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domingo, 21 de agosto de 2011

A ameaça do ‘Estado leiloado’ - Estadão entrevista Marcelo Freixo - PSOL RJ


A ameaça do ‘Estado leiloado’

Deputado que inspirou personagem de Tropa de Elite 2 está em lista atribuída a assassinos da juíza

20 de agosto de 2011 | 12h 51
Fonte ESTADAO - 
Ivan Marsiglia
Entrevista: Marcelo Freixo
EX-PROFESSOR DE HISTÓRIA, DEPUTADO ESTADUAL PELO PSOL, PRESIDIU A CPI DAS MILÍCIAS EM 2008
Na terça-feira, cinco dias após o brutal assassinato da juíza Patrícia Lourival Acioli, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, uma informação assustadora foi transmitida ao deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ). Segundo relato feito ao Disque-Denúncia, a morte da juíza teria sido encomendada por três detentos do presídio Ary Franco e, na lista dos criminosos, estariam mais duas pessoas marcadas para morrer: outro juiz, da 4ª Vara Federal de Niterói, e o próprio Freixo.
“Receio dá, pois eles podem tirar minha vida, sim. E não tenho nenhum projeto de virar memória”, admite o niteroiense de 44 anos, casado, pai de dois filhos. Formado em história pela Universidade Federal Fluminense e ex-pesquisador da ONG Justiça Global, Freixo coordenou projetos educacionais em presídios e, em mais de uma ocasião, atuou como negociador durante rebeliões. Eleito com amplo apoio da classe artística e intelectual do Rio, presidiu em 2008 a CPI das Milícias, que investigou as conexões desses grupos com parlamentares e resultou na cassação do deputado Álvaro Lins. Desde então, vive escoltado por seguranças. Foi Freixo quem inspirou o cineasta José Padilha na construção do personagem Diogo Fraga, militante de direitos humanos e antagonista do Capitão Nascimento que depois se alia a ele no filme Tropa de Elite 2.
Nesta entrevista, que concedeu ao Aliás na saída da missa de sétimo dia da juíza Acioli, quarta-feira, o deputado dispara contra a política de segurança pública fluminense e federal. Considera a execução ocorrida no dia 11 “um divisor de águas” na ação do crime organizado, que até então via juízes, promotores e deputados “cadáveres caros demais”. Ensina que, diferentemente dos traficantes, os milicianos não constituem um Estado “paralelo”, mas “leiloado”: são máfias dotadas de projeto de poder, domínio de território e influência eleitoral, constituindo “uma instância do crime organizado muito superior”. E faz um alerta: se não houver resposta firme das autoridades, o crime contra a juíza será o primeiro de muitos.
Como se sentiu ao ver seu nome na lista de ameaçados em que constava a juíza Acioli?
Desde que presidi a CPI das Milícias recebo ameaças. A última foi no mês passado. Elas chegam por carta, pelo Disque-Denúncia, por presos que respeitam meu trabalho e dizem ter ouvido planos do tipo ou por interceptações telefônicas feitas pela polícia. Até que ponto vale expor a si próprio e a sua família com esse trabalho? (Pausa) Receio dá. Estou saindo muito abalado da missa de Patrícia. Pensei que ali, no lugar dos filhos dela, poderiam estar os meus. Claro que isso passa pela minha cabeça, mexe comigo. Se dissesse que não, estaria mentindo. A gente se sente vulnerável. Sei que não posso deixar de fazer o que faço, mas preciso tomar cuidado. Porque eles podem tirar minha vida, sim. E eu não tenho nenhum projeto de virar memória.
Conhecia a juíza Acioli pessoalmente?
Embora não fôssemos amigos, eu a conhecia por trabalharmos na mesma área. Tivemos mais contato na época da CPI. Em sua atuação como juíza ela enfrentou fundamentalmente as milícias e grupos de extermínio de São Gonçalo. E, quando a CPI terminou, mandei o relatório para ela e nos falamos por telefone. Eu a admirava muito. Patrícia não morreu por sua ousadia ou por sua coragem, mas pela covardia dos outros. Falta prioridade, projeto público para se combater o crime organizado no Brasil. Então a luta fica dependendo de alguns poucos deputados, promotores, juízes... que viram alvo fácil.
Por que o sr. declarou que ‘se a resposta não for rápida, o crime organizado vai atingir uma nova etapa’?
Porque o crime organizado rompeu uma barreira que ainda não havia rompido. É a primeira vez que isso acontece no Rio de Janeiro. Não tenho a menor dúvida de que os mandantes e os executores são pessoas incomodadas pelo trabalho de Patrícia como juíza. Não foi uma vingança pessoal, eles fizeram um atentado contra o poder público. Calaram a Justiça, não a Patrícia. E, se o crime organizado pagou para ver, o Estado tem que responder à altura. Senão, ela será a primeira de muitos. Desde a época em que presidi a CPI, ouço dizer que somos “cadáveres caros demais”, que eles não teriam coragem de nos matar porque a repercussão seria grande. Pois é, fizeram. E agora, qual vai ser a resposta?
É característica do crime organizado, de tempos em tempos, fazer uma ação assim, para servir de aviso, intimidar?
Eles só agiram assim porque tiveram facilidade. O Tribunal de Justiça facilitou ao não garantir a proteção que Patrícia queria.
O presidente do TJ-RJ, Manoel Alberto Rebêlo, insiste em que a juíza não pediu escolta.
Não é verdade, e tenho documentos que o comprovam. Patrícia em nenhum momento se negou a ter segurança. Acho um absurdo que, enquanto o País inteiro se escandaliza, no Rio setores do Tribunal de Justiça tentem desqualificar a vítima. Dizer que ela não tinha proteção porque mandou um ofício! É uma vergonha. Só falta dizer que ela se suicidou. Reiteradas vezes Patrícia pediu proteção e discordou da redução de sua segurança, decidida por eles. Aí vem o presidente do TJ e, no lugar de dizer “peço desculpas à família e à sociedade, pois o Tribunal errou”, põe a culpa nela. Era o mínimo de grandeza que se esperava do TJ. Tirou a segurança de uma juíza quando não podia ter tirado. Não deu autonomia para ela escolher seus seguranças, quando deveria ter dado. Eu ando com escolta. Desde quando não serei eu a escolher meus seguranças? Isso é um absurdo. O cara vai saber onde moro, quem é meu filho e eu não posso decidir quem será?
E a declaração do Flávio Bolsonaro (PP-RJ), filho do deputado federal Jair, de que a juíza 'humilhava' policiais nos julgamentos?
É curioso que o deputado não tenha essa opinião quando se trata de outros réus. É uma visão seletiva de garantia de direitos.
O governo do Rio chegou a recusar ajuda da Polícia Federal nas investigações e foi preciso que o presidente do STF, Cezar Peluso, interviesse junto ao Ministério da Justiça para a PF entrar no caso. Por quê?
Nada mais me espanta no governo do Rio de Janeiro. Eles já não conseguem me surpreender, pois o absurdo virou regra. Um assassinato com esse peso, que é um atentado contra a República, a Polícia Federal se coloca à disposição e o governo do Rio diz que não quer? Mas por que não? Se a recusa foi por vaidade, trata-se de um equívoco, uma tolice. Se não, é suspeito. Ou estão querendo dizer “vamos resolver sozinhos, estamos podendo, investigamos muito bem”, o que não é verdade, ou temem que apareçam coisas que não possam ser ditas. Felizmente, o STF e o Poder Judiciário como um todo entenderam o significado do que ocorreu. A morte da Patrícia é um divisor de águas.
O crime organizado pode constranger a magistratura no Brasil, como fez na Itália durante a Operação Mãos Limpas?
Já está constrangendo. Hoje mesmo conversei com um juiz cujo nome não posso revelar que também não tem proteção alguma. Está absolutamente preocupado. Quando terminou a CPI, definimos no relatório: milícia é máfia. Então, fui convidado pela Anistia Internacional a apresentar o relatório em outros países. No primeiro, a Alemanha, tive grande dificuldade em explicar. Vai dizer a um alemão que tem polícia envolvida, que eles dominam o transporte por vans e a distribuição de gás, que cometem extorsão e exploram até prostituição infantil... Já no último país da viagem, a Itália, eu mal começava a falar e eles já diziam: “Ah, sabemos como funciona. É igual aqui”. A milícia, como a máfia, envolve agentes públicos, domina território, empreende atividades econômicas, tem projeto de poder e age dentro do Estado. Ela não é um Estado paralelo, é um Estado leiloado.
