(..)
ConJur — Qual seria a vocação do Supremo? Julgar tudo ou apenas se pronunciar sobre os grandes temas constitucionais que afetam a todos os cidadãos?Cezar Peluso — A vocação do Supremo são os grandes temas. Não é isso o que acontece agora, mas com o andamento da reforma teremos probabilidade de que o Supremo venha a se dedicar ao que deve. Ele só julgará aquilo que tiver repercussão, relevância social, institucional, política ou econômica para o país. Senão, não julga. O STF fará o que faz a Suprema Corte americana. No ano retrasado, ela julgou apenas 99 casos. (...) O Supremo americano faz isso: escolhe as causas que julga a partir da relevância que pode ter para o país. E isso é o que devemos começar a fazer por aqui. Mas nesses nove anos o que tivemos foi a batalha para tentar zerar o acervo de processos que se acumularam por tantos anos.
Esse cenário mudou com a introdução de dois mecanismos da mais alta importância na recuperação da missão do Supremo.
O primeiro foi a súmula vinculante; o segundo, a repercussão geral. No instante em que começar a se avolumar o acervo das súmulas vinculantes diminuirá o número de pendências. Esse é o primeiro instrumento.
O segundo, a “repercussão geral”, define que nenhuma causa será julgada pelo Supremo se não for capaz de produzir uma repercussão geral.
Ou seja, para o Supremo julgar uma causa ela precisa ser importante em termos sociais, políticos e econômicos para o país, tem que transcender os interesses individuais daquele processo.
ConJur — Num mundo de mudanças rápidas, com novas áreas como biotecnologia, biogenética, a súmula vinculante não poderia engessar a Justiça?
Cezar Peluso — Não, porque o sistema de súmulas vinculantes e de repercussão geral é aberto e o próprio regimento do STF regulamenta a revisibilidade. Todas as posições são passíveis de revisão, caso mudem as condições históricas, econômicas e sociais. Quando surgirem circunstâncias capazes de influir numa mudança de posição do Supremo, as súmulas serão revistas.ConJur — A súmula vinculante não tiraria do juiz a prerrogativa de julgar de acordo com sua consciência?
Cezar Peluso — Mas isso seria outra manifestação de excesso de suscetibilidade. A súmula não é algo “oracular”, como se Deus desse ao Supremo o poder de ditar uma sentença. O STF não fixará sentenças a partir do nada.
Como nasce uma súmula? Um juiz decide desse jeito, sua sentença vai para o Tribunal, que decide do mesmo jeito.
A causa sobe para o Superior Tribunal de Justiça, que decide do mesmo modo. Vai então para o Supremo, que a confirma. São milhões de pequenas decisões, trabalho de reflexão de milhares de juízes que decidem com uma visão comum.
E então o STF diz: “Diante de tanto consenso, é hora de fixar uma posição”. E está criada a súmula. De onde veio a súmula? Do pensamento dos juízes! Quem fixa a súmula são os juízes, será que não percebem? Da mesma forma, as revisões das súmulas nascerão de contribuição dos próprios juízes. Não é possível continuar tendo decisões contraditórias, um juiz decide assim, outro decide daquele jeito, e a sociedade perde a segurança.
ConJur — Há muitas súmulas vinculantes?
Cezar Peluso — Quase trinta. Devemos aprovar mais algumas, iremos converter de súmulas ordinárias em súmulas vinculantes. Precisamos de mais súmulas vinculantes, estamos um pouco atrasados nessa produção.
ConJur — Como funciona esse processo?
Cezar Peluso — O ministro ou qualquer pessoa pode propor, depois de uma série de decisões uniformes no mesmo sentido. Faz-se um pequeno processo. As pessoas podem opinar, sai um edital, depois é ouvida a comissão de jurisprudência, e as procuradorias gerais e o plenário decide. Temos muitos assuntos que mereciam já ter se transformado em súmulas. Um dele é a questão da guerra fiscal. Temos mais de 20 decisões dizendo que não se pode conceder nenhum favor fiscal sem autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). E os estados continuam concedendo, pois é preciso uma sumula vinculante para colocar um fim a essa guerra dos incentivos fiscais.
ConJur — Que organização da sociedade tem participado desse movimento?
Cezar Peluso — Não tivemos nenhuma proposta formal de súmulas vinculantes por parte de entidades ou organizações. Existem sugestões informais de advogados, mas formalmente nada.
ConJur — Nem por parte da OAB?
Cezar Peluso — Não. Qualquer classe ou pessoa que ache que uma matéria já foi decidida tantas vezes pelo Supremo e que seria importante estabilizar aquela decisão pode pedir, não há restrição alguma. Estamos um pouco inibidos, há vários assuntos que estão bem sedimentados e que poderiam ser objeto de súmulas vinculantes. Na minha gestão fizemos um levantamento de todas as súmulas produzidas pelo Supremo. Produzimos mais de 700 súmulas, e nesse levantamento das súmulas antigas vimos quais tratam de assuntos atuais e que poderiam se tornar vinculantes. Fiz uma proposta para o plenário: há umas duas dezenas de súmulas que quero aprovar antes da minha saída. Mas isso ainda é pouco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário