Parabéns Min. MARCO AURELIO BELLIZE !
Parabéns Dr. ROBERTO MAFULDE e equipe
ASSOCIAÇÃO NÃO É CONDOMÍNIO
MAIS UMA VITÓRIA
RECURSO ESPECIAL Nº
1.866.272 - SP (2020/0058915-1)
RELATOR
: MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECORRENTE
: JEAN GEORGES ABOU SAOUAN
ADVOGADOS
: ROBERTO MAFULDE - SP054892
VERA CRISTINA TAVARES SANTOS - SP322069
RECORRIDO
: ASSOCIAÇÃO DOS ADQ DE UNIDADES NO EMPREEND SÃO
PAULO II
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. 1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
NÃO CONFIGURADA. 2. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. TAXA DE MANUTENÇÃO. PROPRIETÁRIOS DO IMÓVEL QUE NÃO SE
ASSOCIARAM EXPRESSAMENTE. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA. RESPS REPETITIVOS N. 1.280.871/SP E N. 1.439.163/SP. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO QUE SE PERFAZ. 3.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
DECISÃO
Na origem, Associação dos Adq. de Unidades no Empreend. São Paulo II
ajuizou ação de cobrança contra Jean Georges Abou Saouan e Catarina Abou Saouan, objetivando dos réus titulares de imóvel, o recebimento de taxas de contribuição a partir de maio de 2015, no valor de R$ 23.341,84 (vinte e três mil, trezentos e quarenta e um reais e oitenta e quatro centavos).
O Juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido para condenar os
réus ao pagamento do valor pleiteado e das parcelas que se vencerem no curso do processo e condenou os autores ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 20% da condenação (e-STJ, fls. 365-367).
Interposto recurso de apelação pelos requeridos, a Nona Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, por maioria, negar provimento ao apelo, em aresto assim ementado (e-STJ, fls. 580-581):
Apelação. Associação de moradores e cobrança de taxa por serviços prestados a proprietários imobiliários em loteamento fechado, beneficiado pela prestação de serviços da entidade associativa. Sentença de procedência. Inconformismo da parte ré. Não provimento. Sentença mantida por seus próprios fundamentos (artigo 252. RITJSP).
1.
Rejeitada preliminar de deficiência de fundamentação da sentença, ou de prolação de sentença extra e ultra petita.
2.
No mérito da demanda de cobrança, observa-se que se trata de despesas decorrentes de prestação de serviços organizada por associação de moradores e aplicada sobre uma determinada área de loteamento de fechamento autorizado pela prefeitura local.
2.1. Preliminarmente, decide-se pela inaplicabilidade, ao caso, da Lei Federal 13.465/2017. Não houve formalização de adaptação do loteamento urbano em tela ao sistema de condomínio de lotes. Loteamento em tela constituído e regido pela Lei Federal 6.766/79, na sua redação original, em que as partes comuns do loteamento são direcionadas à titularidade do ente municipal onde instalado o loteamento, servindo como áreas públicas institucionais do loteamento. Condomínio de lotes, em que as partes comuns são titularizadas por todos os proprietários dos lotes, para ser constituído sobre loteamentos existentes depende de formal conversão a ser consensualmente estipulada entre os condôminos, com participação inclusive da entidade municipal que detenha a propriedade das áreas institucionais.
