sexta-feira, 22 de julho de 2011

Os Desafios da Proteção Jurisdicional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais



Mestre e Doutor em Direito Público pela Universidade de ciências Sociais de Toulouse, França. Professor pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da Unisinos.

Resumo
A incorporação dos direitos sociais, econômicos e culturais nos textos constitucionais teve como objetivo lhes oferecer uma efetiva garantia constitucional. A natureza particular destes direitos, está a exigir um tratamento jurisdicional diferenciado dos direitos civis e políticos: o tratamento individualista das ações constitucionais deve ceder diante das exigências de regulamentação legislativa dos direitos constitucionalmente protegidos e, sobretudo, diante do perfil transindividual dos novos direitos fundamentais.
Introdução
É sempre bom lembrar que o Estado constitucional surgiu como uma solução, resposta, ao Estado absolutista. A sua proposta não seria, todavia, a de romper com o novo modelo de organização social baseada na presença do Estado, instituição. Era preciso dar um passo à frente, por um lado, preservar a segurança conquistada no absolutismo, por outro, defender o indivíduo dos humores do poder político concentrado. A Constituição para o Estado representou, o primeiro passo de uma longa caminhada. O seu principal objetivo foi o de conter, limitar, circunscrever, o poder político. Procura-se prevenir o arbítrio pela delimitação constitucional de competências e atribuições, ou seja, pelo princípio da separação dos poderes. A preocupação está aqui dirigida à atuação dos governantes.

O passo seguinte estaria voltado para a relação entre governantes e governados. É certo que as Declarações de Direitos procuraram afirmar a prevalência do indivíduo diante da sociedade política. Porém o valor moral, político, ético, desde logo a elas atribuído, diminuiria sensivelmente a sua força jurídica. Tratava-se, pois, de recomendações ou, de outro modo, de documentos de inspiração para a ação política. Não haveria necessidade de se garantir o fiel cumprimento das recomendações ali previstas, mesmo porquê, afirmava-se então, tratavam de questões que dependiam do alcance de um determinado estágio da organização social e política. Esta seria a condição sine qua non para o natural exercício dos direitos previstos nas Declarações. Queremos dizer que, num primeiro momento, discutiu-se a real necessidade das garantias dos Direitos, pois, entendia-se, com o avanço - desenvolvimento - político e econômico da sociedade, estes Direitos seriam gradativa e naturalmente realizados.
Ora, o século XIX nos oferece exemplos de como o desenvolvimento, sobretudo econômico, não representou de imediato uma melhora no modo de vida de grande parte da população. Foi preciso um forte movimento social para que as mudanças ocorressem. No decorrer deste século presenciamos o início do processo de constitucionalização dos Direitos do Homem. Numa primeira fase - primeira metade do século XIX - os direitos individuais. Mais tarde - segunda metade do século XIX - os direitos coletivos e políticos. Por si só, a constitucionalização dos Direitos individuais, coletivos e políticos, representava uma garantia, pois deixavam de ser recomendações destinadas a orientar a ação governamental, para serem verdadeiros direitos subjetivos, passíveis de serem discutidos - garantidos - em face do poder do Estado. Direitos que poderiam ser trazidos ao Judiciário, órgão fiscalizador da correta aplicação dos direitos inseridos no texto constitucional. Deste modo, instrumentos processuais de defesa dos direitos - agora, podemos dizer: fundamentais, posto que incorporados ao texto constitucional -, foram igualmente constitucionalizados, penso na ação de habeas corpus, que no Brasil recebe tratamento constitucional desde a primeira Constituição republicana de 1891.
Assim sendo, podemos afirmar que a constitucionalização dos Direitos Humanos, para além da garantia imediatamente conquistada pela sua natureza de norma jurídica, gozando pois de imperatividade, contribuiu para que os Direitos Humanos Fundamentais possam gozar de uma garantia jurisdicional que se manifestaria de dois modos:
(a) o controle da constitucionalidade, no caso brasileiro, primeiramente através do controle concreto de tipo norte-americana, e mais tarde através da adoção do controle abstrato, de tipo europeu; e
(b) as ações constitucionais de proteção direta dos direitos humanos fundamentais, no caso brasileiro, inicialmente, a ação popular, o habeas corpus e o mandado de segurança individual, mais recentemente, a ação civil público, e com a entrada em vigor da atual Constituição, o mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção e o habeas data.

Chamamos atenção para a história constitucional brasileira, particularmente, na vigência da primeira Constituição republicana de 1891, período em que a única ação constitucional de proteção dos direitos individuais era o habeas corpus. Como sabemos, na sua origem, o habeas corpus destina-se à defesa do indivíduo em face de uma prisão arbitrária. No entanto, diante das constantes arbitrariedade praticadas pelos governantes neste período da chamada república velha e na ausência de um instrumento processual mais adequado à proteção dos direitos individuais, os juristas da época ofereceram uma interpretação ao habeas corpus, no sentido de permitir a sua utilização na defesa dos direitos decorrentes da idéia de liberdade. A conhecida doutrina brasileira do habeas corpus, perdurou somente até a revisão constitucional de 1926. Porém foi neste período que se entendeu necessário a criação de novos instrumentos processuais de defesa dos direitos do cidadão. Com o fim da república velha em 1930, a primeira Constituição social brasileira, de 1934, introduziria uma nova ação constitucional denominada: mandado de segurança.
Ora, percebemos que o constitucionalismo brasileiro permitiu uma evolução das garantias constitucionais dos direitos humanos, particularmente através das ações constitucionais. Deste modo, a inovação trazida pela Constituição de 1988 com a introdução do mandado de segurança coletivo, do habeas data e do mandado de injunção, seria natural diante da necessidade de uma proteção jurisdicional eficaz, ou seja, adequada aos novos diretos humanos fundamentais passíveis de violação.
Não será outra a preocupação deste estudo: refletir sobre a adequação das ações constitucionais para a proteção dos direitos sociais, econômicos e culturais. Estes direitos, que foram constitucionalizados na primeira metade do século XX, ainda sofrem severas críticas dos juristas vinculados ao pensamento liberal do século XIX. Para estes, direitos humanos fundamentais seriam tão somente as chamadas liberdades públicas: direitos individuais, coletivos e políticos. Estes sim, merecedores de proteção jurisdicional, pelo que, as ações constitucionais brasileiras do habeas corpus e mandado de segurança, seriam largamente satisfatórias. Os direitos da segunda geração de direitos humanos (da terceira fase de incorporação constitucional), não mereceriam, dizendo de outra maneira, não poderiam gozar de uma proteção jurisdicional, sobretudo, em razão de suas características jurídico-constitucionais.
Sentimos, primeiramente, a dificuldade de inclusão dos direitos sociais, econômicos e culturais na lista dos direitos humanos fundamentais (I.), o que implicaria numa ausência de percepção da necessária superação do caráter eminentemente individualista das ações constitucionais para que se possa obter uma real e efetiva proteção jurisdicional desta nova categoria de direitos fundamentais (II.).
I. A Natureza Jurídico-Constitucional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais
As normas constitucionais definidoras dos direitos sociais, econômicos e culturais, desde suas primeiras experiências - Constituição mexicana de 1917 e, particularmente a Constituição alemã, de Weimar, de 1919 - encontram dificuldades de aceitação e implementação. Com efeito, neste momento busca-se romper com constitucionalismo liberal individualista, para ingressarmos numa nova fase da história das constituições no ocidente, o constitucionalismo social.
Observe-se, por exemplo, a análise feita por Carl Schmitt sobre os Direitos Fundamentais reconhecidos pela Constituição de Weimar, apresentando uma distinção clara entre direitos fundamentais absolutos: direitos de liberdade individual; e direitos fundamentais relativos: direitos sociais. Vejamos:
"…Os direitos fundamentais no seu sentido próprio, são somente os direitos de liberdade individual, e não as exigências sociais.

Fazem parte: a liberdade de consciência, a liberdade pessoal (sobretudo a proteção contra as prisões arbitrárias), a inviolabilidade do domicilio, o segredo de correspondência e a propriedade privada. Para estes direitos de liberdade individual, o indivíduo é considerado isoladamente. A Constituição de Weimar os enumera no primeiro capítulo da segunda parte sob o título 'A pessoa individual' - no qual estão incluídos outros direitos não verdadeiramente fundamentais, ao passo que o direito individual originário, a liberdade religiosa e de consciência, está sendo tratado no terceiro capítulo sob o título 'Religião e associação religiosa' (art. 135 e 136)."
Para logo em seguida concluir afirmando que:
"Todos os verdadeiros direitos fundamentais são direitos absolutos, quer dizer que eles não estão garantidos 'nas condições previstas em leis', o seu conteúdo não resulta da lei, mas é intromissão legal que aparece como uma exceção, e mesmo como uma exceção em princípio mensurável e limitada por uma regulamentação geral." (Em destaque no texto) 

A/ A Constitucionalização dos Direitos Humanos
O processo de constitucionalização dos direitos humanos deve estar sempre aberto aos direitos que serão reconhecidos pela comunidade internacional. No entanto, a afirmação de um novo direito não representa a superação dos anteriormente positivados. Deve-se evitar todas as tentativas de se estabelecer uma qualquer hierarquia entre os direitos constitucionalizados. A superação de uma visão dicotômica entre direitos individuais, coletivos e políticos de um lado, e direitos sociais, econômicos e culturais, de outro, é condição básica para uma maior efetividade dos direitos humanos fundamentais.
1. A visão dicotômica dos Pactos Internacionais de proteção dos Direitos Humanos
O estudo dos direitos humanos a partir da teoria das gerações de direitos pode passar uma mensagem que deve desde logo ser afastada. Trata-se da idéia de que direitos humanos fundamentais seriam tão somente os direitos individuais, coletivos e políticos, os chamados direitos de liberdade, ou para utilizar uma expressão consagrada na doutrina francesa, as liberdades públicas. Deste modo, os direitos econômicos, sociais e culturais, posteriores, não poderiam ser considerados fundamentais, pois estariam dependentes de um determinado grau de desenvolvimento da Sociedade.
É certo, pois, que a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, reconheceu não somente os direitos civis e políticos (arts. 3º a 21), mas também os direitos sociais, econômicos e culturais (arts. 23 a 27). Porém, não podemos ouvidar o fato de que ainda persiste uma dúvida sobre a sua real força jurídica, afirmando-se que este documento deveria ser considerado como uma recomendação aos Estados na busca constante de realização dos direitos humanos. O seu propósito seria o de definir e precisar o significado dos direitos humanos e liberdades fundamentais, mencionados no art. 1º, n. 3 e art. 55, letra "c", da Carta das Nações Unidas, cuja adesão deve ter como consequência para os Estados-partes, o compromisso de respeitá-los internamente, reconhecendo, sobretudo, a legitimidade da preocupação internacional com a promoção destes direitos.

Entretanto, no momento em que se procurou conceder aos Direitos humanos uma natureza jurídica, obrigatória e vinculante, através da adoção de um tratado internacional, o consenso somente foi alcançado pelo desmembramento das duas gerações de direitos: o Pacto Internacionais dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, aprovados em 1966, e com entrada em vigor dez anos mais tarde, em 1976, quando o número necessário de ratificações foi alcançado. É verdade que a Organização das Nações Unidas sempre insistiu no caráter complementar e de interdependência dos direitos humanos. Naquele momento, prevaleceu a compreensão de que "… enquanto os direitos civis e políticos eram auto-aplicáveis e passíveis de cobrança imediata, os direitos sociais, econômicos e culturais eram 'programáticos' e demandavam realização progressiva." Haveria, deste modo, uma exigência da adoção de instrumentos diferenciados de implementação e proteção internacional dos direitos. Uma síntese dos argumentos que ressaltavam a existência de duas categorias de direitos foi apresentada por José Augusto Lindgren Alves, no seguinte esquema:
Argumentos diferenciadores dos Direitos Humanos
Direitos Civis e Políticos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
· Jurisdicionados, passíveis de exigência perante o Judiciário;
· De realização imediata;
· Dependentes apenas de abstenção do Estado, ou direitos contra o Estado;
· Passíveis de monitoramento. · Não-jurisdicionados, impossíveis de exigência perante o Judiciário;
· De realização progressiva;
· Dependentes de prestação positiva pelo Estado, políticas públicas;
· De difícil monitoramento.
Quadro elaborado a partir de José Augusto Lindgren Alves, A arquitetura…, ob. cit., p. 33/34.

2. A reprodução da visão dicotômica na Constituição brasileira de 1988
Esta mesma distinção pode ser encontrada no processo de incorporação dos Direitos Humanos nos textos constitucionais. O exemplo brasileiro é deveras significativo. O constituinte de 1987/88, reconheceu os direitos humanos no Título II, intitulado: "Dos Direitos e Garantais Fundamentais", com cinco capítulos, quais sejam: Capítulo I: "Dos Direitos e Deveres individuais e Coletivos" (art. 5º); Capítulo II: "Dos Direitos Sociais" (arts. 6º a 11); Capítulo III: "Da Nacionalidade" (arts. 12 e 13); Capítulo IV: "Dos Direitos Políticos" (arts. 14 e 16); e Capítulo V: "Dos Partidos Políticos" (art. 17). Ora, no Capítulo dos Direitos Sociais, o artigo 6º, apenas menciona quais seriam estes direitos, deixando claro, ao final, - através da expressão: "na forma desta Constituição" -, que haveria uma explicitação posterior. Os artigos 7ª ao 11, tratam pois dos direitos individuais e coletivos do homem trabalhador, ou seja direitos das relações sociais do trabalho. Os demais direitos econômicos, sociais e culturais foram incorporados na Constituição no Título VII: "Da Ordem Econômica e Financeira" e no Título VIII: "Da Ordem Social".

Esta organização dos Direitos Fundamentais na Constituição brasileira de 1988 poderia permitir uma diminuição das garantias constitucionais dos direitos sociais, econômicos e culturais. Considerando-se, por exemplo, como direitos humanos fundamentais somente aqueles direitos inscritos no seu Título II. É necessário insistir-se no caráter fundamental dos direitos sociais, econômicos e culturais previstos nos Títulos VII e VIII da Constituição brasileira. Uma tal compreensão pode ser sustentada por força do § 2º, do artigo 5º, que afirma: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que o República Federativa do Brasil seja parte".
Não se pode restringir o elenco dos direitos fundamentais ao artigo 5º da Constituição brasileira, nem mesmo àqueles indicados no Título II: "Dos Direitos e Garantias Fundamentais". O regime constitucional dos direitos humanos no Brasil considera igualmente fundamentais os direitos "decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados", incluímos aqui, imediatamente, os direitos econômicos, sociais e culturais expressos nos Títulos VII e VIII da Constituição. Com efeito, a ordem constitucional brasileira afirma inicialmente, no artigo 6º que "são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição". O desenvolvimento, a explicitação e os desafios do Estado para a realização destes direitos estão prescritos nos artigos inseridos no título VII: "Da Ordem Econômica e Financeira", que define particularmente a política urbana, agrícola, fundiária e a reforma agrária; e no título VIII: "Da Ordem Social", definindo os direitos da Seguridade Social (arts. 194 a 204); os direitos da Educação, da Cultura e do Desporto (arts. 205 a 217); direitos da Ciência e da Tecnologia (arts. 218 e 219); direitos da Comunicação Social (arts. 220 a 224); direitos do Meio ambiente (art. 225); direitos da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso (arts. 226 a 230); e os direitos do Índios (arts. 231 e 232).
Interessa-nos aqui procurar entender a razão desta organização dos direitos fundamentais na Constituição brasileira de 1988, para, justamente, poder superá-la. Trata-se, sem dúvida, da mesma solução encontrada na comunidade internacional, ou seja decidiu-se pela apresentação em separado dos direitos humanos, tendo como justificativa a exigência de proteção diferenciada dos direitos, de um lado, estariam os direitos civis e políticos, exigindo uma atitude abstencionista do Estado, e de outro lado, estariam os direitos econômicos, sociais e culturais, exigindo do poder público uma atitude de promoção, de certo modo, intervencionista, para obter sua realização.
B/ A força jurídica das normas constitucionais

