Processo nº:
0020913-53.2009.8.19.0011
Tipo do Movimento:
Sentença
Descrição:
Sociedade
Civil Orla 500, devidamente qualificada na inicial, propõe ação de
conhecimento pelo rito sumário em face de Jane Bettencourt de
Bettencourt e Andrea Bittencourt de Bettencourt Oliveira, com a
pretensão de obter a condenação das rés ao pagamento do montante que
alega lhe ser devido a título de cotas de rateio de despesas comuns, nos
termos da inicial de fls. 02/16, que veio instruída com os documentos
de fls. 17/141. Na inicial, a autora alega, em síntese, que as rés são
proprietárias do lote 39, da quadra 09, do Loteamento Orla 500 e que, na
qualidade de ´condomínio de fato´ instituído pelos proprietários dos
lotes situados no local, presta-lhes diversos serviços, tendo para tanto
adquirido vários equipamentos, além de manter 46 funcionários. Ocorre
que embora as rés tenham aderido tacitamente ao regime
´sócio-condominial´ por meio da fruição contínua dos serviços
instituídos, não vêm pagando suas cotas de rateio das despesas comuns
com regularidade, perfazendo seu débito a quantia de R$ 26.199,45 até
setembro de 2009. Pelo que requer a condenação das rés ao pagamento da
referida quantia, bem como das cotas vincendas. Audiência de conciliação
designada na forma do artigo 277, do CPC, a fls. 175, em que
compareceram as partes, sendo que as rés estavam desacompanhadas de
advogado, não tendo, portanto, oferecido contestação. Decisão às fls.
182, decretando a revelia das rés, contra que foi interposto agravo de
instrumento pelas rés, ao qual foi dado provimento, conforme decisão
monocrática de fls. 282/283vº. As rés, regularmente citadas, responderam
por contestação a fls. 187/202, instruída com os documentos de fls.
203/236, arguindo preliminarmente a carência acionária por falta de
interesse de agir e impossibilidade jurídica do pedido, bem como a
ocorrência da prescrição. No mérito, afirma que há cobrança excessiva,
em razão de algumas prestações terem sido alcançadas pela prescrição,
argumentando que outrora requereu expressamente o seu desligamento da
associação autora, sendo atualmente associadas da BENGALA, que lhe
presta serviços satisfatoriamente. Aduz que a autora não é um
condomínio, alegando, quanto aos serviços prestados, que são
desnecessários ou ilegais, relatando, ainda, que aquela emite ordens a
seus funcionários para que somente prestem serviços a seus sócios, o que
as exclui. Por fim, sustenta que a cobrança pretendida é ilegal, sendo
livre o direito de associação. Pelo que requer a extinção do feito sem
julgamento do mérito ou a improcedência do pedido. Réplica às fls.
289/292. É o relatório. Decido. O presente feito comporta o julgamento
antecipado da lide, em consonância com o disposto no artigo 330, inciso
I, do CPC, diante da desnecessidade da produção de outras provas para
dirimir a controvérsia instaurada. Inicialmente, deve ser rejeitada a
preliminar de carência acionária por falta de interesse de agir, já que,
como condição da ação, assenta-se o interesse de agir na premissa de
que não convém ao Estado que se acione o aparelho judiciário, em
exercício de jurisdição, sem que dele se extraia resultado útil, que
corresponde exatamente ao escopo da função jurisdicional, ou seja, a
manutenção da paz na sociedade, por meio da aplicação do direito
positivo, diante de um conflito de interesses. E, no presente caso, a
ação se mostra útil, necessária e adequada ao alcance da pretensão da
autora, a qual foi resistida pela parte ré. Do mesmo modo, deve ser
repelida a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que
o pedido de cobrança de rateio de despesas encontra previsão em nosso
ordenamento jurídico. Neste sentido, Humberto Theodoro anota, com a
precisão de sempre, que hoje ´predomina na doutrina o entendimento de
que o exame da possibilidade jurídica do pedido deva ser feito sob o
ângulo da adequação do pedido ao direito material a que eventualmente
correspondesse a pretensão do autor´ (Digesto, vol. II, pág. 209). A
prejudicial de mérito da prescrição também deve ser rechaçada, visto que
a cobrança das cotas sociais se equipara à cobrança das cotas
condominiais, sendo aplicável à espécie o prazo a que alude o artigo 205
do Código Civil, de dez anos. Neste sentido: ´Ação de cobrança pelo
procedimento sumário. Cobrança de contribuição realizada por Associação
de Moradores para prover despesas comuns. Sentença de procedência do
pedido. Inconformismo do Autor. (...) A cobrança da contribuição
associativa é equiparada à cobrança das cotas condominiais. Prescrição
decenal regulada pelo art. 205 do Código Civil. Precedente TJERJ.
RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO, na forma do Artigo 557, caput, do
CPC.´ (TJERJ, Apelação nº 0032426-24.2009.8.19.0203, Vigésima Câmara
Cível, Rel. Des. Conceição Mousnier, Julgamento: 12/03/2012) No mérito, a
autora pretende por intermédio da presente ação cobrar das rés, na
qualidade de sociedade civil, o débito referente ao pagamento das ´cotas
de rateio´ em atraso. As rés, por seu turno, alegam que não estão
obrigadas a realizar o pagamento do débito cobrado, uma vez que, de
acordo com o art. 5º, inciso XX da CF, é livre o direito de associação.