2.2. Precedentes julgados pelo Superior Tribunal de Justiça pelo rito dos recursos repetitivos de controvérsia REsp 1.439.163/SP e REsp 1.280.871/SP definem tese segundo a qual nenhum proprietário/possuidor de bem imóvel é compulsoriamente obrigado a se associar à entidade benfazeja da comunidade local (em respeito à garantia fundamental de liberdade de se associar e manter-se associado, artigo 5º, incisos XVII e XX, CF/88), nem a pagar por taxas de manutenção caso não associado e não tenha anuído à sua cobrança. Situação a merecer ponderação com outros princípios constitucionais igualmente aplicáveis ao caso. Princípio do enriquecimento sem causa, ora em questionamento, repousa sua fonte de normatividade também no princípio constitucional da solidariedade (artigo 3º, inciso I, CF/88) e da função social da propriedade (artigo 5º, inciso XXIII, CF/88), a admitir que todos os proprietários imobiliários que estejam em apropriação dos benefícios gerados com a manutenção e conservação do loteamento, estão vinculados à repartição dos custos decorrentes da exploração dessa atividade pela entidade associativa, independentemente de filiação formal à associação. Cobrança, nesses termos, legítima, e satisfatoriamente demonstrada, como fato constitutivo do direito alegado, a prática da prestação de serviços sobre a área do loteamento. Sentença mantida nessa extensão.
3. Recurso da parte ré desprovido.
Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (e-STJ, fls. 817-821).
Em suas razões, o recorrente, com fundamento nas alíneas a e c do
permissivo constitucional, alega, além de divergência jurisprudencial, violação aos arts. 139, 140, parágrafo único, 141, 143, II, 330, 331, 332, 369, 370, parágrafo único, 371, 373, I, 435, 481, 482, 483, 484, 489 e 932 do CPC/2015; 54, 187, 206, 884, 927, parágrafo único, 934, 935, 942, 944, 1.034, II, 1.225, I, 1.228, §§ 1º e 2º, 1.417 do CC2002; 39, 40, 42, parágrafo único, 46, 47 do CDC; 65, § 1º, I, da Lei n. 4.591/1964; 1º, I e II, 10, 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 da Lei n. 7.102/1983, ao argumento de negativa de prestação jurisdicional por falta de fundamentação no acórdão recorrido.
Aduz ainda que a manutenção do bairro é feita pela Prefeitura de Itupeva
em detrimento do pagamento do imposto legal, IPTU. Além disso, asseriu que nunca aderiu livremente aos quadros da recorrida e que manejou medida cautelar justamente pelo fato de que a recorrida nunca aceitou o seu desligamento, asseverando que pagava as taxas por imposição do falso condomínio.
Sustenta também a ilegalidade da imposição de taxas associativas ao
morador não associado formalmente, nos termos da jurisprudência desta Corte pacificada no Tema 882/STJ.
Contrarrazões apresentadas às fls. 826-964 (e-STJ).
O processamento do apelo especial foi admitido na origem (e-STJ, fls.
1.053-1.056).
Brevemente relatado, decido.
Consoante análise dos autos, a alegação de negativa de prestação
jurisdicional não se sustenta, uma vez que o Tribunal de origem examinou, de forma fundamentada, todas as questões submetidas à apreciação judicial na medida necessária para o deslinde da controvérsia, ainda que em sentido contrário à pretensão do recorrente. Ressalte-se que o julgador não está obrigado a analisar todos os argumentos invocados pela parte, quando tiver encontrado fundamentação suficiente para dirimir integralmente o litígio.
Outrossim, verifica-se que o acórdão recorrido foi devidamente
fundamentado, não havendo falar em violação ao art. 489, § 1º, do CPC/2015, até porque, conforme entendimento desta Corte, "se os fundamentos do acórdão recorrido não se mostram suficientes ou corretos na opinião do recorrente, não quer dizer que eles não existam. Não se pode confundir ausência de motivação com fundamentação contrária aos interesses da parte, como ocorreu na espécie. Violação do art. 489, § 1º, do CPC/2015 não configurada" (AgInt no REsp 1.584.831/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 14/6/2016, DJe 21/6/2016).
Ademais, cumpre esclarecer que, consoante pacífica jurisprudência desta Corte, é possível a mitigação dos requisitos formais de admissibilidade do recurso especial diante da constatação de divergência jurisprudencial notória.
Nessa linha:
PROCESSUAL
CIVIL.
AGRAVO
INTERNO
EM
RECURSO
ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL.
DISSÍDIO
NOTÓRIO.