A Constituição brasileira no parágrafo 1º, do artigo 5º, afirma que: "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata". Qual seria a amplitude deste dispositivo constitucional ? Atingiria igualmente os direitos econômicos, sociais e culturais dos títulos VII e VIII ? Ou, contrariamente, estariam adstritos aos direitos individuais e coletivos dos setenta e sete incisos do artigo 5º ?
Partindo da compreensão acima exposta de que os direitos inseridos nos títulos VII e VIII são, de fato, um desenvolvimento dos direitos sociais mencionados no artigo 6º da Constituição, devemos afirmar que a garantia constitucional de aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais estende-se para além dos direitos individuais e coletivos do artigo 5º. Ela abrange igualmente os direitos sociais, econômicos e culturais.
Precisaremos enfrentar desde logo a questão da aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais, primeiramente, a partir da teoria norte-americana que as classifica em normas constitucionais auto-aplicáveis e não auto-aplicáveis; em seguida buscaremos compreender a relação entre aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais. Somente então podermos enfrentar a questão da aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos sociais, econômicos e culturais.

1. Normas constitucionais auto-aplicáveis e não auto-aplicáveis
A questão crucial quanto a aplicabilidade das normas constitucionais está vinculada à necessidade ou não da edição de uma norma infraconstitucional regulamentadora do direito constitucionalmente garantido. A partir desta premissa a doutrina norte-americana, introduzida no Brasil pelos ensinamentos de Rui Barbosa, distingui duas categorias de normas constitucionais: (a) normas constitucionais auto-aplicáveis, que não necessitariam de intermediação regulamentadora, posto que diretamente prescrevem as situações fáticas que tratam, permitindo-se que de imediato se possa extrair todos os efeitos jurídicos e sociais desejados pelo constituinte; e (b) as normas constitucionais não auto-aplicáveis, que contrariamente, dependem de norma infraconstitucional regulamentadora, de modo que os efeitos jurídicos e sociais desejados pelo constituinte somente poderiam ser alcançados após regulamentação por parte do poder público. Veja-se que mesmo Rui Barbosa, entendia que, numa Constituição, não haveria espaço para cláusulas de valor moral, de conselhos ou lições. Entendia, todavia, que a Constituição não se executaria diretamente, dependeria ela da ação legisaltiva para que seus preceitos pudessem produzir todos os efeitos desejados pelo constituinte.

2. Normas constitucionais de eficácia plena, contida e limitada
Esta teoria, continuamente ventilada nos tribunais brasileiros, deve ser complementada pela tese de José Afonso da Silva tendo como ponto de partida a idéia de que toda norma constitucional é dotada de aplicabilidade e eficácia, pondendo variar apenas o seu grau de integração, posto que a produção plena dos efeitos jurídicos desejados pelo constituinte dependerá de norma complementar ou regulamentadora. Foi possível assim encontrar três níveis de eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais.
As normas constitucionais de eficácia plena seriam dotadas de aplicabilidade direta, imediata e integral, pois receberam do constituinte uma normatividade para tanto suficiente, produzindo todos os seus efeitos essenciais. As normas constitucionais de eficácia contida, teriam ainda uma aplicabilidade imediata, porém possivelmente não integral, pois estariam sujeitas a restrições, desde logo previstas na Constituição, ou passíveis de serem introduzidas pelo legislador ordinário. Enfim, teríamos as normas constitucionais de eficácia limitada, que não produzem desde logo todos os efeitos essenciais desejados pelo constituinte, pois dependem de legislação posterior integradora.

Importante ressaltar que as normas de eficácia limitada se subdividem em normas de princípios institutivos e normas de princípios programáticos. Neste primeiro grupo, normas de princípios institutivos, encontramos esquemas de estruturação de órgãos e funções estatais, ora deixando-se ao legislador a possibilidade de instituir ou regular as situações que prescrevem, seriam pois, normas facultativas; ora impondo, peremptoriamente, a edição de lei integradora da norma constitucional, estariam então diante de normas impositivas.
As normas constitucionais de princípios programáticos caracterizariam as constituições sociais, estabelecendo programas de ação governamental, fixando valores que deverão nortear a produção legislativa futura, inspirar a atuação da administração pública ou ainda, guiar o operador do direito na sua atividade interpretativa. Para uma melhor visualização, propomos o seguinte quadro representativo das idéias até o momento expostas.
Normas constitucionais quanto à eficácia e aplicabilidade
EFICÁCIA APLICABILIDADE
1. eficácia plena direta, imediata e integral
2. eficácia contida direta e imediata, mas possivelmente não integral
3. eficácia limitada ou reduzida
a) normas constitucionais declaratórias de princípios institutivos ou organizatórios:
i) impositivos
ii) facultativos
b) normas constitucionais declaratórias de princípio programático indireta, mediata, reduzida
Quadro elaborado a partir da obra de José Afonso da Silva, Aplicabilidade…, ob. cit., p. 86.
Confrontando-se as duas teses aqui expostas, percebemos que as normas não auto-aplicáveis se aproximam das normas de eficácia limitada. De fato, devemos concluir que o conceito de eficácia limitada engloba, por assim dizer, o conceito de não auto-aplicabilidade. A diferença estaria no modo particular que estas duas teses foram interpretadas pela doutrina. Com a primeira tese, sobre a existência de normas constitucionais não auto-aplicáveis, difundiu-se a idéia de que estas disposições constitucionais não seriam propriamente normas jurídicas, estariam desprovidas de juridicidade e imperatividade. Os operadores do direito, quando confrontados a este grupo de normas constitucionais, não poderiam delas retirar qualquer aplicação jurídica, desconsiderando-as até o advento da legislação infraconstitucional regulamentadora, que teria o condão de lhes atribuir, somente então, força jurídica obrigatória.
O que se quer afirmar com a nova classificação, é justamente o fato de que todas disposições constitucionais são normas jurídicas imperativas. Produzindo, todavia, efeitos jurídicos variáveis: disciplinando direta, imediata e integralmente as sistuações de que tratam (normas de eficácia plena); disciplinamento, direta e imediatamente as situações fáticas que prescrevem, porém, deixando margem a restrições, podendo-se, de fato, conter os seus efeitos jurídicos (normas de eficácia contida); enfim, disciplinando uma matéira - muito freqüentemente, os temas relacionados aos direitos sociais, econômicos e culturais - fixando princípios que deverão ser completados pelo legislador ordinário, adquirindo uma aplicabilidade indireta e mediata, somente na medida em que necessita de outra norma regulamentadora para que possa produzir todos os efeitos jurídicos dela esperado.

