIAÇÕES CIVIS"  PARA TRANSFERIR ILEGALMENTE ADQUIRENTES OS CUSTOS DAS OBRAS DE  PAVIMENTAÇÃO DAS RUAS PÚBLICAS INSTALAÇÃO DE LUZ,  AGUA, ESGOTO, GÁS

TUDO ISSO É CRIME E GERA O DEVER DE REPARAR OS DANOS MATERIAIS E MORAIS INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Confira: 

Tema: Loteamento irregular, dano moral coletivo e responsabilidade civil

Análise do REsp 1.539.056/MG

I – Introdução


Este estudo  trata da responsabilidade civil decorrente da prática de loteamento irregular e da publicidade enganosa na alienação de terrenos urbanos, com fundamento no julgamento do Recurso Especial nº 1.539.056/MG, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, julgado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).


II – Fundamentação


1. Da configuração do loteamento irregular


O STJ reconheceu que a alienação de lotes urbanos em desconformidade com o ordenamento urbanístico municipal, com ou sem o registro do memorial de loteamento  no cartório de Registro de Imóveis competente viola gravemente o interesse público na ordenação da cidade e na proteção do meio ambiente, conforme previsto:

No art. 225 da Constituição Federal (meio ambiente ecologicamente equilibrado);

Na Lei nº 6.766/1979 (parcelamento do solo urbano).

O parcelamento irregular vulnera direitos coletivos, prejudicando a coletividade, afetando a infraestrutura urbana, o acesso a saneamento básico, saúde, segurança e moradia digna.


2. Da publicidade enganosa e o direito do consumidor


Os réus promoveram a venda dos terrenos com publicidade falsa, induzindo consumidores de baixa renda a erro sobre a regularidade do loteamento, violando:


Art. 37, §1º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) – vedação da publicidade enganosa;


Art. 66 e 67 do CDC – criminalização da oferta e da publicidade enganosa.



Configurada prática comercial abusiva, em ofensa direta à boa-fé objetiva e à dignidade da pessoa humana, princípios estruturantes do ordenamento consumerista.


3. Da configuração do dano moral coletivo

O STJ firmou que:

O dano moral coletivo é aferível in re ipsa: ou seja, provado pela mera constatação da conduta ilícita intolerável que ofenda valores ético-jurídicos fundamentais da coletividade;

No exige demonstração de sofrimento individual;

Serve à função punitiva, compensatória e dissuasória.

O loteamento irregular e a publicidade enganosa causaram grave abalo à coletividade, violando direitos fundamentais e gerando a obrigação de reparar o dano moral coletivo.

4. Da quantificação da indenização

O valor da indenização foi fixado em R$ 30.000,00, aplicando o método bifásico:

(1) avaliação do interesse jurídico violado;

(2) ajuste conforme as circunstâncias do caso concreto (dolo, reprovabilidade da conduta, extensão do dano).

A quantia busca desestimular novas condutas ilícitas e reverter, em favor da coletividade, o lucro obtido de forma ilícita.


III – Conclusão

Diante do exposto, firmam-se os seguintes entendimentos:

A venda de lotes em loteamento irregular configura violação grave do ordenamento urbanístico e do meio ambiente equilibrado, gerando responsabilidade civil;

A publicidade enganosa praticada contra consumidores vulneráveis reforça a ilicitude e amplia o dever de reparação;

O dano moral coletivo resta caracterizado pela mera prática do ato ilícito que atinge bens jurídicos fundamentais da coletividade;

A indenização por dano moral coletivo possui função punitivo-pedagógica e foi corretamente fixada pelo STJ no caso analisado.


PRECEDENTES STJ


Os danos morais coletivos configuram-se na própria prática ilícita, dispensam a prova de efetivo dano ou sofrimento da sociedade e se baseiam na responsabilidade de natureza objetiva, a qual dispensa a comprovação de culpa ou de dolo do agente lesivo, o que é justificado pelo fenômeno da socialização e coletivização dos direitos, típicos das lides de massa.


Superior Tribunal de Justiça

Revista Eletrônica de Jurisprudência

RECURSO ESPECIAL Nº 1.539.056 - MG (2015⁄0144640-6) RELATOR :  MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS 

RECORRIDO : LANCASTER LUCIO LIMA

RECORRIDO :  ACI IMÓVEIS LTDA

ADVOGADOS : MARCO AURÉLIO PEREIRA LARA E OUTRO(S) - MG054451

SABRINA DE MELO CARABETTI MG086863 

SORAIA PEREIRA LARA - MG044858N

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. ALIENAÇÃO DE TERRENOS A CONSUMIDORES DE BAIXA RENDA EM LOTEAMENTO IRREGULAR. PUBLICIDADE ENGANOSA. ORDENAMENTO URBANÍSTICO E DEFESA DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. CONCEPÇÃO OBJETIVA DO DANO EXTRAPATRIMONIAL TRANSINDIVIDUAL.


1. O dano moral coletivo caracteriza-se pela prática de conduta antijurídica que, de forma absolutamente injusta e intolerável, viola valores éticos essenciais da sociedade, implicando um dever de reparação, que tem por finalidade prevenir novas condutas antissociais (função dissuasória), punir o comportamento ilícito (função sancionatório-pedagógica) e reverter, em favor da comunidade, o eventual proveito patrimonial obtido pelo ofensor (função compensatória indireta).


2. Tal categoria de dano moral — que não se confunde com a indenização por dano extrapatrimonial decorrente de tutela de direitos individuais homogêneos — é aferível in re ipsa, pois dimana da lesão em si a "interesses essencialmente coletivos" (interesses difusos ou coletivos stricto sensu) que "atinja um alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais" (REsp 1.473.846⁄SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21.02.2017, DJe 24.02.2017), revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo à integridade psicofísica da coletividade.


3. No presente caso, a pretensão reparatória de dano moral coletivo, deduzida pelo Ministério Público estadual na ação civil pública, tem por causas de pedir a alienação de terrenos em loteamento irregular (ante a violação de normas de uso e ocupação do solo) e a veiculação de publicidade enganosa a consumidores de baixa renda, que teriam sido submetidos a condições precárias de moradia.


4. As instâncias ordinárias reconheceram a ilicitude da conduta dos réus, que, utilizando-se de ardil e omitindo informações relevantes para os consumidores⁄adquirentes, anunciaram a venda de terrenos em loteamento irregular — com precárias condições urbanísticas — como se o empreendimento tivesse sido aprovado pela municipalidade e devidamente registrado no cartório imobiliário competente; nada obstante, o pedido de indenização por dano moral coletivo foi julgado improcedente.


5. No afã de resguardar os direitos básicos de informação adequada e de livre escolha dos consumidores — protegendo-os, de forma efetiva, contra métodos desleais e práticas comerciais abusivas —, o CDC procedeu à criminalização das condutas relacionadas à fraude em oferta e à publicidade abusiva ou enganosa (artigos 66 e 67), tipos penais de mera conduta voltados à proteção do valor ético-jurídico encartado no princípio constitucional da dignidade humana, conformador do próprio conceito de Estado Democrático de Direito, que não se coaduna com a permanência de profundas desigualdades, tal como a existente entre o fornecedor e a parte vulnerável no mercado de consumo.


6. Nesse contexto, afigura-se evidente o caráter reprovável da conduta perpetrada pelos réus em detrimento do direito transindividual da coletividade de não ser ludibriada, exposta à oferta fraudulenta ou à publicidade enganosa ou abusiva, motivo pelo qual a condenação ao pagamento de indenização por dano extrapatrimonial coletivo é medida de rigor, a fim de evitar a banalização do ato reprovável e inibir a ocorrência de novas e similares lesões.


7. Outrossim, verifica-se que o comportamento dos demandados também pode ter violado o objeto jurídico protegido pelos tipos penais descritos na Lei 6.766⁄1979 (que dispõe sobre o parcelamento do solo para fins urbanos), qual seja: o respeito ao ordenamento urbanístico e, por conseguinte, a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, valor ético social — intergeracional e fundamental — consagrado pela Constituição de 1988 (artigo 225), que é vulnerado, de forma grave, pela prática do loteamento irregular (ou clandestino).


8. A quantificação do dano moral coletivo reclama o exame das peculiaridades de cada caso concreto, observando-se a relevância do interesse transindividual lesado, a gravidade e a repercussão da lesão, a situação econômica do ofensor, o proveito obtido com a conduta ilícita, o grau da culpa ou do dolo (se presente), a verificação da reincidência e o grau de reprovabilidade social (MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 163-165). O quantum não deve destoar, contudo, dos postulados da equidade e da razoabilidade nem olvidar os fins almejados pelo sistema jurídico com a tutela dos interesses injustamente violados.


9. Suprimidas as circunstâncias específicas da lesão a direitos individuais de conteúdo extrapatrimonial, revela- se possível o emprego do método bifásico para a quantificação do dano moral coletivo a fim de garantir o arbitramento equitativo da quantia indenizatória, valorados o interesse jurídico lesado e as circunstâncias do caso.


10. Recurso especial provido para, reconhecendo o cabimento do dano moral coletivo, arbitrar a indenização em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), com a incidência de juros de mora desde o evento danoso.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

Sustentou oralmente o Dr. MARCOS TOFANI BAER BAHIA, pela parte RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS.

Brasília (DF), 06 de abril de 2021(Data do Julgamento)


MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator


RECURSO ESPECIAL Nº 1.539.056 - MG (2015⁄0144640-6) RELATOR :  MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS RECORRIDO : LANCASTER LUCIO LIMA

RECORRIDO :  ACI IMÓVEIS LTDA

ADVOGADOS : MARCO AURÉLIO PEREIRA LARA E OUTRO(S) - MG054451

SABRINA DE MELO CARABETTI - MG086863 SORAIA PEREIRA LARA - MG044858N


RELATÓRIO


O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

1. Em 14.12.2007, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais ajuizou ação civil pública em face de Lancaster Lúcio Lima e de ACI Imóveis Ltda., postulando a condenação dos réus ao cumprimento de obrigação de não fazer, "consistente na abstenção de proceder, por si ou através da gestão de qualquer pessoa jurídica, a qualquer loteamento ou parcelamento do solo sem prévia autorização do Poder Público Municipal ou em desconformidade com o Plano Diretor de Betim ou a Lei de Uso e Ocupação dos Solos, sob pena de multa diária" (fls. 15-16), e ao pagamento de indenização por danos morais individuais homogêneos e por dano moral coletivo decorrente da violação das normas de uso e ocupação do solo, bem como de contribuição para a degradante favelização da cidade, devendo o quantum debeatur ser fixado em liquidação de sentença.


Na inicial, o parquet aduziu que, a partir de 2002, os réus — aproveitando-se do déficit habitacional, da desordenada ocupação da zona rural e da existência de loteamentos clandestinos — divulgaram, amplamente, no Município de Betim, a venda de imóveis urbanos em um loteamento denominado "Residencial Bela Vista", localizado no Bairro Bandeirinhas, que fazia parte das "Chácaras Reunidas Guaracyaba", informando que o citado condomínio encontrava-se devidamente "legalizado" perante a Prefeitura e registrado no cartório imobiliário competente.


Narrou que vários cidadãos do município, de boa-fé, adquiriram tais imóveis, mediante a celebração de contratos particulares de compromisso de compra e venda, acreditando na regularidade do loteamento.


Consignou que, após a efetivação dos pactos, os adquirentes — a maioria integrante da população de baixa renda

— foram informados de que não era possível o registro dos respectivos bens no cartório imobiliário, pois o loteamento não havia sido aprovado pela prefeitura municipal, nem cumpria as exigências enumeradas na Lei 6.766⁄1979 (Lei de Uso e Ocupação do Solo).


Apontou grave ato de má-fé dos réus, que alienaram áreas rurais, maquiadas como se urbanas fossem, cientes da inviabilidade do registro de módulos artificialmente desmembrados, assim como da inexistência de procedimento administrativo voltado à regularização do loteamento.


Sustentou que, há mais de cinco anos, os compradores dos imóveis buscam, sem êxito, a regularização do "Residencial Bela Vista", encontrando-se, outrossim, "expostos a várias doenças e diversas espécies de epidemias, que são incrementadas pela baixa qualidade de vida gerada pela inexistência de infra-estrutura básica, de responsabilidade dos requeridos" (fl. 5).


Destacou que a defesa do consumidor é princípio constitucional, sobressaindo o dever qualificado do fornecedor de prestar informação correta e precisa acerca do produto disponibilizado ao consumo, notadamente quando destinado à população de baixa renda.


Afirmou que os consumidores do Município de Betim foram expostos, portanto, a uma publicidade enganosa e abusiva, na medida em que colocado à venda um produto diverso do anunciado, que frustrou a expectativa da casa própria dos consumidores, sendo de rigor a reparação dos danos morais individuais e coletivo causados.


Apesar de citados, os demandados não apresentaram contestação (fl. 623).


O magistrado de piso julgou parcialmente procedente a pretensão deduzida pelo Ministério Público estadual, condenando os réus ao pagamento de indenização por dano moral individual homogêneo no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) — a cada uma das pessoas cujo contrato se encontra nos autos —, mas considerando descabida a imposição da obrigação de fazer consistente na abstenção de proceder a qualquer loteamento ou parcelamento do solo sem prévia autorização do Poder Público municipal ou em desconformidade com o Plano Diretor de Betim ou com a Lei de Uso e Ocupação dos Solos, negando também o reconhecimento do dano moral coletivo alegado.


Interposta apelação pelo Parquet, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais negou provimento ao reclamo, em acórdão assim ementado:


APELAÇÃO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER - IMPOSSIBILIDADE - DANOS MORAIS COLETIVOS - INEXISTÊNCIA.

- O pedido de condenação em ação civil pública, requerido pelo Ministério Público, para que os réus sejam condenados na obrigação de não fazer "consistente na abstenção de proceder, por si ou através da gestão de qualquer pessoa jurídica, a qualquer loteamento ou parcelamento do solo sem prévia autorização do Poder Público Municipal ou em desconformidade como Plano Diretor de Betim ou com a Lei de Uso e Ocupação dos Solos", não pode ser deferida, face à inutilidade do provimento pretendido pelo parquet, pois, para que um loteamento seja considerado licito, deverá, inequivocamente, preencher todos os requisitos supra citados, sem os quais será havido por ilegal. Assim, uma eventual decisão judicial nesse sentido, não teria nenhuma eficácia, uma vez que ou se atende às condições previstas no ordenamento jurídico, acarretando a legalidade do ato que criou e implementou o loteamento, ou, se ausentes referidas condições, o ato será ilícito, com as conseqüências previstas na lei.

 

- A vítima de um dano moral é necessariamente uma pessoa, pois não é compatível com o dano moral a idéia da "transindividualidade" (= da indeterminabilidade do sujeito passivo e da indivisibilidade da ofensa e da reparação) da lesão. É que o dano moral envolve, necessariamente, dor, sentimento, lesão psíquica, afetando a parte sensitiva do ser humano, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (REsp 821.891⁄RS).

- Recurso não provido.



Opostos embargos de declaração, foram rejeitados na origem.


Nas razões do especial, fundado na alínea "a" do permissivo constitucional, o Parquet aponta violação dos artigos 535 do CPC de 1973; e 1º, inciso I, da Lei 7.347⁄1985.


Em síntese, sustenta: (i) a negativa de prestação jurisdicional, uma vez não suprida a omissão suscitada nos aclaratórios sobre o cabimento de condenação ao pagamento de dano moral coletivo à luz do disposto no artigo 1º da Lei 7.347⁄1985; e (ii) que o dano moral coletivo tem duplo efeito: "reparar a lesão provocada no meio social em razão do descaso do recorrido no cumprimento das normas ambientais, frustrando a justa expectativa da sociedade de ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à qualidade de vida, e inibir futuras condutas que, movidas pelo intuito do lucro fácil, realizam empreendimentos sem qualquer preocupação com a preservação do meio ambiente" (fl. 766).


O prazo para oferecimento de contrarrazões decorreu in albis.


O apelo extremo recebeu crivo positivo de admissibilidade na origem.


Às fls. 804-808, consta parecer do Ministério Público Federal pugnando pelo provimento do recurso especial, nos termos da seguinte ementa:


RECURSO ESPECIAL. ACP. DANO DECORRENTE DE ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS EM LOTEAMENTO IRREGULAR A INÚMEROS CONSUMIDORES. DANO MORAL COLETIVO. POSSIBILIDADE. PARECER PELO PROVIMENTO DO RECURSO.

1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica- base.

