CONGRESSO DE PROMOTORES APROVA AÇÃO CONTRA FALSOS CONDOMÍNIOS
(....) clique aqui para ler a integra , entenda a diferença entre loteamento e condominio
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No Congresso de Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo deste ano, realizado na Cidade de Águas de São Pedro entre os dias 13 a 15.11.14, defendi tese ( LEIA AQUI ) sobre o tema, concluindo pela obrigação do MP na defesa do direito de ir e vir, de livre associação e contra a privatização de bens públicos dos loteamentos (em anexo – ver conclusões na última página).
A tese, que incorporou os fundamentos da nota técnica, foi aprovada pelos membros do MP lá presentes, que contou com a participação de Procuradores de Justiça, alguns que já integraram o Conselho Superior (Drs. Jorge Ussier, Tiago Zarif, Lídia Helena e Visconti, este aposentado).
Lembro que foi produzida nota técnica pela PGJ sobre o assunto, a partir do trâmite de projeto de lei federal PL 2725/2011 sobre o tema:
Constitucional. Administrativo. Urbanístico. Projeto de Lei n. 2.725, de 2011, da Câmara dos Deputados. Alteração do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/01). Acréscimo do art. 51-A. Concessão, pelo Município, de controle de acesso e transferência da gestão de áreas e equipamentos públicos em loteamento a particulares, através de entidade civil de caráter específico, responsável pela manutenção e custeio. Privatização de bens públicos de uso comum do povo. Cerceio à liberdade de locomoção. Incompatibilidade com a regra da licitação. Delegação da polícia administrativa. Inconstitucionalidade. Rejeição.
1. Bens públicos de uso comum do povo e outros equipamentos públicos resultantes de loteamento são de fruição ampla, livre, irrestrita e gratuita, não sendo admitida sua privatização nem o controle de acesso agressivo à liberdade de locomoção.
2. A concessão de espaços públicos a particulares à míngua de licitação ofende os princípios de moralidade e impessoalidade.
Att.
Freitas
CONGRESSO APROVA TESE DO DR JOSE CARLOS DE FREITAS PARA AÇÃO IMEDIATA CONTRA OS FALSOS CONDOMINIOS ( LOTEAMENTOS FECHADOS )
LOTEAMENTOS
FECHADOS: O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
José Carlos de Freitas
1º
Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital
INTRODUÇÃO
Inspirados
na má qualidade de vida urbana, gerada pela desenfreada e caótica
ocupação do solo nos grandes centros, empresários do ramo
imobiliário têm optado por moradias dotadas de comodidade, luxo e
segurança, além do status
de se morar bem.
Estas
são algumas das razões da proliferação de uma modalidade de
parcelamento do solo urbano, os “loteamentos
fechados“, com
características especiais que os diferem dos convencionais.
Ordinariamente também são conhecidos por “loteamentos
especiais” ou
“loteamentos em
condomínio” ou
“condomínios
horizontais” ou
“condomínios
especiais”.
Geralmente
implantados na periferia das metrópoles ou fora do perímetro
urbano, apresentam-se cercados por muros, com suas entradas equipadas
com guaritas e, de ordinário, fechadas por cancelas, vigiadas por
agentes privados de segurança que controlam seu acesso mediante
prévia identificação, permitindo o ingresso somente aos residentes
ou às pessoas por estes autorizadas, impedindo, assim, a livre
entrada e circulação de pessoas estranhas ao parcelamento,
inclusive às praias do litoral, naqueles loteamentos que margeiam a
orla marítima.
Os
adjetivos “condomínio” e “fechado” não espelham os
predicados dessa forma de parcelamento do solo. Na concepção legal
do loteamento tradicional estão sempre presentes as ideias de
individualidade
dominial das novas
unidades (dos lotes), de criação
de espaços para áreas
públicas e de inovação
do sistema viário,
perdendo a gleba a sua indivisibilidade, dando azo ao surgimento de
áreas de uso comum do
povo (arts. 4º, I;
7º, II e III; 9º, § 2º, III e 22 da Lei 6766/79, c.c. art. 99, I,
Código Civil).
Na
verdade, os loteamentos
fechados, atropelando
a legislação civil e urbanística, são assim concebidos para
favorecer, na prática, a privatização do uso das áreas públicas
dos loteamentos (áreas verdes e institucionais, sistemas de lazer,
ruas e praças, etc.), outrora vocacionadas, em sua origem, ao uso
coletivo.
É
o que pretendemos analisar neste estudo sobre o tema, passando-se,
antes, pela lembrança de alguns conceitos e distinções que nos
permitirão aferir sua legalidade.
Cumpre
anotar que, quando nos referirmos aos loteamentos
fechados, estaremos
falando dos loteamentos convencionais aprovados ao abrigo da Lei
6.766/79, que, no entanto, com ou sem anuência das Prefeituras, são
cercados e murados. Não abordaremos os genuínos condomínios de
casas térreas ou assobradadas previstos na Lei 4.591/64, senão e
tão-somente para estabelecer seus contornos e a necessária
distinção entre os dois institutos (loteamentos e condomínios),
porque comumente confundidos por parte da doutrina e pelos
profissionais ligados ao comércio imobiliário.
CONCLUSÕES
Competindo
ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica e do regime
democrático, assim como a função de zelar pelo efetivo respeito
aos direitos assegurados pela Constituição Federal (artigos 127 e
129, CF);
considerando que a implantação de loteamentos fechados
promove a privatização de bens de uso comum do povo (de fruição
ampla, livre, irrestrita e gratuita);
considerando que o controle de
acesso é agressivo à liberdade de locomoção (art. 5º, XV,CF);
considerando que a cobrança coercitiva de taxas condominiais ou de
conservação nesses loteamentos promove a violação do direito de
livre associação (art. 5º, XX, CF);
considerando que a concessão
de espaços públicos para uso privativo a particulares à míngua de
licitação é ofensiva aos princípios de moralidade e
impessoalidade (art. 37, caput
e XXI, CF);
os membros do Ministério Público, valendo-se do
inquérito civil ou da ação civil pública ou de outro expediente,
quer mediante a elaboração e homologação de termo de ajustamento
de conduta quer por intermédio de provimento judicial, devem adotar
as medidas legais para:
1
– garantir a todos a livre, ampla, irrestrita e gratuita fruição
dos bens públicos que compõem os loteamentos fechados;
2
– coibir qualquer tipo de controle de acesso a esses loteamentos, a
qualquer pessoa, mesmo mediante uma simples identificação em sua
entrada;
3-
garantir o direito de livre associação, impedindo que proprietários
e/ou moradores sejam constrangidos ao pagamento de taxas condominiais
ou de quaisquer contribuições de custeio de serviços e obras
prestados pelas entidades associativas ou terceiros por elas
contratados, garantindo aos não associados e/ou aos que foram
coagidos aos respectivos pagamentos, o direito ao ressarcimento de
seus danos;
4
– constatando a existência de diploma legal afeto à matéria,
encaminhar à Procuradoria-Geral de Justiça representações de leis
municipais que disciplinam a formação de loteamentos fechados e/ou
que possibilitam o fechamento de ruas e demais áreas públicas,
mediante concessão, cessão ou contratos e atos afins, visando à
propositura das respectivas ações diretas de inconstitucionalidade,
para o controle concentrado de sua compatibilidade vertical com a
Constituição Estadual.
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NÃO PERMITA QUE OS FALSOS CONDOMÍNIOS DESTRUAM O BRASIL
EXIJA QUE O PROMOTOR DE JUSTIÇA DE SUA CIDADE CUMPRA SUA MISSÃO
Sexta-Feira , 14 de novembro de 2014
Congresso reúne Promotores do Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo
Evento tradicional do MP SP aconteceu em Águas de São Pedro
Mesa principal da abertura dos Congressos Promotores de Justiça especialistas participam dos eventos
Promotores de Justiça de todo o estado e especialistas debatem, até o próximo domingo (16), o tema “Conflituosidades na gestão dos Recursos Hídricos e a Organização das Cidades”, no 18º Congresso de Meio Ambiente e no 12º Congresso de Habitação e Urbanismo, que acontecem simultaneamente desde quinta-feira (14), no Grande Hotel São Pedro, em Águas de São Pedro.
“Este evento, já tradicional, concorre para a articulação das Promotorias de Justiça na atuação em duas áreas de relevada importância para a sociedade”, afirmou, na abertura do Congresso, o Secretário Executivo do Centro de Apoio Operacional Cível, Procurador de Justiça Vidal Serrano Junior, que na ocasião representou o Procurador-Geral de Justiça, Márcio Fernando Elias Rosa.
Por meio de um vídeo exibido na solenidade de abertura, o Procurador-Geral de Justiça saudou todos os congressistas e destacou a importância dos dois eventos simultâneos para a “discussão acadêmica e científica de temas ligados à gestão eficiente dos recursos hídricos e à questão urbanística que induza o desenvolvimento com sustentabilidade”. “Cabe a nós, Promotores de Justiça e operadores do direito, desvendar soluções jurídicas para a resolução definitiva de questões que acompanham o desenvolvimento histórico do Estado brasileiro”.
Já a Coordenadora do CAO-Cível de Meio Ambiente e Urbanismo, Lídia Helena Ferreira da Costa Passos (foto a cima), lembrou que a Procuradoria-Geral de Justiça criou, este ano, o Grupo Estratégico de Águas e destacou que “gestão das águas e materialização dos direitos fundamentais não são polos distintos das políticas públicas”. Segundo ela, “respeitar a natureza não é um valor em si”. “Garantir calçadas seguras e saúde pública com água saudável para todos em igualdade de condições, mobilidade para os trabalhadores; essas são todas tarefas ambientais, que demandam proteção radical de nossas florestas, das curvas dos rios, do solo e do clima, por orientação e políticas públicas planejadas mediante consciência crítica dos problemas de nossas cidades, que parecem sempre inacabadas”, acrescentou.
O Secretário Estadual do Meio Ambiente, Rubens Rizek (fotoa esquerda), enfatizou “a antiga parceria” da pasta com o Ministério Público, definida como “uma relação permanente cuja qualidade tem sempre melhorado” e alertou para o risco de retrocesso na legislação a respeito de licenciamento ambiental. Rizek também anunciou uma série de ferramentas digitais que o governo estadual está colocando em operação para facilitar e aumentar a eficiência na fiscalização de crimes ambientais e para aumentar a transparência nos licenciamentos.
Representando o Diretor da Escola Superior do MP, Marcelo Pedroso Goulart, a Promotora de Justiça Assessora da ESMP Juliana de Sousa Andrade (foto a direita), falou sobre a relação do desmatamento na Amazônia com a crise hídrica vivida hoje, sobre a importância da atuação do Ministério Público visando a implementação de políticas públicas e sobre a necessidade de o MP trabalhar com vista à prevenção.
O Procurador de Justiça Ronaldo Porto Macedo (foto a baixo) fez a palestra de abertura do evento abordando o tema “Os princípios, a filosofia e o MP. Qual é o papel da teoria do direito hoje?”, provocando a reflexão dos congressistas.
Também integraram a mesa da solenidade de abertura o Secretário do Conselho Superior do MP, Motauri Ciochetti de Souza; o Coordenador do Centro de Apoio à Execução (CAEx), Promotor de Justiça Fernando Reverendo Akaui; a Promotora de Justiça Cíntia Marangoni, de São Pedro; a Defensora Pública Luiza Lins Veloso, Coordenadora do Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo; Pedro Szanferber, Diretor-Adjunto Jurídico do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP) e Coordenador do Grupo de Estudos de Direito Ambiental da FIESP; o Promotor de Justiça José Ismael Lutti, Vice-Presidente do Instituto O Direito por um Planeta Verde; e o Vice-Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção São Pedro, Aldo Nunes.
O 18º Congresso de Meio Ambiente e no 12º Congresso de Habitação e Urbanismo, promovidos em conjunto pela Procuradoria-Geral de Justiça, Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva (CAO-Cível) e pela Escola Superior do MP, com correalização do Instituto O Direito por
um Planeta Verde – têm dois painéis principais: “Bens Ambientais e Gerenciamento de Recursos Hídricos” e “Empreendimentos Imobiliários e Ordem Urbanística”.
Além de palestras com vários especialistas, tem em sua programação oficina, debates e apresentação de teses inscritas por membros do Ministério Público do Estado de São Paulo.
|
Núcleo de Comunicação Social
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____________LEIA A INTEGRA DA TESE DO DR FREITAS APROVADA PELO CONGRESSO _____________
LOTEAMENTOS
FECHADOS: O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
José Carlos de Freitas
1º
Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital
INTRODUÇÃO
Inspirados
na má qualidade de vida urbana, gerada pela desenfreada e caótica
ocupação do solo nos grandes centros, empresários do ramo
imobiliário têm optado por moradias dotadas de comodidade, luxo e
segurança, além do status
de se morar bem.
Estas
são algumas das razões da proliferação de uma modalidade de
parcelamento do solo urbano, os “loteamentos
fechados“, com
características especiais que os diferem dos convencionais.
Ordinariamente também são conhecidos por “loteamentos
especiais” ou
“loteamentos em
condomínio” ou
“condomínios
horizontais” ou
“condomínios
especiais”.
Geralmente
implantados na periferia das metrópoles ou fora do perímetro
urbano, apresentam-se cercados por muros, com suas entradas equipadas
com guaritas e, de ordinário, fechadas por cancelas, vigiadas por
agentes privados de segurança que controlam seu acesso mediante
prévia identificação, permitindo o ingresso somente aos residentes
ou às pessoas por estes autorizadas, impedindo, assim, a livre
entrada e circulação de pessoas estranhas ao parcelamento,
inclusive às praias do litoral, naqueles loteamentos que margeiam a
orla marítima.
Os
adjetivos “condomínio” e “fechado” não espelham os
predicados dessa forma de parcelamento do solo. Na concepção legal
do loteamento tradicional estão sempre presentes as ideias de
individualidade
dominial das novas
unidades (dos lotes), de criação
de espaços para áreas
públicas e de inovação
do sistema viário,
perdendo a gleba a sua indivisibilidade, dando azo ao surgimento de
áreas de uso comum do
povo (arts. 4º, I;
7º, II e III; 9º, § 2º, III e 22 da Lei 6766/79, c.c. art. 99, I,
Código Civil).
Na
verdade, os loteamentos
fechados, atropelando
a legislação civil e urbanística, são assim concebidos para
favorecer, na prática, a privatização do uso das áreas públicas
dos loteamentos (áreas verdes e institucionais, sistemas de lazer,
ruas e praças, etc.), outrora vocacionadas, em sua origem, ao uso
coletivo.
É
o que pretendemos analisar neste estudo sobre o tema, passando-se,
antes, pela lembrança de alguns conceitos e distinções que nos
permitirão aferir sua legalidade.
Cumpre
anotar que, quando nos referirmos aos loteamentos
fechados, estaremos
falando dos loteamentos convencionais aprovados ao abrigo da Lei
6.766/79, que, no entanto, com ou sem anuência das Prefeituras, são
cercados e murados. Não abordaremos os genuínos condomínios de
casas térreas ou assobradadas previstos na Lei 4.591/64, senão e
tão-somente para estabelecer seus contornos e a necessária
distinção entre os dois institutos (loteamentos e condomínios),
porque comumente confundidos por parte da doutrina e pelos
profissionais ligados ao comércio imobiliário.