Não devemos pois concluir que as normas não auto-aplicáveis, ou de eficácia limitada, sejam desprovidas de normatividade, destinadas tão somente a orientar a política governamental. Tal compreensão estaria condenando todo o esforço de constitucionalização dos direitos humanos, que visa, justamente, oferecer-lhes uma normatividade superior daquele das primeira Declarações de Direitos. Será necessário compreender que, na qualidade de normas jurídicas, produzem efeitos jurídicos, reduzidos, é certo, mas não menos significativos, sobretudo quando compreendidos a partir do sistema jurídico-constitucional de que fazem parte.
3. A aplicabilidade imediata das normas constitucionais definidoras dos direitos sociais, econômicos e culturais
A afirmação de que haveriam normas constitucionais não auto-aplicáveis, dependentes pois de regulamentação futura, conduz à conclusão de que não estaríamos, nestes casos, diante do reconhecimento de um direito subjetivo. Estas normas constitucionais estabeleceriam uma mera expectativa de direito, inteiramente dependente de norma integradora futura. Nestes casos, não haveria possibilidade do estabelecimento de qualquer sanção diante da não atuação do poder público. Este, em particular, o governo, teria uma ampla liberdade para, respeitada as condições econômicas e sociais, implementar os programas sociais e econômicos indicados pelo consituinte.

É preciso ter claro que todas normas constitucionais são verdadeiras normas jurídicas, portanto gozam de imperatividade. A disposição constitucional que determinada que as definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata deve ser interpretada no sentido da afirmação ou reconhecimento de verdadeiros direitos subjetivos. Estando o poder público obrigado a atuar no sentido de sua realização. Superando os obstáculos, organizando os serviços públicos, editando leis, enfim, atuando no caminho da plena realização dos direitos fundamentais. Nesta perspectiva, as normas constitucionais de princípios programáticos, ainda que dependentes de regulamentação futura, podem e devem, ser exigidas, aplicadas imediatamente, em particular pelo poder judiciário. A ele caberá a tarefa de verificação de que trata-se de um direito fundamental (individual, coletivo, político ou ainda, social, econômico ou cultural) que estaria sendo violado pela falta de norma regulamentadora. Neste caso, a sanção possível seria a da caracterização de uma omissão inconstitucional, passível de correção pela via do controle abstrato das normas: ação de inconstitucionalidade por omissão, ou ainda, pela via do mandado de injunção, aberto a todos que - individual ou coletivamente - estiverem impedidos de exercer o seu direito fundamental por falta de norma regulamentadora.
Devemos lembrar ainda que as normas constitucionais não auto-aplicáveis ou seja, de princípios programáticos, são normas parâmetros para o exercício do controle de constitucionalidade, neste sentido, revogam, desde a entrada em vigor da Constituição, toda legislação anterior que não esteja em conformidade com as novas regras constitucionais, ou ainda, sanciona, por inconstitucionalidade, todo legislação futura com ela incompatível.
C/ UM CARÁTER TRANSINDIVIDUAL: DIREITOS DIFUSOS
Associado ao problema da aplicabilidade, identificamos um outro desafio a ser suplantado no longo caminho de concretização dos direitos sociais, econômicos e culturais. Trata-se da sua natureza transindividual, que extrapola os limites de uma compreensão individualista, posto que atinge, indistintamente, um grande número de pessoas em que, muitas vezes, se possa facilmente identificar a titularidade do direito subjetivo.

1. Direitos subjetivos públicos
Os direitos fundamentais partiram de uma fase individualista (direitos individuais), logo passando por uma aceitação da sua dimensão coletiva (direitos coletivos e políticos), para alçar mais tarde uma dimensão social e comunitária (direitos sociais, econômicos e culturais). As garantias constitucionais destes direitos tiveram que acompanhar este longo, e muitas vezes penoso, processo de incorporação constitucional, bem como o de criação de instrumentos adequados de tutela jurisdicional.

A não aceitação da aplicabilidade imediata dos direitos sociais, através da afirmação de seu caráter "meramente" programático, permitiu igualmente a sua descaracterização enquanto direito subjetivo, ou seja, capaz de ser exigido através da atuação do poder judiciário. A doutrina francesa sobre as liberdades públicas é, neste momento, bastante esclarecedora.
Partindo da distinção entre direitos humanos e liberdade pública, o professor Jean Rivero nos ensina que:
"As liberdades públicas são os direitos humanos de uma natureza bem definida: elas constituem, nós já vimos, um poder de escolha. Se, na sua origem, a lista de direitos humanos tratava tão somente desta categoria de direitos, de modo que havia coincidência entre direitos humanos e liberdades, reconhecemos mais tarde que a natureza humana exigia outra coisa: um mínimo de segurança material, que implica, notadamente, na proteção da saúde e a possibilidade de encontrar um trabalho remunerado, bem como um mínimo de desenvolvimento intelectual, ligado ao acesso ao ensino, à cultura, à informação. Estes direitos humanos, tão essenciais quanto os que já haviam sido reconhecidos, se diferenciam profundamente do ponto de vista jurídico: eles conferem a seu titular, não mais um poder de livre escolha e de livre ação, mais um crédito contra [em face] a sociedade, que é obrigada a fornecer, para sua satisfação, uma prestação positiva que implica na criação de serviços públicos: previdência social, poupança popular, ensino, etc." 