É isso o que quer dizer quando fala em 'crime organizado como projeto de poder'?
Sim. E é o que diferencia a milícia de todas as outras organizações criminosas que já tivemos no Rio. Todos os líderes dos grupos milicianos são agentes públicos da área da segurança. Eles também, invariavelmente, comandam os centros sociais nas comunidades. Então, passam a ter domínio eleitoral dessas áreas. Sempre elegeram gente e também mataram muita gente: a maior concentração de homicídios no Rio de Janeiro hoje ocorre nas áreas das milícias.
Para quem vive nas comunidades, qual é a diferença entre estar sob o jugo do traficante ou do miliciano?
A milícia é uma instância do crime organizado muito superior. Veja que só tivemos uma redução recente no número de homicídios no Rio porque houve certo enfraquecimento das milícias nos últimos três anos – depois que as autoridades foram obrigadas a agir pela mobilização da opinião pública após a CPI e o sequestro de uma equipe de jornalistas (em maio de 2008, um grupo de milicianos da favela do Batan, em Realengo, sequestrou uma repórter, um fotógrafo e um motorista do jornal O Dia que faziam uma reportagem no local e os torturou por duas semanas). Perto das milícias, os traficantes dos morros são só garotos violentos com armas na mão e nada na cabeça.
A melhoria das condições econômicas nas comunidades ajuda a explicar o crescimento das milícias?
Sim, porque máfias se instalam onde há dinheiro para ser coletado, não onde só há miséria. E se você olhar em 2007, antes da CPI, vai ver até o governador Sérgio Cabral inaugurando uma obra em Campo Grande ao lado de um vereador e um deputado que acabaram presos por envolvimento com a milícia (o deputado Natalino José Guimarães e seu irmão, o vereador Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho). Está no YouTube isso, é uma cena patética. Mas mostra como as autoridades viam as milícias como um mal menor. O ex-prefeito Cesar Maia chegou a chamá-las de “autodefesa comunitária”. O atual, Eduardo Paes, também as defendeu em uma entrevista na TV. O tráfico sempre se colocou à margem da lei e contra o Estado. A milícia está dentro do Estado. E no sistema eleitoral. O mapa de votação do ex-secretário de segurança do Rio (o deputado federal pelo PSDB-RJ) Marcelo Itagiba concentra-se nas áreas de milícia.
Parlamentares como Cidinha Campos (PDT-RJ) o acusam de fazer proselitismo e dispor da proteção de policiais que deveriam estar nas ruas. Qual é a sua resposta?
A realidade se impõe contra a mediocridade. Deixo que os eleitores respondam. O meu grupo de seguranças é reduzido e condizente com a situação de risco (dez policiais se revezam na proteção de Freixo e de sua família 24 horas por dia).
O sr. é crítico tanto em relação ao governo estadual quanto ao federal. Com a experiência que acumulou, como deveria ser uma política de segurança consistente?
Em primeiro lugar, qualquer projeto de segurança deveria ser feito em parceria entre os governos estaduais e o federal. A questão é nacional e a segurança pública deveria estar acima de cor partidária ou ideologia: deve ser projeto de Estado, não de governo. A parceria na área de inteligência tinha que ser sistemática. No caso do Rio, as UPPs são importantes, mas não bastam. E há política por trás delas: por que a região de Copacabana tem tantas UPPs e na Baixada Fluminense, onde os índices de criminalidade são mais altos, não há nenhuma? O mapa das UPPs é um projeto de cidade, não de segurança pública. Outra pergunta: por que não há nenhuma UPP em áreas de milícia? Porque talvez elas ainda interessem à elite política corrupta do Rio. Temos uma polícia muito corrupta porque é grande a corrupção na política.
Em Tropa de Elite 2, o tráfico sai de cena para dar lugar às milícias como inimigo público número 1. Como combatê-las?
Propostas concretas existem, a questão é querer fazer. Antes de mais nada, é preciso tomar o território das milícias, como se fez com o tráfico. E intervir em suas atividades econômicas. No transporte, a licitação das vans talvez pudesse ser feita por meio de licenças individuais e não via cooperativas – dominadas pelo crime. A distribuição do gás também precisa ser mais bem fiscalizada: a Agência Nacional do Petróleo tem só cinco agentes em todo o Estado do Rio. E, claro, precisamos melhorar o salário e a formação do policial, além de dar mais estrutura às ouvidorias e à corregedoria.

DIREITOS HUMANOS NO BRASIL: O PASSADO E O FUTURO- FABIO KONDER COMPARATO


DIREITOS HUMANOS NO BRASIL:
O PASSADO E O FUTURO* 
Fábio Konder Comparato**

O eixo em torno do qual se desenvolve a história dos direitos humanos é a idéia de que os homens são essencialmente iguais, em sua comum dignidade de pessoas, isto é, como os únicos seres no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza.
O primeiro reconhecimento normativo da igualdade essencial da condição humana remonta ao final do século XVIII, com a proclamação das liberdades indivi-duais e da igualdade perante a lei, nos Estados Unidos e na França revolucionária.
A partir do século XIX, com o reconhecimento de que todos têm direito a condições de trabalho dignas, à fruição dos serviços públicos de caráter social, bem como à garantia previdenciária contra os principais riscos da vida em sociedade, a história dos direitos humanos passou a desenvolver-se em função do princípio fundamental da solidariedade. A exigência de uma organização solidária da vida em so-ciedade estendeu-se, na segunda metade do século XX, do plano interno para o internacional, com a afirmação dos direitos dos povos à existência, à autodeterminação, à democracia, à paz e ao desenvolvimento. Chega-se agora, no limiar do terceiro milênio da era cristã, à dimensão universal da dignidade humana, com o reconhecimento, por várias convenções internacionais, dos direitos fundamentais da humanidade, tais como o de proteção ao equilíbrio ecológico, o de preservação dos monumentos de valor estético ou histórico, o de exploração comunitária das riquezas minerais do leito marinho, umas e outros considerados patrimônio mundial.
Nessa perspectiva exaltante de unificação do mundo em função dos valores supremos da liberdade, da igualdade e da solidariedade, é de se perguntar em que estado se encontra o nosso País e qual a perspectiva que nos abre o futuro. Conti-nuaremos a acumular atrasos, ou saberemos defender de modo sempre mais efetivo a dignidade humana de todos os que vivem neste vasto território?
Comecemos por considerar o fato notório de que o Brasil detém, já há algum tempo, o sinistro galardão de país onde impera a mais acusada desigualdade sócio-econômica do mundo. Para que possamos organizar, com alguma probabilidade de êxito, a terapêutica adequada, é indispensável compreender a etiologia profunda do mal.
A origem dessa profunda divisão da sociedade brasileira entre ricos e pobres, entre proprietários que mandam e escravos ou assalariados que obedecem, encontra-se, a meu juízo, na estrutura própria da sociedade portuguesa à época da colonização. Como observou Tocqueville argutamente, "é nas colônias que se pode melhor julgar da fisionomia do governo da metrópole, porque é aí que de ordinário todos os traços que a caracterizam se encontram ampliados e tornam-se mais visíveis"1 .
Portugal foi de fato, juntamente com a Itália setentrional e central, a região da Europa onde o feudalismo mais cedo deixou-se suplantar pela organização sócio-econômica capitalista. Por isso mesmo, foi nessas regiões que a burguesia mais rapidamente ascendeu ao poder, provocando a substituição dos estamentos tradicionais pela moderna sociedade de classes.
Os povos de origem indo-européia, já se salientou2 , compuseram-se, basicamente, de três ordens ou estados (status, Stände, États), isto é, de grupos sociais dotados de um estatuto jurídico próprio, ligado à condição pessoal de seus integrantes: a nobreza, o clero e o povo. Os dois primeiros eram titulares de privilégios hereditários. O terceiro tinha como única vantagem própria o status libertatis, isto é, o fato de que os seus componentes não se confundiam com a multidão dos servos de todo o gênero, ligados à exploração da terra.
