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0103936-71.2005.8.26.0000 Embargos de Declaração / DIREITO
ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO |
Relator(a): Antonio Carlos Malheiros |
Comarca: Mairinque |
Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Público |
Data do julgamento: 07/12/2010 |
Data de registro: 16/12/2010 |
Outros números: 994.05.103936-2/50000 |
Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Omissão Inocorrência - Oposição visando o prequestionamento de matéria, paxá viabilizar recurso ao Tribunal Superior - Efeito infringente possível, quando configuradas quaisquer das hipóteses de cabimento de embargos de declaração e, o acolhimento provocar necessariamente mudança na situação de fato ou de direito indicada no acórdão embargado, em grau suficiente para alterar o resultado do julgamento anterior - Embargos rejeitados. |
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2 - |
0103936-71.2005.8.26.0000 Apelação / DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO |
Relator(a): Antonio Carlos Malheiros |
Comarca: Mairinque |
Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Público |
Data do julgamento: 08/06/2010 |
Data de registro: 22/06/2010 |
Outros números: 0410802.5/3-00, 994.05.103936-2 |
Ementa: AÇÃO CIVIL PUBLICA - Fechamento De Via Pública - Associação De Moradores - Bem Público - Impossibilidade de Decreto municipal estabelecer responsabilidade contrariando Lei superior - Violação ao direito de ir e vir, assegurado pelo art. 5o, inciso XV, da Constituição Federal Sentença Mantida - Recursos improvidos.
INTEGRA DO ACORDÃO DO ORGÃO ESPECIAL :
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA
1 8 REGISTRADO(A) SOB N° ACÓRDÃO i iiiiii uni um um mu um mu um nu m
*03615743*
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Direta
de Inconstitucionalidade n° 9055901-19.2008.8.26.0000, da
Comarca de São Paulo, em que é recorrente PROCURADOR GERAL DE
JUSTIÇA sendo recorridos PRESIDENTE DA CAMARÁ MUNICIPAL DE
MAIRIPORA e PREFEITO DO MUNICÍPIO DE MAIRIPORA.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de
São Paulo, proferir a seguinte decisão: "POR MAIORIA DE
VOTOS, JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO. FARÁ DECLARAÇÃO DE VOTO OS
EXMOS. SRS. DES. ARTUR MARQUES E WALTER DE ALMEIDA GUILHERME.
ACÓRDÃO COM O EXMO. SR. DES. RENATO NALINI.", de conformidade
com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores
JOSÉ ROBERTO BEDRAN (Presidente), REIS KUNTZ, BARRETO
FONSECA, CORRÊA VIANNA, MAURÍCIO VIDIGAL, DAVID HADDAD,
WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, LAERTE SAMPAIO, ANTÓNIO CARLOS
MALHEIROS, ARMANDO TOLEDO, MÁRIO DEVIENNE FERRAZ, JOSÉ
SANTANA, JOSÉ REYNALDO, ARTUR MARQUES, CAUDURO PADIN,
GUILHERME G. STRENGER, RUY COPPOLA, BORIS KAUFFMANN, RENATO
NALINI, CAMPOS MELLO, ROBERTO MAC CRACKEN, SAMUEL JÚNIOR e
RIBEIRO DA SILVA com votos vencedores; SOUSA LIMA e CARLOS DE
CARVALHO (declara voto) com votos vencidos.
São Paulo, 4 de maio de 2011.
RENATO NALINI
Relator Designado
PODER J U D I C I Á R IO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ÓRGÃO ESPECIAL
VOTO N° 17.802
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N°
9055901-19.2008 - SÃO PAULO
Requerente: PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA
Requeridos: PREFEITO e PRESIDENTE DA CÂMARA DO
MUNICÍPIO DE MAIRIPORÃ
AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE - LEI
MUNICIPAL QUE AUTORIZA O
FECHAMENTO NORMALIZADO DE RUAS
SEM SAÍDA, VILAS E LOTEAMENTOS
SITUADOS EM ÁREAS RESIDENCIAIS,
INCLUSIVE COM ACESSO CONTROLADO
- VÍCIO DE INICIATIVA PATENTE -
INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 21 E 30, I, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 -
AÇÃO PROCEDENTE
AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE - LEI
MUNICIPAL QUE AUTORIZA O
FECHAMENTO NORMALIZADO DE RUAS
SEM SAÍDA, VILAS E LOTEAMENTOS
SITUADOS EM ÁREAS RESIDENCIAIS,
INCLUSIVE COM ACESSO CONTROLADO
INADMISSIBILIDADE - NÚCLEO
SEMÂNTICO DO DIREITO À CIDADE QUE
NÃO HARMONIZA COM A LEGISLAÇÃO
QUESTIONADA - O DIREITO
FUNDAMENTAL À CIDADE NÃO PODE
SER CONFUNDIDO COM INEXISTENTE
DIREITO FUNDAMENTAL A SE CRIAR
ESPAÇOS SEGREGADOS NA CIDADE -
INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO
DE RETROCESSO - PRECEDENTES
DOUTRINÁRIOS - AÇÃO PROCEDENTE
\
ADIN N° 9055901-19.2008 - SÃO PAULO - VOTO N° 17.802
2
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ÓRGÃO ESPECIAL
Vistos etc.
Propôs o PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA a
presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, em face
do PREFEITO e do PRESIDENTE DA CÂMARA DE
MAIRIPORA, para ver retirada do ordenamento jurídico a
Lei Municipal n° 2.129/01.
Aduziu, em suas razões, a infringência aos
arts. 5o e 47, II e XIV, da Constituição Bandeirante.
Sustentou, ainda, que o diploma combatido padece de
vício de iniciativa e que permite, à revelia do que
determina a normatividade superior, restrição ilegítima
de livre, amplo e incondicionado acesso a bens públicos
de uso comum do povo. Requereu a concessão da medida
liminar, para ver suspensa a vigência da norma em
discussão e culminou por pugnar pela procedência do
pedido, para vê-la declarada inconstitucional.
A Edilidade manifestou-se em favor da validade
da norma,1 opinião partilhada pela Prefeitura Municipal2
e pela Congregação das Associações da Serra da
Cantareira, que ingressou no feito como amicus curiae3.
Deixou de se manifestar a Procuradoria Geral
do Estado4.
A Procuradoria Geral de Justiça reiterou os
argumentos expendidos na inicial5.
É uma síntese do necessário.