A diferença de natureza estaria pois, no fato de que as liberdades públicas para sua concretização dependem direta e exclusivamente da iniciativa de seu titular, bastando para tanto que já tenham sido reconhecidas, ou seja positivadas. Ao Estado resta somente a tarefa de fiscalizar o seu exercício, seja através da admnistração pública ou ainda, e eventualemtne, através da intervenção contraladora do judiciário. Ao passo que os direitos sociais, econômicos e culturais, justamente por serem direitos a uma prestação positiva do Estado, não poderão ser satisfeitos senão após a organização do serviço pela administração pública. Neste sentido, o direito a exigir uma atuação positiva do Estado requer um determinado grau de desenvolvimento que possa garantir os recursos necessários para a sua implementação. O poder público teria, com efeito, um amplo grau de discricionariedade, ao ponto de deixar indefinido o seu objeto até o momento da escolha do legislador determinando o modo específico de seu exercício. Estes direitos seriam pois relativos ou mesmo virtuais.
Já afirmamos, supra, o significado da aplicabilidade e eficácia dos direitos sociais, reconhecendo-os, portanto, como verdadeiros direitos subjetivos, oponível ao Estado, e igualmente passível de sanção pela intervenção do judiciário. É chegado o momento de refletirmos sobre a dimensão individualista de certos direitos civis, em face da dimensão publicista dos direitos sociais, econômicos e culturais.
Os direitos fundamentais são, pois, direitos subjetivos, no sentido que atribuem a alguém o poder de exigir alguma coisa, através de uma ação em justiça, cujo conteúdo esteja fixado numa regra de direito objetivo, ou num ato jurídico individual. A diferença que nos interessa agora ressaltar seria entre existência de um direito subjetivo individual e um direito subjetivo público. O critério a ser utilizado deve ser o da preponderância do interesse protegido, ou seja, se prevalece o interesse individual (direitos individuais), ou se prepondera o interesse público (direitos sociais, econômicos e culturais). Assim, "poderíamos caracterizar os direitos subjetivos como expressões do poder da vontade, chanceladas pela ordem jurídica, projetando exigências, faculdades e prerrogativas, seja em face dos particulares (direitos subjetivos individuais) ou em face do Estado (direitos coletivos lato sensu, direitos políticos, direitos subjetivos públicos, liberdades públicas)".
Assim é que a Lei 8.078/90 (Código do Consumidor), no seu art. 81, § único, inciso I considera direito difuso os 'transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato'. Estes direitos devem ser diferenciados dos coletivos definidos pelo Código como os "transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base (art. 81, § único, inciso II). O nosso Código define ainda uma terceira categoria de direitos, denominada individuais homogêneos, "assim entendidos os decorrentes de origem comum".
Os direitos sociais, na qualidade de direitos subjetivos públicos, assumem uma dimensão coletiva que deve ser considera no momento de identificação de garantias constitucionais que possam lhes oferecer uma maior efetividade.

2. Exigência de concretização: as políticas públicas
É certo que a implementação dos direitos sociais, econômicos e culturais depende de uma atuação positiva do Estado. O novo perfil do Estado caracterizado com a constitucionalização destes direitos exige uma clara definição das políticas públicas, ou seja políticas de ação governamental, em vistas da realização destes novos direitos créances, direitos de obter do Estado as condições materiais para o pleno exercício da cidadania, permitindo-se o desenvolvimento integral da pessoa humana.
Pode-se dizer, que as constituições sociais definem um programa mínimo de governo, que deve ser controlado pelo cidadão, seja no momento na renovação dos governantes, através de diversos mecanismos: as eleições livres, diretas e pelo sufrágio universal; os instrumentos de participação direta do cidadão na vida política, tais como a iniciativa popular, o referendo ou a composição de conselhos de representação popular; orçamento participativo; mas também através da fiscalização da atividade governamental por meio de ações judiciais, sobretudo coletivas.

Não queremos aqui retornar à antiga discussão sobre o "governo dos juízes", que entende que a simples possibilidade de demandas judiciais de cunho social ou econômico estaria transferindo ao judiciário a decisão política da definição das prioridades na implementação de políticas públicas. Queremos sim afirmar, que ao cidadão deva ser oferecido um instrumento de controle jurisdicional dos poderes do Estado, seja para evitar a violação de direitos, seja ainda para exigir que sejam tomadas medidas concretas que viabilizem a efetivação de direitos, cuja falta de efetividade compromete a vida em sociedade e o pleno exercício da cidadania. Ora, esta nova expectativa de prestação jurisdicional, espera que o processo, bem como a decisão final da Justiça, estejam adaptados à nova realidade social e política, ao novo perfil da cidadania, que não só deixa de ser individualista, como busca sua afirmação frente aos novos desafios de ordem planetária.
II. As Ações Constitucionais: Necessária Superação do Individualismo Liberal
As ações constitucionais de proteção dos direitos fundamentais foram concebidas no contexto do Estado liberal de Direito. O caráter individualista dos remédios constitucionais é fruto de uma determinada visão de mundo que, se não está de todo superada, encontra-se mitigada pelas exigências, num primeiro momento, do Estado social de Direito, que destacou a prevalência do interesse coletivo sobre o interesse individual, e num segundo momento, e mais recentemente, pela afirmação do Estado democrático de Direito, que procura destacar a necessidade de participação do cidadão, seja no momento da tomada de decisão política, seja no momento da redistribuição dos benefícios do desenvolvimento econômico e social.

