Isso posto, julgo parcialmente procedente o pedido e CONDENO A
RÉ A PAGAR ao autor R$ 172.576,53 pelas cotas associativas.
Declaro extinta a obrigação da ré a arcar com mensalidades
associativas por período posterior à propositura da ação, ante sua
discordância mencionada no presente processo.
Custas pro rata.
Compensados honorários advocatícios.
Com o trânsito em julgado e depósito, expeça-se mandado de
pagamento, dê baixa e arquivem.
Extingo a fase processual com fulcro no art. 487, I, do CPC.
Publique-se.
A parte ré, ESPÓLIO DE ÂNGELA LAMEIRO CANÍZIO,
interpôs recurso de apelação às fls. 429/447 (indexador 000465) e
sustentou, em síntese, o seguinte:
1) que os lotes de números 01 a 29, 31 a 35 e 56 a 63,
exceto o lote de nº 30, foram alienados, já na constituição do loteamento
por promessa de compra e venda à empresa SACE-
EMPREENDIMENTOS E CONSTRUÇÕES LTDA com administração e
comercialização pela empresa JCS ENGENHARIA E PARTICIPAÇÃO
LTDA;
2) que a cobrança de cotas condominiais instituídas por
condomínio formal não se confunde com a cobrança de taxas de
manutenção de áreas comuns instituídas por associação de proprietários de
loteamento fechado;
3) que para existir a obrigação de pagar, deve haver a
anuência em se agregar na qualidade de associado;
4) que em contradição com a fundamentação, o magistrado
a quo condenou a apelante no valor de R$ 172.576,53;
5) que o apelante não tem o dever de arcar com o
pagamento de taxa de manutenção com a qual não anuiu e também nunca
fez uso dos serviços prestados pela associação.
Por fim, pugnou pelo conhecimento e provimento do
recurso para reformar a sentença, julgando-se improcedente o pedido
inicial.
A parte autora, CONDOMÍNIO RESIDENCIAL LUAR DE
PARATY e ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO RESIDENCIAL
LUAR DE PARATY interpôs recurso de apelação às fls. 449/464
(indexador 000486) e sustentou, em síntese, o seguinte:
1) que em se tratando de obrigação propter rem, o
pagamento dos encargos cobrados deve ser exigido de quem consta na
matrícula do imóvel como proprietário;
2) que a própria ré afirma não ter comunicado a realização
do negócio jurídico, nem mesmo providenciado o registro da escritura;
3) que a exoneração à cobrança de taxa condominial
configura decisão extra petita;
4) que a instituição do condomínio ocorreu em 1997;
5) que a associação foi criada no ano de 2006;
6) que ilegal a compensação dos honorários advocatícios.
Por fim, pugnou pelo conhecimento e provimento do
recurso para reformar a sentença, julgando-se procedente todo o pedido
inicial.
Apresentadas contrarrazões pela parte autora às fls. 490/496
(indexador 000529) e pela parte ré às fls. 497/520 (indexador 000543).
Apelação apresentada às fls. 522/528 (indexador 000570)
pela terceira interessada, PINHEIRO E PEÇANHA CONSTRUTORA
LTDA sustentando em síntese, o seguinte:
1) que é a atual proprietária das unidades que geraram o
suposto débito;
2) que a parte autora tinha ciência de que os imóveis não
mais pertenciam a ré;
3) que a assembleia geral para constituição da associação de
moradores foi realizada em 09/09/2006;
4) que a ré não se fez representar na assembleia;
5) que a propriedade atribuída ao réu é sobre lotes a serem
edificados, não tendo o autor demonstrado qualquer benefício auferido pelo
espólio quanto aos serviços prestados pela associação, a fim de gerar
obrigação de pagar integralmente a cota associativa;
6) que se o espólio réu não é obrigado a pagar pelas cotas
associativas posteriores à propositura da ação nos termos da própria
sentença, ante sua discordância expressamente declarada, muito menos
deve ser condenada a pagar as anteriores;
7) que na ata de fundação da associação, os associados
fizeram questão de consignar a exclusão de responsabilidade sobre atos
praticados pela sociedade SACE-EMPREENDIMENTOS E
CONSTRUÇÕES LTDA, sucessora do espólio no direito de propriedade,
demonstrando que tinham conhecimento de que não era o espólio mais o
titular das unidades.
Por fim, pugnou pelo conhecimento e provimento do
recurso para reformar a sentença, julgando-se improcedente o pedido
inicial.
Apresentadas contrarrazões pela parte autora às fls. 538/550
(indexador 000588).
Decisão suspendendo o julgamento do recurso (index 625).
VOTO
Os recursos da parte autora e da parte ré são tempestivos e
estão presentes os demais pressupostos de admissibilidade.
Quanto à apelação do terceiro interessado, não se conhece,
tendo em vista a intempestividade do recurso, conforme certificado às fls.
532 (indexador 581).
Cinge-se a controvérsia em verificar a obrigação da parte ré
ao pagamento de contribuição associativa.
Destaca-se que, conforme informado pelo cartório do
Serviço Notarial e Registral do 2º Ofício de Araruama (fls. 348 – index 370), não há registro da convenção de condomínio na matrícula do imóvel.
Confira-se:
A Constituição da República, em seu art. 5º, XX, dispõe que
“ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.
Sobre a matéria, confiram-se as teses fixadas pelos STF e
STJ:
Tema 492 do STF: É inconstitucional a cobrança por parte de
associação de taxa de manutenção e conservação de loteamento
imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento da Lei
nº 13.465/17, ou de anterior lei municipal que discipline a questão, a
partir da qual se torna possível a cotização dos proprietários de
imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos de acesso
controlado, que i) já possuindo lote, adiram ao ato constitutivo das
entidades equiparadas a administradoras de imóveis ou (ii) sendo novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação esteja
registrado no competente Registro de Imóveis. (julgado: 15/12/2020,
trânsito em julgado: 07/05/22)
Tema 882 do STJ: As taxas de manutenção criadas por associações
de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não
anuíram. (julgado: 11/03/2015, trânsito em julgado: 12/06/18)
Dentre as condicionantes estabelecidas pelo E. STF para a
cobrança de taxa de associação em loteamento estão o acesso controlado e
a inequívoca adesão.
No presente caso, em que pese o acesso ao condomínio ser
controlado (fls. 217/223 – index 208), não há prova da inequívoca adesão
do morador. Tampouco prova de efetivo pagamento de qualquer
mensalidade.
Mesmo que pagamento tivesse sido feito pelo morador, isto
não implicaria adesão tácita. O pagamento de indébito não é fonte de obrigação. Ao contrário, torna possível a repetição do que se prestou
indevidamente.
Nos precisos termos do entendimento do STJ, a adesão há de ser inequívoca. Não pode ser tácita para fins de constituição de obrigações posteriores (ex vi REsp nº 1737324/SP; AgInt no REsp
1427731/SP; REsp 1947191).
Nesse sentido, confira-se o entendimento deste Tribunal:
0001716-98.2021.8.19.0203 – APELAÇÃO - DES(A). MARIA
LUIZA DE FREITAS CARVALHO - JULGAMENTO:
18/05/2023 - VIGÉSIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
Apelação. Ação de cobrança. Cotas associativas. Associação de
moradores de condomínio de fato. Sentença que julgou procedente em
parte o pedido. Incontroverso que até março/2017, embora os réus
fossem associados, estavam isentos do pagamento das referidas cotas
em virtude de deliberação assemblear e, após tal período, deixaram de
ser associados ao enviarem comunicado à autora manifestando
expressamente tal intuito. Tema 882 do STJ: "As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados
ou que a elas não anuíram." Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017, que
introduziu o art.36-A na Lei nº 6.766/1979. Marco temporal acerca da
relação obrigacional que exsurge entre titulares de direitos sobre
imóveis e administradoras constituídas em loteamentos de acesso
controlado (outrora chamados de loteamentos fechados regulares) que
prevejam em seus atos constitutivos a normatização e a disciplina
neles adotadas. Tema 492 do STF: "É inconstitucional a cobrança por
parte de associação de taxa de manutenção e conservação de
loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o
advento da Lei nº 13.465/17, ou de anterior lei municipal que
discipline a questão, a partir da qual se torna possível a cotização dos
proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em
loteamentos de acesso controlado, que i) já possuindo lote, adiram ao
ato constitutivo das entidades equiparadas a administradoras de
imóveis ou (ii) sendo novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da
obrigação esteja registrado no competente Registro de Imóveis". No
caso, à época do advento da Lei nº 13.465/2017, que ocorreu em julho
daquele ano, os réus não eram mais associados à demandante,
afigurando-se inconstitucional a cobrança. Precedentes deste TJRJ.
Reforma da sentença, para julgar improcedente a pretensão deduzida
na inicial. RECURSO PROVIDO.
0001266-34.2017.8.19.0030 – APELAÇÃO - DES(A). CARLOS
JOSÉ MARTINS GOMES - JULGAMENTO: 06/09/2022 -
DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL
Ementa: Apelação cível. Direito Civil. Ação de cobrança de
contribuições mensais à Associação de Moradores. Rateio de despesas
a partir de julho de 2017, data em que passou a vigorar a lei 13.465.
Reforma da sentença. Tema 882-STJ, cuja tese define que as taxas de
manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não
associados ou que a elas não anuíram. Superveniência da Lei
13.465/17, criando o chamado ¿condomínio de fato¿ e conferindo
amparo jurídico a possibilidade da estipulação de contribuição como
contraprestação pelos serviços oferecidos por entidade associativa.
Julgamento, pelo STF, do RE 692.511/SP, redundando no tema 492
em que se reconheceu a possibilidade de cotização dos titulares de
direitos sobre lotes em loteamentos de acesso controlado. Nem a lei,
nem o entendimento jurisprudencial dominante, contudo, excluem a
necessidade de manifestação inequívoca de vontade dos proprietários
de imóveis de se associarem ou se manterem associados à entidade
estipulante da cobrança em tela. É livre o direito fundamental à
associação (art. 5º, XX, da CRFB), de modo que ninguém pode ser impingido a exercê-lo, muito menos tacitamente. Autora que não
demonstrou os fatos constitutivos do seu direito, ônus que lhe
incumbe, na forma do artigo 373, I, do CPC. Precedentes do STJ, do TJRJ e desta egrégia Câmara Cível. Sentença reformada. Apelação do
Réu a que se dá provimento. Prejudicado o recurso da Autora.
Assim, verifica-se que a sentença viola as teses fixadas nos
Temas nº 492 do STF e nº 882 do STJ, devendo ser reformada para julgar
improcedente o pedido autoral.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer e negar
provimento ao recurso da parte autora e dar provimento ao recurso da parte
ré para julgar improcedente o pedido autoral, condenando a parte autora ao
pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios de
sucumbência, os quais fixo em 10% sobre o valor da causa. Recurso do
terceiro interessado não conhecido.
Rio de Janeiro, 06 de setembro de 2023.
JOÃO BATISTA DAMASCENO
DESEMBARGADOR RELATOR
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