1 Informações da Câmara de Vereadores às fls. 35/49 dos autos.
2 Informações do Prefeito Municipal às fls. 86/94 dos autos.
3 Manifestação às fls. 51/63 dos autos.
4 Manifestação às fls. 145/147 dos autos.
5 Parecer às fls. 150/151 dos autos.
ADIN N° 9055901-19.2008 -SÃO PAULO-VOTO N° 17.802
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ÓRGÃO ESPECIAL
A Lei Municipal n° 2.129/01, do Município de
Mairiporã, "autoriza o fechamento normalizado de ruas
sem saída, vilas e loteamentos situados em áreas
estritamente residenciais, estabelece o acesso controlado a
essas áreas e dá outras providências".
Projeto de iniciativa de Vereador, foi aprovado
pela Câmara Municipal e sancionado pelo Prefeito.
Preliminarmente, quanto a seus aspectos
formais, concordo com a tese esposada pelo Procurador
Geral de Justiça, de que esta padece de vício de iniciativa
por se tratar de matéria de competência exclusiva do
Poder Executivo.
Em complementação, entendo que o conceito
de competência remete à noção de particularização do
poder do Estado. Ou seja, é a particularização derivada
da responsabilidade atribuída a determinado componente
da Administração Pública, de modo que os fins do Estado
se concretizem no universo jurídico.
Em matéria urbanística, a Constituição Federal
é clara em asseverar que:
"Art. 21 - Compete à União:
(...)
XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento
urbano, inclusive habitação, saneamento básico
e transportes urbanos;"
Pelo princípio da predominância do interesse
local, que, frise-se, nunca deve se sobrepor ao interesse
nacional, deduz-se, através do art. 30, I, da Carta Magna,
que:
"Art. 30 - Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;"
ADIN N° 9055901 -19.2008 - SÃO PAULO - VOTO N° 17.802
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ÓRGÃO ESPECIAL
Essa competência, contudo, não pode ser
compreendida de maneira ampla, a abarcar a
possibilidade do Poder Legislativo local deter a iniciativa
de criação de leis nessa matéria.
Isso porque trata-se de competência material,
ou seja, de execução, que "determinam, portanto, que o
Poder Executivo Federal [e o Municipal, em matéria de
interesse local, g.n.] estabeleça políticas públicas tendo
em vista as disposições transcritas (elaboração e execução
de planos nacionais e regionais de ordenação do território
e de desenvolvimento económico e social)"6.
Pois "a instância local é que tem a competência
material e legislativa para realizar a política urbana,
conforme determina o art. 182 da Carta Magna. Significa
dizer que o Poder Executivo Municipal tem um papel de
grande importância (insubstituível até) na realização e
concretização da organização e adequação do espaço
urbano dentro de princípios e diretrizes que tragam um
desenvolvimento equilibrado e saudável para a sua
população".
Para. não restar dúvidas em relação a essa
linha de entendimento, cumpre destacar o que se
entende por "direito urbanístico". Embora finque raízes
nos regulamentos edilícios, nas normas de alinhamento e
nas leis de desapropriação, mais afeitas à principiologia
do direito civil, o direito urbanístico tem delineamentos
mais amplos e com perfil profundamente associado ao
direito público, na medida em que é "o reflexo, no mundo
jurídico, dos desafios e problemas derivados da
urbanização moderna (concentração populacional,
escassez de espaço, poluição) e das ideias da ciência do
6 Dl SARNO, Daniela Campos Libório. Competências urbanísticas. In DALLARI,
Adilson de Abreu e FERRAZ, Sérgio (coords.). Estatuto da Cidade (comentários à
Lei Federal n° 10.257/2001). 3a ed., atualizada de acordo com as L
11.673/08 e 11.977/09, p. 63.
ADIN N° 9055901-19.2008 - SÃO PAULO - VOTO N° 17.802
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ÓRGÃO ESPECIAL
urbanismo (como a de plano urbanístico, consagrada a
partir da década de 30). Esse direito contrapôs-se ao
direito civil clássico ao deslocar do âmbito puramente
individual para o estatal as decisões básicas quanto ao
destino das propriedades urbanas (princípio da função
social da propriedade). Em consequência, amplio o objeto
do direito administrativo, para incorporar medidas
positivas de intervenção na propriedade, deixando para
trás as limitadas medidas de polícia, de conteúdo
negativo"7.
Cristalino, portanto, que a matéria de que trata
o diploma questionado é de direito urbanístico, a
corroborar com o entendimento da Procuradoria Geral de
Justiça em relação ao vício de iniciativa.
A lei em discussão, contudo, do ponto de vista
material, não passa pelo crivo de criterioso cotejo com os
princípios constitucionais.
O cenário deflagrado pelo diploma é fonte de
imponderáveis paradoxos.
Nesse sentido, permito-me fazer breve
digressão.
Num primeiro momento, cumpre fixar o núcleo
semântico da expressão "direito à cidade".
Antes: o que é a cidade?
A cidade é o espaço privilegiado da
(re)produção de relações sociais, da dimensão do
trabalho, da cultura, da economia e da política. É o locus
de permanente intercâmbio entre as pessoas, a
objetivação de inúmeras subjetividades cuja marca é a
diferença. Diferença que não deve ser razão de
discriminação, mas atributo pessoal e íntimo que deve
ser reconhecido nas múltiplas dimensões que o respeito
ao outro exige.
7 SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto das Cidades e suas Diretrizes Gerais. In.
DALLARI, Adilson de Abreu e FERRAZ, Sérgio (coords.). Op. Cit, p. 46. r
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ÓRGÃO ESPECIAL
A cidade, também, é o local onde se depositam
a infinidade de expectativas de desenvolvimento das
potencialidades e habilidades humanas. Onde se objetiva
o progresso, a melhoria individual que não conílita com a
evolução coletiva.
É o espaço no qual se desenvolve a esfera
pública, responsável por tensionar o sistema político a se
mobilizar em prol do bem comum.
O direito à cidade, por consequente, é o direito
difuso e coletivo de toda uma comunidade de usufruir do
espaço da cidade. Espaço que pode ser caracterizado
como verdadeiro meio ambiente urbano, a fazer incidir,
em sua proteção, toda a principiologia constitucional
aplicável ao direito fundamental ao meio ambiente
saudável.
Por que é importante respeitar, então, o direito
à cidade?
Porque a emergência da desordem nas grandes
metrópoles do mundo fez erigir o direito à cidade como
um direito humano fundamental, a merecer, inclusive,
especial atenção do legislador constituinte e de
organismos multilaterais internacionais, como a
Organização das Nações Unidas, além de inúmeros
documentos, dos quais se destacam ao menos os dois
últimos planos nacionais de Direitos Humanos (PNDHs)
do Brasil.
Afinal, é na cidade em que vive mais de 70% da
população brasileira e mundial. Então, uma cidade
agressiva ao cidadão, em que se observam índices
alarmantes de poluição sonora, visual e ambiental, uma
cidade que desrespeita o direito fundamental à moradia
digna e inúmeros outros direitos hierarquicamente
análogos, uma cidade que não preserva seu património
histórico e ambiental, enfim, uma cidade incompatível
com o reconhecimento das dimensões da dignidade da
ADIN N° 9055901-19.2008 - SÃO PAULO - VOTO N° 17.802 V
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ÓRGÃO ESPECIAL
pessoa humana não pode esperar a contrapartida da
civilidade do citadino.
É nesse contexto de injustiça que a violência
urbana, a depredação do património público, a
degradação e o descaso com os imóveis e o desrespeito
aos equipamentos públicos proliferam.
E como se deve operacionalizar o direito à
cidade?
A partir do paradigma da democracia
participativa, garantida pela Ordem Fundante e ainda
longe de ser concretizada. Tal paradigma invoca o dever
de se chamar à discussão todos os envolvidos por
empreendimentos que impliquem em intervenção no
espaço urbano, tal como na elaboração do Plano Direitor.
Questiona-se: a lei combatida, que evidentemente afeta a
todos os munícipes, foi editada após intenso debate
público acerca de sua pertinência? Ou envolveu apenas o
que RAQUEL ROLNIK, brasileira e relatora especial para
o Direito à Moradia Digna da ONU, chama de "os
interlocutores preferenciais, 'clientes' dos planos e leis de
zoneamento, que dominam sua linguagem e
simbolização"?
Essa a postura que se espera do Poder Público
quando se está diante de matéria afeita ao direito à
cidade. Não por outro motivo, dispõe o art. 182 da
Constituição Federal de 1988:
"Art. 182 - A política de desenvolvimento
urbano, executada pelo Poder Público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por
objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem- estar
de seus habitantes."
Artigo que foi regulamentado pela Lei
Complementar n° 10.257/2001, que dispõe, em seu art.
2o e incisos que:
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ÓRGÃO ESPECIAL
"Art. 2? - A política urbana tem por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e da propriedade urbana,
mediante as seguintes diretrizes gerais:
I - garantia do direito a cidades sustentáveis,
entendido como o direito à terra urbana, à
moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura
urbana, ao transporte e aos serviços
públicos, ao trabalho e ao lazer, para as
presentes e futuras gerações;
II - gestão democrática por meio da participação
da população e de associações representativas
dos vários segmentos da comunidade na
formulação, execução e acompanhamento de
planos, programas e projetos de
desenvolvimento urbano;
III - cooperação entre os governos, a iniciativa
privada e os demais setores da sociedade no
processo de urbanização, em atendimento ao
interesse social;
IV - planejamento do desenvolvimento das
cidades, da distribuição espacial da população e
das atividades económicas do Município e do
território sob sua área de influência, de modo a
evitar e corrigir as distorções do crescimento
urbano e seus efeitos negativos sobre o meio
ambiente;
V - oferta de equipamentos urbanos e
comunitários, transporte e serviços públicos
adequados aos interesses e necessidades da
população e às características locais;
VI - ordenação e controle do uso do solo, de
forma a evitar:
a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;
ADIN N° 9055901-19.2008 - SÃO PAULO - VOTO N° 17.802
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ÓRGÃO ESPECIAL
b) a proximidade de usos incompatíveis ou
inconvenientes;
c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso
excessivos ou inadequados em relação à infraestrutura
urbana;
d) a instalação de empreendimentos ou
atividades que possam funcionar como pólos
geradores de tráfego, sem a previsão da infraestrutura
correspondente;
e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que
resulte na sua subutilização ou não utilização;
f) a deterioração das áreas urbanizadas;
g) a poluição e a degradação ambiental;
VII - integração e complementaridade entre as
atividades urbanas e rurais, tendo em vista o
desenvolvimento socioeconómico do Município e
do território sob sua área de influência;
VIII - adoção de padrões de produção e consumo
de bens e serviços e de expansão urbana
compatíveis com os limites da sustentabilidade
ambiental, social e económica do Município e do
território sob sua área de influência;
IX - justa distribuição dos benefícios e ónus
decorrentes do processo de urbanização;
X - adequação dos instrumentos de política
económica, tributária e financeira e dos gastos
públicos aos objetivos do desenvolvimento
urbano, de modo a privilegiar os investimentos
geradores de bem-estar geral e a fruição dos
bens pelos diferentes segmentos sociais;
XI - recuperação dos investimentos do Poder
Público de que tenha resultado a valorização de
imóveis urbanos;
ADIN N° 9055901-19.2008- SÃO PAULO - VOTO N° 17.802
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ÓRGÃO ESPECIAL
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XII - proteção, preservação e recuperação do
meio ambiente natural e construído, do
património cultural, histórico, artístico,
paisagístico e arqueológico;
XIII - audiência do Poder Público municipal e da
população interessada nos processos de
implantação de empreendimentos ou atividades
com efeitos potencialmente negativos sobre o
meio ambiente natural ou construído, o conforto
ou a segurança da população;
XIV - regularização fundiária e urbanização de
áreas ocupadas por população de baixa renda
mediante o estabelecimento de normas especiais
de urbanização, uso e ocupação do solo e
edificação, consideradas a situação
socioeconómica da população e as normas
ambientais;
XV - simplificação da legislação de
parcelamento, uso e ocupação do solo e das
normas edilícias, com vistas a permitir a redução
dos custos e o aumento da oferta dos lotes e
unidades habitacionais;
XVI - isonomia de condições para os agentes
públicos e privados na promoção de
empreendimentos e atividades relativos ao
processo de urbanização, atendido o interesse
social."
Como pontual brilhantemente CARLOS
ALBERTO MOLINARO, professor do mestrado/doutorado
em Direitos Humanos da Universidade Pablo de Olavide
(Sevilha, Espanha):
"As cidades são 'alguma coisa mais' que os
milhões de pessoas que as habitam. São maiores
que as vicissitudes decorrentes da violência, das
neuroses coletivas, das deficiências da malha
urbana, da ocupação desordenada dos espaços.