A/ A JURISDICIONALIZAÇÃO DA INÉRCIA DO PODER PÚBLICO
A cidadania conquistada pelo Estado democrático de Direito pressupõe uma maior e efetiva participação do povo na definição de políticas públicas. É certo que o cidadão ainda encontra dificuldade para influenciar a vontade do seu representante político. As regras do jogo democrático sofrem a falta de uma reforma política que enfrente com seriedade a crise de representação política. Desse modo, a pressão sobre o Judiciário para que realize direitos constitucionalmente reconhecidos tende a se intensificar, sendo razoável rediscutir-se os instrumentos processuais disponíveis para que se alcance uma maior efetividade processual.

1. O controle da constitucionalidade: ação de inconstitucionalidade por omissão
A inconstitucionalidade por omissão está inserida no sistema abstrato de controle de constitucionalidade. Este novo sistema de controle, não rompeu com o sistema difuso de controle de tipo norte-americano que foi incorporado ao constitucionalismo brasileira desde a sua primeira constituição republicana de 1891. Convivemos com um sistema de controle que denominamos de misto, pois conjuga o controle concreto, de competência de todos juízes e tribunais, com o sistema abstrato de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal.

A Cosntituição brasileira de 1988 reconhece o controle abstrato das normas através de três ações constitucionais: (a) ação direta de inconstitucionalidade, pela qual se obtém uma declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes (art. 102, inciso I, "a"); (b) ação declaratória de constitucionalidade, onde se obtém uma declaração de constitucionalidade, "com eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo" (art. 102, inciso I, "a" e § 2º); e a ação de inconstitucionalidade por omissão, de cuja declaração de inconstitucionalidade por omissão "de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias." (art. 103, § 2º).
A questão que levantamos está relacionada com os possíveis resultados de serem retirados da declaração de inconstitucionalidade por omissão. De imediato, quase nenhum. Limita-se pois a comunicar a autoridade competente pela edição do normativo necessário a tornar efetiva a norma constitucional de que está em mora, ou seja, que deve agir, no caso de órgão administrativo, no prazo de 30 dias.

Vejamos agora, que conclusões retirar desta decisão de Justiça. No caso de órgão administrativo, o funcionário público que persiste inerte decorrido o prazo fixado pela Constituição, estará descumprindo ordem judicial, recaindo sobre ele as penas cabíveis. Porém, em se tratando de órgão colegiado, em particular, o legislativo, não se poderia obrigá-lo a agir, editando a lei necessária a concretização do direito social violado por omissão. No entanto, devemos concluir que o Estado omisso deveria indenizar todo cidadão que se encontra impedido de exercer um direito reconhecimento pela Constituição.
Procura-se, deste modo, responsabilizar o Estado, que obrigará o governante a refletir sobre os reais custos de implementação do serviço público em face da obrigação de indenizar todo aquele que, por decisão judicial, obtém o reconhecimento de que está efetivamente impedido de exercer seu direito por ausência de uma política social adequada.
2. A impossibilidade de exercício de um direito constitucionalmente reconhecido pela falta de norma regulamentadora: o mandado de injunção
Obeserve-se que o constituinte até mesmo idealizou a ação constitucional destinada a preservar o pleno exercício da cidadania em face da inércia dos poderes públicos. Trata-se do mandado de injunção, previsto no artigo 5º, inciso LXXI, da Constituição de 1988, nos seguintes termos: "conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania."
Afastando-se desde logo qualquer tentativa de interpretação restritiva, no sentido de admitir a inovação constitucional somente para a defesa dos direitos civis e políticos, entendemos que o mandado de injunção poderia constituir-se no instrumento processual mais adequado a obter-se do Estado uma compensação efetiva frente a inércia dos poderes públicos.

Ironicamente, decorridos dez anos de vigência da Constituição, o próprio mandado de injunção ainda não foi regulamentado. A sua utilização somente está sendo possível em razão de decisão jurisprudencial que entendeu possível a adoção do rito processual do mandado de segurança (art. 5º, incisos LXIX e LXX, da Constituição de 1988).
Deste modo, os tribunais quando decidem um mandado de injução se limitam a comunicar a autoridade responsável pela edição do ato normativo necessário ao exercício do direito de que está em mora, ou seja que deve, com urgência, agir para garantir o exercício do direito questionado pelo cidadão. Ora, certas decisões, chegaram a reconhecer o direito do impetrante a uma indenização do Estado, porém afirmam ser necessário a propositura de uma ação judicial executória. É um caminha a ser trilhado e enfrentado com seriedade.