2. Parecer por que seja provido o recurso especial.



É o relatório.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.539.056 - MG (2015⁄0144640-6) RELATOR :  MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS RECORRIDO : LANCASTER LUCIO LIMA

RECORRIDO :  ACI IMÓVEIS LTDA

ADVOGADOS : MARCO AURÉLIO PEREIRA LARA E OUTRO(S) - MG054451

SABRINA DE MELO CARABETTI - MG086863 SORAIA PEREIRA LARA - MG044858N

EMENTA



RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. ALIENAÇÃO DE TERRENOS A CONSUMIDORES DE BAIXA RENDA EM LOTEAMENTO IRREGULAR. PUBLICIDADE ENGANOSA. ORDENAMENTO URBANÍSTICO E DEFESA DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. CONCEPÇÃO OBJETIVA DO DANO EXTRAPATRIMONIAL TRANSINDIVIDUAL.


1. O dano moral coletivo caracteriza-se pela prática de conduta antijurídica que, de forma absolutamente injusta e intolerável, viola valores éticos essenciais da sociedade, implicando um dever de reparação, que tem por finalidade prevenir novas condutas antissociais (função dissuasória), punir o comportamento ilícito (função sancionatório-pedagógica) e reverter, em favor da comunidade, o eventual proveito patrimonial obtido pelo ofensor (função compensatória indireta).


2. Tal categoria de dano moral — que não se confunde com a indenização por dano extrapatrimonial decorrente de tutela de direitos individuais homogêneos — é aferível in re ipsa, pois dimana da lesão em si a "interesses essencialmente coletivos" (interesses difusos ou coletivos stricto sensu) que "atinja um alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo

 

primordial de valores sociais" (REsp 1.473.846⁄SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21.02.2017, DJe 24.02.2017), revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo à integridade psicofísica da coletividade.


3. No presente caso, a pretensão reparatória de dano moral coletivo, deduzida pelo Ministério Público estadual na ação civil pública, tem por causas de pedir a alienação de terrenos em loteamento irregular (ante a violação de normas de uso e ocupação do solo) e a veiculação de publicidade enganosa a consumidores de baixa renda, que teriam sido submetidos a condições precárias de moradia.


4. As instâncias ordinárias reconheceram a ilicitude da conduta dos réus, que, utilizando-se de ardil e omitindo informações relevantes para os consumidores⁄adquirentes, anunciaram a venda de terrenos em loteamento irregular — com precárias condições urbanísticas — como se o empreendimento tivesse sido aprovado pela municipalidade e devidamente registrado no cartório imobiliário competente; nada obstante, o pedido de indenização por dano moral coletivo foi julgado improcedente.


5. No afã de resguardar os direitos básicos de informação adequada e de livre escolha dos consumidores — protegendo-os, de forma efetiva, contra métodos desleais e práticas comerciais abusivas —, o CDC procedeu à criminalização das condutas relacionadas à fraude em oferta e à publicidade abusiva ou enganosa (artigos 66 e 67), tipos penais de mera conduta voltados à proteção do valor ético-jurídico encartado no princípio constitucional da dignidade humana, conformador do próprio conceito de Estado Democrático de Direito, que não se coaduna com a permanência de profundas desigualdades, tal como a existente entre o fornecedor e a parte vulnerável no mercado de consumo.


6. Nesse contexto, afigura-se evidente o caráter reprovável da conduta perpetrada pelos réus em detrimento do direito transindividual da coletividade de não ser ludibriada, exposta à oferta fraudulenta ou à publicidade enganosa ou abusiva, motivo pelo qual a condenação ao pagamento de indenização por dano extrapatrimonial coletivo é medida de rigor, a fim de evitar a banalização do ato reprovável e inibir a ocorrência de novas e similares lesões.


7. Outrossim, verifica-se que o comportamento dos demandados também pode ter violado o objeto jurídico protegido pelos tipos penais descritos na Lei 6.766⁄1979 (que dispõe sobre o parcelamento do solo para fins urbanos), qual seja: o respeito ao ordenamento urbanístico e, por conseguinte, a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, valor ético social — intergeracional e fundamental — consagrado pela Constituição de 1988 (artigo 225), que é vulnerado, de forma grave, pela prática do loteamento irregular (ou clandestino).


8. A quantificação do dano moral coletivo reclama o exame das peculiaridades de cada caso concreto, observando-se a relevância do interesse transindividual lesado, a gravidade e a repercussão da lesão, a situação econômica do ofensor, o proveito obtido com a conduta ilícita, o grau da culpa ou do dolo (se presente), a verificação da reincidência e o grau de reprovabilidade social (MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 163-165). O quantum não deve destoar, contudo, dos postulados da equidade e da razoabilidade nem olvidar os fins almejados pelo sistema jurídico com a tutela dos interesses injustamente violados.


9. Suprimidas as circunstâncias específicas da lesão a direitos individuais de conteúdo extrapatrimonial, revela- se possível o emprego do método bifásico para a quantificação do dano moral coletivo a fim de garantir o arbitramento equitativo da quantia indenizatória, valorados o interesse jurídico lesado e as circunstâncias do caso.


10. Recurso especial provido para, reconhecendo o cabimento do dano moral coletivo, arbitrar a indenização em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), com a incidência de juros de mora desde o evento danoso.




VOTO




O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):




2. Não comporta acolhida a preliminar de negativa de prestação jurisdicional, por ter o Tribunal de origem dirimido as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que tivesse examinado um a um os argumentos expendidos pelas partes.


De fato, basta ao órgão julgador que decline os fundamentos jurídicos que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte, de modo específico, a determinados preceitos legais, conforme pleiteia o ora recorrente.

 

Não há falar, portanto, em violação do artigo 535 do CPC de 1973.


3. A controvérsia principal dos autos está em definir a ocorrência ou não de dano moral coletivo na hipótese de alienação de terrenos a consumidores de baixa renda em loteamento irregular, tendo sido veiculada publicidade enganosa sobre a existência de autorização do órgão público e de registro no cartório de imóveis.


O Tribunal de Justiça mineiro manteve a sentença de parcial procedência da ação civil pública, reconhecendo a publicidade enganosa e o dever de reparação dos danos individuais homogêneos causados aos adquirentes, mas afastando o dano moral coletivo alegado pelo Ministério Público estadual, pelos seguintes fundamentos (fls. 729- 735):


Quanto aos danos morais coletivos, melhor sorte não assiste ao Apelante.

O dano moral pode ser conceituado de maneira simples e precisa como sendo aquele que provoca uma lesão a um direito da personalidade. Assim, o dano moral, independentemente de prejuízo material, fere direitos personalíssimos, isto é, todo e qualquer atributo que individualiza cada pessoa, tal como a liberdade, a honra, dignidade, a vida íntima e privada, além da atividade profissional, a reputação, as manifestações culturais e intelectuais, entre outros.

O dano é ainda considerado moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na órbita de seu patrimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, tristeza ou humilhação à vítima, trazendo-lhe sensações e emoções negativas. É o que se convencionou chamar de dano moral puro.

O Colendo Superior Tribunal de Justiça possui entendimento francamente majoritário, a que se filia este Relator, no sentido de que não ser possível o instituto do dano moral coletivo.

Conforme a fundamentação do REsp 821.891, fica claro que a vítima de um dano moral é necessariamente uma pessoa, pois não parece ser compatível com o dano moral a idéia da "transindividualidade" (= da indeterminabilidade do sujeito passivo e da indivisibilidade da ofensa e da reparação) da lesão. É que o dano moral envolve, necessariamente, dor, sentimento, lesão psíquica, afetando "a parte sensitiva do ser humano, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas" (Clayton Reis, Os Novos Rumos da Indenização do Dano Moral, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 236), "tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado" (Yussef Said Cahali, Dano Moral, 2a ed., São Paulo: RT, 1998, p. 20, apud Clayton Reis, op. cit., p. 237).

[...]

Desta forma, a "ofensa moral sempre se dirige à pessoa enquanto portadora de individualidade própria; de um vultus singular e único.

Os danos morais são ofensas aos direitos da personalidade, assim como o direito à imagem constitui um direito de personalidade, ou seja, àqueles direitos da pessoa sobre ela mesma.

[...] A Constituição Federal, ao consagrar o direito de reparação por dano moral, não deixou margem à dúvida, mostrando-se escorreita sob o aspecto técnico jurídico, ao deixar evidente que esse dever de reparar surge quando descumprido o preceito que assegura o direito de resposta nos casos de calúnia, injúria ou difamação ou quando o sujeito viola a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (art. 5°, incisos V e X), todos estes atributos da personalidade.

Ressuma claro que o dano moral é personalíssimo e somente visualiza a pessoa, enquanto detentora de características e atributos próprios e invioláveis.

Os danos morais dizem respeito ao foro íntimo do lesado, pois os bens morais são inerentes à pessoa, incapazes, por isso, de subsistir sozinhos. Seu patrimônio ideal é marcadamente individual, e seu campo de incidência, o mundo interior de cada um de nós, de modo que desaparece com o próprio indivíduo" (LEITE, José Rubens Morato, Dano Ambiental: do individual ao extrapatrimonial , 1a ed., São Paulo: RT, 2000, p. 300, apud Rui Stoco, op. cit., p. 854). Portanto, não há que se falar em danos morais coletivos, uma vez que, de acordo com o demonstrado acima, o dano moral refere-se, exclusivamente, à pessoa, individualmente considerada, afastando-se, pois a idéia de sua transindividualidade.



Em recurso apenas do Ministério Público, todo o restante, exceto quanto à matéria relacionada ao dano moral coletivo, é incontroverso.


4. Como de sabença, por força do artigo 21 da Lei 7.347⁄85, o Capítulo II do Título III do Código de Defesa do Consumidor e a Lei das Ações Civis Públicas formam, em conjunto, o "núcleo duro" do microssistema de tutela jurisdicional coletiva dos direitos ou interesses metaindividuais (ou coletivos lato sensu).


Nessa perspectiva, qualquer um dos legitimados enumerados no CDC (artigo 82) e na Lei 7.347⁄1985 (artigo 5º) pode ajuizar ação coletiva em defesa dos direitos dos consumidores; do meio ambiente; da ordem urbanística ou econômica; da criança e do adolescente; do idoso; do portador de deficiência; de bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; do patrimônio público ou social; da honra e da dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos; ou de qualquer outro interesse coletivo lato sensu (difuso, coletivo stricto sensu ou individual homogêneo).


A lesão a qualquer interesse metaindividual implica o dever de reparação efetiva dos danos causados, independentemente de serem eles materiais e⁄ou morais, individuais ou coletivos (stricto sensu) e⁄ou difusos, ex vi do disposto nos artigos 6º do CDC, 1º da Lei 7.347⁄1985 e 944 do Código Civil, in verbis:

 

Código de Defesa do Consumidor

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados.

[...]


Lei 7.347⁄1985

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por

danos morais e patrimoniais causados:

I - ao meio-ambiente;

II - ao consumidor;

III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;

V - por infração da ordem econômica;

VI - à ordem urbanística;

VII – à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos;

VIII – ao patrimônio público e social.

Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.


Código Civil

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.



O artigo 944 do Codex Civil foi objeto do Enunciado 456 da V Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal, segundo o qual a expressão "dano" abrange não só os danos individuais (materiais ou imateriais), "mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas".


5. O dano moral transindividual — conhecido como "dano moral coletivo" — caracteriza-se pela prática de conduta antijurídica que, de forma absolutamente injusta e intolerável, viola valores éticos essenciais da sociedade, implicando um dever de reparação, que tem por escopo prevenir novas condutas antissociais (função dissuasória), punir o comportamento ilícito (função sancionatório-pedagógica) e reverter, em favor da comunidade, o eventual proveito patrimonial obtido pelo ofensor (função compensatória indireta).


Consoante bem assinala Leonardo Roscoe Bessa, tal categoria de dano moral — que não se confunde com a indenização por dano extrapatrimonial decorrente de tutela de direitos individuais homogêneos — dimana da lesão em si a "interesses essencialmente coletivos" (interesses difusos ou coletivos stricto sensu), independentemente de qualquer afetação ou abalo à integridade psicofísica da coletividade, aproximando-se da perspectiva própria do direito penal, cujo escopo preventivo-repressivo exsurge da aferição de ofensa inaceitável a bem jurídico socialmente relevante, o que, "invariavelmente, dispensa resultado naturalístico, daí a distinção entre crimes material, formal e de mera conduta, bem como se falar em crime de perigo" (BESSA, Leonardo Roscoe. Código de Defesa do Consumidor comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 78).


No mesmo diapasão, destaca-se excerto doutrinário no sentido de que a caracterização do dano extrapatrimonial coletivo — quando da ocorrência de injusta lesão a valores jurídicos fundamentais próprios das coletividades — prescinde da constatação de efeitos negativos concretos advindos da conduta ilícita:


É acertado dizer que certas condutas antijurídicas atingem injustamente interesses de relevância social titularizados por certas coletividades, de maneira suficiente a produzir a reação do sistema jurídico quanto à repressão e sancionamento de tais atos.

Saliente-se, por oportuno, que, mesmo não detendo personalidade - nos moldes clássicos concebidos pela teoria do Direito -, as coletividades de pessoas possuem valores e um patrimônio ideal que gozam de proteção no âmbito do sistema jurídico.

[...]

É o que se verifica, por exemplo, conforme antes externado, em relação ao direito à preservação do meio ambiente sadio, à conservação do patrimônio histórico e cultural, à garantia da moralidade pública, ao equilíbrio e equidade nas relações de consumo, à transparência e à honestidade nas manifestações publicitárias, à justiça e boa-fé nas relações de trabalho, à não-discriminação das minorias, ao respeito às diferenças de gênero, raça e religião, à consideração e proteção aos grupos de pessoas portadoras de deficiência, de crianças e adolescentes e de idosos.

Esses destacados interesses, protegidos pelo ordenamento jurídico, inegavelmente, inserem-se na órbita dos valores extrapatrimoniais reconhecidos a uma coletividade. E, sendo assim, qualquer lesão injusta a eles

 

infligida, dada a sua induvidosa relevância social, faz desencadear a reação do ordenamento jurídico, no plano da responsabilização, mediante a forma específica de reparação do dano observado.

[...]

Afirma-se, então, que o reconhecimento do dano moral coletivo e da imperiosidade da sua adequada reparação traduz a mais importante vertente evolutiva, na atualidade, do sistema de responsabilidade civil, em seus contínuos desdobramentos, a significar a extensão do dano a uma órbita coletiva de direitos, de essência tipicamente extrapatrimonial, não subordinada à esfera subjetiva do sofrimento ou da dor individual. São direitos que traduzem valores jurídicos fundamentais da coletividade e que refletem, no horizonte social, o largo alcance da dignidade dos seus membros.

[...]

Resta evidente, com efeito, que, toda vez em que se vislumbrar o ferimento a interesse não-patrimonial, do qual titular uma determinada coletividade (em maior ou menor extensão), configurar-se-á dano passível de reparação, sob a forma adequada a esta realidade jurídica peculiar aos direitos transindividuais, que se traduz em uma condenação pecuniária arbitrada judicialmente, reversível a um fundo específico, com o objetivo de reconstituição dos bens lesados, [...].

É bem verdade, anote-se, que, nesses casos de danos coletivos, não se pode ignorar a recorrente presença de efeitos negativos que o ato lesivo porventura venha a produzir, em relação a determinadas coletividades de pessoas atingidas, apreendidos em dimensão subjetiva, como a repulsa, o abalo psíquico ou a consternação, entre outras reações.

Todavia, é de absoluta importância ressaltar que a caracterização do dano moral coletivo não se vincula nem se condiciona diretamente à observação ou demonstração efetiva de tais efeitos negativos, visto que constituem eles, quando perceptíveis coletivamente, mera consequência do dano produzido pela conduta do agente, não se apresentando, evidentemente, como pressuposto para a sua configuração.

[...]

[...] reafirma-se, a compreensão do dano moral coletivo não se conjuga diretamente com a ideia de demonstração de elementos como perturbação, aflição ou transtorno coletivo. Firma-se, sim, objetivamente, dizendo respeito ao fato que reflete uma violação intolerável de direitos coletivos e difusos, cuja essência é tipicamente extrapatrimonial. Essa violação, não podendo ser tolerada em uma sistema de justiça social ínsito ao regime democrático, rendeu ensejo à previsão, no ordenamento jurídico, do meio e da forma necessários e adequados a proporcionar uma reparação devida, de maneira a sancionar o ofensor e inibir condutas ofensivas a tais direitos transindividuais, pela relevância social da sua proteção.

Nessa linha de raciocínio, faz-se imperioso salientar que o dano decorrente da conduta antijurídica, que lesa a esfera de interesses da coletividade, deve apresentar-se com real significância, ou seja, de maneira a afetar inescusável e intoleravelmente valores e interesses coletivos fundamentais. (MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 127⁄131)



O dano moral coletivo pode advir, outrossim, da "identificação ou visualização de um padrão de conduta da parte, com evidente potencial lesivo à coletividade, em um universo de afetação difusa", conforme explica o supracitado autor:


[...] ainda que, em determinado caso concreto, apenas imediatamente se observe que a conduta ilícita afete, de forma direta, somente uma ou mesmo pouca pessoas, nestas situações importa volver-se o olhar para a conduta do ofensor, como um standard comportamental, verificando-se que, a princípio vista apenas sob o ângulo individual, a violação perpetrada enseja repercussão coletiva, exatamente por atingir, indistintamente, bens e valores de toda uma coletividade de pessoas.

Assim, uma conduta eivada de grave ilicitude, a demonstrar uma linha de procedimento adotado de molde a ser reproduzido, independente do número de pessoas atingidas pela lesão, concretamente, em certo período, insere-se em um plano muito mais abrangente de alcance jurídico, a exigir necessária consideração para efeito de proteção e sancionamento, no âmbito da tutela de natureza coletiva.

É equivocado, portanto, nesta seara, valer-se de critério míope pautado simplesmente na verificação do quantitativo de pessoas atingidas, de maneira imediata, para eventual caracterização do dano moral coletivo e sua reparação. Posta-se, em realce, em tais hipóteses, que o sujeito passivo da violação é a coletividade, de maneira a ensejar a reparação devida pela prática da conduta ilícita. (MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Op. Cit., p. 131)



Nesse quadro, sobressai a concepção objetiva do dano moral coletivo, cuja configuração decorre da "observação direta de lesão intolerável a direitos transindividuais titularizados por uma determinada coletividade", dispensada a verificação de "qualquer elemento referido a efeitos negativos, próprios da esfera da subjetividade, que venham a ser eventualmente apreendidos no plano coletivo (sentimento de desapreço; diminuição da estima; sensação de desvalor, de repulsa, de inferioridade, de menosprezo, etc.)" (MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Op. cit., p. 136).


Tal categoria de dano moral é aferível, portanto, in re ipsa, ou seja, reclama a mera apuração de uma conduta ilícita que, de maneira injusta e intolerável, viole valor ético-jurídico fundamental da sociedade, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral.

 

Nesse sentido é a orientação firmada em inúmeros precedentes desta Corte:


RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. IMPOSSIBILIDADE.

1. O dano moral coletivo é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera constatação da prática de conduta ilícita que, de maneira injusta e intolerável, viole direitos de conteúdo extrapatrimonial da coletividade, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral. Precedentes.

2. Independentemente do número de pessoas concretamente atingidas pela lesão em certo período, o dano moral coletivo deve ser ignóbil e significativo, afetando de forma inescusável e intolerável os valores e interesses coletivos fundamentais.

[...]

5. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1.610.821⁄RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 15.12.2020, DJe 26.02.2021)


RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO E PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE. RESPONSABILIDADE CIVIL DA EMISSORA DE TELEVISÃO. EXIBIÇÃO DE FILME EM HORÁRIO DIVERSO DAQUELE RECOMENDADO PELA CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA. AUSÊNCIA DE OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA (ADI N. 2.404⁄DF). DANOS MORAIS COLETIVOS POR ABUSO DE DIREITO. POSSIBILIDADE, EM TESE. HIPÓTESE NÃO VERIFICADA NO CASO DOS AUTOS. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

[...]

4. O dano moral coletivo se dá in re ipsa, contudo, sua configuração somente ocorrerá quando a conduta antijurídica afetar, intoleravelmente, os valores e interesses coletivos fundamentais, mediante conduta maculada de grave lesão, para que o instituto não seja tratado de forma trivial, notadamente em decorrência da sua repercussão social.

5. É possível, em tese, a condenação da emissora de televisão ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, quando, ao exibir determinada programação fora do horário recomendado, verificar-se uma conduta que afronte gravemente os valores e interesse coletivos fundamentais.

6. A conduta perpetrada pela ré no caso vertente, a despeito de ser irregular, não foi capaz de abalar, de forma intolerável, a tranquilidade social dos telespectadores, de modo que não está configurado o ato ilícito indenizável.

7. Recurso especial desprovido. (REsp 1.840.463⁄SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 19.11.2019, DJe 03.12.2019)


ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS DECORRENTES DE TRANSPORTE DE CARGAS COM EXCESSO DE PESO EM RODOVIAS FEDERAIS. RESPONSABILIDADE CONFIGURADA. INDEPENDÊNCIA DE INSTÂNCIAS. DEVER DE REPARAR OS DANOS. FIXAÇÃO DE ASTREINTES EM CASO DE REINCIDÊNCIA NA PRÁTICA. ACÓRDÃO EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ.

[...]

XXI - O dano moral coletivo, compreendido como o resultado de lesão à esfera extrapatrimonial de determinada comunidade, dá-se quando a conduta agride, de modo ilegal ou intolerável, os valores normativos fundamentais da sociedade em si considerada, a provocar repulsa e indignação na consciência coletiva (arts. 1º da Lei n. 7.347⁄1985, 6º, VI, do CDC e 944 do CC, bem como Enunciado n. 456 da V Jornada de Direito Civil).

XXII - Entenda-se o dano moral coletivo como o de natureza transindividual que atinge classe específica ou não de pessoas. É passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem, a sentimento e à moral coletiva dos indivíduos como síntese das individualidades envolvidas, a partir de uma mesma relação jurídica-base. "O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos" (REsp n. 1.410.698⁄MG, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 30⁄6⁄2015).

XXIII - O dano moral extrapatrimonial atinge direitos de personalidade do grupo ou coletividade como realidade massificada, que a cada dia reclama mais soluções jurídicas para sua proteção. Isso não importa exigir da coletividade "dor, repulsa, indignação tal qual fosse um indivíduo isolado, pois a avaliação que se faz é simplesmente objetiva, e não personalizada, tal qual no manuseio judicial da boa-fé objetiva. Na noção inclui-se tanto o dano moral coletivo indivisível (por ofensa a interesses difusos e coletivos de uma comunidade) como o divisível (por afronta a interesses individuais homogêneos)" (REsp n. 1.574.350⁄SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3⁄10⁄2017, DJe 6⁄3⁄2019). Nesse sentido também o precedente desta Segunda Turma: REsp n. 1.057.274, Segunda Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, Dje 26⁄2⁄2010. [...]

XXIX - Recurso especial provido. (REsp 1.637.910⁄RN, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 03.09.2019, DJe 09.09.2019)


RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. COBRANÇA DE TARIFAS BANCÁRIAS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. FASES DA AÇÃO COLETIVA. SENTENÇA GENÉRICA. AÇÃO INDIVIDUAL DE CUMPRIMENTO. ALTA CARGA COGNITIVA. DEFINIÇÃO. QUANTUM DEBEATUR. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. RELEVÂNCIA E TRANSCENDÊNCIA. EXISTÊNCIA. COISA JULGADA. EFEITOS E EFICÁCIA. LIMITES. TERRITÓRIO NACIONAL. PRAZO PRESCRICIONAL. DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL. SÚMULA 284⁄STF. DANO MORAL COLETIVO. VALORES

 

FUNDAMENTAIS. LESÃO INJUSTA E INTOLERÁVEL. INOCORRÊNCIA. AFASTAMENTO. ASTREINTES. REVISÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7⁄STJ.

[...]

12. O dano moral coletivo é categoria autônoma de dano que não se identifica com os tradicionais atributos da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico), mas com a violação injusta e intolerável de valores fundamentais titularizados pela coletividade (grupos, classes ou categorias de pessoas). Tem a função de: a) proporcionar uma reparação indireta à lesão de um direito extrapatrimonial da coletividade; b) sancionar o ofensor; e c) inibir condutas ofensivas a esses direitos transindividuais.

13. Se, por um lado, o dano moral coletivo não está relacionado a atributos da pessoa humana e se configura in re ipsa, dispensando a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral, de outro, somente ficará caracterizado se ocorrer uma lesão a valores fundamentais da sociedade e se essa vulneração ocorrer de forma injusta e intolerável.

[...]

16. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (REsp 1.502.967⁄RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 07.08.2018, DJe 14.08.2018)


Assim, ressoa inequívoco que não basta a contrariedade à lei ou ao contrato para a caracterização do dano moral coletivo, mas sim a prática de conduta que "atinja um alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais" (REsp 1.473.846⁄SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21.02.2017, DJe 24.02.2017).

Desse modo, independentemente do número de pessoas concretamente atingidas pela lesão em certo período, o dano decorrente da conduta antijurídica deve ser ignóbil e significativo, afetando de forma inescusável e intolerável os valores e interesses coletivos fundamentais.


6. No presente caso, a pretensão reparatória de dano moral coletivo — deduzida pelo Ministério Público estadual na ação civil pública — tem por causas de pedir a alienação de terrenos em loteamento irregular (ante a violação de normas de uso e de ocupação do solo) e a veiculação de publicidade enganosa a consumidores de baixa renda, que teriam sido submetidos a condições precárias de moradia.


As instâncias ordinárias reconheceram a ilicitude da conduta dos réus que, utilizando-se de ardil e omitindo informações relevantes para os consumidores⁄adquirentes, anunciaram a venda de terrenos em loteamento irregular — com precárias condições urbanísticas — como se o empreendimento tivesse sido aprovado pela municipalidade e devidamente registrado no cartório imobiliário competente; nada obstante, o pedido de indenização por dano moral coletivo foi julgado improcedente.


Malgrado a argumentação do Parquet se concentre no caráter ambiental do dano — sob a perspectiva da defesa da ordem urbanística —, não se pode olvidar que a relevância da transparência nas relações de consumo, observado o princípio da boa-fé objetiva e o necessário equilíbrio entre consumidores e fornecedores, reclama a inibição e repressão dos objetivos mal disfarçados de esperteza, lucro fácil e imposição de prejuízo à parte vulnerável.


No afã de resguardar os direitos básicos de informação adequada e de livre escolha dos consumidores — protegendo-os, de forma efetiva, contra métodos desleais e práticas comerciais abusivas —, é que o Código de Defesa do Consumidor procedeu à criminalização das condutas relacionadas à fraude em oferta e à publicidade abusiva ou enganosa. Confira-se:


Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:

Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.

§ 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.

§ 2º Se o crime é culposo;

Pena. Detenção de um a seis meses ou multa.


Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva: Pena Detenção de três meses a um ano e multa.


Os objetos jurídicos tutelados pelas citadas normas penais compreendem, como dito acima, os direitos de livre escolha e de informação adequada dos consumidores, cuja higidez da manifestação de vontade deve ser assegurada, de modo a atender o valor ético-jurídico encartado no princípio constitucional da dignidade humana, conformador do próprio conceito de Estado Democrático de Direito, que não se coaduna com a permanência de profundas desigualdades, tal como a existente entre o fornecedor e a parte vulnerável no mercado de consumo.


Ambos os crimes são de mera conduta, não reclamando a consumação do resultado lesivo — efetivo comprometimento da manifestação da vontade do consumidor —, do que se extrai, a meu ver, a evidente intolerabilidade da lesão ao direito transindividual da coletividade ludibriada, não informada adequadamente ou exposta à oferta fraudulenta ou à publicidade enganosa ou abusiva.

 

Nessa linha de entendimento, há julgados das Turmas de Direito Privado que, em hipóteses de publicidade enganosa ou abusiva, consideraram existente dano moral coletivo por lesão intolerável a valor ético-jurídico primordial da sociedade encartado nos direitos básicos de informação adequada (e clara) e de livre escolha do consumidor. Veja-se:


RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO MORAL COLETIVO - DIVULGAÇÃO DE PUBLICIDADE ILÍCITA  -  INDENIZAÇÃO  - SENTENÇA QUE ACOLHEU  O  PEDIDO  INICIAL  DO  MPDFT  FIXANDO  A REPARAÇÃO EM R$ 14.000.000,00 (QUATORZE MILHÕES DE REAIS) E DETERMINOU A ELABORAÇÃO DE CONTRAPROPAGANDA, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA - INCONFORMISMOS DAS RÉS - APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA PARA REDUZIR O QUANTUM INDENIZATÓRIO  E  EXCLUIR  DA  CONDENAÇÃO OBRIGAÇÃO  DE  FAZER CONTRAPROPAGANDA,  BEM  COMO  A  MULTA  MONITÓRIA PARA A HIPÓTESE DE DESCUMPRIMENTO. IRRESIGNAÇÃO DAS RÉS - OGILVY BRASIL COMUNICAÇÃO LTDA. E DA SOUZA CRUZ  S⁄A  - E DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS.

1. DO RECURSO ESPECIAL DA OGILVY BRASIL COMUNICAÇÃO LTDA. [...]

1.4. Os fatos que ensejaram a presente demanda ocorreram anteriormente à edição e vigência da Lei n° 10.167⁄2000 que proibiu, de forma definitiva, propaganda de cigarro por rádio e televisão. Com efeito, quando da veiculação da propaganda vigorava a Lei n° 9.294⁄96, cuja redação original restringia entre 21h00 e 06h00 a publicidade do produto. O texto legal prescrevia, ainda, que a publicidade deveria ser ajustada a princípios básicos, não podendo, portanto, ser dirigida a crianças ou adolescentes nem conter a informação ou sugestão de que o produto pudesse trazer bem-estar ou benefício à saúde dos seus consumidores. Isso consta dos incisos II e VI do § 1º, art. 3º da referida lei.

1.5. O direito de informação está fundamentado em outros dois direitos, um de natureza fundamental, qual seja, a dignidade da pessoa humana, e outro, de cunho consumerista, que é o direito de escolha consciente. Dessa forma, a teor dos artigos 9º e 31 do CDC, todo consumidor deve ser informado de forma "ostensiva e adequadamente a respeito da nocividade ou periculosidade do produto".

1.5.1. A teor dos artigos 36 e 37 do CDC, nítida a ilicitude da propaganda veiculada. A uma, porque feriu o princípio da identificação da publicidade. A duas, porque revelou-se enganosa, induzindo o consumidor a erro porquanto se adotasse a conduta indicada pela publicidade, independente das conseqüências, teria condições de obter sucesso em sua vida.

[...]

1.5.3. Em razão da inexistência de uma mensagem clara, direta que pudesse conferir ao consumidor a sua identificação imediata (no momento da exposição) e fácil (sem esforço ou capacitação técnica), reputa-se que a publicidade ora em debate, de fato, malferiu a redação do art 36, do CDC e, portanto, cabível e devida a reparação dos danos morais coletivos.

[...]

4. Recurso especial da OGILVY Brasil Comunicação Ltda e da Souza Cruz S⁄A parcialmente providos e desprovido o recurso especial do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. (REsp 1.101.949⁄DF, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 10.05.2016, DJe 30.05.2016)


RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS MORAIS COLETIVOS CAUSADOS AOS CONSUMIDORES DE CUIABÁ. INFIDELIDADE DE BANDEIRA. FRAUDE EM OFERTA OU PUBLICIDADE ENGANOSA PRATICADAS POR REVENDEDOR DE COMBUSTÍVEL.

1. O dano moral coletivo é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera constatação da prática de conduta ilícita que, de maneira injusta e intolerável, viole direitos de conteúdo extrapatrimonial da coletividade, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral.

2. No caso concreto, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso ajuizou ação civil pública em face de revendedor de combustível automotivo, que, em 21.01.2004, fora autuado pela Agência Nacional de Petróleo, pela prática da conduta denominada "infidelidade de bandeira", ou seja, o ato de ostentar marca comercial de uma distribuidora (Petrobrás - BR) e, não obstante, adquirir e revender produtos de outras (artigo 11 da Portaria ANP 116⁄2000), o que se revelou incontroverso na origem.

3. Deveras, a conduta ilícita perpetrada pelo réu não se resumiu à infração administrativa de conteúdo meramente técnico sem amparo em qualquer valor jurídico fundamental. Ao ostentar a marca de uma distribuidora e comercializar combustível adquirido de outra, o revendedor expôs todos os consumidores à prática comercial ilícita expressamente combatida pelo código consumerista, consoante se infere dos seus artigos 30, 31 e 37, que versam sobre a oferta e a publicidade enganosa.

4. A relevância da transparência nas relações de consumo, observados o princípio da boa-fé objetiva e o necessário equilíbrio entre consumidores e fornecedores, reclama a inibição e a repressão dos objetivos mal disfarçados de esperteza, lucro fácil e imposição de prejuízo à parte vulnerável.

5. Assim, no afã de resguardar os direitos básicos de informação adequada e de livre escolha dos consumidores, protegendo-os, de forma efetiva, contra métodos desleais e práticas comerciais abusivas, é que o Código de Defesa do Consumidor procedeu à criminalização das condutas relacionadas à fraude em oferta e à publicidade abusiva ou enganosa (artigos 66 e 67).

