Não à repetição
As instituições públicas estão acima de interesses partidários e pessoais. Tal premissa -fundamental para a democracia- tem a concordância absoluta de todos, da sociedade à classe política.
O que explica, então, que o Brasil caia sempre na mesma armadilha? Por que os governos ficam reféns de grupos com baixa representatividade política e social em busca apenas dos dividendos que a máquina pública lhes oferece?
Passam-se décadas, mudam os governantes e isso parece se perpetuar. As práticas reveladas no Ministério dos Transportes e suas autarquias não surpreendem pela novidade, mas, sim, pela repetição. Vemos, mais uma vez, interesses políticos e eleitorais se sobrepondo aos interesses do Estado e da sociedade.
É o atraso na política corroendo e subvertendo instituições pelas quais a sociedade lutou, a duras penas, ao longo de muito tempo.
O TCU, o Ministério Público, a Controladoria-Geral da União e seus congêneres são fruto de longa demanda popular por ética e transparência.
Se não funcionam com rapidez e eficiência, precisam do empurrão de todos. As autoridades públicas precisam ser salvas delas mesmas por meio da transparência, dos mecanismos de controle e da punição real e em tempo razoável.
Vamos aceitar como normal a ideia do “ah, é assim mesmo” ou, pior, de que os governantes nada podem fazer para mudar porque seriam inviabilizados pela sua “base”?
Que certas práticas são tão enraizadas que é melhor deixar como está? Que os recursos podem ser distribuídos pelos caciques políticos, sob ameaças de retaliação contra o interesse coletivo?
A complexidade das relações entre o Executivo e o Legislativo e a necessidade de maioria parlamentar que garanta a governabilidade não legitimam os acertos e negociações fora das luzes da transparência e das leis.
A verdadeira base do governante, a única capaz de intimidar a “base” do atraso, é a sociedade, e ela só fica de mãos atadas quando esquece disso.
Cada vez que a presidente disser “não” aos interesses espúrios, merece apoio do povo e, tenho certeza, o terá de grande parte do próprio Congresso.
As soluções para enfrentar os problemas não são simples, o que não isenta a sociedade de continuar vigilante, pressionando permanentemente os atores públicos a se conduzirem de acordo com os princípios do Estado democrático.
A crise nos Transportes não é mais um caso de corrupção. É emblemática, pode ser aquele momento que permite inflexão definitiva, que dá liga às iniciativas que clamam pela mudança. É só uma das manifestações da longa crise política que temos o dever de enfrentar. Na democracia, não há lugar para a passividade.
* Artigo da ex-senadora Marina Silva publicado originalmente na Folha de S. Paulo em 22 de julho de 2011.
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