Da associação no novo Código Civil
- fonte : por Nagib Slaibi Filho
1. Conceito
Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos .
A associação não tem fim econômico, fim este que caracteriza a sociedade, também referida no art. 44, II, mas regulada nos arts. 981 e seguintes na Parte Especial, Livro II, dedicado ao Direito de Empresa.
Na associação, dá-se aos integrantes a denominação de associados, deixando aos membros da sociedade a denominação de sócios.
Os associados se unem para alcançar fins culturais (como, por exemplo, Associação Musical Santa Cecília), religiosos (Ordem Terceira da Penitência), piedosas (Associação São Vicente de Paulo), científicas ou literárias, esportivas (Clube de Regatas Vasco da Gama), recreativas, morais etc.
Pode-se constituir associação destinada a implementar qualquer fim lícito, isto é, pelo conceito que se extrai a contrario sensu do disposto no art. 17 da Lei de Introdução ao Código Civil, o fim que não vulnere a ordem pública, a soberania popular e os bons costumes.
Note-se que tais conceitos (ordem pública, soberania popular e bons costumes) tutelam valores que devem ser os contemporâneos da instituição da associação, a qual deve adaptar os seus fins às alterações posteriores, sem que possam argüir direitos adquiridos à situação anterior.
Na interpretação das normas do Código Civil deve-se atentar para o sistema implantado pela Constituição de 1988 quanto ao direito liberal de livre associação.
Neste aspecto, aponte-se que na derrogada ordem constitucional tanto os partidos políticos (que não têm fim econômico) como os sindicatos (que têm fim econômico, embora não tenha caráter lucrativo) eram considerados órgãos estatais, inclusive o partido político se qualificava antes da nova Constituição como autarquia ou pessoa jurídica de direito público, com os privilégios e ônus de pessoa estatal.
Demonstrando a evolução do pensamento no sentido de se libertar da rançosa visão colonial de que o Estado é que criou a sociedade civil, hoje tanto o partido político como o sindicato independem de autorização estatal para o seu funcionamento, considerados como associação de direito privado e vedado ao Poder Público até mesmo intervir no seu funcionamento e estrutura.[1]
Tal proibição, aliás, não inibe a ordem do juiz nos casos que lhe são colocados para julgamento para dirimir os conflitos de interesses envolvendo associações políticas ou sindicais e profissionais (em face do disposto no art. 5o, XXXV, da Constituição, de que nenhuma lesão ou ameaça a direito será subtraída da apreciação do Poder Judiciário).
Na sua Declaração de Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, a Constituição expressamente dispõe no art. 5o sobre o modo de ser da associação, o que ora passa a ser comentado em face do conteúdo civilista de tais normas supremas.
2. A liberdade de associação
XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar.
A liberdade de associação somente pode verter sobre os fins lícitos, conceito normativo que se deve buscar no disposto no art. 17 da Lei de Introdução ao Código Civil, e que está muito além da mera legalidade objetiva, alcançando a ordem pública e os bons costumes.
Aliás, seria impossível se exigir do legislador federal (pois o tema de associação é exclusivamente federal, de Direito Civil) que dispusesse a cada momento sobre o que considera legal para que se formem entidades associativas, pois absolutamente imprevisíveis os multifários interesses que predominam a cada momento para levar o indivíduo a congregar-se aos outros com os mesmos interesses.
A Constituição vedou, desde logo, a associação de caráter paramilitar,[2]pelo que representa de risco para o Estado Democrático de Direito.
Eventualmente, pode a associação inserir no estatuto, submetido ao registro público, fins declarados que, na verdade, dissimulam ou escamoteiam a real finalidade institucional. Tal dissimulação pode conduzir a sérias conseqüências jurídicas inclusive, e principalmente, à responsabilização pessoal dos associados, através, por exemplo, da desconsideração da pessoa jurídica referida no art. 50.
A Ética exige a licitude dos fins da associação, tanto os que declaram ao se constituir, como os que regem a sua atividade a cada momento; o objetivo institucional ou o fim visado pelos associados ao unirem os seus esforços é o verdadeiro espírito do grupo social e, no Direito, é o fundamento de toda a análise da associação.
3. A criação de associação independe de autorização do Governo
Dispõe a Constituição, na Declaração dos Direitos Fundamentais (art. 5º):
XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas, independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento.
A lei não pode exigir autorização do Governo para o funcionamento da associação, o que é coerente com o princípio da livre associação, antes comentado, embora possa fazê-lo quanto à criação de sociedade, em face do caráter econômico desta.
A cooperativa, mencionada no texto constitucional, é espécie de sociedade, em face de seus fins econômicos, não sendo, assim, associação, como já percebido por Plácido e Silva:
Derivado do latim cooperativus, de cooperari (cooperar, colaborar, trabalhar com outros), segundo o próprio sentido etimológico, é aplicado na terminologia jurídica para designar a organização ou sociedade, constituída por várias pessoas, visando melhorar as condições econômicas de seus associados.
Na sua composição, a sociedade cooperativa, que, em regra, se diz simplesmente cooperativa, pode adotar natureza civil ou comercial; mas, tecnicamente, possui forma jurídica sui generis, e se classifica como sociedade de pessoas e não de capitais.
As características dominantes das cooperativas, segundo os próprios princípios legais, são:
a) Variabilidade do capital social. Quer isto dizer que, embora com um capital social declarado, este sempre se apresenta móvel e pode ser aumentado ou diminuído, segundo se admitem novos sócios ou se excluem sócios antigos.
b) Limitação do capital. Os sócios das cooperativas, por este princípio, não podem subscrever ou adquirir cotas-partes do capital além do limite fixado em lei.
c) Incessibilidade das cotas. As cotas dos sócios são intransferíveis a terceiros estranhos à sociedade. E, mesmo causa mortis, a cota não passa aos herdeiros do sócio falecido, desde que estranho à sociedade. Em tal caso, a sociedade amortizará a cota correspondente.
d) Representação pessoal. A representação do sócio é anotada pela pessoa, isto é, pelo sócio considerado singularmente, em si mesmo, não pelo valor das cotas possuídas. Nestas circunstâncias, seja qual for o número de cotas-partes de capital, o voto do sócio será sempre um, representado por sua pessoa. Diz-se, também, singularidade do voto. Pode haver representação por procuração.
e) Lucros sobre operações. Além dos lucros decorrentes do capital, cabe aos sócios, na proporção das operações efetuadas com a cooperativa, uma participação nos lucros obtidos. A distribuição destes lucros, na base das operações, tem primazia sobre a distribuição de lucros sobre o capital, que pode até não ser instituído.
f) Área de ação. Não deve a cooperativa, na execução de seus objetivos, procurar estender a sua ação, isto é, o seu campo de operações, além dos limites em que, naturalmente, possa exercer seu controle ou tenha possibilidades de reunir seus associados.
4. O Estado não pode interferir no funcionamento da associação
Se a associação independe de autorização governamental, também não pode o Estado interferir em seu funcionamento, isto é, o governante, o administrador público e o legislador não podem atuar de forma a cercear o seu funcionamento. Evidentemente, a disposição constitucional ora em comento não abrange a atuação do juiz nos casos que lhe são oferecidos a julgamento no exercício do poder/dever de prestar a jurisdição como prometido no art. 5o, XXXV, da Lei Maior. O juiz poderá anular ou revogar os atos associativos ou nomear administrador provisório e tudo o mais que for necessário ao seu funcionamento dentro do Estado Democrático de Direito.
5. Somente decisão judicial pode dissolver ou suspender as atividades da associação
Veja-se o que está no art. 5º da Constituição:
XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado.
A dissolução forçada da associação somente pode ser dar por sentença judicial transitada em julgado, mas as atividades podem ser suspensas por decisão judicial cautelar que é, essencialmente, provisória. A decisão judicial cautelar, ou provimento cautelar, tem por fonte a própria Constituição no art. 5o, XXXV, e pode ser manifestada em processo cautelar ou antecipação de tutela ou medida liminar prevista especificamente para certas ações, como, por exemplo, mandado de segurança ou ação possessória.
O que é importante fixar neste tema é que interpretação literal ou gramatical do texto constitucional acima transcrito restringe o poder cautelar do juiz no que se refere à dissolução total das associações, objeto que somente pode ser alcançado por decisão transitada em julgado. Evidentemente, em decisão cautelar, pode a associação ter suspensas suas atividades ou pode a mesma ser submetida a processo de dissolução parcial que, por analogia às sociedades, refere-se à retirada de um ou mais sócios que recebem a indenização pelo valor de suas cotas.
6. Liberdade de associação e de desassociação
Também dispõe a Lei Maior, no seu art. 5º, em norma que impregna as relações de Direito Civil:
XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;
A liberdade de associação é afirmada na Constituição como verdadeira via de trânsito de mão dupla, abrangendo não só o direito de se associar como o direito de desassociação, que é o poder do associado de se excluir da associação.
A fonte do direito de desassociação é a Constituição, pelo que não importa se este direito está previsto no estatuto ou foi objeto de assembléia dos associados: eventual previsão estatutária do direito de desassociação não pode ser interpretada como meio de limitação ou de restrição ao exercício do mesmo direito; no que o ato de disposição da vontade privada extrapolar dos limites constitucionais poderá ser reduzido ou mesmo desconsiderado pelo juiz no julgamento de cada caso.
Pode ocorrer que o direito de associação seja exercido através de meios formais mais solenes, como, por exemplo, a aprovação do nome do associado em reunião de diretoria ou mesmo em assembléia geral;[3] mas o direito de desassociação é exercido de forma bem mais simples, bastando mera comunicação do associado, podendo a norma estatutária ou regulamento assemblear dispor que a retirada somente produza os seus efeitos em determinado prazo razoável ou que o valor da cota do associado, se for o caso, possa ser pago mediante determinadas condições que permitam a sua realização pelos associados que permaneceram.
Os padrões liberais de conduta, que foram a fonte filosófica e política do texto constitucional, não podem tolerar nem que o indivíduo se veja obrigado a se consorciar nem o de permanecer associado, pela natural limitação de sua liberdade individual que implica o ingresso em grupo social.[4]
O associado pode se desligar da associação mediante declaração receptícia de vontade, isto é, o negócio jurídico que produz efeitos quando recebido pelo destinatário. Assim, o direito de desassociação se exerce simplesmente com o requerimento ou a comunicação do associado à entidade, mediante meio formal exigido somente para fins de prova, como protocolo na secretaria ou carta por aviso de recebimento ou pelo cartório de títulos e documentos.
A desassociação constitui direito potestativo do associado, isto é, ele tem o poder de alterar a situação jurídica de outrem (no caso a associação) sem que este possa se opor, pois está em estado de sujeição.
Como o direito de desassociação se exerce através de declaração receptícia de vontade, a partir do momento em que foi recebida a comunicação ou de prazo razoável estabelecido estatutariamente ou em decisão assemblear, não tem mais o associado a obrigação de contribuir para os encargos sociais, perdendo também as vantagens decorrentes de tal situação. Contudo, até o momento do recebimento da comunicação estará sujeito o associado aos deveres próprios, inclusive o de contribuição financeira.
7. Representação dos associados pela associação
Diz a Constituição, no seu art. 5º:
XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;
O novo Código Civil, no art. 53, parágrafo único, muito bem declarou quenão há entre os associados direitos e obrigações recíprocos.
Daí se extrai norma no sentido de que a vontade que constitui a associação é a soma de cada individualidade (melhor dizendo, o consenso alcançado pela maioria), cada uma dela se mantendo sem influência dos demais associados.
O caráter transindividual transcendendo o econômico, permitiu que a própria Constituição, independentemente de previsão legislativa ou estatutária, disponha que podem os associados autorizar no estatuto ou mesmo em assembléia-geral que a associação, através de seus órgãos de administração, os represente tanto em juízo como fora dele.[5] Os órgãos de administração, que são órgãos de execução e não de deliberação, devem buscar, a cada momento, a devida autorização assemblear para ingressar em juízo em cada caso concreto.
A disposição constante do art. 5o, XXI, da Constituição guarda coerência com o disposto no art. 8o, III, da mesma Lei Magna, com referência ao sindicato e às entidades sindicais.
Muito se discutiu se o disposto no art. 5o, XXI, tem a natureza jurídica de representação, como agora regulado nos arts. 115 a 120 do novo Código Civil, ou de legitimação extraordinária ou substituição processual, em que a ordem jurídica defere a terceiro, em nome próprio, a defesa do interesse alheio.
O tema é relevante no Estado Democrático de Direito, tendo a associação legitimidade para a defesa de interesses coletivos, como está não só na Constituição como nas leis que tratam da ação civil pública, dos direitos do consumidor, das crianças e adolescentes etc.
Recorde-se que aos organismos não governamentais (ONGs), integrantes da denominada sociedade civil, que têm a forma jurídica de associação, devemos relevantes serviços na democratização do País, merecendo citação constitucional na área da seguridade social, implementando meios de democracia direta e de desestatização do interesse público na execução de serviço público relevante, como, aliás, explicitado no art. 204 da Carta Magna:
Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:
I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;
II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.
Em redação que pouco se alterou desde a que foi proposta por José Carlos Moreira Alves no Anteprojeto do Código ofertado na década de 70, dispõe o novo Código Civil:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Mostra-se tal redação muito superior que a do Código de Defesa e Proteção do Consumidor porque nele há a idéia de exigência de culpa ou ilícito para que se aplique a desconsideração da pessoa jurídica:
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provados por má administração.
A desconsideração da pessoa jurídica é instituto com raízes[1] do Common Law (disregard of legal entity) e, no dizer de Rubens Requião em obra pioneira sobre o tema,[2] não constitui a anulação da personalidade jurídica em toda a sua extensão, mas apenas a declaração de sua ineficácia para determinado efeito concreto. Assim, somente em casos determinados, quando se verificar que houve abuso de direito ou fraude nos negócios e atos jurídicos da pessoa jurídica, é que o juiz ignora a sua personalidade jurídica e projeta os efeitos desde logo em face da pessoa física que se beneficiou ou que praticou o ato.
Enfatizou Fábio Konder Comparato em tese de concurso na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,[3] que na desconsideração da pessoa jurídica subsiste o princípio da autonomia da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios ou componentes, mas essa distinção é afastada, provisoriamente e tão-só para o caso concreto.
Mostra-se relevante a previsão da desconsideração da pessoa jurídica na parte geral do novo Código Civil porque assim os juízes podem aplicar o instituto nos casos que lhe são submetidos, como lhes recomenda veementemente o disposto no art. 4o da Lei de Introdução ao Código Civil, sem que se vejam forçados a se socorrer da analogia com a previsão legislativa que já existe no Código de Defesa do Consumidor ou na Lei das Execuções Fiscais.
Nessa perspectiva, da previsão do instituto na Parte Geral do Estatuto Comum, conclui-se que se mostram revogadas as normas que disponham sobre a desconsideração da pessoa jurídica naquilo que se mostrar incompatível com a abertura legislativa deferida pelo dispositivo ora em comento.
Entendem alguns que só se aplica a desconsideração da pessoa jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido.[4]
Contudo, do disposto no art. 50 da Lei Comum não mais se vê necessária a perquirição da culpa ou do dolo do agente, pois se pode extrair a regra de que se considera existir abuso da personalidade jurídica quando houver a ocorrência dos fatos objetivos do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial.
Ressalte-se: são duas hipóteses para o reconhecimento do instituto, as quais podem ser vistas isoladamente como causas deflagradoras.
O desvio de finalidade, como se extrai do Vocabulário Jurídico, de Plácido e Silva,[5] pode ser entendido como o uso indevido ou o destino diferente que se deu à coisa em vez do destino que, no caso da pessoa jurídica, deveria ser aquele previsto em seus estatutos, para os fins sociais nele previstos:
Formado do verbo desviar (mudar o destino ou sair da via), na terminologia jurídica é, geralmente, empregado para indicar o uso indevido ou destino diferente, dado à coisa, pertencente a outrem, pela pessoa que a tinha a título precário, sem a devida autorização ou sem o consentimento de seu senhor e possuidor.