Assim, a controvérsia instaurada cinge-se à possibilidade de se compelir
ou não o proprietário de imóvel, não sócio, ao pagamento das cotas de
rateio das despesas comuns cobradas pela sociedade civil autora, a cujo
pagamento se recusa. Tal questão vem dividindo a doutrina e a
jurisprudência entre aqueles que, de um lado, defendem o direito de
livre associação previsto em nossa Constituição Federal e, de outro,
aqueles que pretendem evitar o enriquecimento ilícito dos não associados
em detrimento dos proprietários pagantes que acabam por arcar
integralmente com o custo de serviços como conservação, limpeza,
vigilância, entre outros, que costumeiramente são prestados por tais
associações e dos quais todos se beneficiam. A jurisprudência do E.
Tribunal de Justiça deste Estado chegou a consolidar-se no sentido da
possibilidade da cobrança, conforme se verifica do Verbete nº 79 da sua
Súmula, in verbis: ´Em respeito ao princípio que veda o enriquecimento
sem causa, as associações de moradores podem exigir dos não associados,
em igualdade de condições com os associados, que concorram para o
custeio dos serviços por elas efetivamente prestados e que sejam do
interesse comum dos moradores da localidade.´ Todavia, tal entendimento
não prevalece em nossos Tribunais Superiores atualmente. De fato, a
jurisprudência da Segunda Seção do C. Superior Tribunal de Justiça
firmou-se no sentido de que é vedada às associações de moradores a
cobrança de encargos por serviços contra pessoas que delas não fazem
parte, ainda que proprietárias de imóvel em cuja área ocorreram os
benefícios, não se cogitando, então, de enriquecimento sem causa. Nesse
sentido: ´AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO
ESPECIAL. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. CONDOMÍNIO ATÍPICO. COBRANÇA DE
NÃO-ASSOCIADO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO SUMULAR N.º
168/STJ. 1. Consoante entendimento sedimentado no âmbito da Eg. Segunda
Seção desta Corte Superior, as taxas de manutenção instituídas por
associação de moradores não podem ser impostas a proprietário de imóvel
que não é associado, nem aderiu ao ato que fixou o encargo (Precedentes:
AgRg no Ag 1179073/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de
02/02/2010; AgRg no Ag 953621/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha,
Quarta Turma, DJe de 14/12/2009; AgRg no REsp 1061702/SP, Rel. Min.
Aldir Passarinho, Quarta Turma, DJe de 05/10/2009; AgRg no REsp
1034349/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, DJe 16/12/2008) 2.
(...). 3. Agravo regimental a que se nega provimento.´ [STJ, AgRg nos
EREsp 961927/RJ, Segunda Seção, Rel. Min. Vasco Della Giustina
(Desembargador Convocado do TJ/RS), julgamento: 08/09/2010,
publicação/fonte: DJe de 15/09/2010] Nossa Corte Suprema, ao julgar o
Recurso Extraordinário nº 432106, também oriundo deste Estado, decidiu a
questão em igual sentido, conforme se extrai da ementa do acórdão então
proferido, a seguir transcrita: ´ASSOCIAÇÃO DE MORADORES - MENSALIDADE -
AUSÊNCIA DE ADESÃO. Por não se confundir a associação de moradores com o
condomínio disciplinado pela Lei nº 4.591/64, descabe, a pretexto de
evitar vantagem sem causa, impor mensalidade a morador ou a proprietário
de imóvel que a ela não tenha aderido. Considerações sobre o princípio
da legalidade e da autonomia da manifestação de vontade - artigo 5º,
incisos II e XX, da Constituição Federal.´ (STF, RE 432106/RJ, Primeira
Turma, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, julgamento: 20/09/2011, DJe-210, divulg.
03-11-2011 public. 04-11-2011, ement. vol-02619-01 pp-00177) O Supremo
Tribunal Federal reconheceu, ainda, a existência de repercussão geral na
questão constitucional suscitada nos autos do AI 745831 RG/SP que versa
sobre a matéria, tendo sido esse feito substituído como paradigma para
julgamento pelo RE 695911, o qual se encontra pendente de julgamento.
Diante desse quadro, a conclusão que se impõe, à luz do ordenamento
jurídico vigente e da jurisprudência predominante, é a de que assiste
razão às rés, as quais não estão obrigadas a se associarem e nem a
contribuírem para as despesas de uma sociedade civil da qual não fazem
parte. Aplica-se à hipótese o princípio constitucional da Livre
Associação. Com efeito, a Constituição Federal assegura em seu artigo
5º, inciso II que ´ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei´, garantindo, ainda, no inciso XX
do mesmo artigo que ´ninguém poderá ser compelido a associar-se ou
permanecer associado´. Por conseguinte, as associações ou sociedades
civis não possuem o direito de exigir que o particular se associe aos
seus quadros e/ou seja compelido a pagar suas contribuições. Inexistindo
lei que imponha a associação do particular a uma entidade privada, é
descabida a cobrança de contribuições impostas por associação de
moradores a proprietários não associados que não aderiram ao ato que
instituiu o encargo. Assim, no confronto entre os princípios
constitucionais da legalidade e da livre associação com o princípio de
direito que veda o enriquecimento sem causa, devem prevalecer os dois
primeiros, já que tratam de garantias constitucionais. Diante dos
fundamentos acima, outra solução não resta senão a improcedência do
pedido formulado na inicial. Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido
formulado na inicial e condeno a autora ao pagamento das custas
processuais e honorários advocatícios que, fixo em 10% (dez por cento)
sobre o valor atribuído à causa. Transitada em julgado, remetam-se os
autos à Central de Arquivamento desta Comarca, nos termos do disposto no
artigo 229-A, §1º, inciso I, da Consolidação Normativa da
Corregedoria-Geral de Justiça (parte judicial), com a redação que lhe
foi dada pelo Provimento CGJ nº 20/2013, de 05/04/2013, para baixa e
arquivamento. P.I.
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RESULTADO DO RECURSO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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