Na península ibérica e, especialmente, em Portugal, essa organização estamental da sociedade foi profundamente perturbada, já no século VIII, com a invasão sarracena e a instauração de uma nova civilização. Tal fato contribuiu decisivamente para que o sistema feudal, dominante à época na Europa nórdica e central, abortasse em quase toda a região ibérica.
É velha de mais de um século a polêmica em torno da tese defendida por Herculano, de que Portugal jamais conheceu um feudalismo autêntico3 . A historiografia contemporânea considera essa interpretação um tanto simplista, assinalando que não se há de confundir o regime feudal propriamente dito com o sistema de dominação senhorial4 . Naquele, havia uma relação bilateral voluntária de proteção e vassalagem entre homens livres e iguais; nesta, a submissão de servos à dominação de proprietários das terras, às quais os cultivadores, com suas famílias e bens, se prendiam por vínculo real.
Ora, embora admitida a justeza dessa distinção conceitual, é impossível deixar de reconhecer que a duradoura ocupação da península ibérica pelos mouros e as subsequentes guerras da reconquista prejudicaram não só o desenvolvimento normal das instituições feudais, como também a continuidade do exercício dos poderes de dominação servil, ligada à posse da terra. No primeiro caso, pela acentuação precoce da supremacia do poder real sobre as prerrogativas estamentais da nobreza e do clero; no segundo, de um lado, pela antecipada eclosão das liberdades urbanas, com a multiplicação dos forais outorgados aos burgos livres (concelhos)5  e a rápida ascensão social dos que vieram ao depois a ser chamados burgueses; de outro lado, pelo predomínio da riqueza material como fonte de poder, relativamente à titulação nobiliárquica6 .
No tocante ao precoce florescimento das cidades na península, importa lembrar o caráter marcadamente urbano que os árabes desde cedo imprimiram à organização social em terras ibéricas, com a multiplicação da mão-de-obra assalariada e do trabalho artesanal, a especialização mercantil de cambistas, almocreves e regatões e a aglomeração nas cidades de toda sorte de pobres, pedintes e marginais. Em suma, o estabelecimento antecipado da moderna sociedade de classes, em que pessoas livres e iguais em direitos diferenciam-se fundamentalmente pela sua situação patrimonial.
Tudo isso parece explicar o fato notável de que foi em Portugal que eclodiu a primeira revolução burguesa no Ocidente. O movimento político que levou ao trono a dinastia de Aviz, em 1385, foi liderado pelo povo dos mesteres e mercadores citadinos. É verdade, aliás, que o espírito mercantil já vinha conquistando largas camadas da nobreza. Em conhecido estudo histórico,7  João Lúcio de Azevedo mostrou que, no século XIV, o povo acoimava de modo geral os nobres de mercadores e regatões, e que a partir dos descobrimentos o próprio monarca tornou-se, de fato e de direito, o primeiro comerciante do reino.
A burocracia estatal, por outro lado, compunha-se, desde muito cedo, de homens da lei, formados pela Universidade que o rei criou em Lisboa, em 1290, e transferiu a Coimbra em 1308. Esses legistas, como eram então chamados, provinham em grande parte da pequena burguesia, e procuraram desde logo impor-se como um estamento distinto. As Cortes de Coimbra de 1385, ou seja, no mesmo ano da ascensão ao trono de D. João I, propuseram fossem os homens da lei nela representados, separadamente da nobreza, do clero e do povo. É sabido, de resto, que em
Portugal, como mais tarde no Brasil, o grau de doutor desde sempre equivaleu em prestígio social a um título nobiliárquico.
As Ordenações Filipinas capitulavam várias hipóteses normativas em que mercadores ou bacharéis gozavam de privilégios, em relação ao comum do povo.
Ao regular as custas devidas aos Contadores dos feitos e custas, assi da Corte, como do Reino, levando em conta que "as custas pessoaes se hão de contar aos litigantes, a que forem julgadas, mais e menos, segundo a differença das pessoas, qualidade estado", fixavam-se custas iguais quando a parte era "Cavalleiro, ou Cidadão, ou agraduado em grão de Bacharel, ou Scudeiro, ou de outra mór condição; ou for Mercador, e fizer certo, que em algumas das nossas Alfandegas dizimou8  de alguma mercadoria sua, pouco, ou muito, aquelle ano, em que o feito se tratou; ou for Mestre de Náo de Castello davante, ou de Navio, que seja de carrego de oitenta toneis, e dahi para cima" (Livro Primeiro, Título XCI, 2). Ou seja, equiparavam-se, para efeitos fiscais no processo, nobres e plebeus, contanto que estes fossem comerciantes ou diplomados em universidade.
Da mesma forma, ao regular a legitimação dos filhos naturais à sucessão de seus pais, as Ordenações equiparavam implicitamente os mercadores e bacharéis aos cavaleiros e escudeiros, distinguindo-os todos da condição inferior dos peões (Livro Quarto, Título XCII, 1).
No terrível Livro Quinto, que compendiava o conjunto dos delitos e das penas, as Ordenações relevavam das penas vis – ou seja, as penas de "açoutes, ou degredo com baraço e pregão" – "por razão de privilegios, ou linhagem", além dos fidalgos, os "Juizes, e Vereadores, ou seus filhos"; os "Procuradores das Villas, ou Concelhos"; os "Mestres, e Pilotos de Navios de gávea, que andarem em Navios nossos, ou de cem toneis, ou dahi para riba, ainda que não sejam nossos"; os "amos, ou collaços dos nossos Dezembargadores, ou de Cavalleiros de linhagem, ou dahi para cima"; as "pessôas que provarem, que costumão sempre ter cavallo de stada em sua estrebaria, e isto posto que peães, ou filhos de peães sejam", bem como os "Mercadores que tratarem com cabedal de cem mil réis, e dahi para cima" (Título CXXXVIII).
A verdade é que, até o estabelecimento definitivo do princípio da isonomia no século XIX, aos três estamentos tradicionais foram se agregando em Portugal várias corporações privilegiadas menores, como as dos desembargadores, dos universitá-rios, dos militares, dos moedeiros, dos titulares de rendas reais9 .
O mesmo processo de multiplicação de privilégios, agora de caráter familiar, veio a desenvolver-se no Brasil. Em carta endereçada à Corte em 16 de junho de 1764, queixava-se o Conde da Cunha das dificuldades que encontrava em formar tropas para a milícia armada:
"Nesta terra e nas vizinhanças, rara é a casa que não tem privilégio; uma o tem da Santíssima Trindade, outros da Bula da Cruzada, outros o de familiares do Santo Ofício, outros de Santo Antonio de Lisboa, e as maiores famílias o de moedeiros; estes não só livram os seus filhos do serviço militar, como os seus criados caixeiros, feitores, roceiros, e os que estão adidos aos seus engenhos de açúcar; pelo que, se esta multidão de privilégios se não derrogar, ao menos enquanto não se completarem as tropas, não será possível haver soldados nelas, que não vierem de Portugal."
Não escapa a nenhum observador arguto que essa proliferação de estamentos corporativos e de privilégios familiares, avantajando exclusivamente as classes abonadas, era a demonstração viva de que a sociedade metropolitana e colonial se estruturava mais em função da abastança patrimonial do que da titulação aristocrática.
Ora, no reino, a tendência à substituição do perfil estamental das origens pela moderna sociedade de classes teve seu ritmo singularmente acelerado pela aventura dos empreendimentos marítimos. Ela provocou, desde a primeira metade do século XV, grande êxodo rural e o empobrecimento da nobreza, proprietária de terras. Como forma de sobrevivência econômica, só restavam à aristocracia o serviço estipendiado na Corte ou o comércio colonial.
A administração pombalina, em obediência à política geral de absolutismo monárquico, reforçou consideravelmente esse movimento tendente à equiparação do nobre ao mercador. Estabeleceu-se, assim, que nas companhias de comércio colonial, então criadas, os subscritores de mais de dez ações receberiam de pleno direito títulos de nobreza.
Foi debaixo desse espírito mercantil que se desenvolveu toda a colonização do Brasil. Os grandes domínios rurais, organizados já no século XVI para a exploração da cana de açúcar, foram as primeiras empresas capitalistas de agro-indústria exportadora que o mundo conheceu.
Sobrevindo a independência, o objetivo maior da política imperial, como sabido, consistiu em impedir o fracionamento do vasto território. Para tanto, era indispensável estabelecer um modus vivendi com a dominação social exercida pelos latifundiários e grandes comerciantes, entre os quais sobressaiam os traficantes de escravos.
Até o meado do século, o ajuste do Poder Público com os interesses dessas classes dominantes foi precário, sempre entrecortado de rebeliões e refregas. Escrevendo em 1843, o grande jornalista conservador Justiniano José da Rocha observou que, se a monarquia era a única solução à tendência centrífuga que se manifestava em várias províncias, o trono ainda não contava com nenhum apoio social sólido. Esse suporte indispensável, no seu entender, não seria dado pelo proletariado do campo, nem pela turbulenta população urbana, focos permanentes de revolta. Os verdadeiros alicerces do regime político seriam os grandes proprietários rurais e seus aliados no comércio exterior. E arrematava: "Dê o governo a essas duas classes toda a consideração, vincule-as por todos os modos à ordem estabelecida, identifique-as com as instituições do país, e o futuro estará em máxima parte consolidado".10 
E efetivamente, o Estado imperial, para manter a unidade política do território, foi obrigado a compor-se com a aliança agrário-exportadora dominante. Lançou mão, com esse fito, da política de amplo enobrecimento dos seus integrantes, em troca do abandono de eventuais pretensões caudilhescas de separatismo. Do total dos títulos nobiliárquicos concedidos durante o segundo reinado, 77% foram de barão, sabendo-se que o baronato era reservado pelo Imperador, quase que exclusivamente, aos grandes proprietários rurais e aos comerciantes de maior cabedal.
O que se criou, então, foi uma estrutura social fundamentalmente privatista, na qual os instrumentos públicos de coação, normalmente monopolizados pelo Estado, pertenciam de fato às classes dominantes. O paradoxo, porém, é que o governo imperial manteve uma pressão constante contra o instituto em que se fundava toda a economia de produção agrícola da época: a escravidão. É sabido que nos principais episódios que precederam o 13 de maio – a criminalização do tráfico negreiro pela Lei Eusébio de Queiroz em 1850, a aprovação da Lei do Ventre Livre em 1871 e a da Lei dos Sexagenários em 1885 – o governo central, sempre apoiado e até mesmo impulsionado pelo Imperador, teve que medir forças com o complexo agrário-mercantil, sob o qual viviam 90% da população nacional à época. Em 1871, como assinalam os historiadores, o Gabinete Rio Branco só conseguiu a libertação dos nascituros porque a Câmara era composta, em maioria absoluta, de funcionários públicos e magistrados.
Foi, de resto, essa oposição sistemática aos interesses escravistas que liquidou a monarquia entre nós; prova cabal de que o aparelho do Estado, contrariamente ao primeiro postulado da análise política marxista, não atuou como instrumento de coação oficial das classes dominantes, mas antes contra elas.
A história do reconhecimento e da defesa dos direitos humanos seguiu entre nós, portanto, um caminho bem diverso daquele trilhado na Europa Ocidental e na América do Norte. Lá, as liberdades privadas e a igualdade perante a lei foram conquistadas pela burguesia ascendente contra os privilégios estamentais e a tirania dos reis. Aqui, à falta de uma sólida estrutura estamental e com as classes proprietárias dominando, desde os primórdios, a atividade econômica, foi o Estado que atuou – ainda que dificultosamente, é verdade – em favor das liberdades individuais. Por isso mesmo, enquanto na Europa Ocidental e nos Estados Unidos as declarações de direitos sancionaram a sucessão histórica já realizada de um grupo dirigente por outro, no Brasil, como de resto em toda a América Latina, os direitos individuais declarados nas Constituições representaram, tão só, um projeto de mudança futura na organização da cidadania. Elas tiveram, sob esse aspecto, uma função mais pedagógica do que efetivamente regulatória. O esmagamento das liberdades, por iniciativa e sob a direção prestante do aparelho estatal, só veio a ocorrer no curso do século XX.
É nessa perspectiva que cobra sentido o juízo tanto vezes citado de Sérgio Buarque de Holanda, de que a democracia, entre nós, "sempre foi um lamentável mal-entendido"11 . Efetivamente, as classes dominantes imaginaram que o reconhecimento constitucional dos direitos e liberdades individuais teria um significado meramente retórico ou ornamental, sem nenhum efeito prático relevante. Não lhes ocorreu que a proclamação solene dessas franquias pudesse produzir na consciência popular, a longo prazo, aquele resultado que os lavradores de Paraíba do Sul, numa representação à Câmara do Império, declaravam cruamente como inevitável com a entrada em vigor da Lei do Ventre Livre: "a abertura da idéia do direito na alma do escravo".12 
Vivemos hoje, em matéria de direitos sociais, mais um episódio desse "lamentável mal-entendido". Ao cabo de duas décadas de regime militar, firmou-se majoritariamente a convicção de que a causa dos nossos males seria um excesso de estatismo.
A idéia, a bem dizer, nunca foi autóctone: importamo-la, com falso rótulo científico, dos países anglo-saxônicos. Segundo anunciaram os seus arautos, a boa nova deste fim de milênio, tempo tradicionalmente predestinado às grandes revelações, reduz-se a uma só mensagem: fora do mercado não há salvação. O primeiro mandamento desse fundamentalismo mercadológico13  é, portanto, bem simples: derrubar o Estado, vestígio arcaico da era obscurantista, e confiar a execução de todas as políticas sociais à reconhecida eficiência da empresa privada. Com a administração desse viático, as multidões consumidas pela fome, a ignorância e a doença, tornar-se-iam, em pouco tempo, tão robustas e opulentas quanto os povos do chamado "Primeiro Mundo".
Não é o caso de epilogar aqui sobre a ruína econômica e a devastação social que esse contrabando ideológico tem provocado em nosso País, e cujas seqüelas não poderão ser curadas num futuro próximo. O que importa sublinhar é o fato de que, ao contrário do sucedido na América do Norte, a colonização no Brasil sempre foi uma empresa mercantil sustentada pelo Estado. Em momento algum a sociedade organizou-se comunitariamente. Ao contrário, desde cedo foi ela dividida entre senhores e escravos, ou entre assalariados e patrões, aqueles ligados a estes como os antigos servos medievais vinculavam-se à gleba de terra cultivada. Sob esses aspecto, constituimos um país singular, em que a sociedade foi por assim dizer formada pelo Estado, não o Estado pela sociedade.
Toda a proteção trabalhista e previdenciária, até agora existente, emanou dos Poderes Públicos, não foi uma conquista das massas carentes e desorganizadas. Por isso mesmo, o emasculamento do Estado nacional, pela ação conjugada do endividamento sem controle, das privatizações abusivas e da leviana desregulação da atividade empresarial, ameaça liquidar na raíz os poucos direitos sociais até agora reconhecidos. Não se esqueça que o direito do trabalho e a previdência social foram um simples complemento social à política de industrialização, encetada no País a partir de 1930. Com o desmonte do Estado industrial brasileiro, no quadro do capitalismo especulativo globalizante, não é de admirar que se esteja assistindo à rápida liquidação dessas instituições de proteção ao trabalhador.
É difícil negar que a idéia de defesa da esfera privada contra o Estado invasor tem sido radicalmente estranha às nossas tradições e à nossa mentalidade. As classes proprietárias sempre dependeram do Poder Público para manter suas rendas de si-tuação, e o escasso alento recebido pelos que nada possuem, em sua resistência à opressão de senhores e patrões, só lhes adveio das poucas intervenções que o Estado fez para coartar os abusos mais acusados.
É diante dessa realidade de aguda e constante divisão social entre proprietários e não-proprietários, com a quase completa dependência destes à intervenção estatal nas relações privadas para a defesa de seus direitos, que se deve repensar a delicada questão do esforço educacional em pról do igual respeito à dignidade humana neste País. Quem fala em educação – que não se confunde com a simples instrução nem, menos ainda, com o mecânico treinamento – pensa necessariamente na formação de consciências. Os direitos humanos concretizam, sob a forma de sólidos costumes, os valores éticos vividos pela consciência coletiva.
Ora, desde a antigüidade clássica, o relevo dado à importância dos costumes na vida social é uma constante da filosofia moral e política. Aristóteles chegou a afirmar que as normas derivadas dos costumes têm mais autoridade que as leis escritas, e dizem respeito a matérias mais importantes.14   Especificamente no que concerne à organização da pólis (a politéia), sustentou ele que cada sistema educacional deve ser adaptado ao respectivo regime político, pois "o espírito democrático promove a
democracia, assim como o espírito oligárquico, a oligarquia". Acrescentou, enfim, que, tendo em vista a unidade de fins do Estado, a educação haveria de ser, necessariamente, a mesma para todos e dirigida pelo Estado15 . Efetivamente, no apogeu da civilização helenística, a educação para a cidadania fazia parte da organização política, como matéria de superior interesse público.
Não se pode, pois, adotar nessa matéria a dicotomia entre leis e costumes, e sustentar, com Montesquieu16 , que os costumes de um povo não se mudam por leis, mas unicamente pela educação. Como bem percebeu o nosso Machado de Assis com fina ironia, essa tese, transposta para o meio brasileiro, consubstancia a "teoria do medalhão": enquanto se aguarda a mudança necessária dos costumes sociais, não se deve mexer no ordenamento legal; aos que quiserem vencer na vida, aconselha-se regular suas vidas pela bitola dos costumes tradicionais.
É claro que tanto a lei quanto a educação contribuem para a formação dos costumes sociais. Mas a eficiente contribuição de cada um desses elementos, na consecução do resultado almejado, varia de povo a povo. Entre nós, a iniciativa para uma reforma dos costumes não pode provir da ação comunitária privada, pois a nossa sociedade sempre foi inorgânica, e a massa do povo, desde os primórdios da colonização, submeteu-se à dominação das classes possuidoras. Faltou-nos, constantemente, aquele "nexo moral" de que falava Caio Prado Jr., isto é, "o conjunto de forças de aglutinação, complexo de relações humanas que mantêm ligados e unidos os indivíduos de uma sociedade e os fundem num todo coeso e compacto"17 . Essa força de coesão, desde a época colonial, emanou do Estado e só dele.
É indispensável, portanto, que se cogite da indispensável reforma das instituições políticas, concomitantemente à reforma dos costumes. As duas ações, aliás, só serão eficazes quando estreitamente coordenadas e dirigidas ao mesmo objetivo. E esse objetivo não há de ser outro, senão a eliminação da oligarquia política e econômica, que moldou a sociedade brasileira desde os primeiros tempos coloniais.
Aqui, como alhures, agora e sempre mais acusadamente no futuro, fora da democracia não há salvação. E democracia, hoje, só pode ser entendida como o regime da participação institucional do povo no governo, combinada com o respeito crescente aos direitos humanos.
_____________
* Em homenagem ao Professor Goffredo da Silva Telles Jr., mestre de brasilidade.
** Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, Doutor em Direito da Universidade de Paris e Professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
1. L’Ancien régime et la révolution, Paris: Gallimard, 1952, p. 286.
2. Cf., entre outros, Georges Dumézil, Mythe et épopée, Paris: 1968, v. 1, e L’idéologie tripartie des indo-européens, Bruxelas, 1958.
3. Cf. o seu ensaio Da existência ou não existência do feudalismo em Portugal, publicado originalmente em 1875-1877.
4. Cf., sobretudo, os trabalhos de José Mattoso, especialmente Identificação de um país: ensaio sobre as origens de Portugal, 1096-1325, v. 1 - Oposição, 5. ed. (referência/editorial estampa), 1995, p. 51 ss., 81 ss., 101 ss.
5. Como salientou José Mattoso (op. cit., p. 347), "a autonomia municipal permite aos mesteirais, mercadores e proprietários rurais exercer um papel próprio e efectivo no desenvolvimento da economia de produção, desenvolvimento esse que constitui o principal factor de desagregação do regime senhorial, que favorece o desenvolvimento precoce da administração régia e a criação de uma burocracia estatal, que fornece ao Estado os seus agentes mais fiéis e eficazes, que garante a participação política do terceiro estado nas decisões respeitantes ao conjunto da Nação".
6. "O que sobressai na linguagem usada para designar os membros da nobreza senhorial", observa ainda o mesmo historiador (op. cit., p. 130), "não é tanto, até ao fim do século XIII, o seu carácter militar, mas a capacidade de gerir, administrar e comandar, um pouco à semelhança do que haviam feito alguns séculos antes os antigos grandes proprietários da época imperial, senhores das villae ou domínios territoriais. A abundância de bens fundiários constitui, portanto, condição fundamental. Abstraindo da idelogia subjacente é, em termos reais, a base material do poder. Sem ela não se pode sustentar nem a força das armas, nem o poder de julgar, nem a capacidade para recrutar um séquito, nem as posses suficientes para oferecer dons ou para estabelecer alianças prestigiantes, nem o vestuário e os outros sinais exteriores requeridos para frequentar o palácio do rei".
7. Épocas de Portugal económico, Lisboa: Livraria Clássica Editora, 4. ed., p. 82 ss., 110 e 119.
8. Isto é, pagou a taxa de um décimo do valor da mercadoria transacionada.
9. Cf. António Manuel Hespanha, As vésperas do Leviathan: instituições e poder político, Portugal – Séc. XVII, Coimbra: Livraria Almedina, 1994, p. 321 ss.
10. Citado por José Murilo de Carvalho, Teatro de sombras, Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Relume Dumará, p. 234.
11. Raízes do Brasil, 5. ed., Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, p. 119.
12. Apud José Murilo de Carvalho, op. cit.
13. É o termo usado por George Soros, em sua crítica do capitalismo atual: The crisis of global capitalism, Nova York: Public Affairs, 1998.
14. Política, III, 1287 b.
15. idem, ibidem, VIII, 1337 a, 20 ss.
16. O espírito das leis, livro XIX.
17. Formação do Brasil contemporâneo, 16. ed., São Paulo: Brasiliense, p. 341.

Conselho Nacional de Justiça - Normas Relativas ao Procedimento Administrativo disciplinar aos Magistrados


Resolução nº 135, de 13 de julho de 2011

Dispõe sobre a uniformização de normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados, acerca do rito e das penalidades, e dá outras providências.

Publicada no DJ-e nº 130/2011, em 15/07/2011, pág. 2-5.
(Revoga Resolução n° 30)
Republicada no DJ-e nº 144/2011, em 04/08/2011, pág. 2-5, com a retificação.

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*Republicada com a retificação.
Publicada no DJ-e nº 130/2011, em 15/07/2011, pág. 2-5.
RESOLUÇÃO Nº 135, DE 13 DE JULHO DE 2011.
Dispõe sobre a uniformização de normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados, acerca do rito e das penalidades, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições constitucionais e regimentais;
CONSIDERANDO que as normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar dos Magistrados, não obstante tenham de observar as disposições da Constituição, do Estatuto da Magistratura, da Lei Orgânica da Magistratura, e da legislação ordinária em vigor, têm peculiaridades que caracterizam sua natureza especial,
CONSIDERANDO que as leis de organização judiciária dos Estados, os Regimentos dos Tribunais e Resoluções em vigor a respeito da matéria são discrepantes, que se encontram muitas das quais desatualizadas ou superadas,
CONSIDERANDO que as disposições estatutárias devem prevalecer sobre os regramentos locais,
CONSIDERANDO a necessidade de sistematizar a disciplina legal em vigor acerca da matéria, e
CONSIDERANDO o decidido na 130ª Sessão Ordinária de 5 de julho de 2011, e com base no § 2º do artigo 5º da Emenda Constitucional no 45, de 8 de dezembro de 2004,
RESOLVE:
I
Disposições gerais
Art. 1º Para os efeitos desta Resolução, são magistrados os Juízes Substitutos, os Juízes de Direito e os Desembargadores dos Tribunais de Justiça Estaduais, os Juízes Federais e dos Tribunais Regionais Federais, os Juízes do Trabalho e dos Tribunais Regionais do Trabalho, os Juízes Militares e dos Tribunais Militares, os Juízes Eleitorais e dos Tribunais Regionais Eleitorais, os Ministros do Superior Tribunal de Justiça, os Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, os Ministros do Superior Tribunal Militar e os Ministros do Tribunal Superior Eleitoral, exceto aqueles que também integram o Supremo Tribunal Federal.
Art. 2º. Considera-se Tribunal, para os efeitos desta resolução, o Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal Pleno ou o Órgão Especial, onde houver, e o Conselho da Justiça Federal, no âmbito da respectiva competência administrativa definida na Constituição e nas leis próprias.
Art. 3º São penas disciplinares aplicáveis aos magistrados da Justiça Federal, da Justiça do Trabalho, da Justiça Eleitoral, da Justiça Militar, da Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios:
I - advertência;
II - censura;
III- remoção compulsória;
IV - disponibilidade;
V - aposentadoria compulsória;
VI – demissão.
§ 1º As penas previstas no art. 6º, § 1º, da Lei no 4.898, de 9 de dezembro de 1965, são aplicáveis aos magistrados, desde que não incompatíveis com a Lei Complementar no 35, de 1979.
§ 2º Os deveres do magistrado são os previstos na Constituição Federal, na Lei Complementar no 35, de 1979, no Código de Processo Civil (art. 125), no Código de Processo Penal (art. 251), nas demais leis vigentes e no Código de Ética da Magistratura.
Art. 4º O magistrado negligente, no cumprimento dos deveres do cargo, está sujeito à pena de advertência. Na reiteração e nos casos de procedimento incorreto, a pena será de censura, caso a infração não justificar punição mais grave.
Art. 5º O magistrado de qualquer grau poderá ser removido compulsoriamente, por interesse público, do órgão em que atue para outro.
Art. 6º O magistrado será posto em disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, ou, se não for vitalício, demitido por interesse público, quando a gravidade das faltas não justificar a aplicação de pena de censura ou remoção compulsória.
Art. 7º O magistrado será aposentado compulsoriamente, por interesse público, quando:
I - mostrar-se manifestamente negligente no cumprimento de seus deveres;
II - proceder de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções;
III - demonstrar escassa ou insuficiente capacidade de trabalho, ou apresentar comportamento funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário.
II
Investigação preliminar
Art. 8º. O Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, o Presidente ou outro membro competente do Tribunal, nos demais casos, quando tiver ciência de irregularidade, é obrigado a promover a apuração imediata dos fatos, observados os termos desta Resolução e, no que não conflitar com esta, do Regimento Interno respectivo.
Parágrafo único. Se da apuração em qualquer procedimento ou processo administrativo resultar a verificação de falta ou infração atribuída a magistrado, será determinada, pela autoridade competente, a instauração de sindicância ou proposta, diretamente, ao Tribunal, a instauração de processo administrativo disciplinar, observado, neste caso, o art. 14, caput, desta Resolução.
Art. 9º. A notícia de irregularidade praticada por magistrados poderá ser feita por toda e qualquer pessoa, exigindo-se formulação por escrito, com confirmação da autenticidade, a identificação e o endereço do denunciante.
§ 1º. Identificados os fatos, o magistrado será notificado a fim de, no prazo de cinco dias, prestar informações.
§ 2º. Quando o fato narrado não configurar infração disciplinar ou ilícito penal, o procedimento será arquivado de plano pelo Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, ou pelo Presidente do Tribunal, nos demais casos ou, ainda, pelo Corregedor Nacional de Justiça, nos casos levados ao seu exame.
§ 3º. Os Corregedores locais, nos casos de magistrado de primeiro grau, e os presidentes de Tribunais, nos casos de magistrados de segundo grau, comunicarão à Corregedoria Nacional de Justiça, no prazo de quinze dias da decisão, o arquivamento dos procedimentos prévios de apuração contra magistrados.
Art. 10. Das decisões referidas nos artigos anteriores caberá recurso no prazo de 15 (quinze) dias ao Tribunal, por parte do autor da representação.
Art. 11. Instaurada a sindicância, será permitido ao sindicado acompanhá-la.
III
Processo administrativo disciplinar
Art. 12. Para os processos administrativos disciplinares e para a aplicação de quaisquer penalidades previstas em lei, é competente o Tribunal a que pertença ou esteja subordinado o Magistrado, sem prejuízo da atuação do Conselho Nacional de Justiça.
Parágrafo único. Os procedimentos e normas previstos nesta Resolução aplicam-se ao processo disciplinar para apuração de infrações administrativas praticadas pelos Magistrados, sem prejuízo das disposições regimentais respectivas que com elas não conflitarem.
Art. 13. O processo administrativo disciplinar poderá ter início, em qualquer caso, por determinação do Conselho Nacional de Justiça, acolhendo proposta do Corregedor Nacional ou deliberação do seu Plenário, ou por determinação do Pleno ou Órgão Especial, mediante proposta do Corregedor, no caso de magistrado, de primeiro grau, ou ainda por proposta do Presidente do Tribunal respectivo, nas demais ocorrências.
Art. 14. Antes da decisão sobre a instauração do processo pelo colegiado respectivo, a autoridade responsável pela acusação concederá ao magistrado prazo de quinze dias para a defesa prévia, contado da data da entrega da cópia do teor da acusação e das provas existentes.
§ 1º. Findo o prazo da defesa prévia, haja ou não sido apresentada, o relator submeterá ao Tribunal Pleno ou ao seu Órgão Especial relatório conclusivo com a proposta de instauração do processo administrativo disciplinar, ou de arquivamento, intimando o magistrado ou seu defensor, se houver, da data da sessão do julgamento.
§ 2º. O Corregedor relatará a acusação perante o Órgão Censor, no caso de magistrado de primeiro grau, e o Presidente do Tribunal, nos demais casos.
§ 3º. O Presidente e o Corregedor terão direito a voto.
§ 4º. Caso a proposta de abertura de processo administrativo disciplinar contra magistrado seja adiada ou deixe de ser apreciada por falta de quórum, cópia da ata da sessão respectiva, com a especificação dos nomes dos presentes; dos ausentes; dos suspeitos e dos impedidos, será encaminhada para a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, no prazo de 15 (quinze) dias, contados da respectiva sessão, para fins de deliberação, processamento e submissão a julgamento.
§ 5º. Determinada a instauração do processo administrativo disciplinar, pela maioria absoluta dos membros do Tribunal ou do respectivo Órgão Especial, o respectivo acórdão será acompanhado de portaria que conterá a imputação dos fatos e a delimitação do teor da acusação, assinada pelo Presidente do Órgão.
§ 6o. Acolhida a proposta de abertura de processo administrativo disciplinar contra magistrado, cópia da ata da sessão respectiva será encaminhada para a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, no prazo de 15 dias, contados da respectiva sessão de julgamento, para fins de acompanhamento;
§ 7º O relator será sorteado dentre os magistrados que integram o Pleno ou o Órgão Especial do Tribunal, não havendo revisor.
§ 8º. Não poderá ser relator o magistrado que dirigiu o procedimento preparatório, ainda que não seja mais o Corregedor.
§ 9º. O processo administrativo terá o prazo de cento e quarenta dias para ser concluído, prorrogável, quando imprescindível para o término da instrução e houver motivo justificado, mediante deliberação do Plenário ou Órgão Especial.
Art. 15. O Tribunal, observada a maioria absoluta de seus membros ou do Órgão Especial, na oportunidade em que determinar a instauração do processo administrativo disciplinar, decidirá fundamentadamente sobre o afastamento do cargo do Magistrado até a decisão final, ou, conforme lhe parecer conveniente ou oportuno, por prazo determinado, assegurado o subsídio integral.
§ 1º. O afastamento do Magistrado previsto no caput poderá ser cautelarmente decretado pelo Tribunal antes da instauração do processo administrativo disciplinar, quando necessário ou conveniente a regular apuração da infração disciplinar.
§ 2º Decretado o afastamento, o magistrado ficará impedido de utilizar o seu local de trabalho e usufruir de veículo oficial e outras prerrogativas inerentes ao exercício da função.
Art. 16. O Relator determinará a intimação do Ministério Público para manifestação no prazo de 5 (cinco) dias.
Art. 17. Após, o Relator determinará a citação do Magistrado para apresentar as razões de defesa e as provas que entender necessárias, em 5 dias, encaminhando-lhe cópia do acórdão que ordenou a instauração do processo administrativo disciplinar, com a respectiva portaria, observando-se que:
I - caso haja dois ou mais magistrados requeridos, o prazo para defesa será comum e de 10 (dez) dias contados da intimação do último;
II - o magistrado que mudar de residência fica obrigado a comunicar ao Relator, ao Corregedor e ao Presidente do Tribunal o endereço em que receberá citações, notificações ou intimações;
III - quando o magistrado estiver em lugar incerto ou não sabido, será citado por edital, com prazo de trinta dias, a ser publicado, uma vez, no órgão oficial de imprensa utilizado pelo Tribunal para divulgar seus atos;
IV - considerar-se-á revel o magistrado que, regularmente citado, não apresentar defesa no prazo assinado;
V - declarada a revelia, o relator poderá designar defensor dativo ao requerido, concedendo-lhe igual prazo para a apresentação de defesa.
Art. 18. Decorrido o prazo para a apresentação da defesa prévia, o relator decidirá sobre a realização dos atos de instrução e a produção de provas requeridas, determinando de ofício as que entender necessárias.
§ 1º. Para a colheita das provas o Relator poderá delegar poderes a magistrado de primeiro ou segundo grau.
§ 2º. Para todos os demais atos de instrução, com a mesma cautela, serão intimados o magistrado processado ou seu defensor, se houver.
§ 3º. Na instrução do processo serão inquiridas, no máximo, oito testemunhas de acusação e, até oito de defesa, por requerido, que justificadamente tenham ou possam ter conhecimento dos fatos imputados.
§ 4º. O depoimento das testemunhas, as acareações e as provas periciais e técnicas destinadas à elucidação dos fatos, serão realizados com aplicação subsidiária, no que couber, das normas da legislação processual penal e da legislação processual civil, sucessivamente.
§ 5º. A inquirição das testemunhas e o interrogatório deverão ser feitos em audiência una, ainda que, se for o caso, em dias sucessivos, e poderão ser realizados por meio de videoconferência, nos termos do § 1º do artigo 405 do Código de Processo Penal e da Resolução no 105, de 2010, do Conselho Nacional de Justiça.
§ 6º. O interrogatório do magistrado, precedido de intimação com antecedência de 48 (quarenta e oito) horas, será realizado após a produção de todas as provas.
§ 7º. Os depoimentos poderão ser documentados pelo sistema audiovisual, sem a necessidade, nesse caso, de degravação.
Art. 19. Finda a instrução, o Ministério Público e, em seguida, o magistrado ou seu defensor terão 10 (dez) dias para manifestação e razões finais, respectivamente.
Art. 20. O julgamento do processo administrativo disciplinar será realizado em sessão pública e serão fundamentadas todas as decisões, inclusive as interlocutórias.
§1º. Em determinados atos processuais e de julgamento, poderá, no entanto, ser limitada a presença às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, desde que a preservação da intimidade não prejudique o interesse público.
§ 2º. Para o julgamento, que será público, serão disponibilizados aos integrantes do órgão julgador acesso à integralidade dos autos do processo administrativo disciplinar.
§ 3º. O Presidente e o Corregedor terão direito a voto.
§ 4º. Os Tribunais comunicarão à Corregedoria Nacional de Justiça, no prazo de 15 dias da respectiva sessão, os resultados dos julgamentos dos processos administrativos disciplinares.
Art. 21. A punição ao magistrado somente será imposta pelo voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal ou do Órgão Especial.
Parágrafo único. Na hipótese em que haja divergência quanto à pena, sem que se tenha formado maioria absoluta por uma delas, será aplicada a mais leve, ou, no caso de mais de duas penas alternativas, aplicar-se-á a mais leve que tiver obtido o maior número de votos.
Art. 22. Entendendo o Tribunal que existem indícios de crime de ação pública incondicionada, o Presidente remeterá ao Ministério Público cópia dos autos.
Parágrafo único. Aplicada a pena de disponibilidade ou de aposentadoria compulsória, o Presidente remeterá cópias dos autos ao Ministério Público e à Advocacia Geral da União ou Procuradoria Estadual competente para, se for o caso, tomar as providências cabíveis.
IV
Disposições finais
Art. 23. O processo disciplinar, contra juiz não vitalício, será instaurado dentro do biênio previsto no art. 95, I da Constituição Federal, mediante indicação do Corregedor ao Tribunal respectivo, seguindo, no que lhe for aplicável, o disposto nesta Resolução.
§ 1º. A instauração do processo pelo Tribunal suspenderá o curso do prazo de vitaliciamento.
§ 2º. No caso de aplicação das penas de censura ou remoção compulsória, o Juiz não vitalício ficará impedido de ser promovido ou removido enquanto não decorrer prazo de um ano da punição imposta.
§ 3º. Ao juiz não-vitalício será aplicada pena de demissão em caso de:
I – falta que derive da violação às proibições contidas na Constituição Federal e nas leis;
II – manifesta negligência no cumprimento dos deveres do cargo;
III – procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções;
IV – escassa ou insuficiente capacidade de trabalho;
V – proceder funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário.
Art. 24. O prazo de prescrição de falta funcional praticada pelo magistrado é de cinco anos, contado a partir da data em que o tribunal tomou conhecimento do fato, salvo quando configurar tipo penal, hipótese em que o prazo prescricional será o do Código Penal.
§ 1º. A interrupção da prescrição ocorre com a decisão do Plenário ou do Órgão Especial que determina a instauração do processo administrativo disciplinar.
§ 2º. O prazo prescricional pela pena aplicada começa a correr nos termos do § 9º* do art. 14 desta Resolução, a partir do 141º dia após a instauração do processo administrativo disciplinar.
§ 3º. A prorrogação do prazo de conclusão do processo administrativo disciplinar, prevista no § 8º do artigo 14 desta Resolução, não impede o início da contagem do prazo prescricional de que trata o parágrafo anterior.
Art. 25. A instauração de processo administrativo disciplinar, bem como as penalidades definitivamente impostas pelo Tribunal e as alterações decorrentes de julgados do Conselho Nacional de Justiça serão anotadas nos assentamentos do Magistrado mantidos pelas Corregedorias respectivas.
Art. 26. Aplicam-se aos procedimentos disciplinares contra magistrados, subsidiariamente, e desde que não conflitem com o Estatuto da Magistratura, as normas e os princípios relativos ao processo administrativo disciplinar das Leis no 8.112/90 e no 9.784/99.
Art. 27. O magistrado que estiver respondendo a processo administrativo disciplinar só terá apreciado o pedido de aposentadoria voluntaria após a conclusão do processo ou do cumprimento da penalidade.
Art. 28. Os Tribunais comunicarão à Corregedoria Nacional de Justiça as decisões de arquivamento dos procedimentos prévios de apuração, de instauração e os julgamentos dos processos administrativos disciplinares.
Art. 29. A presente Resolução entra em vigor na data de sua publicação e aplica-se aos processos pendentes, ficando revogada a Resolução no 30, de 7 de março de 2007.
Ministro Cezar Peluso
Presidente

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LEI N. 4.898, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1965
Regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade.
O Presidente da República:
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Artigo 1º - O direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa civil e penal, contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos, são regulados pela presente Lei.
Artigo 2º - O direito de representação será exercido por meio de petição:
a) dirigida à autoridade superior que tiver competência legal para aplicar, à autoridade civil ou militar culpada, a respectiva sanção;
b) dirigida ao órgão do Ministério Público que tiver competência para iniciar processo-crime contra a autoridade culpada.