6. Os objetos jurídicos tutelados em ambos os crimes (de publicidade enganosa ou abusiva e de fraude em oferta) são os direitos do consumidor, de livre escolha e de informação adequada, considerada a relevância social da garantia do respeito aos princípios da confiança, da boa-fé, da transparência e da equidade nas relações consumeristas. Importante destacar, outrossim, que a tipicidade das condutas não reclama a efetiva indução do consumidor em erro, donde se extrai a evidente intolerabilidade da lesão ao

 

direito transindividual da coletividade ludibriada, não informada adequadamente ou exposta à oferta fraudulenta ou à publicidade enganosa ou abusiva.

7. Nesse contexto, a infidelidade de bandeira constitui prática comercial intolerável, consubstanciando, além de infração administrativa, conduta tipificada como crime à luz do código consumerista (entre outros), motivo pelo qual a condenação do ofensor ao pagamento de indenização por dano extrapatrimonial coletivo é medida de rigor, a fim de evitar a banalização do ato reprovável e inibir a ocorrência de novas lesões à coletividade.

[...]

11. Recurso especial parcialmente provido para, reconhecendo o cabimento do dano moral coletivo, arbitrar a indenização em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), com a incidência de juros de mora, pela Taxa Selic, desde o evento danoso. (REsp 1.487.046⁄MT, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 28.03.2017, DJe 16.05.2017)


RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO VERIFICAÇÃO. PUBLICIDADE ABUSIVA. ART. 37, § 2º, DO CDC. TEMA MORALMENTE SENSÍVEL. DANO MORAL COLETIVO. LESÃO EXTRAPATRIMONIAL. VALORES ESSENCIAIS DA SOCIEDADE. HIPÓTESE CONCRETA. OCORRÊNCIA.

1. Ação coletiva de consumo por meio da qual se questiona a abusividade de publicidade que trata de tema moralmente sensível e na qual se pede seja vedada a veiculação da propaganda objurgada e compensados danos morais coletivos.

[...]

3. O propósito recursal consiste em determinar se: a) ocorreu negativa de prestação jurisdicional; e b) se, na hipótese concreta, a veiculação da publicidade considerada abusiva é capaz de configurar dano moral coletivo. [...]

5. Os danos morais coletivos configuram-se na própria prática ilícita, dispensam a prova de efetivo dano ou sofrimento da sociedade e se baseiam na responsabilidade de natureza objetiva, a qual dispensa a comprovação de culpa ou de dolo do agente lesivo, o que é justificado pelo fenômeno da socialização e coletivização dos direitos, típicos das lides de massa.

6. Ademais, os danos morais coletivos têm como função a repressão e a prevenção à prática de condutas lesivas à sociedade, além de representarem uma forma de reverter a vantagem econômica obtida individualmente pelo causador do dano em benefício de toda a coletividade.

7. A publicidade questionada reproduz o seguinte diálogo: "- Posso trazer meu namorado para dormir em casa, passar a noite fazendo sexo selvagem e acordando a vizinhança toda? - Claro filhote! - Aí paizão, valeu! Sabia que cê ia deixar. - Ufa! Achei que ele ia me pedir o carro!".

8. Na hipótese concreta, tendo o acórdão recorrido reconhecido a reprovabilidade do conteúdo da publicidade, considerando-a abusiva, não poderia ter deixado de condenar a recorrida a ressarcir danos morais coletivos, sob pena de tornar inepta a proteção jurídica à indevida lesão de interesses transindividuais, deixando de aplicar a função preventiva e pedagógica típica de referidos danos e permitindo a apropriação individual de vantagens decorrentes da lesão de interesses sociais.

9. Recurso especial parcialmente provido. Sentença reestabelecida. (REsp 1.655.731⁄SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14.05.2019, DJe 16.05.2019)


RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. REJEITADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTENTE. SEGURANÇA ALIMENTAR. PREOCUPAÇÃO MUNDIAL COM A ALIMENTAÇÃO ADEQUADA, SAUDÁVEL, DE FORMA PERMANENTE E SUSTENTÁVEL. SISTEMA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. EXPOSIÇÃO A VENDA DE PRODUTOS DETERIORADOS EM REDE DE SUPERMERCADOS. PUBLICIDADE ENGANOSA. SOBREPOSIÇÃO DE ETIQUETAS COM ALTERAÇÃO DA DATA DE VALIDADE DO PRODUTO. QUEBRA DA CONFIANÇA DA COLETIVIDADE DE CONSUMIDORES. VÍCIOS E DEFEITOS. DANOS MORAIS COLETIVOS. CONFIGURADOS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. MANTIDO. REFORMATIO IN PEJUS. INEXISTENTE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA.

[...]

2. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público em face de sociedade empresária que atua na rede de supermercados, em razão da venda de produtos alimentícios com prazo de validade expirado, deteriorados e com sobreposição de etiquetas a enganar a data de perecimento, na qual requer o pagamento de compensação por danos morais coletivos.

3. O propósito recursal consiste em dizer: i) da negativa de prestação jurisdicional; ii) do cerceamento de defesa;

iii) da configuração de danos morais coletivos e do correspondente valor de seu arbitramento; iv) da reformatio in pejus decorrente da modificação em grau recursal da correção monetária e dos juros de mora fixados em sentença.

[...]

6. A proteção da comida é uma responsabilidade compartilhada mundialmente. No plano internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU) consagrou a relevante missão para o Desenvolvimento Sustentável de alcançar a segurança alimentar. O Brasil adotou como política de Estado o respeito à soberania alimentar e a garantia do direito humano à alimentação adequada, inclusive com a criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

7. O Código de Defesa do Consumidor é enfático ao estabelecer que os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, obrigando os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito (art. 8º).

8. Os danos morais coletivos configuram-se na própria prática ilícita, dispensam a prova de efetivo dano ou sofrimento da sociedade e se baseiam na responsabilidade de natureza objetiva, a qual dispensa a comprovação de culpa ou de dolo do agente lesivo, o que é justificado pelo fenômeno da socialização e coletivização dos direitos, típicos das lides de massa.

9. O consumidor que se dirige ao supermercado tem a justa e natural expectativa de encontrar à disposição produtos alimentícios livres de vícios de qualidade que coloquem sua saúde em risco. Presume-se socialmente que o produto é considerado próprio ao consumo, levando em consideração a qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos expostos à venda.

10. Na hipótese, as condutas ilícitas da recorrente, efetivadas em não apenas uma loja específica, mas como aparente política de venda comum em sua rede de supermercados, são indiscutivelmente causadoras de danos morais coletivos.

11. A publicidade comercial da recorrente inseria informações enganosas do preço dos produtos e anunciava mercadorias que sequer existiam nas suas prateleiras para venda, tudo para atrair o maior número de consumidores, que eram ludibriados pelas condições supostamente favoráveis do fornecedor.

12. Está evidenciada a total quebra de confiança na relação com o consumidor, porque a sobreposição de etiquetas, para falsamente postergar data de vencimento de produtos, e a exposição a venda de alimentos sabidamente deteriorados constituem grave e odiosa ofensa à garantia da segurança alimentar de todos que confiaram na qualidade da comida que compraram.

13. Reconhecida a máxima gravidade da conduta ilícita praticada, mantém-se o valor arbitrado pelas instâncias ordinárias de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) a título de danos morais coletivos.

[...]

RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (REsp 1.799.346⁄SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 03.12.2019, DJe 13.12.2019)


RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROPAGANDA ENGANOSA. VEÍCULO AUTOMOTOR. INTRODUÇÃO NO MERCADO NACIONAL. DIFUSÃO DE INFORMAÇÕES EQUIVOCADAS. ITENS DE SÉRIE. MODELO BÁSICO. LANÇAMENTO FUTURO. DANO MORAL DIFUSO. CONFIGURAÇÃO. REEXAME DA MATÉRIA. REVOLVIMENTO DE PROVAS E FATOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7⁄STJ.

[...]

5. O sistema de tutela da publicidade trazido pelo Código de Defesa do Consumidor encontra-se assentado em uma série de princípios norteadores que se propõem a direcionar e limitar o uso das técnicas de publicidade, evitando, assim, a exposição do público consumidor a eventos potencialmente lesivos aos direitos tutelados pelo referido diploma legal. Dentre estes princípios, merecem destaque, os da identificação obrigatória, da publicidade veraz, da vinculação contratual e da correção do desvio publicitário.

6. O acervo probatório carreado nos autos (que não pode ser objeto de reexame na via especial por força do que dispõe a Súmula nº 7⁄STJ) apontou para a existência de ação deliberada da fabricante com o propósito de levar a erro a imprensa especializada e, consequentemente, o público consumidor, ao repassar a veículos de comunicação especializados a respeito da indústria automotiva, a falsa informação de que a versão mais básica do automóvel Hyundai i30, seria comercializado no país contendo determinados itens de série que, mais tarde, se fizeram presentes apenas em versões mais luxuosas do referido veículo.

7. Impossível negar o intuito de ludibriar o consumidor, no comportamento adotado por empresa revendedora de automóveis que, meses antes do lançamento de determinado modelo no mercado nacional, inunda a imprensa especializada com informações falsas a respeito do mesmo, de modo a criar no imaginário popular a falsa impressão de que seria infinitamente superior aos veículos de mesma categoria oferecidos por suas concorrentes.

8. O dano moral difuso, compreendido como o resultado de uma lesão a bens e valores jurídicos extrapatrimoniais inerentes a toda a coletividade, de forma indivisível, se dá quando a conduta lesiva agride, de modo injusto e intolerável, o ordenamento jurídico e os valores éticos fundamentais da sociedade em si considerada, a provocar repulsa e indignação na própria consciência coletiva. A obrigação de promover a reparação desse tipo de dano encontra respaldo nos arts. 1º da Lei nº 7.347⁄1985 e 6º, VI, do CDC, bem como no art. 944 do CC.

9. A hipótese em apreço revela nível de reprovabilidade que justifica a imposição da condenação tal e qual já determinada pelas instâncias de origem. Além disso, a revisão das conclusões do acórdão ora hostilizado encontra, também nesse ponto específico, intransponível óbice na inteligência da Súmula nº 7⁄STJ.

10. Recurso especial não provido. (REsp 1.546.170⁄SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 18.02.2020, DJe 05.03.2020)


Sob a mesma ótica, destaca-se precedente da Segunda Turma — da relatoria do eminente Ministro Herman Benjamin —, firmado por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.828.620⁄RO, segundo o qual "enganar o consumidor ou dele abusar vai muito além de dissabor irrelevante ou aborrecimento desprezível, de natural conduta cotidiana, aceitável na vida em sociedade", por configurar prática flagrantemente antiética e ilegal que não poupa "nem pobres nem vulneráveis, nem analfabetos nem enfermos".


O referido acórdão recebeu a seguinte ementa:


PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA POR ASSOCIAÇÃO DE CONSUMIDORES. DIREITO A INFORMAÇÃO. PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA. VENDA A CRÉDITO DE

 

VEÍCULOS SEM A DEVIDA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES AOS CONSUMIDORES. ARTS. 37, 38 E 52, CAPUT, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. JUROS EMBUTIDOS. PUBLICIDADE ENGANOSA. OCORRÊNCIA. DANO MORAL COLETIVO DE CONSUMO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM SINTONIA COM O ENTENDIMENTO DO STJ.

[...]

3. O direito de não ser enganado antecede o próprio nascimento do Direito do Consumidor, daí sua centralidade no microssistema do CDC. A oferta, publicitária ou não, deve conter não só informações verídicas, como também não ocultar ou embaralhar as essenciais. Sobre produto ou serviço oferecido, ao fornecedor é lícito dizer o que quiser, para quem quiser, quando e onde desejar e da forma que lhe aprouver, desde que não engane, ora afirmando, ora omitindo (= publicidade enganosa), e, em paralelo, não ataque, direta ou indiretamente, valores caros ao Estado Social de Direito, p. ex., dignidade humana, saúde e segurança, proteção especial de sujeitos e grupos vulneráveis, sustentabilidade ecológica, aparência física das pessoas, igualdade de gênero, raça, origem, crença, orientação sexual (= publicidade abusiva).

[...]

6. O dano moral coletivo encarna lesão a bens imateriais de grupo de pessoas, determinado ou não, causada por afronta a valores ético-jurídicos primordiais da sociedade, entre os quais se incluem dignidade humana, paz e tranquilidade sociais, tratamento isonômico, respeito à diversidade, boa-fé nas relações jurídicas, probidade administrativa e cuidado com o patrimônio público, integridade do processo eleitoral, conservação das bases ecológicas da vida, verdade na produção e veiculação de informações.

7. Não se trata de dano hipotético ou fictício, pois reconhecido pelo ordenamento jurídico. Equivocado afastá-lo em reação à força retórica da crítica fácil à banalização e indústria do dano moral. Se trivialidade ou massificação ocorre, é no desrespeito a direitos básicos dos consumidores pelos agentes econômicos privados - sem falar do próprio Estado. Permissividade e tolerância que, historicamente, se apelidaram de ousadia empreendedora, exatamente o tipo de "normalidade" que identifica o capitalismo selvagem e predatório, sem ética nem freio - a antítese da verdadeira economia de mercado -, patologias que levaram precisamente à edição do CDC.

8. Nenhum instituto jurídico se acha imune a desvirtuamento. Eventuais excessos no uso de indenização por danos morais, coletivos ou não, e de outros remédios legais ou jurisprudenciais destinados a coibir e reparar atentados a direitos estatuídos, por um lado haverão de sofrer rígida disciplina judicial e, por outro, certamente empalidecem diante de abusos cotidianos nas práticas comerciais, que não poupam nem pobres nem vulneráveis, nem analfabetos nem enfermos.

9. Enganar o consumidor ou dele abusar vai muito além de dissabor irrelevante ou aborrecimento desprezível, de natural conduta cotidiana, aceitável na vida em sociedade. Reagir judicialmente contra o engano e o abuso na relação de consumo não revela faniquito exaltado ou mimimi ético, mas sim corresponde a acreditar em direitos conferidos pelo legislador - por meio de norma cogente de ordem pública e interesse social - e a judicializá-los quando desrespeitados.

[...]

12. Assim, o acórdão recorrido está alinhado à jurisprudência do STJ no sentido do cabimento de indenização por dano moral coletivo em Ação Civil Pública, sobretudo quando há clara violação do direito de informação previsto no CDC, diante de oferta e anúncios publicitários, não se exigindo, para tanto, dolo ou culpa na conduta, consoante a índole do microssistema. [...]

13. Recursos Especiais não providos. (REsp 1.828.620⁄RO, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 03.12.2019, DJe 05.10.2020)


7. No caso dos autos, as instâncias ordinárias reconheceram que os réus veicularam publicidade (ou oferta) enganosa direcionada a consumidores de baixa renda, que, sequiosos da concretização do "sonho da casa própria", celebraram negócios jurídicos para aquisição de terrenos em loteamento cuja irregularidade foi dissimulada e apenas descoberta por ocasião da tentativa de registro da compra no cartório imobiliário, após a quitação dos preços pactuados.


Nesse contexto, penso que se revela inequívoco o caráter ignóbil da conduta perpetrada pelos réus, tipificada como crime à luz do código consumerista, motivo pelo qual a condenação ao pagamento de indenização por dano extrapatrimonial coletivo é medida de rigor, a fim de evitar a banalização do ato reprovável e inibir a ocorrência de novas e similares lesões à coletividade.


Outrossim, penso que não é apenas à luz do CDC que se observa a configuração de dano moral transindividual inaceitável causado pelos recorridos.


Com efeito, a Lei 6.766⁄1979 — que dispõe sobre o parcelamento do solo para fins urbanos — tipifica, em seus artigos 50 e 51, como crimes contra a administração pública, sujeitos a pena de reclusão de um a quatro anos, os atos de:


Art. 50. [...]

I - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios;

II - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem observância das determinações constantes do ato administrativo de licença;

 

III - fazer ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.

[...]

Parágrafo único - O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido.

I - por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no Registro de Imóveis competente.

II - com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado ou desmembrado, ressalvado o disposto no art. 18, §§ 4º e 5º, desta Lei, ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não constituir crime mais grave.

Pena: Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País.


Os tipos legais (notadamente os contidos nos incisos I e II do caput do artigo 50) consubstanciam crimes de mera conduta, tendo por objeto jurídico o respeito ao ordenamento urbanístico e, por conseguinte, a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, valor ético social — intergeracional e fundamental — consagrado pela Constituição de 1988 (artigo 225), que é vulnerado, de forma grave, pela prática do loteamento irregular (ou clandestino), consoante destaca importante lição de José Afonso da Silva:

O loteamento clandestino constitui, ainda, uma das pragas mais daninhas do urbanismo brasileiro. Loteadores parcelam terrenos de que, não raros, não têm título de domínio, por isso não conseguem a aprovação de plano, quando se dignam apresentá-lo à prefeitura, pois, o comum é que sequer se preocupem com essa providência, que é onerosa, inclusive porque demanda a transferência de áreas de logradouros públicos e outras ao domínio público. Feito o loteamento, nessas condições, põem-se os lotes à venda, geralmente para pessoas de rendas modestas, que, de uma hora para outra, perdem seu terreno e a casa que nele ergueram, também clandestinamente, porque não tinham documentos que lhes permitissem obter a competente licença para edificar no lote.