CONTA
CORRENTE
BANCÁRIA. IMPENHORABILIDADE. LIMITE. QUARENTA SALÁRIOS MÍNIMOS.
[...]
3. A existência de dissídio notório autoriza a flexibilização dos requisitos de admissibilidade para o conhecimento do recurso especial fundado na alínea "c" do permissivo constitucional.
[...]
5. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1.786.530/RS, Rel.
Ministra
NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
17/6/2019, DJe 19/6/2019 - sem grifo no original)
No mais, a jurisprudência desta Casa, firmada sob o rito dos recursos
repetitivos (art. 543-C do CPC/1973), no julgamento dos Recursos Especiais n. 1.439.163/SP e 1.280.871/SP, realizado pela Segunda Seção, em 11/3/2015, DJe de 22/5/2015, sendo o relator para acórdão o Ministro Marco Buzzi, pacificou que "as taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram".
A propósito, confira-se a ementa dos respectivos julgados:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA -
ART. 543-C DO CPC - ASSOCIAÇÃO DE MORADORES - CONDOMÍNIO DE FATO - COBRANÇA DE TAXA DE MANUTENÇÃO DE NÃO ASSOCIADO OU QUE A ELA NÃO ANUIU - IMPOSSIBILIDADE.
1.
Para efeitos do art. 543-C do CPC, firma-se a seguinte tese: "As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram".
2.
No caso concreto, recurso especial provido para julgar improcedente a ação de cobrança.
No mesmo sentido, seguem os demais precedentes deste Tribunal (sem
grifo no original):
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE
COBRANÇA - DECISÃO MONOCRÁTICA DA PRESIDÊNCIA DESTA
CORTE QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL PARA JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS CONTIDOS NA EXORDIAL. INSURGÊNCIA RECURSAL DA AUTORA.
1. O entendimento desta Corte Superior, firmado por ocasião do julgamento do REsp 1.439.163/SP, desta relatoria, Segunda Seção, DJe 22/05/2015, submetido ao rito do artigo 543-C do CPC/73, é no sentido de que as taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram.
1.1. "É pacífica a jurisprudência desta Corte a respeito da impossibilidade de "aceitação tácita" sobre a cobrança do encargo cobrado por associação de moradores, sendo indispensável que o adquirente do terreno manifeste adesão inequívoca ao ato que instituiu tal encargo (REsp's 1.280.871/SP e 1.439.163/SP)." (AgInt no AREsp 1192304/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/03/2018, DJe 23/03/2018).
2. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp 1.661.237/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 13/5/2019, DJe 17/5/2019 - sem grifo no original)
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL.
ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. COBRANÇA DE TAXA DE MANUTENÇÃO DE NÃO ASSOCIADO OU QUE A ELA NÃO ANUIU. 1. O reconhecimento de repercussão geral pelo STF, não enseja, automaticamente, o sobrestamento de recurso especial. Precedentes.
2.
A Segunda Seção do STJ, em sede de recurso repetitivo, pacificou o entendimento de que "as taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram". (REsp 1439163/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/03/2015, DJe 22/05/2015).
3.
Agravo regimental não provido. (AgInt no REsp 1.346.015/RJ, Rel.
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
18/8/2016, DJe 23/8/2016)
CIVIL
E
PROCESSUAL
CIVIL.
AGRAVO
REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. AÇÃO DE COBRANÇA COM BASE EM ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. TAXA DE MANUTENÇÃO. PROPRIETÁRIO DE IMÓVEL NÃO ASSOCIADO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. DECISÃO MANTIDA.
1.
Consoante pacífica jurisprudência desta Corte, é possível a mitigação dos requisitos formais de admissibilidade do recurso especial diante da constatação de divergência jurisprudencial notória (EDcl no AgRg no REsp nº 1.356.554/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Terceira Turma, DJe 22/5/2014).
2.
A Segunda Seção desta Corte possui o entendimento de que as taxas de manutenção ou melhoria, criadas por associações de moradores, não obrigam os não associados ou aqueles que a elas não anuíram (REsp nº 1.439.163/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, Segunda Seção, julgado sob o rito dos recursos repetitivos, DJe 22/5/2015).
3.
Não há que se falar em enriquecimento ilícito do recorrido porque a existência de associação, congregando moradores com o objetivo de defesa e preservação de interesses comuns em área habitacional, não possui o caráter de condomínio, pelo que, não é possível exigir de quem não seja associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo, o pagamento de taxas de manutenção ou melhoria (AgRg no AREsp nº 525.705/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, DJe
25/5/2015).
4.
Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1.522.083/SP, Rel.
Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/3/2016, DJe 28/3/2016 - sem grifo no original)
No caso, o TJSP, contrariando a jurisprudência pacífica desta Casa,
manteve a sentença com suporte no princípio constitucional da solidariedade e da função social da propriedade sob o argumento de que "a cobrança da contribuição pela entidade associativa de loteamento, nesses termos, afigura-se legítima, uma vez demonstrada, como fato constitutivo do direito alegado, a prática da prestação de serviços sobre a área do loteamento, exibindo-se que o determinado morador, associado ou não, efetivamente se beneficie do serviço que está embasando a cobrança". Além disso, reiterou que "os documentos às fls. 21/24 (Certidão da matrícula registral do imóvel, que aponta a titularidade dominial dos réus), fls. 46 e ss. (cópia do estatuto social da entidade, com a fixação da exigência da contribuição social, consoante artigo 9º, alínea 'c', cf. fl. 48), fls. 26/45 (atas de assembleia geral, que revelam debates e deliberações sobre a administração da associação e os serviços aplicados no loteamento)" (e-STJ, fls. 598-599).
Contudo, não há como subsistir a obrigação reconhecida pelo Tribunal de
origem, na hipótese, haja vista a ausência de manifestação expressa do recorrente da intenção de associar-se à recorrida, não havendo que se falar, inclusive, em preponderância dos princípios da solidariedade, da função social da propriedade ou da vedação ao enriquecimento sem causa em detrimento do preceito constitucional da liberdade de associação, sob pena de se esvaziar a finalidade desta garantia constitucional, razão pela qual deve ser julgado improcedente o pedido.
A fim de corroborar tal conclusão, transcrevo o trecho do voto proferido
pelo relator para o acórdão Ministro Marco Buzzi, no REsp repetitivo n. 1.280.871/SP, citado alhures (sem grifo no original):
E, no caso em testilha, a concepção da aceitação tácita ou da preponderância do princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, acaba por esvaziar o sentido e a finalidade da garantia fundamental e constitucional da liberdade de associação, como bem delimitou o Pretório Excelso no julgamento do RE n.° 432.106/RJ. encontrando a matéria, inclusive, afetada ao rito da repercussão geral (RG no Al n.° 745.831/SP. rei. Min. DIAS TOFFOLI. DJ 29/11/2011).
A associação de moradores é mera associação civil e, consequentemente, deve respeitar os direitos e garantias individuais, aplicando-se, na espécie, a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Assim, cumprindo a função uniformizadora desta Corte Superior, ambas as Turmas julgadoras integrantes da Eg. Segunda Seção têm sido uníssonas ao reiterar o posicionamento firmado a partir do julgamento do EREsp n.° 444.931/SP no sentido de que as taxas de manutenção criadas por associação de moradores não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo, em observância ao princípio da liberdade de associação (art. 5.° inc. XX, da CF/88).
Imperativo ressaltar que, por se tratar de adequação à atual jurisprudência
desta Corte, não há que falar em óbice da Súmula 7 do STJ.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para julgar
improcedente o pedido formulado na petição inicial.
Condeno a autora, ora recorrida, ao pagamento das custas processuais e
dos honorários sucumbenciais, os quais fixo no percentual de 15% (quizne por cento) sobre o valor atribuído à causa.
Publique-se.
Brasília, 17 de abril de 2020.
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator