domingo, 24 de novembro de 2013

Para que serve e o que faz o Ministério Público?



by Wellington Saraiva

link : 
http://wsaraiva.com/2013/11/24/para-que-serve-e-o-que-faz-o-ministerio-publico/
Introdução
O Ministério Público (MP) é instituição que existe há séculos em numerosos países, inclusive no Brasil, com diferentes características e finalidades em cada um deles e ao longo do tempo. Em nosso país, teve suas garantias e instrumentos de ação profundamente redefinidos e ampliados pela Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988, ao ponto de alguns juristas dizerem que foi a instituição que mais avançou com a nova Constituição.
A finalidade principal do Ministério Público é defender o Direito e o interesse da sociedade. Não é função sua, no Brasil, a defesa dos interesses de governos e de órgãos da administração pública. Esta função é da advocacia pública. Este texto busca explicar como o Ministério Público atua.
O Ministério Público e o artigo 127 da Constituição
O artigo 127 da Constituição do Brasil é a norma jurídica que dá as linhas gerais das funções do MP. Segundo ele, o “Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” Vejamos o que isso significa.
Instituição permanente
Ao determinar que o Ministério Público é instituição permanente, a Constituição estabelece que ele não pode ser extinto por outras normas jurídicas nem pode ter suas funções essenciais esvaziadas por normas jurídicas inferiores à Constituição (pois isso seria o mesmo que o extinguir).
Essencial à função jurisdicional do Estado
De acordo com o art. 127, o MP é também essencial à função jurisdicional do Estado. Isso quer dizer que o Ministério Público é indispensável à atividade principal do Poder Judiciário, que é a de exercer a jurisdição. Este termo vem dos termos em latim juris (= Direito) e dicere (= dizer) e corresponde ao papel fundamental dos juízes e tribunais, que é o de declarar o direito (“dizer o direito”) aplicável aos casos que lhes sejam submetidos.
Apesar da forma como a Constituição associa o MP à função do Poder Judiciário, isso não significa que o Ministério Público tenha de estar presente em todos os processos judiciais. Ele intervém em um processo em três situações, basicamente:
a) quando uma norma jurídica assim determine, de forma expressa;
b) quando a participação do MP decorra da interpretação conjunta de normas jurídicas;
c) quando ocorra a presença de uma forma especial de interesse público, ligado à sociedade e conhecido como interesse público primário, que não é simplesmente o interesse dos órgãos da administração pública.
Exemplo da letra a acima é a Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009), cujo artigo 12 prevê que todo processo de mandado de segurança seja remetido para exame (que é escrito em um documento denominado parecer) do Ministério Público, e este deve devolver o processo no prazo de dez dias. Portanto, todo processo dessa espécie deve ser enviado para avaliação do MP. Apesar disso, o representante do Ministério Público poderá entender que não há presença do interesse público primário e devolver os autos sem se manifestar sobre o litígio. Pessoalmente, entendo que essa devolução sem exame do conflito não deva ocorrer, como regra.
O artigo 82 do Código de Processo Civil é outra norma que determina de maneira expressa casos nos quais o Ministério Público deve acompanhar o processo:
Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:
I – nas causas em que há interesses de incapazes;
II – nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade;
III – nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.
Exemplo do segundo caso (letra b acima) é a participação do Ministério Público nos processos de natureza criminal. Como se verá, a Constituição atribui ao MP papel fundamental na aplicação do direito do Estado de punir alguém quando este pratique crime. Devido a essa função, o Ministério Público deve ter conhecimento e acompanhar todos os processos penais em andamento no Judiciário, mesmo que não apareça neles como o autor do requerimento.
O terceiro grupo de casos nos quais o Ministério Público acompanha um processo (letra c acima) é aquele no qual ocorre a presença do interesse público primário, mesmo que não haja norma específica para determinar esse acompanhamento. Exemplo disso são as ações que discutem algum direito ou interesse difuso, como a defesa do ambiente, dos consumidores, do patrimônio público etc.
Atuação extrajudicial do Ministério Público
Embora a Constituição associe a atuação do Ministério Público à do Poder Judiciário, como se viu acima, o MP também age em muitos casos sem a necessidade de existir processo judicial. É o que se chama de atuação extrajudicial.
Em diversos casos, aliás, essa atuação extrajudicial produz resultados tão ou mais eficientes do que a atuação judicial, isto é, em processos decididos por juiz ou tribunal, principalmente por causa da demora no julgamento definitivo dos processos (a morosidade judicial). Um dos muitos exemplos de atuação do MP sem necessidade de processo judicial são os inquéritos civis que o MP instaura, com a finalidade de defender interesses relevantes da sociedade.
Imagine-se, por exemplo, que o Ministério Público tenha conhecimento de uma escola desrespeitar o direito de alunos e submetê-los a constrangimento pelo fato de seus responsáveis estarem em atraso no pagamento das mensalidades. O MP pode instaurar inquérito civil para investigar o fato e propor à escola um acordo para interromper a prática ilegal. Se a escola concordar, ela e o Ministério Público podem assinar um documento denominado “termo de ajustamento de conduta” (também conhecido como TAC).
O TAC é importante instrumento de atuação do MP, previsto na Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, no artigo 5.º, § 6.º [o símbolo “§” lê-se como “parágrafo”]). Tem justamente a finalidade de permitir que o Ministério Público e a pessoa que feriu a lei firmem compromisso para evitar novas ofensas ao Direito e para reparar os danos que ela tenha causado, sem a necessidade de processo judicial.
Existem diversos outras situações de atuação extrajudicial do Ministério Público, que às vezes consegue reparar casos de ofensa à lei sem a necessidade de processo judicial.
Defesa da ordem jurídica
A Constituição também atribui ao Ministério Público a “defesa da ordem jurídica”. Significa que compete à instituição atuar, sempre que for necessário e tiver competência jurídica para isso, com o objetivo de o Direito ser corretamente aplicado. Por esse motivo o MP é tradicionalmente conhecido pela expressão latina “custos legis”, que significa “fiscal da lei”.
Nessa função, o Ministério Público tem liberdade para atuar e para requerer ao Judiciário que profira a decisão que parecer mais correta ao MP, independentemente de a quem ela beneficie ou prejudique. O MP não precisa obedecer a ordens dos órgãos superiores de sua carreira, pois não há hierarquia para essa finalidade. É o que a Constituição denomina de independência funcional, uma das principais garantias dos membros do Ministério Público.
Isso significa que nem o chefe de cada ramo do Ministério Público (o procurador-geral), nem os órgãos superiores do MP (os conselhos superiores), nem mesmo o Poder Judiciário podem, como regra, determinar ao membro do Ministério Público como atuar em determinada situação.
Defesa do regime democrático
Na defesa do regime democrático, uma das funções mais importantes do Ministério Público é acompanhar o processo eleitoral, para que a escolha dos representantes do povo seja feita da maneira correta, do ponto de vista jurídico. Com isso, busca assegurar o funcionamento legítimo da democracia representativa.
A fiscalização dos atos dos representantes do povo e de outros agentes públicos, em todos os órgãos e entidades da administração pública, é igualmente forma que o Ministério Público adota para defender o regime democrático, uma vez que os representantes do povo e os gestores públicos devem agir sempre na defesa do interesse da sociedade.
Defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis
Em geral, o Ministério Público não tem a função de defender interesses estritamente individuais. Se alguém contratar um marceneiro para serviço em sua residência e este atrasar o trabalho, por exemplo, não cabe ao MP envolver-se no litígio entre as partes, pois o caso não terá dimensão suficiente para caracterizar interesse público.
Alguns direitos, porém, mesmo no plano individual, têm relevância especial, seja porque atingem parcela relevante da sociedade, seja porque eles mesmos envolvem interesse público. É o caso, por exemplo, do direito à saúde e à vida. Se uma pessoa tiver doença grave e precisar de medicamento ou tratamento essencial que a rede pública de saúde não forneça, poderá, em determinados casos, pedir ao Poder Judiciário que ordene o fornecimento, pois a Constituição do Brasil garante aos cidadãos o direito à saúde (em vários artigos, especialmente no art. 196).
Portanto, quando está em causa algum desses interesses especiais, o Ministério Público tem legitimidade jurídica para adotar providências, judiciais ou extrajudiciais, mesmo no interesse de uma só pessoa ou de um pequeno grupo delas. Exemplos desses interesses são os direitos das crianças e adolescentes, o direito ao ambiente equilibrado, o direito dos consumidores, a proteção do patrimônio público, a proteção da moralidade administrativa etc.
Não há critério predefinido para identificar quando ocorrem essas situações. Elas precisam ser avaliadas caso a caso.
Atuação na área criminal
Outro dispositivo (= norma) constitucional relevante a respeito do Ministério Público é o artigo 129, inciso I. Segundo ele, cabe ao MP promover a ação penal pública, nos termos da lei. Sobre a diferença entre ação penal pública e privada, veja este texto no blog.
Com base nessa determinação constitucional, é papel do Ministério Público participar de todas as fases da atuação pública relativa à quase totalidade dos crimes. Para isso, o MP deve: (a) supervisionar o trabalho de investigação da polícia (e pode também realizar suas próprias investigações); (b) oferecerdenúncia ao Poder Judiciário quando houver indícios e outras provas suficientes do crime e de sua autoria; (c) promover o arquivamento da investigação, se não for o caso de promover ação penal (vide abaixo atalho para texto sobre as providências que o MP pode adotar ao final de investigação criminal); (d) acompanhar todos os atos do processo criminal; (e) ao final do processo, requerer a absolvição ou a condenação do réu ou outra medida legalmente apropriada; (f) recorrer das decisões judiciais que lhe pareçam equivocadas, para serem reexaminadas pelo tribunal competente; (g) acompanhar o processo de execução penal, para que o réu condenado cumpra a pena aplicada pela justiça, de forma correta.
Devido à sua função essencial de custos legis (fiscal da lei), como mencionado acima, o Ministério Público, no processo penal, atua de forma diferente da dos advogados. Enquanto estes precisam sempre defender seu cliente (e deveriam fazer isso de maneira ética, embora nem sempre o façam), o Ministério Público não está obrigado a perseguir cegamente a condenação do acusado. Além de promover o arquivamento da investigação, quando não haja elementos suficientes para acusar, o MP pode (e deve) pedir a absolvição do réu, se não estiver convencido da culpa dele ou se não houver provas suficientes, pode pedir decisões judiciais favoráveis ao réu, como a declaração da prescrição, e pode recorrer ou impetrar (= requerer) habeas corpus em favor do réu. Por isso se diz, com razão, que hoje em dia, no Brasil, o Ministério Público não é mais “acusador sistemático”.
A Constituição ainda atribui ao Ministério Público outra importante função na esfera criminal, que é o controle externo da atividade policial. Embora a maioria dos policiais brasileiros seja de mulheres e homens dignos e dedicados, infelizmente são frequentes, ao longo da história, episódios de desrespeitos os mais variados aos direitos dos cidadãos, por parte das várias polícias. Com a finalidade de reduzi-los e de cooperar para que as polícias respeitem as leis, o MP deve realizar esse controle – e é área, por sinal, na qual o Ministério Público ainda tem atuação deficiente.
Atuação na área cível
Toda matéria jurídica que não seja criminal costuma ser chamada de “cível”. O Ministério Público também atua nesse campo, como se indicou em alguns trechos acima. Sempre que estiver presente o interesse público primário, deverá o MP apurar os fatos e verificar a medida jurídica cabível.
Entre as muitas áreas nas quais o Ministério Público atua, está a defesa: (a) dos direitos fundamentais das pessoas (também conhecidos como direitos humanos); (b) do patrimônio público; (c) do ambiente, aí incluídas fauna e flora; (d) do direito dos consumidores; (e) da criança e do adolescente; (f) da moralidade administrativa; (g) do direito à saúde; (h) do patrimônio histórico e cultural; (i) das normas urbanísticas; (j) dos direitos sociais (como os trabalhistas e previdenciários); (k) do direito de minorias; (l) de pessoas em situação de vulnerabilidade, como, em alguns casos, idosos e minorias; (m) de direitos fundiários (relativos à terra); (n) das fundações.
Conforme se explicou antes, a atuação do Ministério Público na defesa desses bens pode ser judicial ou extrajudicial.
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