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ÓRGÃO ESPECIAL
As cidades são criações humanas de elevada
complexidade de centralização, acumulação e
distribuição de conhecimentos, inovações e
informações. São também 'lugares de acolhida'
de variada cultura, e dos saberes plurais de
seus habitantes. Mas, acima de tudo, as cidades
são espaços da existência, cuja densidade física
e moral (formatada em uma moralidade pública)
produziram como anotou Durkheim, não só a
divisão do trabalho social, mas também a
solidariedade orgânica, não fundada nas
semelhanças, sim no direito, seus princípios e
regras objetiváveis que são condição da
liberdade e da igualdade. Evidentemente esta
densidade física e moral - embora fortaleça a
dependência mútua - provocam a visibilidade
das diferenças, colore a luta pela vida nos mais
variados matizes, ora encoberta pela
obscuridade, ora sob luminescente foco, onde os
processos de diferenciação, divisão e
especialização do trabalho e dos habitantes das
cidades se dão. Por isso, como dizia o grande
arquiteto Henri Lefebvre, que o direito a cidade é
o direito à vida humana, transformada,
renovada. O direito fundamental à vida sob a
garantia do princípio do não retrocesso das
condições onde se a exerce, implica o agir do
poder público, em todos os níveis da federação,
imputando-se um dever de proibição de
infraproteção, um dever duplique que, ora
implica o fazer' do Estado imediatamente
vinculado a realização dos direitos
fundamentais, ora um 'não fazer' que se revela
na renúncia de atentar contra estes mesmos
direitos, pois cada direito tem um conteúdo
prima fade que estaria interligado por todas as
posições que garantem os meios indispensáveis
para assegurar a cobertura das necessidades
básicas protegidas na ambiência normativa do
direito; sem descurar que cada direito tem,
ainda, um conteúdo definitivo interligado
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PODER JUDICIÁRIO
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ÓRGÃO ESPECIAL
todas as posições do direito prima fade que
possam ser oponíveis não só ao Legislador, mas
à Administração, e que não sejam restringíveis,
com base nos critérios explicitados pela proibição
de infraproteção (ou proteção deficiente, ou
proibição de omissão). Quando se aponta para a
proibição de infraproteção e também para o não
retrocesso, há de se ter em conta que os limites
de osso mundo nos dão os limites de nossa
linguagem. "8
Como interpretar - e preencher o núcleo
semântico - do direito à cidade? Evidentemente, conforme
a Constituição. Nesse sentido, o preâmbulo da
Constituição Cidadã é claro em asseverar que:
"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos
em Assembleia Nacional Constituinte para
instituir um Estado Democrático, destinado a
assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e
a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional,
com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a
seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL, (g.n.)"
Essa a matriz hermenêutica de todo o
ordenamento jurídico. Do contrário se teria um
menoscabo em relação ao conteúdo da Carta Magna,
prática que deve ser extirpada do dia-a-dia dos Tribunais
8 MOLINARO, Carlos Alberto. Direito à Cidade e Proibição de Retrocesso. In.
BENAJMIN, António Herman, CAPPELI, Sílvia e LECEY, Eladio. Direito
Ambiental, Mudanças Climáticas e Desastres - Impatos nas Cidades e no
Património Cultural: Homenagem ao Prof. Eckard Rehbinder e à Senadora Marina
Silva. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009, p. 33.
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pátrios. Pois, de acordo com Lenio Luiz Streck, "Não se
deve olvidar que o direito constitucional tem sido relegado
a um plano secundário em nosso país. Isto ocorre porque a
nossa cultura jurídica positivista, permeada e calcada no
paradigma liberal-individualista-normativista, concebe a
Constituição apenas como um marco, entendendo que a
dimensão dos direitos fundamentais se resume a um leque
de direitos subjetivos de liberdades voltados para a defesa
contra a (indevida) ingerência do Estado (g.n). Enfim,
trabalha-se ainda com a concepção de que o Direito é
ordenador, o que, à evidência, caminha na direção oposta
de um direito promovedor-transformador do Estado Social
e Democrático de Direito"9.
Porque, então, a lei questionada é
inconstitucional? A resposta é evidente: porque, se é
admitida a existência do direito fundamental à cidade,
não se pode admitir, por flagrante liberalidade discursiva,
o direito fundamental à segregação do espaço urbano,
bem de uso comum do povo.
A construção discursiva em torno de opinião
diversa deve ser afastada pela incidência do princípio da
proibição de retrocesso que, como acentuado, é
decorrência da influência do direito ao meio ambiente
saudável no contexto urbano.
Por que, contudo, ela existe e, em muitos
casos, prospera?
Nesse sentido, por que colocar em primeiro
plano a (pretensa) segurança da "classe media que paga
impostos" e, em segundo plano, o direito fundamental à
cidade que pertence, difusamente, a toda a coletividade?
9 STRECK, Lenio Luiz. Constituição ou barbárie? A Lei como possibilidade
emancipatória a partir do Estado Democrático de Direito. Disponível em:
http://vvww.ihi.org.br/poa/professores/Professores_.02.pdf. Acesso
21.02.2011.
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E também: qual a finalidade de um
"fechamento normalizado de ruas sem saída, vilas e
loteamentos situados em áreas estritamente residenciais",
com *'acesso controlado a essas áreas"?
A resposta é evidente: criar espaços de
segregação social, cada vez mais comuns em São Paulo,
sempre com o fito de separar a "classe média" da "plebe
ignara". Com qual fundamento? Corriqueiramente, de
evitar os efeitos da violência que grassa nas grandes
metrópoles brasileiras, provocado, entre outros, pela
omissão da Administração Pública em cumprir com dever
constitucional.
O relato beira ao simplismo panfletário.
Contudo, essa é a justificativa ofertada pela Câmara
Municipal, in verbis: "Na verdade, é preciso reconhecer
que a violência urbana é um mal gravíssimo que
aflige principalmente a classe média que paga a
maior parte dos impostos e não tem a segurança
garantida com eficiência pelo Poder Público"10.
Afirmação bastante sintomática de uma
situação que é fonte de imponderáveis paradoxos. Qual o
consequente lógico que emerge cristalino dessa assertiva?
Que a Câmara Municipal de Mairiporã - que ou não se
considera parte do Poder Público, ou assume, aqui, sua
ineficiência para garantir segurança a seus munícipes -
pauta sua produção legislativa a partir do imperativo da
defesa dos interesses da "classe média que paga a maior
parte dos impostos".
Indaga-se: o papel do Poder Público não é dar
efetividade ao mandamento constitucional de que "todos
são iguais perante a Lei"? Ou aqui se reconhece que nem
todos são iguais perante a Lei, em desajustada corruptela
da filosofia aristotélica do tratar desigualmente os
desiguais na medida de sua desigualdade?
10 Fl. 48 dos autos.
ADIN N° 9055901-19.2008-SÃO PAULO - VOTO N° 17.802
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PODER J U D I C I Á R IO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ÓRGÃO ESPECIAL
A discussão que aqui se estabelece é ponto de
partida para múltiplas reflexões. A primeira, mais do que
evidente, é de que o discurso jurídico passa ao largo do
postulado de neutralidade que o positivismo jurídico
impôs como fundamento do estudo do Direito.
Tal postulado é nulo tanto na produção
legislativa quanto na produção do sentido normativo,
através da hermenêutica. Nessa seara, é certo apontar
que o que existe, em verdade, é um senso comum teórico
dos juristas, ou seja, a criação de um horizonte
interpretativo impregnado de verdades jurídicas,
cristalizadas pela doutrina e por vetusta jurisprudência, e
responsável por dar uma cobertura racional a decisões
que tem como pano de fundo pretensões de poder,
expressão de hegemonia económica e interesses políticos
inconfessáveis.
Tal entendimento é longevo, pois produzido nos
estudos de Filosofia do Direito há mais de 40 anos, mas
que ainda é tema proibido na esmagadora maioria da
jurisprudência pátria.
Com efeito, pontua LUÍS ALBERTO WARAT:
"Estas observações dizem respeito a um forte
laço que se foi tecendo entre o juridicismo que
sustenta as crenças sobre o Estado de Direito e
as formas de um saber que, em nome da
Ciência, postula a objetividade para impedir a
formação de novas identidades coletivas. Um
jogo de conexões ambíguas vai gerando um certo
"clima", um horizonte que faz possível o conjunto
das interpretações da lei: disfarçando o caráter
político das mesmas estratégias míticas,
dissimulam o fato de que todo processo
interpretativo é sempre a manifestação de um
poder. O exercício do poder de produzir os
sentidos da lei. No caso, um poder que, por outro
lado, não consegue, na perspectiva juridicista,
ADIN N° 9055901-19.2008-SÃO PAULO - VOTO N° 17.802
\
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ÓRGÃO ESPECIAL
transgredir a estrutura de dominação que lhe
outorgou tal faculdade"11
O direito teria, em si, uma dimensão ideológica
que, no plano do discurso do intérprete, destina-se a
provocar a pacificação das consciências através da
conformação com as contradições sociais. Por outra via, é
responsável por deslocar os conflitos sociais para o lugar
do "instituído por lei", como forma de torná-los menos
visíveis.
Daí que derivam verdadeiros dogmas do Direito
Positivo, que mais do que dogmas são teses de uso
corriqueiro para convencimento judicial: o
comportamento do homem médio, o princípio da
segurança jurídica (segurança jurídica para quem?), a
norma programática, que por ser programática é
desprovida de auto-aplicabilidade, entre tantos outros
standards que povoam o cotidiano dos Tribunais.
Como já asseverado aqui, a proibição de
retrocesso é expressa em delimitar e vincular o campo
discursivo dos operadores jurídicos a uma vedação
expressa de qualquer interpretação que represente uma
inuolução em matéria de direitos fundamentais. Por isso
impõe-se a este Desembargador expor a intrincada rede
discursiva por trás do argumento que sustenta a lei,
como forma de evidenciar sua incompatibilidade com a
correta interpretação do que se entende por "direito à
cidade".
Exatamente por isso não merecem prosperar
as teses lançadas pelos requeridos e pelo amicus curiae
em suas manifestações.
Reitere-se: a proibição de retrocesso é clara em
asseverar que, se existe um direito fundamental à cidade,
' ' WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito v. 1 - Interpretação da Lei:
temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sérgio António Fabris Editor, 1994,
p. 28.
ADIN N° 9055901-19.2008 - SÃO PAULO - VOTO N° 17.802
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PODER J U D I C I Á R IO
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ÓRGÃO ESPECIAL
não se pode admitir, em hipótese alguma, a existência de
um "direito fundamental à segregação no espaço urbano".
Feitas estas considerações, entendo, ainda que
com fundamentação diversa, que a Lei Municipal n°
2.129/01 está marcada pçy evidente
inconstitucionalidade.
Por esses fundamentos, jpígo procedente a
presente ADIN.
^ r
RENATO NALINI
Relator Designado
ADIN N° 9055901-19.2008 - SÃO PAULO -VOTO N° 17.802
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
ÓRGÃO ESPECIAL
Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei n° 994.08.013084-0
Requerente: Procurador Geral de Justiça
Requerido: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Mairiporã
D E C L A R A Ç Ã O DE VOTO N° 20368
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada
pelo Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo, em que se pede a
declaração de inconstitucionalidade da Lei n° 2.129/01, do Município de Mairiporã.
Alega, em breve síntese, afronta aos arts. 5o, 47, incisos II e XIV, e 180, todos da
Constituição do Estado de São Paulo.
2. O art. 1o da lei impugnada estabelece que "fica autorizado
o fechamento, a critério da Administração Municipal, das ruas sem saída, vilas e
loteamentos, desde que os mesmos estejam registrados e situados em zona
classificada como predominantemente residencial, unifamiliar, com acesso
controlado de veículos e pessoas não domiciliadas no local".
A lei trata da organização dos espaços habitáveis, inserindo
-se no âmbito do direito urbanístico objetivo, conceituado por José Afonso da
Silva, como o "conjunto de normas de normas que têm por objeto organizar
os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao
homem na comunidade".^ E o art. 30, inc. VIII, da Constituição Federal estatui
que compete aos municípios "promover, no que couber, adequado
ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do
parcelamento e da ocupação do solo".
\ ^
Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 994.08.013084-0 J
Voto n° 20368 J
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Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
ÓRGÃO ESPECIAL
Não houve, todavia, vício de iniciativa. O ordenamento
jurídico nacional não contém norma específica que afirme ser de competência
exclusiva do Prefeito Municipal a apresentação de projeto de lei que trate sobre o
uso e ocupação do solo urbano2. Desse modo, não se pode excluir a
possibilidade de lei de iniciativa parlamentar ser eventualmente considerada
constitucional, desde que não caracterize conteúdo típico de atividade
administrativa e não requeira prévio estudo ou planejamento administrativo.
Neste diapasão este Órgão Especial já assinalou que "não
existe exclusividade de iniciativa de lei que se ocupe da promoção do
adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso,
do parcelamento e da ocupação do solo urbano. Mas assim é, ou seja,
admitida iniciativa concorrente, quando se cuida de lei que estabelece
regras gerais e abstraías de zoneamento, e não de lei que promova
especificação de uma via pública, se estrita ou prevalentemente residencial,
pois aí se trata de obra administrativa, 'atividade concreta e específica de
caráter casuístico, em função do desenvolvimento local, das exigências dos
bairros, das manifestações dos próprios logradouros públicos, em
consonância com a fisionomia que assume no seu evolver, suscetível de se
modificar por exigências urbanísticas do Município, interesse dos
munícipes, só possível de ser bem sentidos pelo Executivo, no seu
cotidiano contato com a vida da cidade, atuando em matéria da sua alçada
administrativa, particularizando a lei', como decidiu o Tribunal de Justiça de
São Paulo, em acórdão relatado pelo Des. Oswaldo Aranha Bandeira de
1 Direito Urbanístico Brasileiro, 6a ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 49.
2 STF, RE 218110, Relator Min. Néri da Silveira, 2a Turma, j . em 02/04/2002, DJ 17-05-2002 p. 73:
"Recurso extraordinário. Ação direta de inconstitucionalidade contra lei municipal,
dispondo sobre matéria tida como tema contemplado no art. 30, VIII, da Constituição
Federal, da competência dos Municípios. 2. Inexiste norma que confira a Chefe do Poder
Executivo municipal a exclusividade de iniciativa relativamente à matéria obieto do diploma
legal impugnado. Matéria de competência concorrente. Inexistência de invasão da esferefde
atribuições do Executivo municipal. 3. Recurso extraordinário não conhecido". ( \
Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 994.08.013084-0 yO<
Voto n° 20368
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ÓRGÃO ESPECIAL
Mello, na oportuna menção feita no parecer do ilustre Subprocurador-Geral
de Justiça Maurício Augusto Gomes'**.
No caso em testilha, não há interferência na gestão
administrativa, razão pela qual não se vislumbra ofensa aos artigos 5o, 47 e 144
da Constituição Bandeirante. De fato, a lei impugnada não criou programa
parlamentar, nem previu novas atribuições para os órgãos da administração do
Município. Pelo contrário, apenas lhe facultou, a seu critério, o fechamento das
vias indicadas no caputde seu art. 1o.
Contudo, não se observou o disposto no art. 180, inc. II, da
Constituição Bandeirante, segundo o qual, "no estabelecimento de diretrizes e
normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios
assegurarão: (...) II - a participação das respectivas entidades comunitárias
no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, planos, programas e
projetos que lhes sejam concernentes". A Constituição exige que o
planejamento urbanístico seja democrático. E, conforme lição de José Afonso
da Silva, "é preciso estar ouvindo constantemente as gentes, para
determinar o que elas querem e o que sentem".4
Embora a lei objurgada ressalve que o fechamento das
divisas de área não poderá obstruir o fluxo normal de veículos nem proibir a
passagem de pedestres (arts. 3o e 4o), é inegável que facultar à Administração
Pública o fechamento, a seu critério, "das ruas sem saída, vias e loteamentos"
(art. 1o) afeta os interesses de toda a coletividade, implicando, na prática,
considerável restrição à liberdade de circulação nas vias públicas. Por esse
motivo, ainda que se invoque razões de segurança, a coletividade deveria ter sido
instada a participar do debate sobre as medidas previstas na lei.
3 TJSP, ADI 179.525-0/8-00, Órgão Especial, rei. Des. Walter de Almeida Guilherme, j . em 25.11.200
4Ob.cit. p. 109.
Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 994.08.013084-0
Voto n° 20368
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ÓRGÃO ESPECIAL
Ressalte-se, outrossim, que o art. 5o da lei determina que "o
acesso de pedestres ou condutores de veículos não residentes nas respectivas
áreas fechadas é garantido mediante simples identificação ou cadastramento, não
podendo, em nenhuma hipótese, ocorrer restrição a esse acesso". Sem embargo
desta ressalva, é questionável a imposição aos cidadãos do ónus da prévia
identificação para que possam circular livremente por vias públicas, bens de uso
comum do povo, ainda mais quando isto é feito, em princípio, apenas em vista do
atendimento de interesses particulares. Se há, de alguma forma, a possibilidade
de legitimação das medidas visadas pela lei, é inegável que ela passa pela
necessidade de um amplo debate público, no qual sejam levados em
consideração não só os interesses daqueles que habitam as áreas residenciais a
serem privilegiadas, como também dos demais setores sociais do Município.
Sem que o processo legislativo atenda a esta lídima
exigência democrática, não há como considerar constitucional a lei impugnada.
3. Ante o exposto, divirjo do voto do Desembargador
Relator e voto pela procedência da ação.
ARTUR MARQUES TJA SILVATILHO
Desembargador
Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 994.08.013084-0
Voto n° 20368
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ÓRGÃO ESPECIAL
VOTO N° 20.088
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE n° 994.08.013084-0
COMARCA: SÃO PAULO
REQUERENTE: PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
REQUERIDOS: PREFEITO E PRESIDENTE DA CÂMARA DO
MUNICÍPIO DE MAIRIPORÃ
VOTO VENCIDO
1 - Trata-se de AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE ajuizada pelo ilustre PROCURADORGERAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO em face do
PREFEITO E PRESIDENTE DA CÂMARA DO MUNICÍPIO DE
MAIRIPORÃ, pedindo a declaração de inconstitucionalidade da Lei n°
2.129, de 30/11/2001, que autoriza o fechamento, a critério da
Administração Municipal, das ruas sem saída, vilas e loteamentos,
desde que estejam registrados e situados em zona classificada como
predominantemente residencial, unifamiliar, com acesso controlado de^.^-^
veículos e pessoas não domiciliadas no local, porque afronta o /
comando contido nos artigos 5o, 47, incisos II e XIV, e 180, caput^e
inciso II, 181, capute§ 1o, da Constituição do Estado de São Paulo.
O PREFEITO E O PRESIDENTE DA CÂMARA DO
MUNICÍPIO DE MAIRIPORÃ prestaram informações, sustentando a
constitucionalidade do diploma legal questionado.
A CONGREGAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DA SERRA DA
CANTAREIRA - CASC manifestou-se, na qualidade de "amicus
curiae", argumentando pela constitucionalidade da Lei n° 2.129, de
30/11/2001.
O PROCURADOR GERAL DO ESTADO manifestou sua
falta de interesse no feito, visto que se trata de matéria exclusivamente
local.
2
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ÓRGÃO ESPECIAL
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA opinou pela
procedência do pedido.
É o relatório.
2.- Não obstante os ponderáveis argumentos expendidos
pelo culto PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, a Lei n° 2.129, de
30/11/2001, do MUNICÍPIO DE MAIRIPORÃ, não afrontou os
indigitados dispositivos da Constituição do Estado, mas, ao contrário
disso, está em harmonia com seus comandos e também com aqueles
emanados da Constituição da República, no sentido de que compete
ao Município legislar sobre assuntos de interesse local, organizar e
prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os
serviços públicos de interesse local e promover, no que couber,
adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do
uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (CF, artigo 30,
incisos I, V e VIII). , Qp\
O artigo 144 da Constituição do Estado de São F^aulo, em
perfeita harmonia com o disposto no artigo 29 da Constituição da
República, estabelece que: "Os Municípios, com autonomia política,
administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica,
atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição."