Em regra, é ato abusivo do detentor da coisa.
O desvio, segundo os elementos que o possam compor, toma nomes apropriados: desfalque, abuso de confiança, apropriação indébita, peculato, em cujas configurações se mostra crime ou delito, sujeito a sanção penal.
Também possui o sentido de sonegação, quando se trata de ocultação de bens ou de rendas para fuga à imposição legal ou ao cumprimento de dever que é imposto à pessoa.
A expressão desvio de finalidade já é bem conhecida no Direito Administrativo, herdada do Direito francês, ali a expressar quando o agente público age em prol de interesse diverso do interesse público.[6]
Assim, podemos considerar o desvio de finalidade como a utilização de meios ou a busca de fins que não vão a favor da pessoa jurídica, mas a favor de outrem, sócio ou qualquer beneficiário.
A confusão do patrimônio ocorre quando se mostra ao menos dificultoso distinguir entre os patrimônios da pessoa jurídica e do beneficiário, de modo a impossibilitar o discernimento das obrigações concernentes a cada um deles.
A nova previsão legislativa se mostra muito mais rigorosa do que está no Código de Defesa do Consumidor,[7] pois admite o abuso da personalidade jurídica tão-somente em decorrência de um dos dois fatos objetivos, quais sejam, o desvio da finalidade ou a confusão patrimonial. Daí decorre que basta a demonstração de qualquer um deles, em densidade suficiente para autorizar a deflagração de seus efeitos, para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
O abuso da personalidade jurídica constitui espécie do abuso de direito a que se refere o disposto no art. 187 do novo Código e se verifica quando a pessoa jurídica foi utilizada para encobrir finalidades diversas do seu fim institucional ou quando daí decorre confusão patrimonial entre a pessoa jurídica e a pessoa beneficiada.
Em reverência ao princípio da demanda que recomenda que somente se preste a jurisdição quando houver pleito da parte, o dispositivo em comento exige que nos processos judiciais haja o requerimento da parte interessada ou do Ministério Público quando este intervir no feito. Então não poderá o juiz aplicar a sanção de ineficácia se não houver tal requerimento e, se interveniente o Ministério Público, surge uma nova situação, pois, até então, o membro do Parquet somente poderia pleitear quando pudesse o juiz também atuar ex officio.
Como a lei exige legitimação específica para o requerimento de ineficácia, também deverá ser examinado o interesse da parte a tal providência, perquirindo-se a sua utilidade e a sua necessidade em cada caso concreto.
Lei de Introdução ao Codigo Civil
Art. 17 - As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.
Art. 17 - As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.
[1] Na Itália, é a teoria do superamento da pessoa jurídica; na Alemanha, a teoria da penetração e, em França, o abuso da noção da personalidade social.
[2] Rubens Requião, “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, na Revista dos Tribunais, n. 410, p. 12, 1969.
[3] Fabio Konder Comparato, O poder de controle na sociedade anônima, 3ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1983, p. 283.
[4] Neste sentido, o enunciado nº 7 da Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal nos dias 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado, presidida a Comissão da Parte Geral por Humberto Theodoro Júnior, sob o relato de Nélson Nery Júnior: só se aplica a desconsideração da pessoa jurídica quando houver a prática de ato irregular a, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido.
[5] De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico Eletrônico, atualizado por Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho, versão 3, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2003.
[6] Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965), art. 2º, parágrafo único, alínea e: o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.
[7] Não posso concordar, por excessivamente restritivos, com os termos do Enunciado nº 51 do CEJ: A teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no nosso Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema. O Código Civil é a Lei Comum, de onde se esgalham os demais institutos jurídicos e se mantido tal entendimento, teríamos que o consumidor vai ficar prejudicado, pois o Código de Defesa do Consumidor coloca muito mais requisitos para a caracterização do instituto: O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
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