Praticam-se dois crimes de uma vez, um aos adquirentes de lotes, e outro, aos princípios urbanísticos, porque tais loteamentos não recebem o mínimo de urbanificação que convenha ao traçado geral da cidade. Tais loteadores não são urbanificadores, mas especuladores inescrupulosos que carecem de corretivos drásticos. Eles criam áreas habitadas, praticamente sem serem habitáveis, por falta de condicionamento urbanístico, as quais se transformam num quisto urbano de difícil solução, dada a questão social que neles geralmente se envolvem. (SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros. 2006. p. 344)


Entre os transtornos causados pela ocupação irregular do solo, pode-se enumerar "a desarticulação do sistema viário, dificultando o acesso de ônibus, ambulâncias, viaturas policiais e caminhões de coleta de lixo; a formação de bairros sujeitos a erosão e alagamentos, assoreamento dos rios, lagos e mares; a ausência de espaços públicos para implantação de equipamentos de saúde, educação, lazer e segurança; o comprometimento dos mananciais de abastecimento de água e do lençol freático; as ligações clandestinas de energia elétrica, resultando em riscos de acidentes e incêndios; a expansão horizontal excessiva da malha urbana, ocasionando elevados ônus para o orçamento público" (PINTO, Victor Carvalho. Ocupação irregular do solo urbano: o papel da legislação federal. Brasília: Senado Federal, Consultoria Legislativa, 2003, p. 3).


O relevante interesse público inserto na defesa da ordenação urbana conducente a uma cidade ecologicamente equilibrada tornou-se ainda mais evidente com a pandemia (ou sindemia) da covid-19, cuja disseminação acelerada nas metrópoles brasileiras não pode ser imputada a fatores meramente biológicos, mas também a aspectos sociais desfavoráveis ensejadores de uma maior vulnerabilidade e desigualdade socioeconômica, tais quais as moradias precárias da população de baixa renda, que, além de contar com espaço diminuto para famílias numerosas, sofre, muitas vezes, com a falta de abastecimento de água potável e de um sistema de esgoto eficiente, entre outros serviços de saneamento básico.

Consequentemente, a meu ver, sendo clara a ofensa ao mínimo existencial da coletividade prejudicada pelo loteamento irregular — assim como a publicidade enganosa efetuada em detrimento dos consumidores —, tal conduta configura lesão intolerável a valor essencial da sociedade, o que torna a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais coletivos plenamente viável.

Mutatis mutandis, transcreve-se a ementa de acórdão da Segunda Turma que, no bojo de ação civil pública ajuizada em face do espólio do loteador e do Município, considerou cabida a indenização por dano moral coletivo:


PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ORDEM URBANÍSTICA. LOTEAMENTO RURAL CLANDESTINO. ILEGALIDADES E IRREGULARIDADES DEMONSTRADAS. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL. DANO AO MEIO AMBIENTE CONFIGURADO. DANO MORAL COLETIVO.

 

1. Recurso especial em que se discute a ocorrência de dano moral coletivo em razão de dano ambiental decorrente de parcelamento irregular do solo urbanístico, que, além de invadir Área de Preservação Ambiental Permanente, submeteu os moradores da região a condições precárias de sobrevivência.

2. Hipótese em que o Tribunal de origem determinou as medidas específicas para reparar e prevenir os danos ambientais, mediante a regularização do loteamento, mas negou provimento ao pedido de ressarcimento de dano moral coletivo.

3. A reparação ambiental deve ser plena. A condenação a recuperar a área danificada não afasta o dever de indenizar, alcançando o dano moral coletivo e o dano residual. Nesse sentido: REsp 1.180.078⁄MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 28⁄02⁄2012.

4. "O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica- base. (...) O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos" (REsp 1.057.274⁄RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01⁄12⁄2009, DJe 26⁄02⁄2010.).

5. No caso, o dano moral coletivo surge diretamente da ofensa ao direito ao meio ambiente equilibrado. Em determinadas hipóteses, reconhece-se que o dano moral decorre da simples violação do bem jurídico tutelado, sendo configurado pela ofensa aos valores da pessoa humana. Prescinde-se, no caso, da dor ou padecimento (que são consequência ou resultado da violação). Nesse sentido: REsp 1.245.550⁄MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 16⁄04⁄2015.

Recurso especial provido. (REsp 1.410.698⁄MG, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 23.06.2015, DJe 30.06.2015)


8. Destarte, a meu juízo, uma vez reconhecido o cabimento do dano extrapatrimonial coletivo no caso concreto, incumbe a esta Corte quantificá-lo, aplicando o direito à espécie, ex vi do disposto no artigo 257 do RISTJ.

Na inicial, o Ministério Público pleiteou que as indenizações por danos morais individuais homogêneos e por dano moral coletivo fossem arbitradas na fase de liquidação de sentença.

A magistrada de piso, ao julgar procedente a pretensão reparatória apenas dos danos morais individuais, fixou-os em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada um dos onze compradores apontados nos autos do processo.

De fato, a reparação adequada do dano moral coletivo deve refletir sua função sancionatória e pedagógica, desestimulando o ofensor a repetir a falta, sem constituir, de outro lado, um ônus financeiro capaz de inviabilizar a continuidade da atividade empresarial exercida pelo fornecedor (à época, corretor de imóveis).

É importante ressaltar, ademais, que a quantificação do dano moral coletivo reclama o exame das peculiaridades de cada caso concreto, observando-se a relevância do interesse transindividual lesado, a gravidade e a repercussão da lesão, a situação econômica do ofensor, o proveito obtido com a conduta ilícita, o grau da culpa ou do dolo (se presente), a verificação da reincidência e o grau de reprovabilidade social (MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Op. cit., p. 163-165). O quantum não deve destoar, contudo, dos postulados da equidade e da razoabilidade nem olvidar os fins almejados pelo sistema jurídico com a tutela dos interesses injustamente violados.

Em se tratando de dano moral individual, esta Quarta Turma, quando do julgamento do Recurso Especial 1.473.393⁄SP — de minha relatoria —, adotou o mesmo entendimento da Terceira, no sentido da utilização de método bifásico para garantir o arbitramento equitativo da quantia indenizatória, valorados o interesse jurídico lesado e as circunstâncias do caso. Assim:

Na primeira fase, arbitra-se o valor básico ou inicial da indenização, considerando-se o interesse jurídico lesado, em conformidade com os precedentes jurisprudenciais acerca da matéria (grupo de casos). Assegura-se, com isso, uma exigência da justiça comutativa que é uma razoável igualdade de tratamento para casos semelhantes, assim como que situações distintas sejam tratadas desigualmente na medida em que se diferenciam.

Na segunda fase, procede-se à fixação definitiva da indenização, ajustando-se o seu montante às peculiaridades do caso com base nas suas circunstâncias. Partindo-se, assim, da indenização básica, eleva-se ou reduz-se esse valor de acordo com as circunstâncias particulares do caso (gravidade do fato em si, culpabilidade do agente, culpa concorrente da vítima, condição econômica das partes) até se alcançar o montante definitivo. Procede-se, assim, a um arbitramento efetivamente eqüitativo, que respeita as peculiaridades do caso.

Chega-se, com isso, a um ponto de equilíbrio em que as vantagens dos dois critérios estarão presentes. De um lado, será alcançada uma razoável correspondência entre o valor da indenização e o interesse jurídico lesado, enquanto, de outro lado, obter-se-á um montante que corresponda às peculiaridades do caso com um arbitramento equitativo e a devida fundamentação pela decisão judicial. (REsp 1.152.541⁄RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 13.09.2011, DJe 21.09.2011)

Nesse passo, suprimidas as circunstâncias específicas da lesão a direitos individuais de conteúdo extrapatrimonial, creio ser possível o emprego do mesmo método bifásico para quantificação do dano moral coletivo.


Assim, em primeira fase, verifica-se que julgados desta Corte, ao reconhecerem dano moral coletivo em razão de injusta violação de direitos básicos dos consumidores (de informação adequada, de escolha consciente, de proteção contra a publicidade enganosa ou abusiva), consideraram razoável a fixação de valores entre R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), o que tem o condão de traduzir a relevância do interesse transindividual lesado (REsp 1.546.170⁄SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 18.02.2020, DJe 05.03.2020; REsp 1.799.346⁄SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 03.12.2019, DJe 13.12.2019; REsp 1.655.731⁄SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14.05.2019, DJe 16.05.2019; REsp 1.487.046⁄MT, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 28.03.2017, DJe 16.05.2017; REsp 1.101.949⁄DF, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 10.05.2016, DJe 30.05.2016; e REsp 1.291.213⁄SC, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 30.08.2012, DJe 25.09.2012).

Em caso de situação similar à dos autos, a Segunda Turma arbitrou o dano moral coletivo em R$ 30.000,00 (trinta mil reais) (REsp 1.410.698⁄MG, Rel. Ministro Humberto Martins, julgado em 23.06.2015, DJe 30.06.2015).

Por sua vez, em segunda fase, observadas as nuances do caso concreto — conduta dolosa causadora de dano de abrangência local; ofensor de capacidade econômica mediana; proveito econômico no importe aproximado de R$ 90.000,00 (noventa mil reais); recalcitrância no descumprimento do dever de informação adequada e na realização de outros loteamentos irregulares; e significativa reprovabilidade social da lesão —, considero razoável e adequado à função do dano moral coletivo o arbitramento da quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), que, com a incidência de juros de mora desde a apuração do primeiro evento danoso em 28.10.1999 (no percentual de 6% ao ano até 10.1.2003 e de acordo com a Taxa Selic após o advento do Código Civil de 2002) alcança, nessa data, valor próximo a R$ 219.403,30 (duzentos e dezenove mil, quatrocentos e três reais e trinta centavos).

Quanto ao ponto da aplicação da Taxa Selic a dívidas civis, ressalvo apenas o posicionamento externado no julgamento do Recurso Especial 1.795.982⁄SP, de minha relatoria, no qual propus uma releitura dos Embargos de Divergência 727.842⁄SP (Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, julgado em 08.09.2008, DJe 20.11.2008), porém com resultado ainda indefinido diante de pedido de vista.


8. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para, reconhecendo o cabimento do dano moral coletivo, fixá-lo em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), com a incidência de juros de mora desde o evento danoso (no percentual de 0,5% ao mês até 10.1.2003 e de acordo com a Taxa Selic após o advento do Código Civil de 2002).


O ônus do pagamento das custas processuais deve ser imputado exclusivamente ao réu, não se revelando cabível condenação em honorários advocatícios, por simetria com a norma disposta no artigo 18 da Lei 7.347⁄85, consoante jurisprudência consolidada pela Corte Especial (EAREsp 962.250⁄SP, Rel. Ministro Og Fernandes, julgado em 15.08.2018, DJe 21.08.2018).


É como voto.


CERTIDÃO DE JULGAMENTO QUARTA TURMA

Número Registro: 2015⁄0144640-6 REsp 1.539.056 ⁄ MG

PROCESSO ELETRÔNICO


Números Origem: 10027071421690001 10027071421690002 10027071421690003 10027071421690004

10027071421690005  14216904120078130027




PAUTA: 06⁄04⁄2021 JULGADO: 06⁄04⁄2021


Relator

Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO


Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO


Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. PAULO EDUARDO BUENO

 

Secretária

Dra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI


AUTUAÇÃO


RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS RECORRIDO : LANCASTER LUCIO LIMA

RECORRIDO :  ACI IMÓVEIS LTDA

ADVOGADOS : MARCO AURÉLIO PEREIRA LARA E OUTRO(S) - MG054451

SABRINA DE MELO CARABETTI - MG086863 SORAIA PEREIRA LARA - MG044858N


ASSUNTO: DIREITO DO CONSUMIDOR - Contratos de Consumo


SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). MARCOS TOFANI BAER BAHIA, pela parte RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS


CERTIDÃO


Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

Documento: 2039245 Inteiro Teor do Acórdão - DJe: 18/05/2021


 

STJ REsp No. 1,539,056 - MG (2015 / 0144640-6) TJ SP É IMPRESCRITÍVEL O DEVER DO MUNICÍPIO DE FAZER AS OBRAS DE INFRAESTRUTURA DOS LOTEAMENTOS IRREGULARES E DE INDENIZAR OS CIDADÃOS PROC.. 1001872-41.2023.8.26.0450

Ação de MORADOR procedente 

Data do Julgamento 10.04.2025



DEFENDA SEUS DIREITOS 

"É imprescritível o dever do município de fazer as obras de infraestrutura dos loteamentos irregulares e indenizar os proprietários prejudicados"

Introdução

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) consolidaram o entendimento de que o dever do Município de regularizar loteamentos irregulares e indenizar os danos materiais e morais decorrentes é imprescritível, enquanto perdurarem os efeitos do parcelamento irregular.

Fundamentos Jurídicos

1. Constituição Federal

  • Art. 30, inciso VIII: Compete aos Municípios "promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano".

2. Lei 6.766/1979 (Parcelamento do Solo Urbano)

  • Art. 40: O Município tem poder-dever de fiscalizar, regularizar loteamentos irregulares e executar as obras públicas necessárias.

3. Jurisprudência consolidada

Superior Tribunal de Justiça (STJ):

  • No julgamento do REsp 1.539.056/MG, a 4ª Turma reconheceu que a responsabilidade do município decorre da omissão e que o pedido de indenização por dano moral coletivo é cabível.
  • No AgInt no AREsp 2.100.390/RJ, reiterou-se que o Município possui obrigação de regularizar loteamentos clandestinos e executar obras essenciais, podendo posteriormente promover ação regressiva contra o loteador.

Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP):

  • No caso do Município de Piracaia (Apelação / Remessa Necessária nº 1001872-41.2023.8.26.0450), foi reconhecida a responsabilidade objetiva do ente municipal, rejeitada a alegação de prescrição, e imposta a obrigação de regularizar o loteamento e indenizar os prejuízos.

Tese Central

  • Omissão administrativa é ilícito permanente: enquanto não regularizado o loteamento, não corre prescrição.
  • O Município é responsável tanto pela execução das obras quanto pela reparação dos danos materiais e morais sofridos pelos cidadãos.
  • Cabe ação regressiva contra o loteador, mas não exime o poder público da responsabilidade direta.

Efeitos Práticos

  • O Município não pode alegar prescrição para se eximir da responsabilidade.
  • Cidadãos prejudicados têm direito de exigir judicialmente:
    • A realização das obras públicas (drenagem, pavimentação, saneamento básico);
    • Indenização pelos danos morais e materiais sofridos;
    • Reparação coletiva em caso de danos a grupos de moradores.

Conclusão

O dever de regularização urbanística e de reparação de danos é imprescritível enquanto não cessarem os efeitos nocivos do parcelamento irregular do solo.
A omissão do poder público implica violação de direitos fundamentais, como o direito à moradia digna, ao meio ambiente equilibrado, à propriedade e à segurança urbana.

A sociedade tem o direito e o dever de cobrar a atuação imediata dos municípios.


Fonte

  • Superior Tribunal de Justiça (STJ) – REsp nº 1.539.056/MG, AgInt no AREsp nº 2.100.390/RJ.
  • Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) – Apelação / Remessa Necessária nº 1001872-41.2023.8.26.0450.
  • Constituição Federal, art. 30, inciso VIII.
  • Lei 6.766/1979, art. 40.

Quer

Na modalidade de ilícito em questão (parcelamento do solo urbano), não incide a prescrição, pois se trata de infrações omissivas de caráter permanente, o que equivale a dizer que, pelo menos no âmbito cível-administrativo, a ilegalidade do loteamento renova-se a cada instante (AgRg no Ag. nº 928.652/RS, 2ª Turma, rel. Ministro Herman Benjamin, j. 21.2.2008, DJe 13/11/2009   g.m.).


JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA


 A jurisprudência dos Tribunais é  firme no sentido que a omissão da Municipalidade gera obrigação de fazer as obras públicas e o dever de indenizar os proprietários prejudicados.


Cabe ao município fiscalizar  a implantação dos loteamentos e de fazer as obras públicas e para regularizar loteamento ilegal, reafirma o TJ- SP em consonância com a CFRB/88 e a jurisprudência dos Tribunais.


Os municípios têm o dever de fiscalizar e regularizar loteamentos ilegais, conforme mandam o artigo 30, VIII, da Constituição Federal e o artigo 40 da Lei de Parcelamento do Solo (Lei 6.766/79). 


Caso contrário, devem ser responsabilizados.

 

Esse foi o entendimento da 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo para confirmar a decisão que condenou o município de Piracaia (SP) por omissão na fiscalização de um loteamento ilegal.  ( clandestino).


O caso é o de um morador que ajuizou ação indenizatória contra a prefeitura por causa da negligência.


Desembargadores do TJ-SP mantiveram condenação de município a fiscalizar obras em lote


ALAGAMENTOS E DANOS MATERIAIS E MORAIS COLETIVOS 


Na ação, o autor relatou que, nos últimos dez anos, nas cercanias de sua residência, foi construído um loteamento irregular cujas obras não foram fiscalizadas pela prefeitura, embora o caso já tenha sido objeto de ação civil pública.


Ele afirmou que, por causa da implantação desordenada de novas moradias no bairro, sem as devidas licenças e um projeto de drenagem, a sua propriedade passou a ser local de escoamento de águas pluviais, sem qualquer controle, o que provocou inundações e prejuízos materiais e ambientais.


A prefeitura, por sua vez, afirmou que celebrou termo de ajustamento de conduta com os responsáveis pelo loteamento irregular e a associação dos moradores do bairro. 


E também sustentou que a ação de obrigação de fazer já prescreveu.


AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPARAÇÃO DE DANOS JULGADA PROCEDENTE 


Em primeiro grau, a prefeitura foi obrigada a fazer obras de infraestrutura para a captação e drenagem das águas pluviais do loteamento irregular, além de pagar indenização por danos materiais e morais ao autor. 

A administração municipal recorreu.


APELAÇÃO DESPROVIDA


Ao analisar o recurso, a relatora, desembargadora Silvia Meirelles, afirmou que é descabida a pretensão da prefeitura, visto que é sua responsabilidade a fiscalização da implantação do loteamento irregular, bem como das obras de infraestrutura.


"Assim, no caso, tratando-se de danos advindos do parcelamento irregular do solo, é patente a legitimidade do ente municipal, mormente em relação à realização de obras essenciais de infraestrutura, sem, contudo, se afastar a possibilidade daquele, posteriormente, adotar as medidas necessárias em face do loteador, para o ressarcimento dos valores investidos na regularização”, resumiu a relatora, que também manteve a condenação do município a indenizar o morador em R$ 8 mil, a título de dano moral."  TJ SP


DEVER DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE INSTAURAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA E DE FISCALIZAR O CUMPRIMENTO DO TAC 


 DIREITO DOS CIDADÃOS DE OBTER REPARAÇÃO DOS DANOS 


Em  muitas outras localidades, o MINISTÉRIO PÚBLICO de Tutela Coletiva instaurou AÇÃO CIVIL PUBLICA objetivando aa execução das obras e a reparação de danos materiais e morais para os proprietários prejudicados e de reparação de danos morais coletivos. 


Em precedente histórico a 4ª Turma do STJ   julgou procedente o Recurso Especial do MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS e condenou o Município a pagar a indenização por DANOS MORAIS COLETIVOS.

REspNo. 1,539,056 - MG (2015 / 0144640-6)

 (...) 

4. As instâncias ordinárias reconheceram a ilicitude da conduta dos réus, que, utilizando-se de ardil e omitindo informações relevantes para os consumidores⁄adquirentes, anunciaram a venda de terrenos em loteamento irregular — com precárias condições urbanísticas — como se o empreendimento tivesse sido aprovado pela municipalidade e devidamente registrado no cartório imobiliário competente; nada obstante, o pedido de indenização por dano moral coletivo foi julgado improcedente.

(...)

10. Recurso especial provido para, reconhecendo o cabimento do dano moral coletivo, arbitrar a indenização em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), com a incidência de juros de mora desde o evento danoso


ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

Sustentou oralmente o Dr. MARCOS TOFANI BAER BAHIA, pela parte RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS.

Brasília (DF), 06 de abril de 2021.



Nesse mesmo sentido o TJ SP ratificou a sentença e a jurisprudência firme dos Tribunais e manteve a condenação do município.


LEIA AQUI A INTEGRA DO ACÓRDÃO DO TJ SP


TJ SP Apelação / Remessa Necessária nº 1001872-41.2023.8.26.0450 


10.04.2025

Registro: 2025.0000359262


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1001872-41.2023.8.26.0450, da Comarca de Piracaia, em que é recorrente JUÍZO EX OFFICIO e Apelante MUNICIPIO DE PIRACAIA, é apelado AQUILES BOZZI.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Rejeitada a preliminar, negaram provimento, nos termos que constarão do acórdão. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores SILVIA MEIRELLES (Presidente), TANIA AHUALLI E SIDNEY ROMANO DOS REIS.

São Paulo, 10 de abril de 2025.


SILVIA MEIRELLES

Relator(a)

Assinatura Eletrônica

 


Apelação/Remessa Necessária: 1001872-41.2023.8.26.0450*

 Apelantes: JUÍZO EX OFFICIO E MUNICIPALIDADE DE PIRACAIA

Apelado: AQUILES BOZZI

Juíza: DRA. CAROLINA BRAGA PAIVA

Comarca: PIRACAIA 

Voto nº: 24.073 - K*


APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE.


I. Caso em Exame

Recurso de apelação interposto pela Municipalidade de Piracaia contra a r. sentença que julgou procedente ação de obrigação de fazer c.c. indenizatória. 

A sentença condenou o Município a apresentar projeto de obras para coleta e descarte de fluxos pluviais, além de indenização por danos materiais e morais.


II. Questão em Discussão


2. A questão em discussão consiste em (i) a legitimidade passiva ad causam da Municipalidade para responder pelos danos causados pelo parcelamento irregular do solo;

 (ii) a ocorrência de prescrição da pretensão de obrigação de fazer;

 (iii) a responsabilidade do Município pelos danos materiais e morais;

 (iv) isenção ao pagamento das custas e despesas processuais às fazendas públicas.


III. Razões de Decidir


3. A Municipalidade tem o dever de fiscalizar e regularizar loteamentos irregulares, conforme art. 30, VIII, da CF e art. 40 da Lei 6.766/79; 

4. A prescrição não se aplica, pois os efeitos do parcelamento irregular ainda subsistem.

5. A responsabilidade do Município decorre da omissão na fiscalização e não há excludentes de nexo causal, incumbindo-lhe perseguir o ressarcimento dos valores em ação regressiva em face dos loteadores.

6. Danos materiais e morais devidamente comprovados.

7. Custas e despesas processuais. Isenções que devem observar os termos da Lei Estadual nº. 11.608/03

 

IV. Dispositivo e Tese


8. Recursos desprovidos. Sentença mantida, com observação.

Tese de julgamento: 

1. Preliminar de ilegitimidade passiva ad causam afastada.

 2. Incorrência da prescrição. 

3. A Municipalidade é responsável pela regularização de loteamentos irregulares, cabendo- lhe o ressarcimento dos valores através de ação regressiva em face dos loteadores. 

4. Preenchidos os elementos da responsabilidade civil, de rigor a condenação da requerida ao pagamento de valor indenizatório pelos danos materiais e morais experimentados pelo autor. 

5. Isenções que devem observar os termos da Lei Estadual nº. 11.608/03 Legislação Citada:

CF/1988, art. 30, VIII; Lei 6.766/79, art. 40.

Jurisprudência Citada:

STJ, AgInt no AREsp nº 2.100.390/RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. 08.04.2024;

 STJ, AREsp nº 1.678.232/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 06.04.2021.


Trata-se de recurso de ofício voluntário de apelação interposto pela MUNICIPALIDADE DE PIRACAIA contra a

r. sentença de fls. 1.368/1.383, que, concedendo parcialmente a tutela de urgência, julgou procedente os pedidos da ação de obrigação de fazer

c.c. indenizatória proposta por AQUILES BOZZI, para

 “a) CONDENAR o MUNICÍPIO à obrigação de fazer, consistente em apresentar projeto de obras nos termos da sugestão inserida na conclusão do Laudo Pericial de fl. 1286, com o fim de realizar ações completas e eficientes com vistas à coleta, ao controle, ao direcionamento e ao descarte dos fluxos pluviais devidos às obras do parcelamento de solo, implementando sistema de dejetos orgânicos, bem como realizando análise acerca dos riscos do corte de talude realizado para a criação de cacimbas, no prazo de 60 (sessenta dias) corridos, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00 por dia de descumprimento, até o limite inicial de R$ 50.000,00, devendo iniciar as obras e concluí-las em prazo não superior a seis meses;

 b) CONDENAR o MUNICÍPIO ao pagamento de danos materiais comprovadamente decorrentes das inundações causadas pela insuficiência das medidas paliativas decorrentes do parcelamento irregular do solo, a serem objeto de liquidação, com correção monetária a partir da data do efetivo prejuízo (Súmula 43 do STJ) e juros de mora a contar do evento danoso (Súmula 54 do STJ); 

c) CONDENAR o MUNICÍPIO ao pagamento de R$ 8.000,00 (oito mil reais) ao autor, a título de compensação por dano moral, com correção monetária a contar do arbitramento (Súmula 362 do STJ) e juros de mora a contar do evento danoso (Súmula nº 54 do STJ), nos moldes da fundamentação. 

Os valores devem ser acrescidos de correção monetária, com a aplicação do IPCA-E, e com juros de mora, na forma do entendimento consolidado no Tema 810, do Supremo Tribunal Federal (segundo índice de remuneração básica da caderneta de poupança), até a promulgação da Emenda Constitucional nº 113/2021, a partir da qual deverá incidir exclusivamente a taxa SELIC”. 

Houve, ainda, a condenação da vencida ao pagamento das custas e despesas processuais e dos honorários advocatícios fixados no percentual mínimo previsto no art. 85, § 3º, incisos I a V, do CPC, a ser apurado em liquidação.

Sentença submetida à remessa necessária.

Somou-se a este recurso, o apelo da Municipalidade de Piracaia (1.393/1.413), arguindo, em preliminar, a sua ilegitimidade

passiva ad causam, uma vez que o Poder Público celebrou Termo de Ajustamento de Conduta com os loteadores e a Associação de moradores, nos autos da Ação Civil Pública, não havendo que se falar, portanto, em sua omissão para fins de responsabilização civil. 

Em prejudicial, alega a ocorrência da prescrição da pretensão no que se refere à obrigação de fazer.

 Reitera, ainda, que está adotando todas as providências necessárias e os maquinários que estão no local realizando as obras paliativas de drenagem, para amenizar eventuais prejuízos a terceiros de águas advindas do núcleo habitacional, bem como que inexistem os requisitos legais para a sua responsabilização pelos danos materiais e morais experimentados pelo autor, diante das excludentes do nexo de causalidade, decorrentes do caso fortuito (chuvas torrenciais do ano de 2023), da culpa exclusiva da vítima (ausência de equipamento de drenagem) e da culpa de terceiros (parceladores).

 Por fim, afirma que, caso se entenda por sua responsabilização, esta, embora solidária, é de execução subsidiária, devendo os parceladores responder primariamente, e reafirma que, ao menos, deve-se reconhecer a culpa concorrente do autor quanto aos danos materiais. 

Por tais argumentos, roga pela reforma da r. sentença ou, subsidiariamente, requer a exclusão ou a dilação do prazo para o cumprimento da obrigação, bem como o afastamento da condenação ao pagamento das custas processuais, uma vez que é isenta deste pagamento.

Contrarrazões a fls. 1.417/1.428.

Manifestação e documentos da Municipalidade a fls.

1.430/1.434.


É o relatório.

Trata-se de recurso de ofício e voluntário de apelação interposto pela MUNICIPALIDADE DE PIRACAIA contra a

r. sentença que, concedendo parcialmente a tutela de urgência, julgou procedente os pedidos, condenando-a à obrigação de fazer, consistente em apresentar projeto de obras nos termos da sugestão inserida na conclusão do Laudo Pericial, 

“com o fim de realizar ações completas e eficientes com vistas à coleta, ao controle, ao direcionamento e ao descarte dos fluxos pluviais devidos às obras do parcelamento de solo, implementando sistema de dejetos orgânicos, bem como realizando análise acerca dos riscos do corte de talude realizado para a criação de cacimbas, no prazo de 60 (sessenta dias) corridos, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00 por dia de descumprimento, até o limite inicial de R$ 50.000,00, devendo iniciar as obras e concluí-las em prazo não superior a seis meses;”,

 bem como ao pagamento de valor indenizatório por danos morais e materiais experimentados pelo autor.

Como sintetizou o juízo de origem:

“Em síntese, narra que é morador na Estrada PRC 172, 2800, bairro dos Pedrosos, em Piracaia/SP. Todavia, aduz que ao lado esquerdo da referida estrada existe há mais de uma década um loteamento irregular que já foi objeto ação civil pública (autos n. 0002582-93.2024.8.26.0450), no qual foram realizadas obras em afronta à legislação, tendo o requerido permanecido inerte diante da referida situação.


Alega que após a implantação desordenada do núcleo habitacional, sem as devidas licenças e, em virtude do declive existente entre a frente e os fundos do imóvel, assim como a ausência de equipamentos de drenagem no logradouro público, todo escoamento das águas pluviais é direcionado para o interior da sua propriedade, sem qualquer controle, causando inundações e prejuízos materiais, além de danos ao meio ambiente local.


Assim, pretende o autor a condenação do Município de Piracaia à obrigação de fazer, consubstanciada na realização de obras de infraestrutura para a captação e drenagem das águas pluviais do loteamento irregular, além de indenização por danos materiais e morais.” (fls. 1.368).


Preliminarmente, afasta-se a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam.


Isto porque, é descabida a pretensão da Municipalidade de se eximir de responsabilidade, visto que a ela incumbe o dever de fiscalização quando da implantação do loteamento irregular, bem como das obras de infraestrutura.


O artigo 30, inciso VIII, da Constituição Federal, estabelece que incumbe aos Municípios promover o “adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle de uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”.


E o artigo 40 da Lei n.º 6.766/79, prevê um “poder- dever” do Município em fiscalizar a ocupação do solo urbano, in verbis:


“Art. 40. A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes.


§ 1º - A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, que promover a regularização, na forma deste artigo, obterá judicialmente o levantamento das prestações depositadas, com os respectivos acréscimos de correção monetária e juros, nos termos do § 1º do art. 38 desta Lei, a título de ressarcimento das importâncias despendidas com equipamentos urbanos ou expropriações necessárias para regularizar o loteamento ou desmembramento.


§ 2º - As importâncias despendidas pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, para regularizar o loteamento ou desmembramento, caso não sejam integralmente ressarcidas conforme o disposto no parágrafo anterior, serão exigidas na parte faltante do loteador, aplicando-se o disposto no art. 47 desta Lei.

§ 3º - No caso de o loteador não cumprir o estabelecido no

parágrafo anterior, a Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, poderá receber as prestações dos adquirentes, até o valor devido.


§ 4º - A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, para assegurar a regularização do loteamento ou desmembramento, bem como o ressarcimento integral de importâncias despendidas, ou a despender, poderá promover judicialmente os procedimentos cautelares necessários aos fins colimados.


§ 5o - A regularização de um parcelamento pela Prefeitura Municipal, ou Distrito Federal, quando for o caso, não poderá contrariar o disposto nos arts. 3o e 4o desta Lei, ressalvado o disposto no § 1o desse último.”


Daí se extrai que, em se cuidando de loteamento clandestino ou irregular, a referida lei atribui ao Poder Público Municipal um poder-dever de realizar a sua regularização, a fim de evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano, preservando, ademais, a defesa dos direitos de terceiros atingidos por danos decorrentes do parcelamento irregular, cujo investimento deverá ser integralmente ressarcido mediante ação regressiva em face do loteador.


Aliás, este é o entendimento firmado pelo C. Superior Tribunal de Justiça em casos análogos:


“(...) LOTEAMENTO URBANO. REGULARIZAÇÃO. OBRAS DE INFRAESTRUTURA. RESPONSABILIDADE DO  ENTE MUNICIPAL. PRECEDENTES. VERIFICAÇÃO DA AUSÊNCIA DE OMISSÃO DA EDILIDADE. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.

1. Na origem, cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro com o fim de compelir o Município do Rio de Janeiro a regularizar loteamento clandestino e a executar obras de infraestrutura.

(...)

4. Conforme iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,

 'O ente municipal tem o poder-dever de regularizar loteamentos clandestinos ou irregulares quanto às obras essenciais a serem implantadas de acordo com a lei local, sem prejuízo da posterior cobrança dos custos de sua atuação saneadora aos responsáveis' (AgInt no REsp n. 1.677.164/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 31/8/2020, DJe de 3/9/2020).

5. A instância a quo, com base nos elementos probatórios dos autos, concluiu que houve omissão da municipalidade em coibir a instalação de loteamento irregular. 

Nesse contexto, a alteração das premissas adotadas pela Corte de origem, tal como colocada a questão nas razões recursais, a fim de afastar a omissão do Município no seu dever de fiscalizar, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência

vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ. 

6. Agravo interno não provido.” (AgInt no AREsp n. 2.100.390/RJ, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 8/4/2024, DJe de 11/4/2024   g.m.).


“PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO IRREGULAR. ÁREA DEMANANCIAIS. DEVER DE FISCALIZAÇÃO DOESTADO. OMISSÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA DOS POLUIDORES DIRETOS E INDIRETOS. REEXAME DOS ELEMENTOS DE COGNIÇÃO DOS AUTOS. DESCABIMENTO. SÚMULA 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL.EXAME PREJUDICADO. LOTEAMENTO. REGULARIZAÇÃO. ART. 40 DA LEI 6.766/1979. ESTATUTO DA CIDADE. DEVER MUNICIPAL. LIMITAÇÃO ÀS OBRAS ESSENCIAIS. (...)


AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

11. No enfrentamento da matéria, o Tribunal de origem, confirmando a sentença, lançou os seguintes fundamentos: 'Em que pese o texto legal fazer referência ao termo 'poderá', o comando normativo corresponde a verdadeiro 'poder-dever' da Administração Pública, no caso, da Prefeitura Municipal. Isto porque a regularização de um

loteamento clandestino encontra origem na competência constitucional atribuída aos Municípios para a promoção do adequado ordenamento territorial, mediante o planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII, CF). 

Na medida em que o texto constitucional garante aos Municípios verdadeiro controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, passa a estabelecer limitação ao direito de construir, determinada sob a égide do poder de polícia, assim compreendido:

(...) Logo, o poder de polícia a ser exercido pelos Municípios para o adequado ordenamento territorial busca a proteção do interesse público, que é um dever, a maior obrigação da Administração Pública.

Além do mais, o 'poder-dever' da Prefeitura do Município em promover a regularização do loteamento clandestino decorre do momento em que a municipalidade tem conhecimento do loteamento ilegal consolidado.

Tanto assim, que já se pronunciou esta 5ª Câmara de Direito Público, em caso semelhante ao dos autos, sob a relatoria da Desembargadora Heloísa Martins Mimessi: '(...) Desse modo, o Município de São Paulo, detentor do poder de polícia em matéria de organização urbana, tem o dever, e não a faculdade, de promover os atos administrativos e providências executórias para regularizar o loteamento clandestino na área 'Sítio Eldorado' ou 'Irmãos Camargo'. Ainda que alegue que tomou as medidas cabíveis por meio da Instauração do processo administrativo P.A. nº 19970.006.244-9, o dever de regularizar o loteamento clandestino na área discutida nos autos permanece. (...)'


Sendo assim, em se tratando de área de proteção de mananciais, tem-se o dever do Estado de São Paulo atuar em conjunto com a Municipalidade ré para a regularização da ocupação da área e garantia da preservação do meio ambiente afetado pelo loteamento clandestino instalado pelos réus particulares.

 Pelo exposto, pelo meu voto, nego provimento aos recursos e ao reexame necessário, mantendo a r. sentença que deu correta solução à lide'.


12. A questão de fundo, ou seja, se os Municípios têm o dever de regularizar loteamentos irregulares ou clandestinos e qual a extensão dessa responsabilidade, foi examinada no REsp 1.164.893, de minha relatoria, afetado à Primeira Seção.


13. O Município é titular do dever de regularizar loteamentos clandestinos ou irregulares, mas sua atuação deve restringir-se às obras essenciais a serem implantadas, em conformidade com a legislação urbanística local (art. 40, § 5º, da Lei 6.799/1979), em especial à infraestrutura necessária para melhoria na malha urbana, como ruas, esgoto, energia e iluminação pública, de modo a atender aos moradores já instalados. 

Inexiste tal dever em relação às parcelas do loteamento irregular ainda não ocupadas.

 Tudo  sem  prejuízo  do  também  dever-poder  da Administração de, além de cominar sanções administrativas, civis e penais, cobrar dos responsáveis o custo que sua atuação saneadora acarrete.

14. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do STJ, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula 83/STJ: 'Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.'

15. Cumpre ressaltar que a referida orientação é aplicável também aos recursos interpostos pela alínea 'a' do art. 105, III, da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido: REsp 1.186.889/DF, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, DJe de 2.6.2010. CONCLUSÃO:

 16. Agravos conhecidos para se negar provimento aos Recursos Especiais.” (AREsp n. 1.678.232/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 6/4/2021, DJe de 16/8/2021   g.m.).


No mesmo sentido, é o posicionamento adotado por esta C. 6ª Câmara de Julgamento:


“Ação Civil Pública   Loteamento irregular   Sentença de procedência - Recurso voluntário do Município   Desprovimento de rigor. Preliminares   Prescrição   Inocorrência   Interesse de ordem pública que se situa num plano de indisponibilidade   Ilegitimidade passiva   Poder- dever da Municipalidade de fiscalizar e regularizar o parcelamento do solo . 

No mérito, incontroverso que o loteamento foi irregularmente implantado.   O Município tem o poder dever de agir para fiscalizar e regularizar loteamento irregular, pois é o responsável pelo parcelamento, uso e ocupação do solo urbano, atividade essa que é vinculada, e não discricionária   Cabimento de aplicação de multa ao ente público por eventual descumprimento. Precedentes. R. Sentença mantida   Recurso desprovido.”  (TJSP;  Apelação Cível 1003357-23.2017.8.26.0568; Relator (a): Sidney Romano dos Reis; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro de São João da Boa Vista - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/08/2020; Data de Registro: 12/08/2020   g.m.).


Assim, no caso, tratando-se de danos advindos do parcelamento irregular do solo, é patente a legitimidade do ente Municipal, mormente em relação à realização de obras essenciais de infraestrutura, sem, contudo, se afastar a possibilidade daquele, posteriormente, adotar as medidas necessárias em face do loteador, para o ressarcimento dos valores investidos na regularização.


Portanto, ainda que celebrado o Termo de Ajustamento de Conduta com os loteadores e a Associação de moradores, nos autos da mencionada Ação Civil Pública, persiste a sua responsabilidade civil na regularização do solo urbano, conforme já alhures exposto, cabendo-lhe ação de regresso contra os parceladores.


Assim, rejeita-se a preliminar de legitimidade passiva ad causam.

Em prejudicial do exame do mérito, alega a Municipalidade a ocorrência da prescrição da pretensão no que se refere à obrigação de fazer.


Sem razão a apelante.


Do pedido inicial extrai-se que o autor pretende a condenação da requerida para que seja compelida a realizar obras de captação e drenagem das águas pluviais do loteamento irregular situado defronte ao seu imóvel.


Sendo assim, em que pese a alegação da apelante no sentido de que “conforme exposto pelo próprio requerente, a questão é tratada desde 2009, ou seja, há 14 anos e, portanto, não é possível que apenas agora o recorrido queira” lhe impor tal obrigação, o argumento não deve prosperar, uma vez que a situação narrada na inicial ainda persiste, ou seja, os efeitos deletérios advindos do parcelamento irregular se protaem no tempo, de modo a reiniciar a sua contagem ininterruptamente, não havendo que se falar em prescrição do fundo de direito.

Neste sentido, destaque-se precedente do C. STJ:


“Na modalidade de ilícito em questão (parcelamento do solo urbano), não incide a prescrição, pois se trata de infrações omissivas de caráter permanente, o que equivale a dizer que, pelo menos no âmbito cível-administrativo, a ilegalidade do loteamento renova-se a cada instante (AgRg no Ag. nº 928.652/RS, 2ª Turma, rel. Ministro Herman Benjamin, j. 21.2.2008, DJe 13/11/2009   g.m.).


Assim, fica também afastada a prejudicial de

prescrição.



No mérito, melhor sorte não socorre a apelante, merecendo ser integralmente mantida a r. e bem lançada sentença.


O i. jurista José Afonso da Silva, ao tratar do parcelamento urbano, o definiu como sendo o “processo de urbanificação de uma gleba, mediante sua divisão ou redivisão em parcelas destinadas ao exercício das funções elementares urbanísticas. (...) caracteriza-se por vários tipos de operações materiais juridicamente reguladas, que consistem na execução de planos de arruamento, planos de loteamento, em desmembramentos, em desdobro de lotes ou ainda em reparcelamento.” (in “Direito Urbanístico Brasileiro”, 2ª ed. Malheiros, p. 294).


E completa o mesmo autor que “nos Municípios,

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adota-se duas metodologias sobre o processo de loteamento: ora dispõe que se efetive em duas fases, correspondendo a primeira ao plano de arruamento, que será submetido à aprovação e à autorização da Prefeitura, e só após sua execução e aceitação por ela se passará à segunda fase, com a apresentação do plano de loteamento (sentido estrito) à aprovação e à autorização da Municipalidade, providenciando o interessado sua inscrição no registro imobiliário; ora estabelece a possibilidade de apresentação de ambos os planos em conjunto à aprovação da Prefeitura (...)” (ob.cit. p. 298).


No caso, pela prova pericial e documental trazida aos autos, restou incontroverso a existência de irregularidades no “Sítio São José”, loteamento em área de expansão urbana, implantado de forma irregular, fato que ensejou, inclusive, que o Município, em 24.07.2023, firmasse um Termo de Ajustamento de Conduta   TAC com a Associação de Moradores do Bairro dos Pedrosos II, homologado nos autos do cumprimento de sentença de nº. 0000821-80.2021.8.26.0450, perante a 2ª Vara da Comarca de Piracaia, após a concordância do Ministério Público (fls. 755/773).


Por meio da prova pericial (fls. 1.245/1.295), o expert confirmou que “(...) embora seja possível visualizar a implementação de medidas paliativas e a realização ações determinadas no TAC, é necessária a realização de ações completas e eficientes para realizar a coleta, controle, direcionamento e descarte dos fluxos pluviais gerados devidos às obras do Parcelamento de Solo, além de ocorrer o devido estudo de implementação de Sistemas tratamento de Dejetos

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Orgânicos, além de realizar análise acerca dos riscos do corte de talude realizado para a criação das cacimbas, a fim de evitar eventual acidente e reduzir o risco para transeuntes e o público que utiliza-se da Estrada PCR 172.” (fls. 1.286).


Do extenso trabalho pericial realizado, extrai-se, ainda, in verbis que:


“(...) O Requerente informou ainda que, ao contrário do informado em defesa pela Requerida e apontado por um dos moradores do Parcelamento Ilegal, as fls. 704 - 719, nunca realizou a redução da seção da tubulação e não foram encontrados indicios de alteração, apenas a redução devido ao acumulo de sedimentos na tubulação. (...)” (fls. 1.252   g.m.).


“(...) Foi possível visualizar que a implementação da medida paliativa, embora realizada, possibilitou uma série de outros problemas e riscos. Nota-se que o corte realizado no talude foi executado sem respeito às normas, onde geralmente seria utilizado até uma proporção de um para um e mantendo o corte em aproximadamente 45º, entretanto existem trechos, como o da aplicação da cacimba 1 descrita no Projeto de Estudo De Medidas Paliativas, e demonstrado nas Imagens 12 e 13, onde este corte supera 90º e chega a se tornar negativo, isto é, o topo do talude encobre o corte, o que pode gerar riscos de

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deslizamentos da área.

O trecho da Cacimba 2, demonstrado na imagem 14 e no projeto supramencionado, além de um corte realizado no talude demonstrado na imagem 15, também encontram-se superiores ao ângulo recomendado de 45º, todos estes pontos também foram observados e indicados pelos Assistentes Técnicos das Partes. (...)” (fls. 1.260   g.m.).


“(...) O fluxo pluvial é direcionado então em duas direções conforme imagem abaixo, onde a direção A guia-se para a Estrada PCR 172, através das cacimbas, e a direção B segue para uma vala de escoamento, conforme imagem 18, e direciona-se também a Estrada PCR 172, onde inevitavelmente é direcionada para o portão do Requerido, conforme imagem 8, e o Projeto de Estudo de Medidas Paliativas. (...)” (fls. 1.262   g.m.).


“(...) Partindo para o Segundo Polo do Parcelamento Irregular, seguindo a Estrada dos Pedroso PCR 172, encontramos o acesso a Estrada Municipal Sebastião Muquem, reconhecida através do Decreto Municipal 4.806/2020, mas já sendo inclusa no Parcelamento Ilegal. Em análise, temos as seguintes características:

Apesar de também possuir trechos de grande Aclive, desde seu início a mesma possui desde seu acesso na Estrada PCR 172 até o fim de sua extensão, piso com Bloquetes e guias laterais, conforme imagens 36 à 41. Esta estrada

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possui ainda pontos de coleta Pluvial em sua extensão, entretanto estes acessos, além de possuírem boca de acesso reduzida, seu direcionamento não ocorre para um sistema de coleta, apenas é retirada da rua e dispensada diretamente no solo ao lado da rua, conforme imagens 37, 38 e 42 à 45. (...)” (fls. 1.278   g.m.).

Daí se vê que a inexistência de infraestrutura básica no que se refere, em especial, à captação de águas pluviais no loteamento irregular vem gerando danos ao imóvel do autor, o qual, principalmente em épocas chuvosas, vê-se impedido ou, ao menos, restringido, de livremente acessar, usar e gozar de sua proporiedade, conforme se vê das fotos juntadas a fls. 15/20, em razão do grande acúmulo de águas em frente ao seu portão de acesso, bem como no interior de seu terreno.


Frise-se, ainda, que o perito alertou para o risco de deslizamentos, ante as medidas paliativas adotadas em desacordo com as normas legais, cujos cortes realizados chegaram, inclusive, a apontar inclinação negativa, na qual o topo do talude encobre o corte realizado.


Portanto, ficou comprovado o dever de indenizar os danos materiais experimentados pelo autor, uma vez que provados os requisitos da responsabilidade civil: ato culposo (inobservância das cautelas necessárias para fins de manutenção da higidez do imóvel já existente no local), o dano (acúmulo de águas no acesso e no interior da propriedade do autor e o risco de deslizamentos) e o nexo de causalidade entre os dois primeiros, decorrente da inexistência de ações completas e

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eficientes para realizar a coleta, controle, direcionamento e descarte dos fluxos pluviais gerados pelo loteamento irregular.


Note-se que a presente ação não se fundamenta na responsabilidade civil objetiva do Município, conforme art. 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, posto que este somente atribui responsabilidade objetiva à Administração pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros, mas na responsabilidade civil subjetiva, diante do ato omissivo do Poder Público na fiscalização da obra implantada pelos loteadores.


Dentro dessa ótica, logrando o autor fazer prova dos fatos constitutivos de seu direito, nos termos do artigo 373, inciso I, do novo Código de Processo Civil, a procedência do pedido inicial se impunha, tal como decidiu o I. Julgador de primeiro grau.


E nem se alegue a existência de culpa exclusiva ou concorrente da vítima.


Como nos ensina Aguiar Dias, a conduta da vítima como fato gerador do dano elimina a causalidade, quando há a quebra do nexo causal, e, partindo desta ideia, chega-se à culpa concorrente da vítima, que se configura quando esta, sem ter sido a única causadora do dano, concorre para o seu resultado, e, nestes casos, esta “excluí ou atenua a responsabilidade, conforme seja exclusiva ou concorrente” (in “Da Responsabilidade Civil”, Vol. 1, Ed. Forense, 6ª. edição, n. 221).

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No caso, como dito alhures, ficou devidamente comprovado que os danos ocasionados ao autor decorreram da ausência de infraestrutura básica, mormente no que concerne à captação de águas pluviais, advindas do loteamento irregular ali instalado em conivência com a municipalidade, que se omitiu em seu dever de fiscalização, não se observando qualquer conduta sua capaz de eliminar a causalidade.


Destaque-se, ainda, que o expert descartou a alegação da apelante no sentido de que o autor teria reduzido a seção da tubulação de captação da água, afirmando que “não foram encontrados indícios de alteração, apenas a redução devido ao acúmulo de sedimentos na tubulação” (fls. 1.252   g.m.).


Dessa forma, não há como se imputar quaquer culpa concorrente ao autor.


Saliente-se que não se está responsabilizando a Municipalidade por ato de terceiro, o que não seria possível, mas, sim, pelo descumprimento injustificado de seu dever de fiscalização, decorrente de seu poder de polícia administrativa, ao qual estava vinculada, por força de lei.


Desse modo, incumbe à apelante buscar o ressarcimento dos investimentos despendidos com a regularização do loteamento, em ação de regresso em face do loteador, não sendo caso de se afastar a sua responsabilizado no presente caso.

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Ademais, não ficou demonstrada a existência das excludentes do nexo de causalidade, aventadas pela apelante, decorrentes do caso fortuito (chuvas torrenciais do ano de 2023), ressaltando-se que das próprias alegações das partes, o autor já vem há mais de uma década buscando a resolução da questão, sendo certo, assim, que as chuvas torrenciais de 2023 não foram as causadoras exclusivas dos danos experimentados.


Portanto, ante todo o exposto, descabe razão à Municipalidade, seja quanto à sua alegação de que não foi omissa, tendo realizado obras paliativas de drenagem para amenizar eventuais prejuízos a terceiros de águas advindas do núcleo, uma vez que estas, embora de fato realizadas, ocasionaram outros problemas, como se apurou em perícia técnica (fls. 1.260).


Como dito alhures, a Municipalidade tem o dever constitucional de ordenar e fiscalizar o uso e a ocupação do solo urbano, não subsistindo qualquer margem para discriocionariedade neste aspecto, impondo-se-lhe, ainda, o dever de zelar pela observância das normas de direito ambiental, porém, omitiu-se quanto a tais deveres.


Aliás, quanto a esta matéria, segue o seguinte precedente do C. STJ:


“Nesse contexto, forçoso concluir que o Município tem o dever de cumprir as normas urbanísticas por ele próprio formuladas colimando resguardar os interesses coletivos de

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modo a evitar a degradação ambiental ou qualquer outra forma de atentado ao bem-estar dos munícipes. Tratando-se de loteamento constatadamente irregular, à Municipalidade compete vinculadamente e não sob o pálio da discricionariedade, proceder a regularização do loteamento sob o ângulo do interesse público, e, 'in casu', sob o crivo judicial. (...) Nesse particular, frise-se que as administrações municipais possuem mecanismos de autotutela, podendo obstar a implantação imoderada de loteamentos clandestinos e irregulares, sem necessitarem recorrer a ordens judiciais para coibir abusos decorrentes da especulação imobiliária, encerrando uma verdadeira 'contraditio in terminis' a Municipalidade opor-se a regularizar situações de fato já consolidadas, sem alternativa alguma de retorno ao 'statu quo ante'(...) Forçoso concluir que a Municipalidade tem o dever e não a faculdade de regularizar o uso, no parcelamento e na ocupação do solo, para assegurar o respeito aos padrões urbanísticos e o bem-estar da sociedade, porquanto a regularização decorre do interesse público e este é indisponível”. (REsp n.º 448.216/SP, Rel. Min. Luiz Fux. Djul. 14/10/03).


Assim, era mesmo de rigor a procedência dos pedidos no sentido de obrigar a Municipalidade a apresentar projeto de obras, atendendo às conclusões expostas no laudo pericial, no prazo de sessenta dias, e a conclui-las no prazo de seis meses, sob pena de fixação de multa diária em caso de descumprimento.

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Frise-se que os prazos ora fixados não se mostram desproporcionais ou irrazoáveis, mormente em se considerando o risco de deslizamentos de terra, bem como o fato de que o autor vem sendo impedido de utilizar o portão de acesso de sua propriedade, diante de intenso acúmulo de águas pluviais nas épocas chuvosas, além do longo lapso temporal em que este vem buscando a solução administrativa para tais problemas decorrentes do parcelamento irregular (mais de 14 anos, como afirma a própria Municipalidade).


Assim, merece ser integralmente mantida a r. sentença neste ponto, cujo quantum devido a título de danos materias deverá ser liquidado na fase de cumprimento de sentença, tal como já bem observou o juízo a quo.


Quanto aos danos morais, também descabe razão à

apelante.



Verifica-se que a situação em si é evidentemente penosa, propriamente de dano moral in re ipsa, uma vez que decorre do próprio fato, o que é presumido, não dependendo de prova do prejuízo, ou de comprovação de determinado abalo psicológico sofrido pela vítima.


Não se pode mensurar o sofrimento do autor, ano após ano, em ver sua propriedade inundada pelas águas, obstruindo o seu acesso e o livre uso e gozo de seu terreno, conforme se vê das fotos a

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fls. 15/20.



O Professor Caio Mário da Silva Pereira leciona que:



“Quando se cuida do dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência das forças: 'caráter punitivo' para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o 'caráter compensatório' para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido.” (in “Responsabilidade Civil”. 8ª edição. Editora Forense, 1996. p. 55 e 60, itens nº. 45 e 49, 8ª ed.).


Neste sentido, basta apenas que se quantifique o valor da indenização (no caso: R$ 8.000,00), o qual foi corretamente arbitrado pela magistrada sentenciante, que observou a média corrente nos tribunais superiores e bem indeniza o autor, sem enriquecê-lo indevidamente.


Finalmente, não há que se falar em isenção da Fazenda Pública Municipal ao pagamento das custas e despesas processuais de modo generalizado.


Com efeito, necessário verificar-se a diferenciação entre os conceitos de despesa processual e custa processual para fins de encerrar a celeuma que se instaurou no presente recurso.

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As despesas processuais em sentido amplo são o gênero de todos os gastos necessários para operacionalizar a prestação da tutela jurisdicional.


Por sua vez, as custas processuais correspondem a uma das espécies do gênero despesa processual, ao lado, por exemplo, dos honorários periciais e das multas processuais.


Neste sentido, leciona a doutrina:



“2. Despesas Processuais. As despesas processuais são todos os gastos econômicos indispensáveis que os participantes do processo tiveram de despender em virtude da instauração, do desenvolvimento e do término da instância. As despesas judiciais são o gênero em que se inserem as custas judiciais, os honorários advocatícios, as multas porventura impostas, as indenizações de viagens, as diárias de testemunhas e as remunerações de peritos e de assistentes técnicos. Pareceres de juristas ofertados pelas partes não são considerados despesas processuais, porque não são indispensáveis ao processo. 'Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa (Sumula 66 7, STF).” (Marinoni, Luiz Guilherme in “Novo Código de Processo Civil comentado”, 3ª ed. rev. atual. e ampl., 2017, São Paulo: Revista dos Tribunais, fls. 237).

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“Por despesas, é bom que se tenha claro desde logo, não se compreendem só as custas processuais. O conceito de despesas é mais amplo, incluindo   além das custas   a indenização de viagem, a remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha (art. 84), além de quaisquer outros valores devidos em razão do processo.” (Câmara, Alexandre Freitas in “O novo processo civil brasileiro”, 3. ed.   São Paulo: Atlas, 2017).


“As despesas processuais englobam todos os gastos que serão devidos aos agentes estatais (Poder Judiciário e auxiliares da justiça). Assim, são despesas processuais a taxa judiciária (custas iniciais e preparo dos recursos), os emolumentos devidos a eventuais cartórios não oficializados, o custo de certos atos e diligências (como a citação e a intimação das partes e testemunhas) e a remuneração de auxiliares eventuais (peritos, avaliadores, depositários, entre outros).” (Donizetti, Elpídio in “Novo Código de Processo Civil comentado”, 2. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Atlas, 2017, fls. 152/153).


“Despesa processual é, portanto, gênero do qual são espécies as custas processuais; o selo postal; a diligência de Oficial de Justiça; eventual despesa com publicação de edital (...).” (in “Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil”, Teresa Arruda Alvim Wambier... [et al], coordenadores. São Paulo: RT, 2015, pg. 299).

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Assim, conclui-se que as despesas processuais em sentido amplo, refere-se ao gênero, do qual se extraem várias espécies, tais como as custas processuais, emolumentos, custos de diligências etc., além das despesas processuais em sentido estrito, que são aqueles valores destinados para o custeio de atos fora da atividade cartorial.


Sobre o assunto, o C. STJ já teve oportunidade de se manifestar, in verbis:


“PROCESSO CIVIL - EXECUÇÃO FISCAL - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DAS TESES EM TORNO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS TIDOS COMO VIOLADOS - INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 282 E 356 STF - CÓPIA DE ATOS CONSTITUTIVOS DA EMPRESA EXECUTADA - OBTENÇÃO JUNTO AO CARTÓRIO DE REGISTRO DA PESSOA JURÍDICA - PRETENDIDA ISENÇÃO PELA FAZENDA PÚBLICA.

1. Inviável o recurso especial em que se alega ofensa a dispositivos legais não prequestionados. Aplicação das Súmulas 282 e 356 STF.

2. Custas são o preço decorrente da prestação da atividade jurisdicional, desenvolvida pelo Estado-juiz através de suas serventias e cartórios.

3. Emolumentos são o preço dos serviços praticados pelos serventuários de cartório ou serventias não oficializados, remunerados pelo valor dos serviços desenvolvidos e não pelos cofres públicos.

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4. Despesas, em sentido restrito, são a remuneração de terceiras pessoas acionadas pelo aparelho jurisprudencial, no desenvolvimento da atividade do Estado-juiz.

5. Não é razoável crer que a Fazenda Pública possa ter reconhecida isenção, perante os Cartórios de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica, decorrente da obtenção de cópias dos atos constitutivos das empresas que pretende litigar.

6. Goza a Fazenda apenas da prerrogativa de efetuar o pagamento ao final, se vencida. Precedente da Primeira Seção.

7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.” (REsp 1.036.656/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, DJe 06/04/2009 - g.m.)


Assim, pode-se concluir que as despesas processuais em sentido estrito são os valores de natureza não tributária, que são devidos como remuneração de gastos operacionais dirigidos a pessoas internas ou externas ao Poder Judiciário, os quais são necessários ao desenvolvimento processual, como, por exemplo, os honorários periciais, citações e intimações pelos Correios, laudos técnicos etc.


Já as custas processuais, em síntese, possuem natureza tributária e são devidas pela prática de serviços judiciários, como, por exemplo, o preparo e a taxa judiciária.


Sob este prisma, fica clara a diferença entre

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despesas, em sentido estrito, e custas processuais, o que é de suma importância para se verificar o enquadramento da isenção concedida à Fazenda Pública.


Com relação à previsão legal sobre o tema, preconiza o artigo 91 do CPC que “as despesas dos atos processuais praticados a requerimento da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública serão pagas ao final pelo vencido”.


E o artigo 39 da Lei das Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/80) prevê que “a Fazenda Pública não está sujeita ao pagamento de custas e emolumentos. A prática dos atos judiciais de seu interesse independerá de preparo ou de prévio depósito” e seu parágrafo único que “se vencida, a Fazenda Pública ressarcirá o valor das despesas feitas pela parte contrária”.


Além disso, o artigo 6º da Lei n.º 11.608/2003 preconiza que: “A União, o Estado, o Município e respectivas autarquias e fundações, assim como o Ministério Público estão isentos da taxa judiciária.”


E, o diploma legal paulista supracitado, expressamente conceitua o que compreende ou não por taxa judiciária, nos seguintes termos:


“Artigo 1º - A taxa judiciária, que tem por fato gerador a prestação de serviços públicos de natureza forense, devida

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pelas partes ao Estado, nas ações de conhecimento, na execução, nas ações cautelares, nos procedimentos de jurisdição voluntária e nos recursos, passa a ser regida por esta lei.

Artigo 2º - A taxa judiciária abrange todos os atos processuais, inclusive os relativos aos serviços de distribuidor, contador, partidor, de hastas públicas, da Secretaria dos Tribunais, bem como as despesas com registros, intimações e publicações na Imprensa Oficial.

Parágrafo único - Na taxa judiciária não se incluem:

I - as publicações de editais;

II - as despesas com o porte de remessa e de retorno dos autos, no caso de recurso, cujo valor será estabelecido por ato do Conselho Superior da Magistratura;

III - as despesas postais com citações e intimações;

IV - a comissão dos leiloeiros e assemelhados;

V - a expedição de certidão, cartas de sentença, de arrematação, de adjudicação ou de remição, e a reprodução de peças do processo, cujos custos serão fixados periodicamente pelo Conselho Superior da Magistratura;

VI - a remuneração do perito, assistente técnico, avaliador, depositário, tradutor, intérprete e administrador;

VII - a indenização de viagem e diária de testemunha;

VIII - as consultas de andamento dos processos por via eletrônica, ou da informática;

IX - as despesas de diligências dos Oficiais de Justiça, salvo em relação aos mandados:

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a) expedidos de ofício;

b) requeridos pelo Ministério Público;

c) do interesse de beneficiário de assistência judiciária;

d) expedidos nos processos referidos no Artigo 5°, incisos I a IV;

X - todas as demais despesas que não correspondam aos serviços relacionados no 'caput' deste artigo.

X - as despesas com o desarquivamento de processos e sua manutenção em arquivo, cujos custos serão fixados periodicamente pelo Conselho Superior da Magistratura; (NR)

X - a despesa com o desarquivamento de processo físico ou digital no Arquivo Geral do Tribunal ou em empresa terceirizada é fixada em 1,212 Unidade Fiscal do Estado de São Paulo (UFESP) e para processo arquivado nas Unidades Judiciais é fixada em 0,661 UFESP. (NR)

XI - a obtenção de informações da Secretaria da Receita Federal, das instituições bancárias e do cadastro de registro de veículos, via Infojud, BacenJud e Renajud, ou análogas, cujos custos serão fixados periodicamente pelo Conselho Superior da Magistratura;

XII - todas as demais despesas não correspondentes aos serviços relacionados no 'caput' deste artigo. (NR)

XII - a obtenção das informações cadastrais do sistema SERASAJUD, cujos custos serão fixados periodicamente pelo Conselho Superior da Magistratura; (NR)

XIII - todas as demais despesas que não correspondam aos

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serviços relacionados no 'caput' deste artigo.

Artigo 3º - O valor e a forma de ressarcimento das despesas de condução dos Oficiais de Justiça, não incluídos na taxa judiciária, serão estabelecidos pelo Corregedor Geral da Justiça, nos termos dos parágrafos 1° e 2° do Artigo 19 do Código de Processo Civil, respectivamente.”


Note-se que, por tais dispositivos legais, a Fazenda Pública não está isenta do pagamento de todas as despesas processuais em sentido amplo.


Portanto, a despesa que não se enquadrar dentre as espécies acima indicadas deve ser custeada e adimplida pela Fazenda Pública, estando dispensada, apenas, de seu recolhimento prévio.


Aliás, este é o entendimento pacificado pelo C. STJ no julgamento do Tema Repetitivo nº. 1054, que, embora tenha analisado a questão sob a ótica da execução fiscal, no bojo de sua fundamentação deixou clara a correta aplicação do artigo 91, do CPC, como se vê in verbis:


“Tese fixada: A teor do art. 39 da Lei 6.830/80, a fazenda pública exequente, no âmbito das execuções fiscais, está dispensada de promover o adiantamento de custas relativas ao ato citatório, devendo recolher o respectivo valor somente ao final da demanda, acaso resulte vencida.

(...)

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Na mesma linha de entendimento, preconiza o art. 91 do CPC que as custas processuais só serão pagas pela fazenda pública ao fim, se resultar vencida na demanda. Essa previsão já constava no CPC/73, em seu art. 27: 'As despesas dos atos processuais, efetuados a requerimento do Ministério Público ou da Fazenda Pública, serão pagas a final pelo vencido'. Em outras palavras, a lei processual, mesmo sob a égide do antigo CPC/73, dispensava alguns litigantes do ônus de adiantar as despesas processuais, a exemplo da fazenda pública. (...).” (g.m.).


Noto, finalmente, que a verba honorária não se confunde com as verbas acima elencadas, uma vez que pertence ao advogado (art. 85, § 14, do CPC e art. 23, do EOAB) e é devida pela aplicação do princípio da sucumbência (art.85, caput CPC), não havendo qualquer previsão de isenção de seu pagamento pelas fazendas públicas.


Destarte, por qualquer ângulo que se analise a questão posta em julgamento, descabe razão à apelante, merecendo ser integralmente mantida a r. sentença, por seus próprios e jurídicos fundamentos, com observação aos termos da Lei nº. 11.608/03.


Em sede recursal, deixo de majorar os honorários advocatícios, uma vez que, tratando-se de condenação ilíquida, a sua fixação deverá ocorrer na fase de liquidação de sentença, nos termos do inciso II, do § 4º, do art. 85, do CPC.

Apelação / Remessa Necessária nº 1001872-41.2023.8.26.0450 -Voto nº 24073 36

 




Ressalto que o presente acórdão enfocou as matérias necessárias à motivação do julgamento, tornando claras as razões do decisum, e rebatendo todas as teses levantadas pelas partes capazes de infirmar a conclusão adotada pelo julgador, em observação ao que dispõe o artigo 489, § 1º, do CPC (STJ. EDcl no MS 21.315-DF, julgado em 8/6/2016 - Info 585).


Todavia, para viabilizar eventual acesso às vias extraordinária e especial, considero prequestionada toda matéria suscitada, observando-se que não houve afronta a nenhum dispositivo infraconstitucional e constitucional.


Ante o exposto, pelo meu voto, afasta-se a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam e, no mérito, rejeita-se a prejudicial de prescrição e nega-se provimento ao apelo da Municipalidade, com solução extensiva à remessa necessária.




SILVIA MEIRELLES

Relatora