Não ocorreu o vício formal quanto à iniciativa da lei, visto
que ela não trata de urbanismo e não permite mudança na destinação
das áreas institucionais e verdes. Deixa claro, isto sim, que o
fechamento das divisas da área não pode obstruir o fluxo normal de
veículos na malha viária existente, nem interfere no plano diretor do
município.
ADINn" 994.08.013084-0 -Voto 20.088 - São Paulo (ÓRGÃO ESPECIAL)
3
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ÓRGÃO ESPECIAL
Em apertado resumo, após a leitura atenta do texto da lei,
chega-se à conclusão que ela autoriza o fechamento, a critério da
Administração Municipal, das ruas sem saída, vilas e loteamentos,
desde que estejam registrados e situados em zona classificada como
predominantemente residencial, unifamiliar, com acesso controlado de
veículos e pessoas não domiciliadas no local, guardando, assim,
integral submissão aos comandos superiores da Constituição do
Estado de São Paulo, da Constituição da República e das leis
pertinentes de maior hierarquia.
3- Pelo exposto, meu voto julgava improcedente a presente
ação direta de inconstitucionalidade.
CARLOS DE/CARVALHO
REITOR
ADINn" 994.08.013084-0 -Voto 20.088 - São Paulo (ÓRGÃO ESPECIAL)
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
VOTO N° 12.367
COMARCA: São Paulo
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 9055901-19.2008.8.26.
0000
REQUERENTE: Procurador Geral de Justiça
REQUERIDOS: Prefeito do Município de Mainporã e Presidente da
Câmara Municipal de Mainporã
DECLARAÇÃO DE VOTO
I - O objeto da ação, proposta pelo Procurador-Geral de
Justiça, é a Lei n° 2.129/2001, do Município de Mairiporã que "autoriza o
fechamento normalizado de ruas sem saída, vilas e loteamentos situados
em áreas estritamente residenciais, estabelece acesso controlado a essas
áreas e dá outras providências ", dado que ofenderia os artigos 5o e 47 II e
XIV, da Constituição do Estado.
II - O relator, Desembargador Carlos de Carvalho, julga
a ação improcedente, tendo sido acompanhado pelo Desembargador.
Souza Lima, ao passo que os Desembargadores Renato Nalini, como voto
escrito, Laerte Sampaio, Roberto Mac Cracken e António Carlos Malheiros
julgam-na procedente. ,„ /
ARTES GRÁFICAS - TJ 41.0035
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
III - Meu voto.
1. A predominância do interesse local ressai evidente,
pelo que, na forma da regra geral de atribuição de competência ao
Município (CF, art. 30, I, legislar sobre assuntos de interesse local) e
especial (CF, art. 30, VIII, promover, no que couber, adequado
ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, o
parcelamento e da ocupação do solo urbano), competia mesmo ao
Município de Mairiporã a edição da lei sob enfoque.
2. A Lei n° 2.129/2001, todavia, originou-se de projeto
ofertado por vereador e, nesse aspecto, reside o vício formal de
inconstitucionalidade, ou seja, o de iniciativa.
A iniciativa de projetos de lei representa um dos
aspectos mais importantes do moderno processo legislativo e consubstancia
prerrogativa de grande expressão.
O Supremo Tribunal Federal, reiteradamente, tem
afirmado que as regras básicas do processo legislativo federal são de
observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios e que
constitui ofensa ao princípio da separação dos poderes o desrespeito à
iniciativa reservada de um poder (ADI 2731/ES).
Tema recorrente neste Órgão Especial é a distinção entre
administrar e legislar, em referência a leis que devem ser de iniciativa do
chefe do Poder Executivo e aquelas cujo projeto pode ser de iniciativa
parlamentar.
No caso vertente, há de se entender que a regulação do
uso do solo urbano se traduz em exercício de competência de execução,
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 9055901-19.2008.8.26.0000-Voto 12.367 A/A
ARTES GRÁFICAS-TJ 41.0035
PODER JUDICIÁRIO
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inserida na órbita do Poder Executivo, que age em função de adequar a
utilização dos espaços urbanos à necessidade e interesse do munícipe.
Traçar a política urbana, que tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana,
como posto no artigo 2o da Lei Complementar n° 10.257/2001 (Estatuto das
Cidades), é incumbência do Prefeito Municipal.
Se assim é, lei que estabelece o fechamento de ruas sem
saída, vilas e loteamentos situados em áreas urbanas, constituindo
regramento sobre utilização do solo urbano, teria que derivar de projeto de
iniciativa do chefe do Executivo, não importando, como no caso em
debate, que tenha o Prefeito, sancionado o projeto oriundo do Poder
Legislativo.
Se o vício de iniciativa é patente, não há por que
aprofundar o desenlace da questão e procurar uma possível
inconstitucionalidade material da lei sub judice, sem embargo da
excelente argumentação contida no voto divergente do Desembargador
Renato Nalini. Indagando este qual seria a finalidade de um "fechamento
normalizado de ruas sem saída...", responde: "criar espaços de segregação
social, cada vez mais comuns em São Paulo, sempre com o fito de separar a
'classe média' da 'plebe ignara'. Com qual fundamento? Corriqueiramente,
de evitar os efeitos da violência que grassa nas grandes metrópoles
brasileiras, provocando, entre outros, pela omissão da Administração
Pública em cumprir com o dever constitucional.".
Posso entender com o ilustre Desembargador que se
existe um direito fundamental à cidade (que é de todos), não se pode
admitir, em hipótese alguma, a existência de um direito fundamental à
segregação no espaço urbano. Tenho, no entanto, alguma dificuldade em compreender em que medida o fechamento de ruas sem saída, em áreas estritamente residenciais, para atender ao direito à segurança dos moradores, atenta contra o direito dos demais habitantes da cidade.
3. Do exposto, julgo procedente a ação para declarar
a inconstitucionalidade formal da Lei n° 2.129/2001, do Município de
Mairiporã.