B/ A DEFESA JURISDICIONAL DOS DIREITOS DIFUSOS: AÇÕES COLETIVAS
Primeiramente, é preciso lembrar que o processo civil, na sua concepção tradicional, é o espaço natural de conflitos intersubjetivos, ou interindividuais, resistente portanto, ao reconhecimento de demandas que superem a esfera do indivíduo. Entende-se, nesta linha de pensamento, que as questões sociais, por serem coletivas, devem ser tratadas pela via legislativa, ou no máximo diretamente pela administração pública. Esta cultura jurídica privatista tem dificuldade para aceitar e compreender a natureza dos direitos sociais, econômicos e culturais que, seguidamente, assumiram uma dimensão coletiva, caracterizando um direito difuso, no sentido de que pertence a todos os cidadãos, indistintamente, sem possibilidade de determinar seus titulares.

É interessante pensar que desde há muito encontramos uma alternativa ao rigor doutrinário admitindo que em defesa do interesse público, um único cidadão possa ingressar em juízo para solicitar a intervenção da Justiça. Estamos pensando na ação popular, que no caso brasileiro, seus contornos básicos foram introduzidos na Constituição de 1934. A novidade trazida com a Constituição de 1988 (art. 5º, inciso LXXIII), está na ampliação de seu objeto, que doravante além da defesa do patrimônio público, insere-se agora na garantia da moralidade administrativa, do patrimônio histórico e cultural, bem como do meio ambiente.
O constituinte de 1987/88 também reconheceu a possibilidade de impetração do mandado de segurança por partido político com representação no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, admitindo assim que os interesses comuns aos membros de um grupo possam ser tratados num único mandado de segurança coletivo (art. 5º, inciso LXX).
Porém, o instrumento mais adequado à proteção dos direitos difusos já havia sido editado pela Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, disciplinando a Ação Civil Pública, em defesa por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. O constituinte não a reconheceu, diretamente, enquanto garantia jurisdicional dos direitos fundamentais, posto que a admitiu dentre as funções institucionais do Ministério Público (art. 129, III). É certo que a sua atuação não impede a iniciativa de terceiros, porém sabe-se que no caso do Brasil, o Ministério Público se constitui na entidade pública melhor preparada para intervir judicialmente na defesa dos direitos difusos. Tanto é assim que após a promulgação da Constituição, outros diplomas legais vieram a admitir a ação civil pública para a proteção jurisdicional de certos direitos difusos, tais como: a defesa das pessoas portadoras de deficiência (Lei 7.853/89); para apurar a responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários (Lei 7.913/89); para a proteção da infância no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90); e, para a defesa dos consumidores, com o Código do Consumidor (Lei 8.078/90), que inclusive admite outras ações coletivas cujo perfil não corresponde exatamente ao da ação civil pública.
Podemos concluir com a afirmação de que os direitos sociais, econômicos e culturais são de fato direitos subjetivos públicos, ainda que dependentes de implementação de políticas públicas, é chegado o momento de refletirmos sobre duas questões básicas:
(a) o cidadão tem ou não o direito de exigir, judicialmente, a concretização de políticas públicas e a prestação de serviços públicos; e, em caso positivo,
(b) deve-se identificar os meios dos quais dispõe o Judiciário para provocar a efetivação de políticas públicas.

Entendemos que as garantias constitucionais dos direitos sociais podem ser efetivadas por vários caminhos, que partem da eleição dos governantes, passando pela fiscalização e controle do governo através da participação popular, até a afirmação de que o cidadão está habilitado a exigir do Estado a prestação de seu direito constitucionalmente reconhecido, seja diretamente, seja por compensação indenizatória. Tratando-se de direitos transindividuais, o caminho será o das ações coletivas, onde, no caso brasileiro, o membro do Ministério Público assume um papel de primordial importância.
Não podemos deixar de refletir, no entanto, sobre a constatação de que num mundo globalizado, as políticas públicas, sociais e econômicas, adquirem uma dimensão supra estatal. É necessário reconhecer que a atuação firme e decidida, de um único Estado, para a realização dos direitos humanos fundamentais, pode penalizá-lo severa e significativamente, no mercado internacional, diminuindo o seu potencial competitivo. A comunidade internacional tem, neste final de século, um papel de extrema importância na regulamentação da concorrência internacional pela conquista de novas mercados, de modo a evitar que não se termine por premiar os países que, violando direitos econômicos e sociais, conseguem comercializar produtos ditos mais "competitivos".

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OS DESAFIOS DA PROTEÇÃO JURISDICIONAL DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS
INTRODUÇÃO
I. A NATUREZA JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS
A/ A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
1. A visão dicotômica dos Pactos Internacionais de proteção dos Direitos Humanos
2. A reprodução da visão dicontômica na Constituição brasileira de 1988
B/ A FORÇA JURÍDICA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
1. Nosmas constitucionais auto-aplicáveis e não auto-aplicáveis
2. Normas constitucionais de eficácia plena, contida e limitada
3. A aplicabilidade imedita das normas constitucionais definidoras dos direitos sociais, econômicos e culturais
C/ UM CARÁTER TRANSINDIVIDUAL: DIREITOS DIFUSOS
1. Direitos subjetivos públicos
2. Exigência de concretização: as políticas públicas
II.- AS AÇÕES CONSTITUCIONAIS: NECESSÁRIA SUPERAÇÃO DO INDIVIDUALISMO LIBERAL
A/ A JURISDICIONALIZAÇÃO DA INÉRCIA DO PODER PÚBLICO
1. O controle da constitucionalidade: ação de inconstitucionalidade por omissão
2. A impossibilidade de exercício de um direito constitucionalmente reconhecido pela falta de norma regulamentadora: o mandado de injunção
B/ A DEFESA JURISDICIONAL DOS DIREITOS DIFUSOS: AÇÕES COLETIVAS



FONTE : DHNET 
Link : http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/textos_dh/protjurisd_desc.htm
acessado em 22.07.2011

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