Parágrafo único - A representação será feita em duas vias e conterá a exposição do fato constitutivo do abuso de autoridade, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado e o rol de testemunhas, no máximo de três, se as houver.
Artigo 3º - Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
a) à liberdade de locomoção;
b) à inviolabilidade do domicílio;
c) ao sigilo da correspondência;
d) à liberdade de consciência e de crença;
e) ao livre exercício do culto religioso;
f) à liberdade de associação;
g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;
h) ao direito de reunião;
i) à incolumidade física do indivíduo;
j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. (Incluído pela Lei n. 6.657,de 5.6.79).
Artigo 4º - Constitui também abuso de autoridade:
a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;
b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;
c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa;
d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada;
e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;
f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor;
g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;
h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;
i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade. (Incluído pela Lei n. 7.960, de 21.12.1989)
Artigo 5º - Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.
Artigo 6º - O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal.
§ 1º - A sanção administrativa será aplicada de acordo com a gravidade do abuso cometido e consistirá em:
a) advertência;
b) repreensão;
c) suspensão do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e oitenta dias, com perda de vencimentos e vantagens;
d) destituição de função;
e) demissão;
f) demissão, a bem do serviço público.
§ 2º - A sanção civil, caso não seja possível fixar o valor do dano, consistirá no pagamento de uma indenização de quinhentos a dez mil cruzeiros.
§ 3º - A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos artigos 42 a 56 do Código Penal e consistirá em:
a) multa de cem a cinco mil cruzeiros;
b) detenção por dez dias a seis meses;
c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até três anos.
§ 4º - As penas previstas no parágrafo anterior poderão ser aplicadas autônoma ou cumulativamente.
§ 5º - Quando o abuso for cometido por agente de autoridade policial, civil ou militar, de qualquer categoria, poderá ser cominada a pena autônoma ou acessória, de não poder o acusado exercer funções de natureza policial ou militar no município da culpa, por prazo de um a cinco anos.
Artigo 7º - Recebida a representação em que for solicitada a aplicação de sanção administrativa, a autoridade civil ou militar competente determinará a instauração de inquérito para apurar o fato.
§ 1º - O inquérito administrativo obedecerá às normas estabelecidas nas leis municipais, estaduais ou federais, civis ou militares, que estabeleçam o respectivo processo.
§ 2º - não existindo no município no Estado ou na legislação militar normas reguladoras do inquérito administrativo serão aplicadas supletivamente, as disposições dos artigos 219 a 225 da Lei n. 1.711, de 28 de outubro de 1952 (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União).
§ 3º - O processo administrativo não poderá ser sobrestado para o fim de aguardar a decisão da ação penal ou civil.
Artigo 8º - A sanção aplicada será anotada na ficha funcional da autoridade civil ou militar.
Artigo 9º - Simultaneamente com a representação dirigida à autoridade administrativa ou independentemente dela, poderá ser promovida pela vítima do abuso, a responsabilidade civil ou penal ou ambas, da autoridade culpada.
Artigo 10 - Vetado.
Artigo 11 - À ação civil serão aplicáveis as normas do Código de Processo Civil.
Artigo 12 - A ação penal será iniciada, independentemente de inquérito policial ou justificação por denúncia do Ministério Público, instruída com a representação da vítima do abuso.
Artigo 13 - Apresentada ao Ministério Público a representação da vítima, aquele, no prazo de quarenta e oito horas, denunciará o réu, desde que o fato narrado constitua abuso de autoridade, e requererá ao Juiz a sua citação, e, bem assim, a designação de audiência de instrução e julgamento.
§ 1º - A denúncia do Ministério Público será apresentada em duas vias.
Artigo 14 - Se a ato ou fato constitutivo do abuso de autoridade houver deixado vestígios o ofendido ou o acusado poderá:
a) promover a comprovação da existência de tais vestígios, por meio de duas testemunhas qualificadas;
b) requerer ao Juiz, até setenta e duas horas antes da audiência de instrução e julgamento, a designação de um perito para fazer as verificações necessárias.
§ 1º - O perito ou as testemunhas farão o seu relatório e prestarão seus depoimentos verbalmente, ou o apresentarão por escrito, querendo, na audiência de instrução e julgamento.
§ 2º - No caso previsto na letra a deste artigo a representação poderá conter a indicação de mais duas testemunhas.
Artigo 15 - Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia requerer o arquivamento da representação, o Juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa da representação ao Procurador-Geral e este oferecerá a denúncia, ou designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la ou insistirá no arquivamento, ao qual só então deverá o Juiz atender.
Artigo 16 - Se o órgão do Ministério Público não oferecer a denúncia no prazo fixado nesta lei, será admitida ação privada. O órgão do Ministério Público poderá, porém, aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva e intervir em todos os termos do processo, interpor recursos e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.
Artigo 17 - Recebidos os autos, o Juiz, dentro do prazo de quarenta e oito horas, proferirá despacho, recebendo ou rejeitando a denúncia.
§ 1º - No despacho em que receber a denúncia, o Juiz designará, desde logo, dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, que deverá ser realizada, improrrogavelmente. dentro de cinco dias.
§ 2º - A citação do réu para se ver processar, até julgamento final e para comparecer à audiência de instrução e julgamento, será feita por mandado sucinto que, será acompanhado da segunda via da representação e da denúncia.
Artigo 18 - As testemunhas de acusação e defesa poderão ser apresentada em juízo, independentemente de intimação.
Parágrafo único - Não serão deferidos pedidos de precatória para a audiência ou a intimação de testemunhas ou, salvo o caso previsto no artigo 14, letra "b", requerimentos para a realização de diligências, perícias ou exames, a não ser que o Juiz, em despacho motivado, considere indispensáveis tais providências.
Artigo 19 - A hora marcada, o Juiz mandará que o porteiro dos auditórios ou o oficial de justiça declare aberta a audiência, apregoando em seguida o réu, as testemunhas, o perito, o representante do Ministério Público ou o advogado que tenha subscrito a queixa e o advogado ou defensor do réu.
Parágrafo único - A audiência somente deixará de realizar-se se ausente o Juiz.
Artigo 20 - Se até meia hora depois da hora marcada o Juiz não houver comparecido, os presentes poderão retirar-se, devendo o ocorrido constar do livro de termos de audiência.
Artigo 21 - A audiência de instrução e julgamento será pública, se contrariamente não dispuser o Juiz, e realizar-se-á em dia útil, entre dez (10) e dezoito (18) horas, na sede do Juízo ou, excepcionalmente, no local que o Juiz designar.
Artigo 22 - Aberta a audiência o Juiz fará a qualificação e o interrogatório do réu, se estiver presente.
Parágrafo único - Não comparecendo o réu nem seu advogado, o Juiz nomeará imediatamente defensor para funcionar na audiência e nos ulteriores termos do processo.
Artigo 23 - Depois de ouvidas as testemunhas e o perito, o Juiz dará a palavra sucessivamente, ao Ministério Público ou ao advogado que houver subscrito a queixa e ao advogado ou defensor do réu, pelo prazo de quinze minutos para cada um, prorrogável por mais dez (10), a critério do Juiz.
Artigo 24 - Encerrado o debate, o Juiz proferirá imediatamente a sentença.
Artigo 25 - Do ocorrido na audiência o escrivão lavrará no livro próprio, ditado pelo Juiz, termo que conterá, em resumo, os depoimentos e as alegações da acusação e da defesa, os requerimentos e, por extenso, os despachos e a sentença.
Artigo 26 - Subscreverão o termo o Juiz, o representante do Ministério Público ou o advogado que houver subscrito a queixa, o advogado ou defensor do réu e o escrivão.
Artigo 27 - Nas comarcas onde os meios de transporte forem difíceis e não permitirem a observância dos prazos fixados nesta Lei, o juiz poderá aumentá-las, sempre motivadamente, até o dobro.
Artigo 28 - Nos casos omissos, serão aplicáveis as normas do Código de Processo Penal, sempre que compatíveis com o sistema de instrução e julgamento regulado por esta Lei.
Parágrafo único - Das decisões, despachos e sentenças, caberão os recursos e apelações previstas no Código de Processo Penal.Artigo 29 - Revogam-se as disposições em contrário.