WALTER DE ALMEIDA GUILHERME
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 9055901-19.2008.8.26.0000 - Voto 12.367
INTEGRA DO ACORDÃO DA AÇÃO CIVIL PUBLICA DE MAIRINQUE
integra : PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA REGISTRADO(A) SOB N° ACÓRDÃO *03033497* Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 994.05.103936-2, da Comarca de Mairinque, em que são apelantes SOCIEDADE AMIGOS DA PORTA DO SOL SAPOS e ASSOCIAÇÃO DOS PROPRIETÁRIOS AMIGOS DA PORTA DO SOL APAPS sendo apelado MINISTÉRIO PUBLICO. ACORDAM, em 3a Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AOS RECURSOS. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores MAGALHÃES COELHO (Presidente) e MARREY UINT. São Paulo, 08 de junho de 2010. ANTÔNIO CARLOS MALHEIROS RELATOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO AÇÃO CIVIL PUBLICA - Fechamento De Via Pública - Associação De Moradores - Bem Público - Impossibilidade de Decreto municipal estabelecer responsabilidade contrariando Lei superior - Violação ao direito de ir e vir, assegurado pelo art. 5o, inciso XV, da Constituição Federal Sentença Mantida - Recursos improvidos. Voto 18.931 Apelação Civel n° 410.802-5/3 - MAIRINQUE/SÃO ROQUE Recorrente: JUÍZO "EX OEFICIO' Apte(s): SOCIEDADE AMIGOS DA PORTA DO SOL - SAPOS Apdo(s): MINISTÉRIO PUBLICO Trata-se de apelação (fls. 1167/1195), interposta de sentença (fls. 1138/1150), proferida em ação civil pública, visando a anulação do Decreto Municipal 3.520/90 e suas prorrogações e para compelir a Sociedade Amigos Porta do Sol, associação formada para administrar loteamento do mesmo nome, a remover todos os obstáculos das portarias, que impeçam o livre ingresso de indivíduos, independentemente de identificação, bem como, que sejam afixadas placas indicando que se tratam de vias públicas, com livre acesso. A ação foi julgada procedente. 0 recurso foi recebido nos seus regulares efeitos. Resposta à fls. 1235/1240. Parecer da D. Procuradoria de Justiça à fls.1294/1298, opinando pelo improvimento dos recursos. É o relatório. Nenhum reparo merece a decisão recorrida. O loteamento urbano denominado "Porta do Sol" teve o alvará de aprovação expedido em 30 de novembro de 1973, sendo registrado no Cartório de Registro de Imóveis de São Roque, sob a matricula n° 3828. Porém, conforme certidão 93/2001, expedida pela Prefeitura Municipal de Mairinque, há informação de que o loteamento "Porta do Sol", não é um condomínio fechado, mas foi autorizado a fechar os acessos, por meio de Decretos n°s 3502/90, prorrogado pelos de n° 4157/95, e 4.584/00, constituindo-se uma outorga de permissão de uso, a título precário, pelo prazo de 5 anos. No entanto, à época da aprovação do loteamento, o ato foi regido pelo Decreto 271/67, antecessor da Lei 6.766/79, que, em seu art. 4o, previa que as vias, as praças e áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos constantes do projeto e do memorial descritivo, com a inscrição de que o loteamento passe a integrar o domínio público do Município. Referida lei, acresceu ao rol dos bens que passavam ao domínio público os espaços livres, e proibiu o loteador de alterar sua destinação, por ocasião da aprovação do loteamento, ressalvando a hipótese de caducidade da licença ou desistência do loteador antes do registro. A Associação Amigos Porta do Sol, com a permissão da Municipalidade de Mairinque colocou cancelas nas portarias e seguranças armados para interceptar, identificar, fiscalizar e até impedir o ingresso e circulação dos cidadãos ao bairro, determinando, ainda, que os proprietários sejam obrigados a identificar seus carros com selos nos pára-brisas, e que os funcionários das residências, bem como as pessoas moradoras de outros bairros, que necessitem atravessar o loteamento, para chegar a um bairro contiguo, possuam "carteirinhas de identificação", e, não a possuindo, são obrigados a descer do ônibus e procurar outro caminho que não passe pelo loteamento, constituindo tais práticas, abuso e constrangimento, bem como violação a um direito protegido constitucionalmente, qual seja o direito de locomoção, nos termos do art. 5o, inciso LX, da Constituição Federal. Não sendo o loteamento Porta do Sol, um loteamento fechado quando do seu registro, fechar as ruas com portarias, cancelas, vigilantes ou qualquer outro meio coercitivo, constitui-se flagrante ilegalidade, ferindo o direito de ir e vir do cidadão assegurado pela Constituição Federal, além de, nos termos do art. 99, I, do Código Civil em vigor, as ruas, avenidas e praças são classificadas como bens públicas de uso comum, aos quais qualquer cidadão pode circular e transitar livremente. Dessa forma os Decretos Municipais autorizadores da prática acima descrita encontram-se eivados de vicios, pois eles alteraram o destino das áreas, não mais permanecendo sob o dominio e patrimônio do município as ruas, praças, áreas verdes e institucionais. A natureza jurídica dos loteamentos sofreu alteração. Como bem salientado na r. sentença, a construção de caráter permanente foi edificada em área pública, sem que houvesse lei que cedesse o uso da área a referida associação. Por outro lado, deve-se relembrar que as autorizações de uso destinam-se às edificações temporárias. Portanto, a edificação em área pública por meio de autorização deverá ser por prazo determinado, mediante pagamento de preço público e de caráter temporário, sem a utilização de materiais definitivos e de fácil remoção, o que não é o caso, eis que a guarita é de alvenaria. Ressalte-se que não se trata de apoio comunitário, como insiste o apelante. 0 nome, que a propósito é irrelevante, não modifica a natureza do serviço realizado, que é nitidamente de vigilância, eis que controla o acesso de pessoas ao local. Cuida-se, portanto, de uma clara delegação do Poder de Policia. Com efeito, a autorização para uso de área pública, visando o interesse privado, não pode jamais servir para delegar o Poder de Policia do Estado, permitindo o controle de vias de trânsito e de pedestres com a utilização de guaritas ou cancelas de segurança e cercas com portões. Pressupondo a ocorrência de restrições à liberdade individual, o Poder de Policia implica em uma posição de supremacia por parte de quem o exerça, cabendo tal prerrogativa, com exclusividade, à Administração. 0 Poder de Policia é atribuído exclusivamente ao Estado para fins de condicionar o uso da propriedade ou o exercicio de atividade a observância do interesse público ou social. Trata-se, portanto, de uma prerrogativa da Administração, decorrente de sua posição de supremacia perante os administrados, não podendo ser transferido a particulares. Correta, portanto, a r. sentença de Primeiro Grau, pela qual resta mantida pelos seus próprios e jurídicos fundamentos. Isto posto, nega-se provimento aos recursos. ANTÔNIO CARLOS MALHEIROS Relator Apelação Cível n° 410.802-5/3 - MAIRINQUE/SÃO ROQUE - Voto 18.931
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