O
LOTEAMENTO CONVENCIONAL - Lei 6.766/79
A
Lei Lehmann conceitua o loteamento para fins urbanos -- espécie de
parcelamento do solo -- como sendo a "subdivisão
de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de
novas vias de circulação, de logradouros públicos ou
prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes"
(art.2º, § 1º, Lei 6.766/79).
O
parcelamento do solo, na definição de EURICO DE ANDRADE AZEVEDO, é
a “divisão de uma
gleba em lotes, que passam a ter vida autônoma, com acesso direto à
via pública. A gleba parcelada perde a sua individualidade, a sua
caracterização originária, dando nascimento a várias parcelas
individualizadas, que recebem o nome de “lotes”. Daí a
denominação de “loteamento”. (...) O parcelamento para fins
urbanos, ou parcelamento urbanístico, destina-se a integrar a gleba
na cidade, permitindo que ela passe a ter usos urbanos, ou seja, uso
residencial, comercial, industrial e institucional”.1
ÁLVARO
PESSOA explicitou que no loteamento “o
terreno loteado perde sua individualidade objetiva transformando-se
em lotes que se individualizam como unidades autarquicamente
bastantes em si mesmas; inexiste o estado e a pluralidade de
comunhão; cria-se um bairro, cujo equipamento urbano (inclusive as
vias, estradas e caminhos, como públicos que passam a ser com o
registro imobiliário) passa a participar do sistema viário local e
do orbe municipal”.2
Mas
afora esse aspecto da individualização dominial das frações
(lotes), ora sob a perspectiva das áreas públicas que se criam com
o loteamento de uma gleba, o Poder Público adquire bens por força
da lei ou “ministerio
legis”, na expressão
de LÚCIA VALLE FIGUEIREDO.3
ROBERTO
BARROSO, professor e Procurador de Justiça carioca, acentua que
“aprovado o
loteamento pela municipalidade, os espaços livres, as vias e praças,
assim como outras áreas destinadas a equipamentos urbanos tornam-se
inalienáveis; e, com o registro do loteamento, transmitem-se,
automaticamente, ao domínio público do Município, com a afetação
ao interesse público especificado no Plano do Loteamento. Tal
transferência dos bens ao domínio público e sua afetação aos
fins públicos indicados no Plano do Loteamento independem de
qualquer ato jurídico de natureza civil ou administrativa (escritura
ou termo de doação) ou ato declaratório de afetação”.4
Analisando
os fundamentos que justificam a transmudação de parcela da
propriedade privada para o domínio público (art. 4º, Lei
6.766/79), o mesmo jurista ensina que ela se opera pelo chamado
“concurso
voluntário”,
instituto pelo qual “o
loteador propõe e a Administração do Município aceita a
transferência à municipalidade do domínio e posse dos espaços
destinados às vias e praças e aos espaços de uso comunitário
integrantes do conjunto urbanístico cuja aprovação é proposta.
Com o pedido de aprovação do loteamento, o particular dá início
ao processo de formação do “Concurso Voluntário”, por via do
qual passarão ao domínio público as áreas destinadas ao sistema
de circulação (ruas e praças), à implantação de equipamentos
urbanos e comunitários (escola, posto de saúde etc), bem como a
espaços livres de uso público, de proteção ambiental ou de
preservação paisagística.
Esses
espaços, destinados à afetação ao interesse público ou a
acudirem ao bem geral da comunidade passarão a integrar o patrimônio
público municipal, no qual haverão de ficar gravados de
indisponibilidade, por constituírem parcela do loteamento destinada
à satisfação do interesse público, especialmente no âmbito
comunitário do bairro”.5
O
LOTEAMENTO E SUA FUNÇÃO PÚBLICA
O
loteamento é modalidade de urbanificação,
forma de ordenação urbanística do solo ou “atividade
deliberada de beneficiamento ou rebeneficiamento do solo para fins
urbanos, quer criando áreas urbanas novas pelo beneficiamento do
solo ainda não urbanificado, quer modificando solo já
urbanificado”.
Distingue-se da urbanização,
que é
“um fenômeno
espontâneo de crescimento das aglomerações urbanas em relação
com a população rural”.
6
Como
afirma ROBERTO BARROSO, o loteamento é, de ordinário, matriz de um
novo bairro residencial da cidade, um patrimônio da coletividade:
“A
nova realidade urbanística resultante da implantação do
loteamento, como é óbvio, afeta à Cidade como um todo,
sobrecarregando seus equipamentos urbanos, sua malha viária e toda a
gama de serviços públicos de infra-estrutura da cidade”.
“Por
sinal que, a transcender desses direitos subjetivos dos proprietários
de unidades imobiliárias dos loteamentos, deve-se reconhecer, mesmo,
a existência de um direito comunitário, de todo o povo, ao desfrute
do novo bairro, como unidade urbanística do todo que é a Cidade. O
loteamento, sob essa visão, não é patrimônio de um conjunto de
pessoas, mas, sim, núcleo urbano de interesse comum de todos”.
7
Conquanto
essa atividade urbanística de lotear seja de tradicional iniciativa
de particulares, proprietários de glebas indivisas, ainda assim,
como anotou o ilustre Promotor de Justiça de São Paulo, JOSÉ JESUS
CAZETTA JR., “nos
estudos contemporâneos de Direito Urbanístico é firme a tendência
de superar a tradicional concepção de que haveria, nesse caso,
simples exercício de faculdade derivada do domínio, para qualificar
a modificação ou a criação de áreas urbanas como uma função
pública,
atribuída, essencialmente, ao Município. Por isso se sustenta, na
doutrina, que o particular, quando realiza um loteamento urbano e
nele executa obras e serviços de infra-estrutura, está, em verdade,
"em nome próprio, no interesse próprio e às próprias
custas e riscos (...), exercendo uma atividade que pertence ao poder
público municipal, qual seja a de oferecer condições de
habitabilidade à população urbana" (cf. JOSÉ AFONSO DA
SILVA, "Direito Urbanístico Brasileiro", Ed. Revista dos
Tribunais, 1981, págs. 376 e 562-563; em sentido semelhante: EDUARDO
GARCÍA DE ENTERRÍA e LUCIANO PAREJO ALFONSO, "Lecciones de
Derecho Urbanistico", Editorial Civitas, Madrid, 1981, 2ª ed.,
págs. 113/115 e 172/174; REGINA HELENA COSTA, "Princípios de
Direito Urbanístico na Constituição de 1988", "in"
"Temas de Direito Urbanístico - 2", Editora Revista dos
Tribunais, 1991, págs. 118/127; EURICO DE ANDRADE AZEVEDO, "O
Projeto de Lei de Desenvolvimento Urbano", in "Revista do
Advogado", nº 18, julho/85, págs. 36/37)”.
8
Isso
porque, para o ato de lotear, além das cláusulas
convencionais
estabelecidas pelo loteador, convergem normas
civis e urbanísticas.
As
cláusulas convencionais, que vinculam os adquirentes dos lotes,
constam do memorial
descritivo do
loteamento apresentado à Prefeitura (que aprova o respectivo
projeto) e do contrato-padrão,
os quais são arquivados no Registro de Imóveis, para a devida
publicidade (arts. 9º, § 2º, II, 18, VI, 26, VII). São aquelas
que, por exemplo, proíbem ao proprietário do lote a construção de
muros frontais ou as edificações plurifamiliares (prédios de
apartamentos), obrigam a construir piscinas, obedecer recuos maiores,
arborizar o passeio, etc.
As
normas civis, de edição exclusiva da União (art. 22, I, CF),
regram, por exemplo, o direito
de propriedade, na sua substância e transformações dominiais (a
translação da propriedade dos lotes, seu modo e forma de aquisição
e alienação), o trespasse de áreas privadas para o domínio do
município (com o registro do loteamento), as cláusulas contratuais
que protegem os adquirentes dos lotes (limites para a multa
moratória, registro do compromisso de compra e venda, outorga da
escritura, devolução de quantias pagas, etc).
Já
as normas urbanísticas, notadamente as editadas pelo Município,
dizem respeito à ordenação do território, tendo em vista o
traçado urbano, o sistema viário, as áreas livres, a construção
urbana, a estética da cidade, expressas em limitações
urbanísticas que
organizam os espaços habitáveis, propiciando ao homem melhores
condições de vida em comunidade, regrando o uso
da propriedade.
Resumindo,
“...As limitações
urbanísticas incidem sobre a utilização da propriedade, enquanto
que as imposições civis incidem sobre o direito de propriedade em
si mesmo”.9
O
CONDOMÍNIO ESPECIAL DE CASAS DA LEI 4.591/64
Outra
forma de uso e ocupação do solo por construções edificadas num
plano horizontal é o condomínio
especial de casas térreas ou assobradadas,
previsto no art. 8º da Lei 4.591/64 (lei de condomínio em
edificações e incorporações imobiliárias), o qual, numa primeira
interpretação da doutrina, visou tratar do “condomínio
nas “vilas” ou conjuntos residenciais urbanos, assim como nos
clubes de campo, etc., onde existem residências isoladas, de
propriedade exclusiva, com áreas privativas de jardim e quintal, e,
em comum, os jardins, piscinas, salões de jogo e as áreas de
terreno que dão acesso à estrada pública e ligam as várias casas
do conjunto”, sendo
que nas vilas, “o
acesso à via pública se faz pelas chamadas “ruas particulares”,
que terminam por um “balão de retorno”, no qual são manobrados
os veículos”.
10
Essa
lei, todavia, não limitou sua abrangência à criação das chamadas
vilas, mas a qualquer forma de aproveitamento
condominial do espaço,
cujas características CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, autor da Lei
4.591/64, delineou em obra clássica:
“A
Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, olhou para o assunto (art.
8º) e abraçou na sua disciplina esta modalidade especial de
aproveitamento condominial do espaço. Estabeleceu regras específicas
para o caso de se levantar mais
de uma edificação em terreno aberto,
ainda que não ocorra a superposição de unidades. Em tais
circunstâncias, em relação às unidades autônomas que se
constituírem de casas térreas ou assobradadas, será discriminada
a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela
eventualmente reservada como de utilidade exclusiva, e bem assim a
fração ideal sobre a totalidade do terreno e partes comuns,
correspondente a cada unidade (art. 8º, alínea a).
(...)
Diversamente
da propriedade horizontal típica, em que a cada unidade se
vinculam apenas a quota ideal do terreno e partes comuns, aqui
existem uma unidade autônoma, uma parte de terreno edificado, uma
parte de terreno reservada como de utilidade exclusiva para jardim ou
quintal e ainda a fração ideal sobre o que constitui o condomínio.
(...)
O
princípio jurídico dominante é o mesmo do edifício urbano,
guardadas as peculiaridades especiais. Cada titular é o dono de sua
unidade e, como se lhe reserva um terreno à utilização exclusiva,
pode cercá-lo ou fechá-lo, observando o tipo de tapume previsto na
convenção. Pode aliená-lo com o terreno reservado. Mas não lhe
assiste o direito de dissociar a sua unidade do conjunto condominial
nem separá-la da fração ideal que lhe corresponde nesse conjunto.
E muito menos apropriar-se das partes de uso comum ou embaraçar sua
utilização pelos demais.”
11
ÁLVARO
PESSOA acentua que:
“As
questões que emergem da modalidade de expansão urbana denominada
“condominial” são sobretudo as seguintes: ocorrência de praças
e ruas particulares (não são logradouros públicos); possibilidade
de bloquear o acesso ao condomínio aos comuns do povo, através de
portão ou portaria dividindo solo público e privado”.
Inexistem,
por conseguinte, estradas ou vias públicas na área condominial de
que cuida o mencionado art. 8º da lei especial de incorporação e
condomínio”.12
Infere-se
da análise da legislação específica que no condomínio
previsto no art. 8º da Lei 4.591/64
há modalidade
especial de aproveitamento
condominial do espaço de uma gleba,
onde não existem ruas
nem praças nem áreas livres públicas.
Tudo que integra o condomínio é de propriedade exclusiva dos
condôminos, que não têm a obrigação legal de trasladar os
espaços internos comuns ao Município, quando da aprovação e do
registro do empreendimento.
EURICO
DE ANDRADE AZEVEDO bem estabeleceu as diferenças
entre o condomínio de casas do art. 8º da Lei 4.591/64 (que ele
chamou de “loteamento fechado ou condominial”) e o loteamento
convencional ou comum da Lei 6766/79:
“Na
verdade, o que difere basicamente o loteamento comum do “loteamento
fechado” é que, no primeiro, as vias e logradouros passam a ser do
domínio público, podendo ser utilizadas por qualquer do povo, sem
nenhuma restrição a não ser aquelas impostas pelo próprio
Município. No segundo, as ruas e praças, jardins e áreas livres
continuam de propriedade dos condôminos, que delas se utilizarão
conforme estabelecerem em convenção. No loteamento comum, cada lote
tem acesso direto à via pública; no loteamento condominial, não;
os lotes têm acesso ao sistema viário do próprio condomínio, que,
por sua vez, alcançará a via pública. No loteamento comum, a gleba
loteada perde a sua individualidade, deixa de existir, para dar
nascimento aos vários lotes, como unidades autônomas destinadas a
edificação. No loteamento condominial a gleba inicial não perde a
sua caracterização; ela continua a existir como um todo, pois o seu
aproveitamento é feito também como um todo, integrado por lotes de
utilização privativa e área de uso comum.”13
CONFUSÃO
DOUTRINÁRIA SOBRE O TEMA
A
doutrina especializada já chegou a fazer confusão entre os
institutos aqui tratados, na medida em que empregou as expressões
loteamento fechado,
loteamento especial,
loteamento em condomínio
e condomínio
horizontal como
sinônimas dessa forma de aproveitamento condominial do espaço para
a formação dos condomínios especiais de casas térreas ou
assobradadas (art. 8º da Lei 4.591/64), conforme bem anotou o
registrador ELVINO SILVA FILHO.14
HELY
LOPES MEIRELLES, por exemplo, em parecer versando sobre a aprovação
de um empreendimento com dimensão
de 392.328 m2, concebido
pela então consulente como condomínio (apesar da extensão da
gleba...) assim se expressou:
“...os
loteamentos especiais,
também conhecidos por “condomínio horizontal” ou “loteamento
fechado”, vêm sendo implantados consoante a permissão genérica
da Lei federal 4.591/64 (art. 8º), mas, na maioria dos casos, sem
normas locais regulamentares de seus aspectos urbanísticos. Tais
loteamentos são bem diferentes dos convencionais, pois que continuam
como áreas particulares, sem vias públicas e com utilização
privativa de seus moradores”. (...)
“Portanto,
a lei aplicável aos loteamentos
fechados ou condomínios horizontais
é a de n. 4.591/64, por força do art. 3º do Dec.-lei 271/67, e aos
loteamentos abertos
ou convencionais
é a de n. 6.766/79”.15
Noutra
obra também clássica, o mesmo mestre repete a mescla de expressões:
“Loteamentos
especiais estão
surgindo, principalmente nos arredores das grandes cidades, visando a
descongestionar as metrópoles. Para estes loteamentos não há,
ainda, legislação superior específica que oriente a sua formação,
mas nada impede que os Municípios editem normas urbanísticas
locais adequadas a essas urbanizações. E tais são os denominados
“loteamentos fechados”, “loteamentos integrados”,
“loteamentos em condomínio”, com ingresso só permitido aos
moradores e pessoas por eles autorizadas e com equipamentos e
serviços urbanos próprios, para auto-suficiência da comunidade.
Essas modalidades merecem prosperar. Todavia, impõe-se um regramento
legal prévio para disciplinar o sistema de vias internas (que, em
tais casos, não são bens públicos de uso comum do povo) e os
encargos de segurança, higiene e conservação das áreas comuns e
dos equipamentos de uso coletivo dos moradores, que tanto podem ficar
com a Prefeitura como com os dirigentes do núcleo, mediante
convenção contratual e remuneração dos serviços por preço ou
taxa, conforme o caso”.16
EURICO
DE ANDRADE AZEVEDO, também em parecer defendendo a implantação de
um condomínio de casas
em imóvel com área de
1.000.000 m2,
roborando a mesma tese e confusão sobredita, afirmou que:
“Diversamente
do loteamento convencional, o “loteamento fechado”, também
chamado por “condomínio horizontal”, vem sendo implantado sob a
permissão genérica do art. 8º da Lei 4.591, de 16.12.64, mas sem
nenhuma regulamentação de seus aspectos urbanísticos.
Trata-se
de modalidade nova de aproveitamento do espaço, em que se procura
conjugar a existência de lotes individuais de uso exclusivo com
áreas de uso comum dos condôminos, à semelhança do que ocorre nos
edifícios de apartamentos. No “loteamento fechado” não
há vias e logradouros públicos; as áreas destinadas a circulação
e lazer não são transferidas ao Poder Público,
pois continuam a pertencer aos proprietários da gleba, que sobre
elas têm utilização
privativa”. 17
JOSÉ
AFONSO DA SILVA, no entanto, trazendo uma luz ao assunto, ensina que,
embora os “loteamentos fechados” (falando dos condomínios de
casas) se assemelhem aos loteamentos convencionais, na verdade destes
diferem, quer pelo seu regime, quer quanto aos seus efeitos. Aqueles
constituem “modalidade
especial de aproveitamento condominial de espaço para fins de
construção de casas residenciais térreas ou assobradadas ou
edifícios” 18.
Seu regime jurídico é o do direito privado, com natureza jurídica
de condomínio privado
(art. 8º, Lei
4.591/64).
O
mesmo jurista adverte que o instituto do art. 8º da Lei de
Condomínio e Incorporações tem
sido utilizado de forma abusiva,
havendo situações de “loteamentos
fechados” de
exageradas dimensões
(como
aqueles examinados nos dois pareceres de Hely Lopes Meirelles e de
Eurico Andrade Azevedo),
alguns com mais de mil
casas, muitos deles
proporcionando a criação de quadras que são divididas em lotes e
um verdadeiro arruamento, devendo ser evitados pelas Prefeituras, de
modo a exigir a execução de parcelamento do solo para fins urbanos,
regido pelas normas afins, ainda que se trate de subdivisão de
quadra inteira em lotes, com o aproveitamento do sistema viário.
Para
os defensores da viabilidade desses “loteamentos fechados” (os
grandes condomínios), nenhum problema podem estes acarretar, haja
vista que, além de serem mantidos pelos condôminos, sem gastos para
o erário, no mais das vezes eles estão situados fora dos grandes
centros, distantes da maior concentração urbana.
Mas
nos chamados “loteamentos
condominiais”
regidos pelo art. 8º da Lei 4.591/64, adverte JOSÉ AFONSO DA SILVA,
com o passar do tempo os encargos desse assentamento vão se tornando
insuportáveis para os condôminos. O incorporador, porque já vendeu
todas as unidades, não se interessa pela sorte do loteamento. As
vias internas passam a não ter mais conservação adequada.
Recorre-se, então, à Administração Pública para que esta assuma
e aceite o sistema das vias internas, gerando conflitos de interesse
urbanístico, uma vez que nem sempre esse sistema corresponde às
exigências urbanísticas para a execução de loteamentos
convencionais, como a largura das ruas, sua declividade, alinhamento,
etc.
Ainda
que situados fora do perímetro urbano, esses problemas não deixarão
de existir, pois esses “loteamentos” sempre constituirão “um
núcleo urbano com necessidades urbanas e, portanto, manifestação
do desenvolvimento urbano, especialmente se construído para
residência permanente, o qual, mais cedo ou mais tarde, vai requerer
a intervenção municipal, para suprir deficiências do regime
condominial de natureza privada e para corrigir distorções
urbanísticas decorrentes do interesse econômico que moveu os
organizadores, incorporadores e executores da obra”.
19
LOTEAMENTOS
CONVENCIONAIS FECHADOS
Agora
analisaremos os loteamentos convencionais regidos pela Lei 6766/79,
que são fechados por ato do loteador ou de uma associação de
moradores, demonstrando a sua ilegalidade.
Com efeito, “os tais
“loteamentos fechados” juridicamente não existem; não há
legislação que os ampare, constituem uma distorção e uma
deformação de duas instituições jurídicas: do aproveitamento
condominial de espaço e do loteamento ou do desmembramento. É mais
uma técnica de especulação imobiliária, sem as limitações, as
obrigações e os ônus que o Direito Urbanístico impõe aos
arruadores e loteadores do solo”.
20
EROS
ROBERTO GRAU também anotou, na proliferação dos “loteamentos em
condomínio”, uma indisfarçável forma de escapar às exigências
da Lei 6766/79, na medida em que sua instituição não se dá em
razão de iniciativa de incorporação imobiliária regida pela Lei
4.591/64, porque o empreendedor não assume a obrigação de neles
edificar as casas, como preceitua o art. 8º desse diploma. E
arremata o jurista que as chamadas áreas
de passagem comum
desses condomínios
fechados “não
podem ser cercadas ou bloquedas, de modo que impeça o seu uso normal
por qualquer pessoa, evitando-se o acesso a quem quer que seja ao
‘condomínio’ ”.
21
Também
DIÓGENES GASPARINI, externando similar entendimento ao analisar a
criação dos chamados “loteamentos privé”
ou “integrados” ou “especiais” ou “integrais” ou
“fechados” ou “em condomínio”, salienta a ilegalidade do ato
da Administração que os autoriza: “Não
se subsumindo tais “loteamentos” ao regime do Código Civil e não
se submetendo aos ditames da Lei de Condomínio, não se tem como
legalizá-los. O nosso ordenamento jurídico, pelo menos até o
momento, não os acolhe e a atividade administrativa para
autorizá-los não se legitima, dado que não está a presidi-la o
princípio da legalidade”.22
Os
Municípios não podem autorizar essa forma de “loteamento
condominial”. Lei municipal que preveja ou regule sua implantação
contamina o ato de aprovação de flagrante ilegalidade, porque o
Município não tem competência legislativa em matéria de
condomínio.23
Passaremos
à análise da titularidade e utilização dos bens públicos
originados do registro do loteamento para aquilatarmos a licitude do
trespasse de seu uso a particulares.
A
TITULARIDADE DOMINIAL DOS BENS PÚBLICOS
A
tradicional classificação da dominialidade pública contempla três
tipos distintos: os bens de uso
comum do povo
(aqueles que, por sua
natureza ou determinação legal, são destinados à utilização
coletiva: ruas, estradas, praças); os de uso
especial (os que são
afetados à realização de serviços públicos: terrenos, edifícios
e repartições públicas); e os dominicais
(que pertencem ao patrimônio disponível da União, Estados e
Municípios). As duas primeiras categorias são de bens inalienáveis,
na forma da lei, e estão fora do comércio (art. 100 do Código
Civil).
Os
bens de uso comum
do povo pertencem ao
domínio eminente
do Estado (lato sensu),
que submete todas as coisas de seu território à sua
vontade, como uma das manifestações de Soberania
interna, mas seu
titular é o povo.
Não constitui um direito
de propriedade ou
domínio
patrimonial de
que o Estado possa dispor, segundo as normas de direito civil. O
Estado é gestor
desses bens e, assim, tem o dever de sua superintendência,
vigilância, tutela e fiscalização para assegurar
sua utilização comum.24
Afirma-se
que "o domínio
eminente é um
poder sujeito ao direito; não é um poder arbitrário".
Sua fruição é coletiva, "os
usuários são anônimos, indeterminados, e os bens
utilizados o são por todos os membros da coletividade
- uti universi
- razão pela qual ninguém tem direito ao uso exclusivo
ou a privilégios na utilização do bem: o direito de cada
indivíduo limita-se à igualdade com os demais na fruição
do bem ou no suportar os ônus dele resultantes".25
Quanto
à relação que o particular (o utente) guarda com os bens públicos,
salienta José Cretella
Júnior que:
“Ruas,
praças, parques, logradouros de toda espécie podem ser utilizados
pelo cidadão, mas se algum particular entender de apossar-se deles,
à evidência que compete ao Estado tomar as providências legais
como proprietário, visto que à Administração compete zelar pelos
bens de uso comum do povo...”
“Jamais
os bens públicos de
uso comum, como as
ruas, praças, parques, estradas podem ser objeto de posse dos
particulares, mas de simples detenção”
“...o
princípio geral que rege a utilização dos bens
de uso comum é o de
que o uso de um seja transitório e precário, não impedindo o uso
dos demais, reservando-se a Administração, em casos especiais, o
direito de utilização privilegiada, quando se trata do interesse
público”. 26
O
USO DOS BENS PÚBLICOS POR PARTICULARES
Essas
três categorias de bens admitem usos
comuns e
especiais. Segundo JOSÉ CRETELLA JÚNIOR “todo cidadão que
preencher os requisitos exigidos pelo Estado é investido no direito
subjetivo público de
utilizar os bens públicos dos três tipos - uso
comum, uso especial e dominical
-, desde que a
utilização seja compatível com a destinação do bem,
tendo o particular o direito de recorrer ao Poder Judiciário, caso
seja impedido do exercício de seu direito”.27
Todos
os bens públicos admitem um uso sem discriminação, em igualdade de
condições por todos, sem qualificação ou consentimento pessoal,
exercido de forma anônima e gratuita (exceto na hipótese de pedágio
nas rodovias, que o Poder Público cobra como contraprestação pela
sua conservação, sem inibir o uso coletivo).
Fala-se,
então, no uso comum
desses bens, uti
universi, que se
constitui no “exercício
natural de uma faculdade que faz parte integrante da esfera de
liberdade humana, que o homem tem como homem, não apenas como
habitante de um determinado lugar”
28,
ou aquele uso que se destina “a
atender ao homem, em virtude de sua qualidade humana, tendo, pois,
por objetivo principal e imediato a satisfação de necessidades
físicas indispensáveis para a própria vida, de todos, sem
distinção, permitindo ainda o desenvolvimento e projeção da
personalidade humana no campo da liberdade...“.29
No
entanto, também podem ser utilizados com exclusividade, por pessoas
determinadas, mediante título jurídico conferido individualmente
pela Administração, por ato ou contrato, mediante autorização
legal ou regulamentar, ou através de consentimento pela autoridade
competente. Chama-se uso
especial, uti
singuli, pelo qual “o
particular irá extrair do bem público algumas utilidades não
conferidas, em caráter genérico, aos demais usuários, cabendo-lhe
o poder de privar outras pessoas do direito de exercer igual
utilização sobre a mesma parcela do domínio público”.30
Esse
uso especial, no que toca aos bens
dominicais, pode
comportar fruição pelos institutos de direito civil, como a
locação, enfiteuse, arrendamento, concessão de direito real de uso
e comodato, mas com carga significativa de princípios de direito
público.
Já
a utilização dos bens de
uso comum do povo ou
de uso especial
deve ser feita por títulos jurídicos de direito público, como a
autorização, a permissão e a concessão de uso, pois “estando
eles afetados a finalidade pública, a sua vinculação a título
jurídico de direito privado, que coloca o particular em igualdade de
condições com a Administração, viria em prejuízo do interesse
geral, pois retiraria à Administração a possibilidade de apreciar
a todo momento a conveniência da utilização privativa consentida e
de extingui-la quando prejudicial à finalidade precípua a que o bem
se destina. Todas as relações jurídicas que têm por objeto os
bens de uso comum e os de uso especial sujeitam-se a regime jurídico
de direito público; daí as razões de afirmar-se que os bens dessa
natureza estão fora do comércio jurídico de direito privado”.
31
A
autorização de uso
é ato precário, unilateral e discricionário, visa atividades
transitórias e irrelevantes ao interesse público, é conferida com
exclusividade e no interesse privado do beneficiário, pode ser a
título gratuito ou oneroso, dispensa autorização legislativa e
licitação e não cria para o usuário o dever
de utilização (como na permissão ou concessão de uso), mas mera
faculdade.
São exemplos: a ocupação de terrenos baldios; a retirada de água
de fontes não abertas ao uso comum do povo; o depósito de material
na via pública; o tráfego de caminhões pesados, de certo porte e
altura ou que conduzam produtos inflamáveis, em horários e locais
específicos; a utilização de vias públicas para a realização de
festas, lazer, cortejos e provas desportivas.
Permissão
de uso é ato
negocial, precário, discricionário e unilateral que a Administração
faculta ao particular para a utilização individual de bem público.
Pode ou não ser estabelecida sob condições, por tempo certo ou
indeterminado, revogável ou modificável unilateralmente pela
Administração, indenizável quando operada a revogação se assim
for disposto no termo que a concedeu. Qualquer bem público admite a
permissão de uso especial, desde que a utilização seja também de
interesse da coletividade que irá fruir certas vantagens desse uso,
como acontece na instalação de serviços de bar nas calçadas
(colocação de mesas, cadeiras e toldos), de bancas de jornais e de
feiras livres, vestiários em praias, na utilização de boxes nos
mercados municipais, no estacionamento de táxis nas vias públicas,
etc.
Deve
ser deferida mediante prévia licitação (Lei 8666/93, art. 2º) e
“...se não houver
interesse para a comunidade, mas tão-somente para o particular, o
uso especial não deve ser permitido
nem concedido,
mas simplesmente autorizado,
em caráter precaríssimo...” 32
A
concessão de uso
é contrato de direito público, sinalagmático, gratuito ou oneroso,
comutativo e realizado intuitu
personae, utilizado
preferentemente à permissão, nas hipóteses em que a utilização
do bem público visa ao exercício de atividades de maior vulto e
mais onerosas, firmado geralmente com prazos longos que garantam
certa estabilidade ao concessionário. Quando implicar na utilização
de bem de uso comum do povo, sua outorga só será possível para
fins de interesse público e se for compatível com a destinação
principal do bem33.
Ela investe o concessionário na posse da parcela do bem objeto do
contrato e sua rescisão pela Administração, antes do termo, exige
justa indenização. São exemplos a concessão para a exploração
de minas e águas (hidrelétricas), ou para o uso de dependências
aeroportuárias (para abrigo, reparação e abastecimento de
aeronaves), de cemitérios para sepulturas (inumação de cadáveres).
Não
se olvide que os atos da Administração Pública, na Carta Paulista,
estão balizados por princípios constitucionais da legalidade,
finalidade e interesse público (Constituição do Estado de São
Paulo, art. 111 c.c. art. 144), razão por que o ato administrativo
municipal que faculta a utilização de bens de uso comum do povo a
particulares deve sempre render obediência a esses princípios, em
especial o da prevalência do interesse
público, o qual,
embora não esteja expresso na Carta Magna como princípio da
Administração Pública (assim como o da finalidade), para a
doutrina ele é considerado um desdobramento do princípio da
legalidade, pois o ato administrativo só é válido quando atende ao
seu fim legal e “a
finalidade
é inafastável do interesse
público, de sorte que
o administrador tem que praticar o ato com finalidade pública, sob
pena de desvio de
finalidade, uma das
mais incidiosas modalidades de abuso
de poder”.34
A
CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO DAS ÁREAS PÚBLICAS DOS
LOTEAMENTOS CONVENCIONAIS
O
fechamento dos loteamentos convencionais da Lei 6.766/79, operado
mediante obstrução das vias internas ao acesso do público, com a
colocação de obstáculos, cancelas e guaritas, é sustentado por
alguns autores como lícito35,
sendo frequente o argumento de que o Município pode viabilizá-lo
pelo instituto da concessão
de direito real de uso
das áreas públicas, previsto no art. 7º do Decreto-lei 271, de
28/02/67.36
Os
partidários dessa tese arrimam-se no art.
3º desse decreto-lei,
que equiparava o loteador ao incorporador, os compradores de lote aos
condôminos e as obras de infraestrutura à construção da
edificação, determinando a aplicação da Lei 4591/64 aos
loteamentos. No entanto, “não
se aplicam ao caso as disposições da lei nº 4.591/64, por força
do art. 3º do Dec.-lei nº 271/67, não apenas porque abrogado
pela lei nº 6766/79,
como ainda por não ser auto-aplicável tal dispositivo legal,
porquanto a regulamentação determinada em seu parágrafo 1º jamais
foi feita”.37
A
exegese gramatical do art. 7º pode induzir o intérprete menos
precavido àquela conclusão. Ipsis
verbis:
Art.
7º - É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou
particulares, remunerada ou gratuita, por tempo certo ou
indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos
de urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra,
ou outra utilização de interesse social.
§
1º - A concessão de uso poderá ser contratada por instrumento
público ou particular, ou por simples termo administrativo, e será
inscrita e cancelada em livro especial.
§
2º - Desde a inscrição da concessão de uso, o concessionário
fruirá plenamente do terreno para os fins estabelecidos no contrato
e responderá por todos os encargos civis, administrativos e
tributários que venham a incidir sobre o imóvel e suas rendas.
§
3º - Resolve-se a concessão antes do seu termo, desde que o
concessionário dê ao imóvel destinação diversa da estabelecida
no contrato ou termo, ou descumpra cláusula resolutória do ajuste,
perdendo, neste caso, as benfeitorias de qualquer natureza.
§
4º - A concessão de uso, salvo disposição contratual em
contrário, transfere-se por ato
“inter vivos”, ou por sucessão legítima ou testamentária, como os demais direitos reais sobre coisas alheias, registrando-se a transferência.
Todavia,
a tese, embora sedutora, não resiste a uma ponderação mais detida
sobre a natureza jurídica e a extensão dessa espécie de trespasse
de uso da propriedade pública (e também da propriedade privada, que
não nos interessa aqui tratar).
De
feição contratual (portanto, bilateral, com direitos e obrigações
recíprocas), a concessão de direito real de uso de imóvel público
torna acessível ao particular seu uso sem os percalços da
enfiteuse, as inconveniências da locação (para a Administração
Pública), a precariedade das permissões e cessões de uso e a
inflexível natureza da concessão de uso. Ela é vantajosa para a
Administração, que deve
sempre preferir essa forma de utilização
ao invés de dispor do patrimônio imobiliário, através da venda ou
doação, mas sempre dependerá de autorização legal e de
licitação.38
Todavia,
essa peculiar fruição de imóvel público só pode ser conferida
para os bens
dominicais, sendo
incompatível para os
bens de uso comum ou especial,
enquanto destinados aos fins precípuos39.
Estes últimos reclamariam prévia
desafetação para a
concessão exclusiva do uso, porque a utilização das vias públicas
(bens de uso comum), por exemplo, não é uma mera possibilidade, mas
um poder legal exercitável erga
omnes, não podendo a
Administração impedir o trânsito de pessoas de maneira estável, a
menos que desafete a via.40
E,
como se sabe, a desafetação de uma rua, ainda que precedida de
autorização legislativa, deve conter um elemento fundamental: ter
perdido, de fato, sua utilização pública, seu sentido de via de
circulação, ter se tornado desabitada. Não basta a lei para
desafetá-la. É preciso atender ao interesse
público, como
qualquer ato administrativo, sem o qual haverá fundamento para
contestar a transmudação operada pela lei ordinária que promove a
desafetação.41
Além
disso, algumas características que informam essa modalidade de uso
são prejudiciais aos interesses da Administração, favorecendo o
particular, haja vista que a concessão de direito real de uso não
está impregnada da totalidade dos princípios publicísticos,
derrogatórios e exorbitantes do direito comum que deveriam compor a
relação entre o Poder Público e os particulares, em prol do
interesse coletivo (precariedade e unilateralidade).
Para
RICARDO PEREIRA LIRA, o direito real gerado pela concessão de uso de
terreno público, “ainda
quando possa ser considerado um direito real administrativo, não é
resolúvel ao nuto da administração, discricionariamente, mas
apenas naquelas hipóteses expressamente previstas no art. 7º, § 3,
do Decreto-lei nº 271, de 28 de fevereiro de 1967: dar o
concessionário destinação diversa da prevista no título;
descumprir o concessionário cláusula contratual cujo inadimplemento
tenha por conseqüência a resolução do ajuste”.
Assim, o concessionário tem direito à posse, uso, administração e
fruição do terreno durante o prazo da concessão, bem como, quando
finda esta, de ser indenizado, salvo disposição em contrário,
pelas acessões e benfeitorias realizadas no imóvel concedido, com
direito de retenção, que deriva dos efeitos dessa posse.42
Ademais,
esse instituto é estigmatizado por uma finalidade não
individualista.43
Com
efeito, anota CAIO TÁCITO tratar-se de modalidade de direito real
resolúvel que não absorve nem extingue o domínio público,
constitui-se por uma “fruição
qualificada de interesse social”, e
tem como escopo “uma
atividade específica de acentuado teor social, e não a mera fruição
de interesse privado, importando o desvio de finalidade na extinção
do direito, mesmo antes de seu termo”.44
Na
concessão de direito real de uso de ruas, praças, espaços livres,
áreas verdes e institucionais para a formação dos “loteamentos
fechados”, impera o desejo dos moradores na sua utilização
privativa, de cunho individual (sossego, segurança e conforto
pessoais), contrapondo o interesse privado ao coletivo, porque essas
áreas públicas estão vocacionadas ao uso comum do povo.
Logo,
essa modalidade de concessão não se presta a ser utilizada para os
bens de uso comum, que pressupõem a universalidade, a impessoalidade
e a gratuidade de uso, sem contraprestação pecuniária ou
indenização ao particular, além do que “...o princípio geral
que rege a utilização dos bens
de uso comum é o de
que o uso de um seja transitório e precário, não impedindo o uso
dos demais...”. 45
VIOLAÇÃO
AO ART. 17 DA LEI 6766/79 E AO ART. 180, VII, DA CONSTITUIÇÃO DO
ESTADO DE SÃO PAULO
O fechamento desses loteamentos traduz-se na tentativa de burlar a
Lei de Parcelamento do Solo Urbano e, em especial, no Estado de São
Paulo, de contornar a vedação urbanística imposta pela respectiva
Constituição.
Nos
termos do art. 17 da Lei 6766/79, o loteador não poderá alterar a
destinação dos espaços livres de uso comum, as vias e praças, as
áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos
urbanos constantes do projeto e memorial descritivo (art. 9, § 2º,
III e IV).
Esse
dispositivo também obriga o Município, que recebe essas áreas
quando do registro do loteamento (art. 22), porque os bens públicos
adquiridos com a implantação do projeto de loteamento urbano
“guardam consigo, por
razão ontológica, afetação específica ao interesse público
reconhecido pelo Município ao aprovar o projeto”.46
Precedentes do STJ e STF afirmaram que a
aprovação do loteamento pela Administração Pública transfere,
automaticamente, os bens destinados ao uso comum ou uso especial para
o domínio público, independente de registro.47
Como
a lei federal só trata dos loteamentos convencionais, abertos, com
espaços e áreas públicas franqueadas ao acesso de todos, a
aprovação pelo Município dos “loteamentos fechados” não é
lícita, pois não lhe preside o princípio da legalidade, nem a
legislação municipal editada para tratar do assunto lhe dá foros
de legitimidade, porque a matéria, por sua natureza condominial, é
da competência da União.48
Por
outro lado, incide a vedação do art. 180, VII, da Constituição do
Estado de São Paulo que, ao legislar concorrentemente com a União
sobre direito urbanístico (art. 24, I, §§ 1º a 4º, CF), dispõe
que:
Art.
180 - No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao
desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:
VII
- as áreas definidas em projeto de loteamento como áreas
verdes ou institucionais não
poderão, em
qualquer hipótese, ter a sua destinação, fim e objetivos
originariamente estabelecidos alterados.
Trata-se
de norma cogente, autônoma, autoaplicável, que está conforme o
Sistema Constitucional Federal e “em
consonância com a Lei Federal 6.938, de 31.8.81, dispondo sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, enunciando princípios,
garantindo o equilíbrio ecológico, o meio ambiente, patrimônio
público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista
o uso coletivo”.
49
Esse
princípio protetivo vincula o Município, por disposição expressa
do art. 144 da Constituição Estadual.50
Não
é por outra razão que, de maneira reiterada e pacífica, tanto por
ação direta quanto por meio das ações civis públicas ajuizadas
pelo Parquet,
o Tribunal de Justiça Bandeirante tem decidido pela
inconstitucionalidade das leis municipais que desafetam e/ou
autorizam a alienação ou uso privativo de áreas verdes e
institucionais de loteamentos.
Reconheceu-se
judicialmente a impossibilidade
de desafetação
desses bens51,
ainda que seja para fins de educação, como a construção de
escola pública municipal (JTJ-LEX 152/273), posto que são bens
inalienáveis a qualquer título (RT 318/285). Julgou-se
pela impossibilidade
de concessão de direito real de uso52,
mesmo que não tenham
sido implantados
os parques, jardins, áreas verdes e afins, porque “a
tutela ecológica se faz não só em relação à situação fática
presente, mas também visando a implantação futura dos
melhoramentos ambientais“.53
As
áreas públicas de um loteamento (espaços livres de uso comum,
áreas verdes, vias, praças, áreas destinadas a edifícios públicos
e outros equipamentos urbanos), visam a atender às necessidades
coletivas urbanas. Algumas estão voltadas à circulação
de veículos, pedestres e semoventes (vias
urbanas).
Outras destinam-se à ornamentação urbana (fim paisagístico e
estético), têm função higiênica, de defesa e
recuperação do meio ambiente, atendem à circulação,
à
recreação
e ao lazer
(praças, jardins, parques, áreas verdes e de lazer).
Assim,
o fechamento das vias de circulação, por ato do loteador ou
associação de moradores, com ou sem aprovação do Município,
vulnera o art. 17 da Lei 6766/79 e o art. 180, VII, da Carta
Paulista, na medida em que, subtraindo-as da fruição geral, altera
a destinação, os objetivos e a finalidade congênitos
dessas áreas, predispostas que estão para atender ao público
indistintamente.
SÉRGIO
A. FRAZÃO DO COUTO esclarece que a destinação de áreas públicas
pelo loteador é imposição
legal para atender às
necessidades da comunidade:
"Assim
como se exige do empresário o destaque de parte de sua
gleba para a implantação de equipamentos urbanos, impõe
a Lei, no mesmo dispositivo, a separação de áreas destinadas
a equipamentos comunitários, entendidas essas como áreas
reservadas a estabelecimentos educacionais, culturais,
de saúde, de lazer e similares, cujas considerações mais
detalhadas faremos adiante, esclarecendo desde já, no
entanto, que mencionados equipamentos desempenharão papel
de grande importância para o
equilíbrio
sócio-político-cultural-psicológico da população
e como fator de escape das tensões geradas pela vida
em comunidade"
(...)
"Esses
equipamentos, como a própria expressão dá a entender,
servirão à comunidade que habitará os lotes criados pelo
parcelamento urbano e, por isso mesmo, deverão ser
porporcionais à densidade de ocupação prevista para a gleba, tendo
por fim satisfazer às
necessidades assistenciais e hedonísticas da coletividade."
(...)
"Equipamentos
comunitários vêm a ser, portanto, os aprestos
do sistema social da comunidade
previstos para atender a suas necessidades de educação, cultura,
saúde e lazer."
54
Mesmo
na hipótese em que o loteamento é concebido com as áreas públicas
dispostas para fora de seu perímetro, ficando somente com as ruas em
seu interior, para a circulação restrita aos moradores, ainda assim
o fechamento das vias públicas não encontra ressonância em nosso
ordenamento jurídico.
É
que o conceito de área
institucional -
expressão referida na Carta Paulista - comporta exegese mais ampla,
cuja latitude foi delineada na Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 16.500-0, julgada aos 24/11/93 em
sessão plenária do TJSP. Com efeito, voto vencedor do
Desembargador ALVES BRAGA afirmou que "as
áreas verdes, não obrigatoriamente matas, podem se
destinar a preservação da vegetação já existente ou
reservadas ao lazer da população, com a implantação de
gramados, bosques ou jardins. Desde que assim instituídas por
lei, passam a ser, inequivocadamente, áreas institucionais,
complemento do equipamento urbano".
55
Nesse
mesmo julgado, com base no parecer da Procuradoria-Geral de
Justiça, afirmou o Relator Desembargador RENAN LOTUFO que:
"As
áreas destinadas à implantação de equipamento urbano e
comunitário e os espaços livres de uso público são áreas
institucionais.
Como salienta DIÓGENES GASPARINI em parecer anexado aos autos
da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 17.067-0, "as
áreas institucionais são as consagradas, por força de lei,
pelo loteador, a fim comunitário e de utilidade pública"
Como
visto, trata-se aqui de área destinada a sistema de lazer, destacada
das áreas reservadas ao sistema de circulação, tais como
ruas, praças e avenidas.
É área reservada para fim específico comunitário e de
utilidade pública, como é o lazer".56
Desse
importante acórdão se extrai, mais, a conclusão de que, por força
do sistema legal brasileiro (Decreto-lei 58/37 e Decreto 3.079/38,
depois Decreto-lei 271/67 e, finalmente, a Lei 6.766/79), a
destinação dada pelo loteador acaba por caracterizar
instituição57,
no sentido que lhe confere DE PLÁCIDO E SILVA.58
Conclui-se
que as ruas (espécies de vias de circulação) são também reservas
institucionais do loteamento, porque objetivam atender a uma
necessidade pública de circular. Prestam-se a exercitar os direitos
de locomoção inatos
ao homem (ir e vir), de permanecer
no local, como expressão do direito de reunião, e de
estacionar veículos,
respeitadas as vedações da legislação de trânsito.
Não
se nega que há, efetivamente, um uso
especial conferido a
um morador de uma rua ou ocupante de imóvel fronteiriço à via
pública, quando se lhe garante continuamente, por exemplo, o acesso
ao seu imóvel, mediante abertura de porta sobre a via pública, o
despejo de águas pluviais e servidas, a abertura de janelas sobre a
via, para receber luz, ar, etc. Mas “nem
por isso se está diante de fenômeno diverso do uso geral referente
aos demais particulares, visto que não varia a substância do fato
com sua repetição”.59
Daí
ser inconcebível a posse dos bens de uso comum pelo usuário, que só
tem mera detenção física60.
Também se mostra inadmissível a existência de ruas
particulares61
e juridicamente impossível a instituição
de condomínio, à
base da Lei 4.591/64, em rua
ou loteamento regular.62
Justifica-se,
assim, o combate aos loteamentos fechados implantados na orla
marítima, que
inviabilizam seu acesso a qualquer pessoa estranha ao empreendimento,
que não seja proprietária de lote, privatizando as praias do nosso
litoral. Nesses casos, além dos princípios acima lembrados,
aplica-se uma legislação específica que assegura a livre
acessibilidade às
praias, por qualquer
do povo. Falamos da lei federal que instituiu o Plano Nacional de
Gerenciamento Costeiro (Lei 7661, de 16/05/88)63
e, na seara estadual, do dispositivo da Constituição do Estado de
São Paulo que assegura esse direito de acesso e exige providências
do Ministério Público para sua garantia.64
É
verdade que se tolera a utilização
exclusiva da via
pública ou com perturbação de seu uso comum pelo povo, mas de
forma temporária,
mediante autorização do Poder Público, como nas competições
desportivas de rua (“corrida de São Silvestre”, em São Paulo).
Admite-se a utilização com exclusividade,
de maneira permanente, embora precária, no uso especial que se
permite ou concede sem embaraçar a utilização normal da via
pública pelo povo, desde que traga alguma utilidade para a
população, como acontece para a instalação de bancas de jornais
nos passeios, de feiras-livres nas ruas e dos boxes dos mercados
municipais.
Mas
isso não deve importar na privatização do uso dos espaços
públicos em detrimento da coletividade (cujo prejuízo se presume,
ao ser colocada à margem dessa utilização), ainda que com a
anuência das Prefeituras, o que só beneficia uns poucos habitantes,
atribuindo-lhes privilégios, instituindo verdadeiros guetos.
A
essa prática contrapõe-se comando verticalmente superior que
propõe, como objetivo
fundamental da
República, a redução
das desigualdades sociais e a erradicação da marginalização
(CF, art. 3º, III) e, como garantias
fundamentais da pessoa
humana, insculpidas na Carta Magna e de aplicação
imediata (art. 5º,
caput,
XV, XVI e § 1º), o direito de circular -- ir e vir (viajar e
migrar) -- e também o de permanecer (para exercer o direito de
reunião e de estacionar), pois “em matéria de bens
terrestres, de
uso comum, no Brasil,
a utilização de quisque
de populo compreende o
trânsito e o estacionamento,
podendo este ser momentâneo - parar
- e prolongado - estacionar...”
65
A
liberdade de locomoção consiste no poder que todos têm, sem
necessidade de pedir autorização, de “dirigir
suas atividades e de dispor de seu tempo, como bem lhes parecer, em
princípio, cumprindo-lhes, entretanto, respeitar as medidas impostas
pela lei, no interesse comum, e abster-se de atos lesivos dos
direitos de outrem”.66
Há
que se ressaltar, mais, ser de duvidosa
constitucionalidade
lei que estabeleça limitações ao direito de locomoção no
território nacional, em tempo de paz, só possível de ser editada
em tempo de guerra,
“desde que não elimine a liberdade como instituição”.67
A
propósito, a Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público
de São Paulo emitiu nota
técnica sobre o
Projeto de Lei nº 2.725/11, da Câmara dos Deputados, que cria a
figura do loteamento fechado em dispositivo do Estatuto da Cidade,
concluindo pela sua inconstitucionalidade:
Constitucional.
Administrativo. Urbanístico. Projeto de Lei n. 2.725, de 2011, da
Câmara dos Deputados. Alteração do Estatuto da Cidade (Lei n.
10.257/01). Acréscimo do art. 51-A. Concessão, pelo Município, de
controle de acesso e transferência da gestão de áreas e
equipamentos públicos em loteamento a particulares, através de
entidade civil de caráter específico, responsável pela manutenção
e custeio. Privatização de bens públicos de uso comum do povo.
Cerceio à liberdade de locomoção. Incompatibilidade com a regra da
licitação. Delegação da polícia administrativa.
Inconstitucionalidade. Rejeição. 1.
Bens públicos de uso comum do povo e outros equipamentos públicos
resultantes de loteamento são de fruição ampla, livre, irrestrita
e gratuita, não sendo admitida sua privatização nem o controle de
acesso agressivo à liberdade de locomoção. 2. A concessão de
espaços públicos a particulares à míngua de licitação ofende os
princípios de moralidade e impessoalidade.
Os
fundamentos do chefe do Ministério Público Paulista são bem
consistentes.68
Antes
disso, em dezembro de 2009 o Parquet
Bandeirante publicou o Aviso
no
763/09 divulgando
recomendação do
Conselho Superior do Ministério Público
para uma atuação conjunta das Promotorias de Justiça sobre os
loteamentos fechados, sinalizando o pensamento da Instituição a
respeito da prática.69
Vale
sempre lembrar, para o remate, que o princípio vigente na utilização
dos bens de uso comum
é o de que o uso de um seja transitório, precário, compatível com
a destinação do bem (de servir a todos), sem obstar a fruição dos
demais.70
GESTÃO
URBANA É COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL INDELEGÁVEL
A
criação de bairros de
acesso restrito, cujos
serviços passam a ser de responsabilidade dos “administradores”
que representam grupos de moradores, caracteriza flagrante tentativa
de se furtar à administração pública, criando um governo
paralelo com regras próprias.
Isso
porque, nesses casos, são os proprietários e moradores interessados
que aplicam as normas – por eles mesmos criadas – sobre a
circulação e permanência de pessoas, realização de serviços
essencialmente públicos (coleta de lixo, varrição e manutenção
das vias públicas, segurança etc.), sobre os usos dos imóveis e
índices de construção etc.
Mas
existem atividades
exclusivas que só o
Estado (lato sensu)
pode prestar, como os poderes de regulamentar e fiscalizar, o de
policiamento, de fiscalização de normas sanitárias, serviço de
trânsito, controle do meio ambiente, por exemplo. 71
O
Município, ao permitir que esses fatos ocorram -- por ação,
omissão ou por disposição de lei local -- manifesta delegação
de competência constitucional de gestão e de planejamento urbanos
(art. 30, VIII, cc. art. 182, caput,
CF). Essa delegação do poder de ordenar e controlar o parcelamento,
o uso e a ocupação do solo urbano no interior dos loteamentos é
inconstitucional.
Nem poderia ser objeto de tratamento por lei municipal ou nacional,
pois “Nenhuma
norma infraconstitucional pode subtrair competências que foram
entregues pelo constituinte.”
72
A
Carta Magna, quando quis delegar, assim o fez na hipótese de
concessão ou permissão da prestação e organização dos serviços
públicos de interesse
local, mas com prévia licitação (art. 30, V c.c. 37, XXI). Jamais
pretendeu o Legislador Constituinte delegar o poder (dever) de
ordenar e controlar o solo urbano, uma vez que a
política de desenvolvimento urbano é executada pelo Poder Público
Municipal e visa ordenar as funções sociais da cidade em prol do
bem-estar de seus habitantes
(art. 182, CF).
O
raciocínio dessa impossibilidade de delegação emprestamos do
princípio da separação dos Poderes do art. 2º da Carta Magna e do
artigo 5º e §1º da
Constituição do Estado de São Paulo:
“art.
5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
§
1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições”.
Como
salienta J. J. GOMES CANOTILHO, esse princípio configura forma e
meio de limite de poder, assegurando uma medida jurídica ao poder do
Estado e, portanto, “serve
para garantir e proteger a esfera jurídico-subjetiva dos indivíduos.
O princípio da separação como princípio positivo assegura uma
justa e adequada ordenação de funções do Estado e,
conseqüentemente, intervém como esquema relacional de competências,
tarefas, funções e responsabilidades dos órgãos do Estado. Nesta
perspectiva, separação ou divisão de poderes significa
responsabilidade pelo exercício de um poder”.73
GERALDO
ATALIBA ensina que “o
Texto Supremo deu ao Congresso Nacional o poder-dever de legislar. É
sua obrigação fazê-lo. Não pode exonerar-se nem direta, nem
indiretamente de tal função. É-lhe, peremptoriamente, vedado
delegá-la, salvo explícita autorização constitucional. As
delegações só podem existir, em nosso sistema, com estrita
observância do preceito pertinente da Constituição.”
74
Se
não é permitido a um Poder delegar competência ou função a
outro, não pode o
Município abdicar do monopólio de seu poder-dever de ordenar e
controlar as ações dos particulares na cidade,
e, mais ainda, no interior de loteamentos ou bairros consolidados. É
sua a exclusiva competência ordenar
as funções sociais da cidade em prol do bem-estar de seus
habitantes (art. 30,
VIII c.c. art. 182, CF).
Deste
modo, o Município deve ser compelido a exercer os atos de poder de
polícia (controle), reordenando o uso das áreas públicas internas
dos bairros fechados, e exercer a política das edificações (atos
de gestão e ordenação urbanística e territorial).
POSICIONAMENTO
NA JURISPRUDÊNCIA
Ao
analisar os genuínos casos de condomínios regidos pela Lei
4.591/64, nossos tribunais não têm dado outra interpretação que
não a sua submissão ao referido diploma legal. Assim, já se
reconheceu que onde havia um empreendimento dotado de apenas uma via
de acesso, com cercas divisórias nos seus limites, sem
prolongamentos das ruas internas e sem expresso reconhecimento de que
tais vias seriam de domínio municipal, estar-se-ia diante de um
condomínio fechado.75
Decidiu-se
que no condomínio fechado regulado pela Lei 4.591/64, as partes
comuns são de uso dos condôminos, não sendo lícito à Prefeitura
gravá-las como bem público.76
Noutra
linha de análise, ora sob o aspecto da cobrança
de contribuições
para o custeio dos gastos com os serviços prestados aos
proprietários de lotes nos “loteamentos fechados”, encontramos
certo dissídio entre os julgados.
Aresto
do TJSP, conhecendo de cobrança
de contribuições de
todos os proprietários de lotes, por associação de moradores, para
a cobertura de gastos com a segurança, manutenção, captação,
adução de reservatório e distribuição de água, em loteamento
convencional, deu pela legalidade de referida cobrança, embora
tivesse o relator do acórdão reconhecido expressamente ser
“inconciliável o
loteamento denominado “fechado” com o domínio público de certas
áreas (vias públicas e áreas de lazer), pois o “fechamento”
inviabiliza o uso, pelo público em geral, daquelas áreas, que são,
por expressa definição legal, de uso comum do povo (art. 66, I, do
CC)”.77
Decisão
contrária foi proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
“PROCESSO
SUMÁRIO - Loteamento - Associação de Moradores - Cobrança de
Contribuições - Cuidando-se de simples loteamento, onde inexiste
co-propriedade das denominadas partes comuns, em contraposição à
propriedade individual, como parte inseparável desta última,
inexiste condomínio, juridicamente considerado - Por tais razões
não se aplicam ao caso as disposições da lei nº 4.591/64, por
força do art. 3º do Dec.-lei nº 271/67, não apenas porque
abrogado pela lei nº 6766/79, como ainda por não ser auto-aplicável
tal dispositivo legal, porquanto a regulamentação determinada em
seu parágrafo 1º jamais foi feita. Sendo a autora, ademais, mera
Associação de Moradores, não pode obrigar aos residentes e
proprietários, no loteamento, a ela se filiarem, nem impor-lhes
contribuições, pois não se cuida, no caso, de obrigação “propter
rem”, mas simplesmente pessoal, de quem deseja associar-se ou
manter-se tal. Carência proclamada - Provimento ao recurso.”78
Nessa
mesma linha um acórdão do extinto 1º TACSP versando sobre ação
de cobrança de dívida por síndica e administradora de um
condomínio instituído num loteamento convencional, em face de um
suposto condômino, entendeu pela ilegalidade da instituição do
condomínio e respectiva convenção, por ausentes os requisitos do
Código Civil para o condomínio ordinário, bem como os da Lei de
Condomínio, sendo indevida a cobrança da verba de custeio de
obras.79
O
Superior Tribunal de Justiça, negando provimento a agravo de
instrumento tirado contra decisão que indeferiu recurso especial,
reproduziu ementa de interessante acórdão do tribunal carioca que
versava sobre esse tema:
“COBRANÇA
DE TAXA POR ASSOCIAÇÃO DE PROPRIETÁRIOS DE LOTEAMENTO URBANO.
RECUSA DE PAGAMENTO POR QUEM NÃO QUER SER ASSOCIADO. POSSIBILIDADE.
Inexistindo condomínio em sua configuração jurídica, admite-se
que a associação formada com a instituição do loteamento, possa
cobrar dos adquirentes dos lotes, a contribuição relativa aos
serviços de segurança e conservação de benfeitorias de uso comum,
desde que nas escrituras de aquisição dos imóveis conste a
obrigatoriedade da participação na associação. A adesão ocorre
com o negócio jurídico da compra e venda, condicionado a essa
aceitação. Dessa forma, o adquirente já sabe que tem de suportar
esse ônus, e ao comprar o lote, manifesta a sua vontade
positivamente, no sentido da participação associativa. Mas se o
loteamento já estava de há muito estabelecido, os titulares dos
lotes não podem ser constrangidos ao pagamento da taxa, visto ser
inconstitucional a participação compulsória em associação, ainda
que esta seja destinada a prestar serviços que direta ou
indiretamente os beneficiem. No caso dos autos, os próprios
estatutos prevêem que aqueles que desejem integrar a sociedade,
manifestem a sua vontade, mediante termo de adesão. Inexiste lei
obrigando ao pagamento dessa contribuição, em face da derrogação
do D.L. nº 271/67 pela Lei 6.766/1979, que disciplinou, totalmente,
a matéria relativa aos loteamentos urbanos, não sendo assim
possível invocar o art. 3º do aludido Dec.-lei nº 271/67, o qual
determinava que os loteamentos eram assemelhados aos condomínios,
incidindo a Lei nº 4.591/64, já que o loteador era equiparado ao
incorporador, e os compradores aos condôminos. E, além disso, esse
dispositivo carecia de regulamentação, conforme exigido em seu
parágrafo 1º, e ela nunca foi feita. A associação deve ser
oriunda de manifestação de vontade, não podendo ser obrigatória,
consoante o disposto no inciso XX do art. 5º, da Constituição
Federal.”80
Sob
a ótica do fechamento
de vias públicas de
loteamentos, há certa harmonia nos julgados.
Decisão
trintenária do antigo Tribunal de Alçada de São Paulo negou
segurança em sede de agravo de petição a um loteador da Ilha
Porchat, de uma cidade praiana paulista, que atacava ação da
Prefeitura em promover a retirada de porteira e guarda colocadas à
entrada da ilha, pelo loteador, para evitar o acesso de pessoas
estranhas ao loteamento. Entendeu o Tribunal que o ato da
Municipalidade foi legal, praticado para a salvaguarda de bens de seu
patrimônio adquirido com a aprovação do loteamento.81
A
colocação, por associação de moradores, de portões na rua de um
bairro, fechados a cadeado, e de guarita com vigilantes que paravam
veículos, anotavam placas e indagavam sobre o destino de seus
ocupantes ou de pedestres foi tida como ilegal pelo TJSP. O acórdão
sustentou a prevalência do princípio da reserva legal (inexiste lei
que obrigue qualquer pessoa a se identificar perante vigias
particulares, ou lhes dizer para onde vão), do direito à intimidade
(direito de não revelar seu itinerário nem sua identificação a
particular) e do direito de locomoção (art. 5º, II, X, XV, CF),
defendendo um sistema de vigilância como a guarda
noturna que,
“existente em muitos Municípios, é antiqüíssima e jamais foi
questionada sua licitude. O que não pode a ré é fazer com que seus
vigilantes importunem pessoas ou as impeçam de ingressar no
bairro”.82
Decisão
do TJSP entendeu como legal o ato do Município que restabeleceu o
acesso a uma praia (retirada de obstáculos), no litoral da Cidade de
Guarujá, impedido mediante colocação de cancela e guarita, com
vigilantes, por associação de proprietários de lotes de loteamento
convencional fechado. Acentuou o aresto que “a
postura adotada para preservar a segurança de moradores do
loteamento não pode colidir com os direitos individuais dos demais
cidadãos, além do que é defeso à apelante exercer poder de
polícia para averiguação de pessoas que pretendam adentrar na área
em que se localiza o condomínio”,
como também asseverou o voto vencedor do revisor Desembargador
Godofredo Mauro que “não
se pode tolerar a criação de loteamentos “fechados” que
compreendam praias, com o fito de torná-las privilégios de
poucos”.83
Essa
decisão referenda antigo acórdão do STF que entendeu ser legal o
ato da Prefeitura de Ubatuba na remoção de obstáculos que impediam
o livre acesso à orla marítima, a partir do fechamento de seu
acesso por moradores de loteamento.84
Julgado
do antigo 2º Tribunal de Alçada de São Paulo enfrentou a questão
da formação de associação e sua consequência na caracterização
de falso condomínio:
CONDOMÍNIO
- INEXISTÊNCIA - LOTEAMENTO.
Demonstrado
que o apelante não possui natureza jurídica de condomínio, aberto
ou fechado, mas sim de loteamento, o
mero registro de arremedo de convenção condominial não pode
alterar sua natureza jurídica.
Inexistente o condomínio, as assembléias tem mero caráter de
registro de reuniões civis.
“...
Há nos autos prova provada (fls. 100/108) de que o apelante não
possui natureza jurídica de condomínio, aberto ou fechado, mas sim
de loteamento. (...)
E,
como bem afirmou a r. sentença, o
mero registro de um arremedo de convenção condominial não tem o
poder mágico de transformar um loteamento em condomínio.
As
assembléias, ademais, declarada a inexistência do condomínio, têm
mero caráter de registro de reuniões civis.
Disso resulta, então, que eventuais
contribuições feitas pelos apelados não configuram a existência
de condomínio, mas apenas atos de liberalidade deles.
Diante
do exposto, nego provimento ao recurso.
Apelação
s/ Rev 485.859-00/2 - 6.ª Câmara do 2.° Tribunal de Alçada Civil
de São Paulo - j. 30.07.1997 - Rel. Juiz Carlos Stroppa. (itálicos
nossos)
O
Tribunal de Justiça de São Paulo, em ação direta de
inconstitucionalidade de lei municipal que autorizou o fechamento de
ruas 85,
produziu voto vencedor do Desembargador Flávio Pinheiro com lapidar
ensinamento de
cidadania, enfrentando
as justificativas baseadas na insegurança e na preservação do meio
ambiente:
“Dois
grandes problemas das cidades grandes e de localidades de veraneio,
que são “a segurança” e a “preservação do meio ambiente”
têm levado moradores a se agruparem para se protegerem e impedirem a
deterioração da vegetação, compreendendo a flora e a fauna.
Para
tanto fecham ruas, vias de acesso ao bairro, constroem guaritas,
instalam cancelas e, por
variadas formas, restringem a circulação de “estranhos” dentro
da área que buscam proteger.
Embora
louvável esse interesse de preservação, ocorre que esse
interesse, que é privado, se coloca acima do interesse público, o
que se afigura intolerável.”
“Irrelevante,
portanto, o fato de estarem os moradores ou os municípios imbuídos
de boa fé, do desejo de preservação da integridade física de cada
um e do ambiente.
Esses
interesses perdem significado na medida em que atingem direitos
constitucionais de outros de ir e vir.
Se
todos são iguais perante a lei, como dispõe o art. 5º da
Constituição Federal, não
se pode obstar arbitrariamente o direito de locomoção de tantos com
o argumento de segurança de outros e poucos cidadãos privilegiados.
Pois
a segurança de poucos, nessa situação, importa no sacrifício de
outros, que têm a liberdade restringida.
Será
inconstitucional qualquer proibição de ingresso do cidadão em
determinado bairro, mesmo que se argumente com o direito à
segurança.
Se
o Estado se omite nesse setor, falhando no aspecto da proteção da
integridade física, moral e patrimonial, a solução não está na
restrição da liberdade de locomoção de um cidadão, para garantia
da segurança de outro.
Em
suma, nem ao
particular, nem ao município se concede o direito de criar normas
restritivas de liberdade de locomoção sobre bens de uso comum do
povo.”
No
mesmo sentido, voto de semelhante calibre do Relator Desembargador
Renato Nalini:
AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE –
LEI MUNICIPAL QUE AUTORIZA O FECHAMENTO NORMALIZADO DE RUAS SEM
SAÍDA, VILAS E LOTEAMENTOS SITUADOS EM ÁREAS RESIDENCIAIS,
INCLUSIVE COM ACESSO CONTROLADO - VÍCIO DE INICIATIVA PATENTE -
INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 21 E 30, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
- AÇÃO PROCEDENTE
AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE –
LEI MUNICIPAL QUE AUTORIZA O FECHAMENTO NORMALIZADO DE RUAS SEM
SAÍDA, VILAS E LOTEAMENTOS SITUADOS EM ÁREAS RESIDENCIAIS,
INCLUSIVE COM ACESSO CONTROLADO INADMISSIBILIDADE – NÚCLEO
SEMÂNTICO DO DIREITO À CIDADE QUE NÃO HARMONIZA COM A LEGISLAÇÃO
QUESTIONADA - O DIREITO FUNDAMENTAL À CIDADE NÃO PODE SER
CONFUNDIDO COM INEXISTENTE DIREITO FUNDAMENTAL A SE CRIAR ESPAÇOS
SEGREGADOS NA CIDADE - INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DE
RETROCESSO – PRECEDENTES DOUTRINÁRIOS - AÇÃO PROCEDENTE
(...)
A
cidade é o espaço privilegiado da (re)produção de relações
sociais, da dimensão do trabalho, da cultura, da economia e da
política. É o locus
de permanente
intercâmbio entre as pessoas, a objetivação de inúmeras
subjetividades cuja marca é a diferença. Diferença que não deve
ser razão de discriminação, mas atributo pessoal e íntimo que
deve ser reconhecido nas múltiplas dimensões que o respeito ao
outro exige.
A
cidade, também, é o local onde se depositam a infinidade de
expectativas de desenvolvimento das potencialidades e habilidades
humanas. Onde se objetiva o progresso, a melhoria individual que não
conflita com a evolução coletiva.
É
o espaço no qual se desenvolve a esfera pública, responsável por
tensionar o sistema político a se mobilizar em prol do bem comum.
O
direito à cidade, por consequente, é o direito difuso e coletivo de
toda uma comunidade de usufruir do espaço da cidade. Espaço que
pode ser caracterizado como verdadeiro meio
ambiente urbano, a
fazer incidir, em sua proteção, toda a principiologia
constitucional aplicável ao direito fundamental ao meio ambiente
saudável.
Por
que é importante respeitar, então, o direito à cidade?
Porque
a emergência da desordem nas grandes metrópoles do mundo fez erigir
o direito à cidade como um direito humano fundamental, a merecer,
inclusive,
especial
atenção do legislador constituinte e de organismos multilaterais
internacionais, como a Organização das Nações Unidas, além de
inúmeros documentos, dos quais se destacam ao menos os dois últimos
planos nacionais de Direitos Humanos (PNDHs) do Brasil.
Afinal,
é na cidade em que vive mais de 70% da população brasileira e
mundial. Então, uma cidade agressiva ao cidadão, em que se observam
índices alarmantes de poluição sonora, visual e ambiental, uma
cidade que desrespeita o direito fundamental à moradia digna e
inúmeros outros direitos hierarquicamente análogos, uma cidade que
não preserva seu património histórico e ambiental, enfim, uma
cidade incompatível com o reconhecimento das dimensões da dignidade
da pessoa humana não pode esperar a contrapartida da civilidade do
citadino.
É
nesse contexto de injustiça que a violência urbana, a depredação
do património público, a degradação e o descaso com os imóveis e
o desrespeito aos equipamentos públicos proliferam.
E
como se deve operacionalizar o direito à cidade?
A
partir do paradigma da democracia participativa, garantida pela Ordem
Fundante e ainda longe de ser concretizada. Tal paradigma invoca o
dever de se chamar à discussão todos os envolvidos por
empreendimentos que impliquem em intervenção no espaço urbano, tal
como na elaboração do Plano Diretor.
Questiona-se:
a lei combatida, que evidentemente afeta a todos os munícipes, foi
editada após intenso debate público acerca de sua pertinência? Ou
envolveu apenas o que RAQUEL ROLNIK, brasileira e relatora especial
para o Direito à Moradia Digna da ONU, chama de "os
interlocutores preferenciais, 'clientes' dos planos e leis de
zoneamento, que dominam sua linguagem e simbolização"? (...)
(ADIn
n° 9055901-19.2008.8.26.0000, j. em 04.05.2011, Relator Des. Renato
Nalini)
Estas
decisões, dentre outras86,
ratificam as conclusões sobre a ilicitude dos loteamentos fechados
e, por extensão, do fechamento de vias e espaços públicos de uso
comum do povo.
COBRANÇA
COERCITIVA DO RATEIO DE DESPESAS - INCONSTITUCIONALIDADE – AFRONTA
AO DIREITO DE LIVRE ASSOCIAÇÃO
As
associações formadas a partir da constituição dos loteamentos
fechados, ao fazerem cobrança coercitiva dos moradores -- associados
ou não, e dos associados desistentes – valem-se de expediente que
atenta frontalmente contra a liberdade
de associação, que
tem assento constitucional (art. 5º, XX,CF), e que, portanto,
habilita a atuação do Parquet
para a sua garantia, quer em sede de inquérito civil quer mediante a
propositura de ação civil pública ou de inconstitucionalidade
(art. 127, caput,
e art. 129, CF; Lei 7.347/85).
O
ajuizamento de ação judicial para questionar
a obrigação de pagar contribuições associativas
do gênero, conquanto possa sugerir reflexamente a defesa de direitos
patrimoniais disponíveis (a obrigação é a causa da cobrança das
taxas condominiais),
em verdade visa à tutela do direito
constitucional de livre associação,
função institucional irrenunciável atribuída ao Parquet.
Moradores
são surpreendidos com essa ilegalidade e submetidos a cobranças
coercitivas, inclusive por ações judiciais, demandas essas que -- a
depender do entendimento civilista de julgadores, sem a devida
atenção aos preceitos de direito constitucional incidentes -- podem
acarretar a perda do seu imóvel residencial, a ser penhorado e
leiloado para saldar uma inexistente “dívida
de condomínio”, com
afronta ao direito social à moradia (art. 6º, caput,
CF). Bem por isso, muitos moradores, coagidos pelas cobranças, fazem
acordos.
A
ilegalidade dessa cobrança, assim como do fechamento de ruas e da
delegação de serviços públicos a particulares, sem licitação,
foi reconhecida pelo STF no acórdão da ADIn no
1.706-4/DF, em 09.04.2008, Relator Ministro EROS GRAU, de que
destacamos os seguintes trechos:
“Afronta
a Constituição o preceito que permite que os serviços públicos
sejam prestados por particulares, independentemente de licitação
(artigo 37, XXI, da CF/88). (...)
“Ninguém
é obrigado a associar-se ou a permanecer associado em “condomínios”
que não foram regularmente constituídos.” (…)
“A
administração não poderá impedir o trânsito de pessoas no que
toca aos bens de uso comum.” (...)
“...
se a Administração impede um indivíduo de circular de um lugar
para outro, nisso não lesiona o direito, do indivíduo, de usar a
via pública, mas sim o seu direito de liberdade.” (...)
“...
se a Administração fecha ao tráfego, de modo geral, uma
determinada estrada, impedindo desta maneira o seu uso a um
determinado indivíduo, saímos do momento individual para entrar no
momento corporativo, já que, mais do que interesse individual do
utente, é lesionado o interesse corporativo a que a estrada seja
mantida destinada ao uso comum”
No
Recurso Extraordinário nº 432.106 – RJ (Relator Min. Marco
Aurélio, DJe 04.11.11) o STF apreciou a questão da cobrança das
mensalidades
associativas condominiais:
ASSOCIAÇÃO
DE MORADORES – MENSALIDADE – AUSÊNCIA DE ADESÃO. Por não se
confundir a associação de moradores com o condomínio disciplinado
pela Lei nº 4.591/64, descabe, a pretexto de evitar vantagem sem
causa, impor mensalidade a morador ou a proprietário de imóvel que
a ela não tenha aderido. Considerações sobre o princípio da
legalidade e da autonomia da manifestação de vontade – artigo 5º,
incisos II e XX, da Constituição Federal.
No
mais, atentem para os parâmetros da controvérsia dirimida pela
Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro no julgamento da Apelação Cível nº 2002.001.28930.
O recorrente insurgiu-se contra a obrigação de satisfazer valores
considerado o fato de haver sido criada, no local em que detém o
domínio de dois lotes, a Associação de Moradores Flamboyant –
AMF.
Juízo
e órgão revisor afastaram a procedência da alegação, não
vislumbrando ofensa aos incisos II e XX do artigo 5º da Carta da
República, que foram referidos no acórdão prolatado. O Tribunal
assim o fez a partir da insuficiência do Estado em viabilizar
segurança. Então, firme na premissa segundo a qual o recorrente
seria beneficiário desta, no que implementada pela Associação,
condenou-o a satisfazer mensalidades. É induvidoso, e isto consta do
próprio acórdão, não se tratar, na espécie, de condomínio em
edificações ou incorporações imobiliárias regido pela Lei nº
4.591/64.
Colho
da Constituição Federal que ninguém está compelido a fazer ou a
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Embora o
preceito se refira a obrigação de fazer, a concretude que lhe é
própria apanha, também, obrigação de dar. Esta, ou bem se submete
à manifestação de vontade, ou à previsão em lei.
Mais
do que isso, a título
de evitar o que se apontou como enriquecimento sem causa, esvaziou-se
a regra do inciso XX do artigo 5º do Diploma Maior, a revelar que
ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer
associado. A garantia
constitucional alcança não só a associação sob o ângulo formal
como também tudo que resulte desse fenômeno e, iniludivelmente, a
satisfação de mensalidades ou de outra parcela, seja qual for a
periodicidade, à associação pressupõe a vontade livre e
espontânea do cidadão em associar-se.
No caso, veio o recorrente a ser condenado a pagamento em
contrariedade frontal a sentimento nutrido quanto à Associação e
às obrigações que dela decorreriam.
Conheço e provejo
este extraordinário para julgar improcedente o pedido formulado na
inicial. Inverto os ônus da sucumbência e imponho à Associação,
além da responsabilidade pelas custas, os relativos aos honorários
advocatícios. Por não se poder cogitar de condenação, fixo-os,
atento ao disposto no artigo 20, § 4º, do Código de Processo
Civil, em 20% sobre o valor da causa devidamente corrigido.
LOTEAMENTO FECHADO E O ESTATUTO DA CIDADE
O
Estatuto da Cidade não traz qualquer dispositivo expresso favorável
ou contra a formação de loteamentos fechados. Mas esse diploma
legal, que veio dar concreção ao capítulo da política urbana na
Constituição Federal, contém normas que sinalizam o espírito de
que está imbuído.
A
começar pelo art. 1º, nota-se que o Estatuto da Cidade estabelece
normas de ordem pública
e de interesse social
que regulam o uso da
propriedade urbana em prol do bem coletivo,
do bem-estar dos
cidadãos e do
equilíbrio ambiental.
Portanto,
contrapõe-se ao uso da propriedade urbana (privada ou pública) em
benefício do individualismo, do conforto exclusivo de poucos, da
propriedade só como direito, destituída de sua função social.
A
Lei nº 10.257/01, no seu art. 2º, dispõe sobre as diretrizes
gerais da política de desenvolvimento urbano
de que fala o art. 182, caput,
da Constituição Federal. Estabelecendo um padrão de comportamento
para todos os municípios, na condição de normas
diretoras introduzem
condicionantes ao direito de propriedade, ao direito de parcelar,
usar, edificar e ocupar o solo de qualificação urbana.
Conforme
acentuado por CARLOS ARI SUNDFELD, “essas
diretrizes têm o ‘status’
de normas gerais nacionais, sendo, portanto, vinculativas para todos
os entes da Federação, especialmente os Municípios”.87
A mesma força vinculante das diretrizes é sustentada por ODETE
MEDAUAR. 88
A
partir dessas premissas, é importante notar que o Estatuto da Cidade
elegeu a participação
democrática como
diretriz da política urbana, estando impregnado de dispositivos que
prestigiam o princípio da gestão
democrática da cidade ou
do controle social das
políticas públicas afetas à ordem urbanística
(artigos 2º, II, XIII; 4º, III, “f” e § 3º; 27, § 2º; 33,
VII; 40, §4º; 42, III; 43 a 45; 52, VI).
Vale
dizer que, ainda que se sustente a legalidade dos loteamentos
fechados (que não sustentamos), a população deve ser ouvida sobre
sua implantação, por serem planos ou projetos de desenvolvimento
urbano e por terem efeitos potencialmente negativos sobre o meio
ambiente natural e construído (art. 2º, II e XIII).
Destaque-se
que os loteamentos fechados – além de serem um produto altamente
rentável para as empresas de loteamentos, e um estilo de vida das
classes rica e média ascendente – não são elementos
insignificantes do cenário urbano, mesmo que sejam implantados na
periferia das cidades ou em áreas sem interligação com outros
bairros da urbe.
Como
qualquer loteamento, eles contêm espaços públicos de uso comum do
povo (sistema viário, praças, áreas verdes, áreas
institucionais), mas que são privatizados. Trazem para uma gleba
outrora indivisa, uma comunidade emergente (mais gente) que se
abastece de água, energia elétrica, produz resíduos e utiliza rede
de esgoto, trafega pela cidade com seus veículos, vale dizer, são
mais pessoas que utilizam os mesmos serviços e equipamentos públicos
como os demais munícipes.
Reputamos
necessária a lembrança da diretriz contida no inciso IX, que se
refere à justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do
processo de urbanização.
Nos
loteamentos fechados não há ônus sociais adicionais ao empresário
de loteamento (além de entregar um percentual de áreas públicas ao
Município e de realizar obras, cujos valores, como se sabe, já
estão embutidos nos preços dos lotes, pagos pelos adquirentes...),
nem aos proprietários dos lotes (nada retribuem aos demais munícipes
pela privatização dos espaços públicos). É uma falácia dizer
que o Município não precisa prestar serviços de limpeza e
manutenção das áreas públicas internas (que, na prática,
raramente acontece...), podendo destinar seus recursos para a
prestação de serviços ao resto da população.
Assim,
não basta mais a justificativa de que sua implantação não
atrapalha os que não são proprietários. Deve-se perguntar qual seu
impacto e sua utilidade para a sociedade, qual é sua função social
e ambiental para a cidade, ainda que não estorvem terceiros.
Daí
ser necessária uma revisão dos loteamentos fechados já
implantados, das leis municipais que os prevejam (que são
inconstitucionais sob o enfoque do art. 180, VII, da Constituição
Estadual Paulista), e uma nova postura perante a diretriz do inciso
IX do art. 2º da Lei nº 10.257/01, ao menos para se exigir os ônus,
além dos bônus, consistentes na cobrança de tributos imobiliários
e de serviços urbanos diferenciados e mais expressivos (art. 47), na
alocação das áreas institucionais para fora do empreendimento,
para livre acesso a todos, e na prestação de serviços ou
realização de obras para as comunidades mais carentes, desde que a
contrapartida exprima um equilíbrio
entre, de um lado, o valor da mais-valia
que esses empreendimentos agregam aos empresários do setor e aos
proprietários dos respectivos lotes, e, de outro, a retribuição
social.
CONCLUSÕES
Competindo
ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica e do regime
democrático, assim como a função de zelar pelo efetivo respeito
aos direitos assegurados pela Constituição Federal (artigos 127 e
129, CF); considerando que a implantação de loteamentos fechados
promove a privatização de bens de uso comum do povo (de fruição
ampla, livre, irrestrita e gratuita); considerando que o controle de
acesso é agressivo à liberdade de locomoção (art. 5º, XV,CF);
considerando que a cobrança coercitiva de taxas condominiais ou de
conservação nesses loteamentos promove a violação do direito de
livre associação (art. 5º, XX, CF); considerando que a concessão
de espaços públicos para uso privativo a particulares à míngua de
licitação é ofensiva aos princípios de moralidade e
impessoalidade (art. 37, caput
e XXI, CF); os membros do Ministério Público, valendo-se do
inquérito civil ou da ação civil pública ou de outro expediente,
quer mediante a elaboração e homologação de termo de ajustamento
de conduta quer por intermédio de provimento judicial, devem adotar
as medidas legais para:
1
– garantir a todos a livre, ampla, irrestrita e gratuita fruição
dos bens públicos que compõem os loteamentos fechados;
2
– coibir qualquer tipo de controle de acesso a esses loteamentos, a
qualquer pessoa, mesmo mediante uma simples identificação em sua
entrada;
3-
garantir o direito de livre associação, impedindo que proprietários
e/ou moradores sejam constrangidos ao pagamento de taxas condominiais
ou de quaisquer contribuições de custeio de serviços e obras
prestados pelas entidades associativas ou terceiros por elas
contratados, garantindo aos não associados e/ou aos que foram
coagidos aos respectivos pagamentos, o direito ao ressarcimento de
seus danos;
4
– constatando a existência de diploma legal afeto à matéria,
encaminhar à Procuradoria-Geral de Justiça representações de leis
municipais que disciplinam a formação de loteamentos fechados e/ou
que possibilitam o fechamento de ruas e demais áreas públicas,
mediante concessão, cessão ou contratos e atos afins, visando à
propositura das respectivas ações diretas de inconstitucionalidade,
para o controle concentrado de sua compatibilidade vertical com a
Constituição Estadual.
1”Loteamento
Fechado”, Revista
de Direito Imobiliário, vol. 11, janeiro/junho - 1983, pág. 65 -
grifos nossos
2“O
Loteamento e o Condomínio no Desenvolvimento Urbano Brasileiro”,
in
Boletim Informativo do Departamento de Assistência Jurídica e
Consultiva aos Municípios,
da Secretaria da Justiça do Estado do Rio de Janeiro - nº 40, ano
IV, dezembro/1978 - grifos nossos.
3“Curso
de Direito Administrativo”, Malheiros, 1994, pág. 355.
5
idem, pág. 58.
9HELY
LOPES MEIRELLES - ”Loteamento
Fechado”, RDI, vol.
09, janeiro/junho - 1982, pág.09 - grifos nossos.
12“O
Loteamento e o Condomínio no Desenvolvimento Urbano Brasileiro”,
in
Boletim Informativo do Departamento de Assistência Jurídica e
Consultiva aos Municípios,
da Secretaria da Justiça do Estado do Rio de Janeiro - nº 40, ano
IV, dezembro/1978 - grifos nossos.
17RDI
nº 11, janeiro/junho - 1983, pág. 66 - grifos nossos.
18“Direito
Urbanístico Brasileiro”,
7ª ed., 2012, Malheiros, pág.344; também pela aplicação da Lei
6766/79 aos “loteamentos fechados”, diferenciando-os do
condomínio ordinário e do condomínio especial da Lei 4591/64,
veja BIASI RUGGIERO, “Condomínio
Fechado - Loteamento Burlado”,
in
Revista do Advogado nº 18, junho/1985, págs. 25/30.
20JOSÉ
AFONSO DA SILVA, “Direito
Urbanístico Brasileiro”,
2ª ed., Malheiros, pág. 315 - grifos nossos.
22“Loteamento
em Condomínio”, in
RDP, vol. 68, pág. 318, out./dez. 1983; no
mesmo sentido, aresto
da Apelação nº 315.141, do 1º TACSP, 4ª Câm., v.u., Rel. Juiz
Paulo Henrique, j. em 05/10/83.
23JOSÉ
AFONSO DA SILVA, “Direito
Urbanístico Brasileiro”,
7ª ed., Malheiros, pág. 347; DIÓGENES GASPARINI, “Loteamento
em Condomínio”,
RDP, vol. 68, pág. 319, out./dez. 1983.
24CARVALHO
SANTOS,
"Código Civil
Brasileiro Interpretado", vol. II, 11ª edição, pág. 103;
PONTES DE MIRANDA, "Tratado
de Direito Privado", Parte Geral, vol. II, ed. Borsoi, 1990;
PAULO AFFONSO LEME MACHADO, "Direito
Ambiental Brasileiro", Malheiros Editores, 4ª edição,
pág. 254; HELY
LOPES MEIRELLES "Direito
Administrativo Brasileiro", 20ª edição, Malheiros
Editores, págs. 428/9; CASTRO NUNES, “Da Fazenda Pública em
Juízo”, Livraria Freitas Bastos S.A., 1ª ed., 1950, pág. 524.
25HELY
LOPES MEIRELLES, ob. cit., págs. 429 e 435, respectivamente.
27ob.
cit., pág. 63 - grifos nossos.
30MARIA
SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Uso
Privativo de Bem Público por Particular”,
Revista dos Tribunais, 1983, pág. 20.
31Maria
SYLvia Zanella Di Pietro, ob.
cit., pág. 22 - idem págs. 93 e 104; no
mesmo sentido: CELSO
RIREIRO BASTOS, “Curso
de Direito Administrativo”,
Saraiva, 1994, pág. 311.
34JOSÉ
AFONSO DA SILVA, “Curso
de Direito Constitucional Positivo”,
6ª ed., 1990, Revista dos Tribunais, pág. 562; no mesmo sentido,
HELY LOPES MEIRELLES, “Direito
Administrativo Brasileiro”,
Malheiros, 20ª ed., pág. 135.
35ELVINO
SILVA FILHO, “Loteamento
Fechado e Condomínio Deitado”,
RDI, vol. 14, julho/dezembro - 1984, págs. 07/35; MARCO AURÉLIO S.
VIANA, “Loteamento
Fechado e Loteamento Horizontal”,
1ª ed., AIDE, 1991, pág. 57, apud
RT 706/162 (Apelação Cível nº 11.863/93, 6ª Câm. do TARJ
(Cível), j. 16/11/93, Rel. Juiz Nilson de Castro Dião).
36
Também disciplinado pela Lei de Licitações - Lei 8666/93, art.
17, § 2º.
37Apelação
Cível nº 7.847/96, Rio de Janeiro, 2ª Câm. Cível, j. em
07/01/97, v.u., Rel. Des. Luiz Odilon Gomes Bandeira - grifos
nossos; no mesmo
sentido, parecer do
Juiz Francisco Eduardo Loureiro no Processo C.G. nº 1536/96,
acolhido pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo
(D.O.E. - Poder Judiciário, Caderno I, Parte I, pág. 39, de
27/09/96); ADEMAR FIORANELLI e JERSÉ RODRIGUES DA SILVA, “Das
Incorporações, Especificação, Instituição e Convenção de
Condomínio”, pág.
7 (citado no parecer CG nº 1536/96 acima).
39RICARDO
PEREIRA LIRA, “A
Concessão do Direito Real de Uso”,
RDA, vol. 163 - janeiro/março - 1986, pág. 20; MARIA SYLVIA
ZANELLA DI PIETRO, “Uso
Privativo de Bem Público por Particular”,
RT, 1983, pág. 23; SÉRGIO FERRAZ, “A
Alienação de Bens Públicos na Lei Federal de Licitações”,
RDA, vol. 198, out./dez. - 1994, fls. 54.
40JOSÉ
AFONSO DA SILVA, “Curso
de Direito Constitucional Positivo”,
6ª ed., 1990, Revista dos Tribunais, pág. 212.
41JOSÉ
AFONSO DA SILVA, “Direito
Urbanístico Brasileiro”,
2ª ed., 1995, Malheiros, pág. 184; SÉRGIO FERRAZ, “Revista
da Procuradoria-Geral do Estado - RPGE”,
Rio de Janeiro, 18/9-21, apud
Lúcia Valle Figueiredo,
“Curso de Direito
Administrativo”,
Malheiros, 1994, pág. 351; TOSHIO MUKAI, “Impossibilidade
Jurídica da Desafetação Legal de Bens de Uso Comum do Povo, na
Ausência de Desafetação de Fato”,
RDP, vol. 75, jul./set. 1985, págs. 246/249.
42RICARDO
PEREIRA LIRA, ob. cit., págs. 25 e 29 - grifos nossos
43Decreto-lei
271/67, art.7º,caput::
“...para fins
específicos de urbanização, industrialização, edificação,
cultivo da terra,
ou outra utilização de interesse social”
44”Concessão
Real de Uso - Terras Públicas - Autorização”,
RDA, vol. 150, outubro /dezembro - 1982, pág. 213 - grifos nossos.
46ROBERTO
BARROSO, in
RDA, vol. 194, págs. 54-62, out./dez. 1993 - grifos nossos; no
mesmo sentido,
acórdão do TJRJ, 1ª Câm. Cível, Rel. Desemb. C.A. Menezes
Direito, v.u., j. em 14/09/93, in
RDA, vol. 193, págs. 287-289, jul./set. 1993.
47
Resp 1137710 – PR, Rel. Min. Castro Meira, DJ 21.06.13; Resp
431845-SP, Resp 900873-SP; RE 84.327-SP.
48JOSÉ
AFONSO DA SILVA, “Direito
Urbanístico Brasileiro”,
2ª ed., Malheiros, pág. 316; DIÓGENES GASPARINI, “Loteamento
em Condomínio”,
RDP, vol. 68, pág. 319, out./dez. 1983.
49TJSP,
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 17.067-0, São Paulo, j.
em 26/05/93, v.u., Rel. Des. Bueno
Magano, in
JTJ vol. 150, pág. 272.
50
Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa,
administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica,
atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e
nesta Constituição.
51Ap.
Cível 205.577-1 - Presidende Venceslau - 3ª Câm. Civil
TJSP, Rel. Des. Alfredo Migliore, j. 07/06/94, v.u. in
JTJ/LEX 161/130; Aç. Dir. Inconst. 17.067-0 - São José dos
Campos - Sessão Plenária do TJSP, Rel. Des. Bueno
Magano, j. 26/05/93, v.u. in
JTJ/LEX 150/270; Aç. Dir.
Inconst. 16.500-0 - Quatá - Sessão Plenária do TJSP, Rel. Des.
Renan Lotufo, j. 24/11/93, m.v. in
JTJ/LEX 154/266;
TJRJ, 1ª Câm. Cível,
Rel. Desemb. C.A. Menezes Direito, v.u., j. em 14/09/93, in RDA,
vol. 193, págs. 287-289, jul./set. 1993.
52Apelação
nº 192.179-1/7 - Birigui - 1ª Câm. Civil, Rel. Des. Alexandre
Germano, j. 03/08/93, v.u.; Apelação 201.894-1/8 - Birigui -
6ª Câm. Civil, Rel. Des. Melo Colombi, j. 03/02/94, v.u.; Apelação
223.202-1/2 - Birigui - 1ª Câm. Civil, Rel. Des. Roque
Mesquita, j. 28/03/95, v.u; Apelação nº 270.573-1/3 -
Dracena - 1ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Ruy
Coppola, j. 05/03/96, v.u..
53Ap.
Cível 167.320-1/3, 5ª Câm. Civil TJSP, Rel. Des. Marco César, j.
07/05/92, v.u., in
RT 684/79-80 ou RJTJESP-LEX 138/26.
54"Manual
Teórico e Prático do Parcelamento Urbano",
Editora Forense, 1981, págs. 64/72 - grifos nossos.
55JTJ-LEX
154/266-275 - grifos nossos.
56idem,
pág. 269 - grifos nossos.
57ibidem,
pág. 267.
58"Vocabulário
Jurídico", Editora Forense, Vol. II."INSTITUIÇÃO.
Em sentido estrito, calcado em sua acepção de ato de dispor ou de
ação de estabelecer, exprime ainda o sentido de imposição ou
deliberação de encargos a respeito de certos bens ou de
múnus públicos. Assim se entende a instituição do bem de
família ou a instituição de ônus ou encargos sobre os
imóveis,..." - grifos nossos
59
CINO VITTA, “Diritto
Amministrativo”, 3ª
ed., 1949, vol. I, pág. 215, apud
JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Tratado
do Domínio Público”,
1ª ed. , Forense, 1984, pág. 171.
60José
Afonso da Silva, “Direito
Urbanístico Brasileiro”,
Malheiros, 2ª ed., pág. 195; José
Cretella Júnior,
”Tratado do Domínio
Público”, 1984, 1ª
ed., Forense, pág. 327; TJMG, RDA 69/231.
61JOSÉ
AFONSO DA SILVA, ob. cit., pág. 197; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito
Municipal Brasileiro”, 7ª ed., 1994, Malheiros, pág. 403.
62BIASI
RUGGIERO, “Condomínio Fechado - Loteamento Burlado”, in
Revista do Advogado nº 18, junho/1985, pág. 29; STF, RE 100.467-3,
j. em 24/04/84, DJU de 01/06/84, pág. 8.733; Conselho Superior da
Magistratura de São Paulo, Acórdão nº 17.628-0/2, Bauru, D.O.J.
26/08/93; RT 587/137, 589/141 e 598/265.
63
Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo
assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em
qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de
interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas
por legislação específica. (...) § 1º. Não será permitida a
urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona
Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no “caput”
deste artigo. (...) § 2º. A regulamentação desta lei determinará
as características e as modalidades de acesso que garantam o uso
público das praias e do mar.
64
Art. 285 - Fica assegurado a todos livre e amplo acesso às praias
do litoral paulista. (...) § 1º - Sempre que, de qualquer forma,
for impedido ou dificultado esse acesso, o Ministério Público
tomará imediata providência para a garantia desse direito. (...) §
2º - O Estado poderá utilizar-se da desapropriação para abertura
de acesso a que se refere o “caput”.
66EDUARDO
ESPÍNOLA, “Constituição dos Estados Unidos do Brasil”
(18.9.46), Rio, Freitas Bastos, 1952, vol. 2º, pág. 562, apud
JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso
de Direito Constitucional Positivo”,
6ª ed., 1990, RT, pág. 211.
67JOSÉ
AFONSO DA SILVA, ob. e pág. cit.
68
Tramita na Câmara dos Deputados projeto de lei para alteração do
Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/01) mediante acréscimo do art.
51-A que faculta a concessão, pelo Município, de controle de
acesso e transferência da gestão de áreas e equipamentos públicos
em loteamento a particulares, através de entidade civil de caráter
específico, responsável pela manutenção e custeio.
Não
bastasse a concessão de espaços públicos para uso privativo a
particulares à míngua de licitação ser ofensiva aos princípios
de moralidade e impessoalidade (art. 37, caput
e XXI, Constituição Federal), as áreas e equipamentos públicos
resultantes de loteamento são, desde o registro, bens públicos de
uso comum do povo e, como tais, são fruição ordinária ampla,
livre, irrestrita e gratuita.
Por
isso, não é admitida sua privatização lato
sensu
nem o controle de acesso, medida agressiva à liberdade de
locomoção, como decidiu o Supremo Tribunal Federal (ADI 1.706-DF,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 09-04-2008, v.u.) e que por ter
natureza de ato de polícia administrativa sobre bens públicos de
uso comum do povo é absolutamente indelegável a particulares.
A
proposição não atende ao interesse público nem se afigura
razoável e tende a vilipendiar a liberdade de associação, dada a
perenidade da relação que pretende estabelecer, impeditiva do
direito de não se manter associado.
Face
ao exposto, manifesto-me pela rejeição do projeto de lei. São
Paulo, 11 de agosto de 2014.
69
Considerando,
a decisão do Egrégio Conselho Superior do Ministério Público, no
Protocolado nº 84.781/09, a pedido do Centro de Apoio Operacional
das Promotorias de Justiça Cíveis e de Tutela Coletiva (Áreas de
Habitação e Urbanismo, Consumidor, Patrimônio Público e Cível
Geral) e do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça
Criminais (CAO Crim.), AVISA que o Conselho recomendou “atuação
conjunta de promotores criminais, do consumidor, habitação e
urbanismo; defesa do patrimônio público e fundações, onde
detectada a ocorrência” de cobrança de “taxas condominiais”
ou “taxas de conservação”, em todas as comarcas do Estado, nos
denominados “loteamentos fechados” ou “bolsões residenciais”,
contra vontade expressa de moradores e proprietários não
associados às entidades gestoras ou que delas desejarem
desfiliar-se, violando direito de ir e vir com restrições de
acesso ao interior dos respectivos núcleos habitacionais e
utilização de áreas e bens públicos. Também houve recomendação
de investigação sobre as desafetações de áreas e bens públicos
em favor de associações de moradores, as quais, eventualmente,
podem cometer ilícitos como prática de segurança armada sem
autorização legal, cobranças por meio de ameaças ou
constrangimento ilegal. AVISA, ainda, que na página do Centro de
Apoio, Área de Habitação e Urbanismo, no caminho: material de
apoio/kits/urbanismo/loteamento fechado/fechamento de ruas/bolsões
residenciais; podem ser encontrados modelos de manifestações
ministeriais na área de habitação e urbanismo, decisões
jurisprudenciais afetas ao tema, bem como íntegras dos votos dos
Conselheiros e da decisão daquele egrégio colegiado. Também há
material de apoio na Área do Consumidor, no caminho: Ações Civis
Públicas/Ajuizadas pelo MP/Contratos Imobiliários/Condomínio;
Jurisprudência/Imóveis; Legislação/Habitação.
70Cretella,
“Tratado...”,
1ª ed., Forense, 1984, pág. 328; Maria
Sylvia Zanella Di Pietro,
“Uso Privativo de
Bem Público por Particular”,
RT, 1983, pág. 2.
71
Maria SYLvia Zanella Di
Pietro, “Parcerias na
Administração Pública – Concessão, Permissão, Franquia,
Terceirização, Parceria Público-Privada e outras Formas”,
Atlas, 5ª ed.,2005, pp.
51.
75Apelação
nº 361.642/3, Ribeirão Preto, 1ª Câm. do 1º TACSP, j. em
03/11/86, v.u., Rel. Juiz Celso Bonilha.
76Mand.
de Seg. nº 228 - reexame - Parati, 7ª Câm. Cível do TJRJ, j. em
19/06/79, v.u., Rel. Des. Pinto Coelho - in
Revista de Direito Civil, vol. 17, págs. 236/237, também publicado
na Revista de Direito Imobiliário, vol. 7, págs. 82/83.
77Apelação
Cível nº 256.210.2/9, São Paulo, 14ª Câm. Civil do TJSP, j. em
04/04/95, v.u., Rel. Des. Ruiter Oliva, in
RT 718/133; no mesmo sentido, admitindo a cobrança e a existência
de convenção a respeito da manutenção dos serviços, Apel. Cível
nº 11.863/93, 6ª Câm. do TARJ (Cível), j. 16/11/93, Rel. Juiz
Nilson de Castro Dião, in
RT 706/161.
78Apelação
Cível nº 7.847/96, Rio de Janeiro, 2ª Câm. Cível, j. em
07/01/97, v.u., Rel. Des. Luiz Odilon Gomes Bandeira.
79Apelação
n º 315.141, Jundiaí, 4ª Câm., j. em 05/10/83, v.u., Rel. Juiz
Paulo Henrique.
80Agravo
de Instrumento nº 64.698-0 - Rio de Janeiro - Registro nº
95/00069326, Relator Ministro Fontes de Alencar, j. 17/06/96, Diário
da Justiça de 01/07/96, pág. 24.278.
81Agravo
de petição nº 66.575, São Vicente, 2ª Câm. Civil do Tribunal
de Alçada, j. em 06/04/64, v.u., Rel. Juiz Andrade Junqueira, in
RT 359/425.
82Apelação
Cível nº 190.495-1/4, Capivari, 2ª Câm. Civil do TJSP, j. em
08/06/93, v.u., Rel. Des. Silveira Paulilo.
83Apelação
Cível nº 210.012-1/5, Guarujá, 7ª Câm. Civil de Férias “C”
do TJSP, j. em 29/04/94, v.u., Rel. Des. Rebouças de Carvalho; no
mesmo sentido,
Apelação Cível nº 225.629-1/5, Guarujá, 4ª Câm. Civil do
TJSP, v.u., j. 16/02/95, Rel. Des. Aguilar Cortez.
84
RE 94.253-0, Rel. Ministro Oscar Corrêa, j. 12.11.1982.
85
ADIn
nº 52.027.0/9 - Câmara Municipal de Mairiporã - Relator Fonseca
Tavares – j. 23/08/2000 – TJSP – itálicos
nossos
86CONDOMÍNIO
- Inexistência - Loteamento comum regido pela Lei 6.766/79 -
Convenção Irregularmente instituída e registrada - Cobrança de
despesas condominial - Inadmissibilidade - Ação improcedente (1º
TACivSP - Ement.) RT 589/141
CONDOMÍNIO
- Inexistência de constituição - Cobrança de despesas
condominiais - Loteamento não transformado em condomínio -
Carência da ação (1º TACivSP - Ement.) RT 587/137
CONDOMÍNIO
- Pretendida constituição em rua de acesso de loteamento -
Inadmissibilidade (STF - Ement.) RT 598/265
87
O Estatuto da Cidade e suas diretrizes. Estatuto
da Cidade – Comentários à Lei Federal 10.257/2001,
DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sérgio (coordenadores), Malheiros,
2002, p. 53.
88
MEDAUAR, Odete e MENEZES DE ALMEIDA, Fernando Dias (organizadores).
Estatuto da Cidade -
Comentários, RT, 2ª
ed., 2004, pp. 20-23; “A força vinculante das diretrizes da
política urbana”, Temas
de Direito Urbanístico 4,
co-edição Ministério Público e Imprensa Oficial do Estado, 2005,
pp. 15-23.
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3 comentários:
JUIZES que desempenham a PROFFISSÃO com dignidade não podem aceitar que MILICIANOS atuem nos CONDOMÍNIOS ILEGAIS exercendo funções ILEGAIS de " SEGURANÇA " ENTRETANTO encontramos nas INSTÂNCIAS INFERIORES os que se acham "DEUSES" , pois emitem sentenças maculando o JUDICIÁRIO , ultrapassando os LIMITES CONSTITUCIONAIS e na CONDIÇÃO de DEUSES, ficam impunes. O mais revoltante é que , os estragos éticos , morais e financeiros, destroem famílias, produzem discórdias em que a responsabilidade recai sobre as CANETAS de um cidadão, que não é DEUS,mas conseguiu usar um uniforme específico " A CAPA PRETA". Ezio
Prezado Dr José Carlos de Freitas
Ao tomar conhecimento da Tese de autoria de vossa Senhoria, defendida e aprovada no Congresso de Maio Ambiente e de Habitação e Urbanismo, realizada entre os dias 13 a 15 de Novembro de 20014 na cidade de Águas de São Pedro, não poderia deixar de externar meus parabéns e agradecimentos por tão brilhante feito.
É preciso que homens de sua envergadura e integridade se unam para o bem geral da população. Não podemos continuar com os desrespeito hoje existentes. Tão bem expostos, por Vossa Senhoria ,como as cobranças ilegais dos Falsos Condomínios.
Tenho certeza que o Dr Ivan Carneiro Castanheira, que nos lé em copia também faz parte deste rol.
Sou vitima na Estancia Turística de Tremembé, e espero que nossa promotora local se alie aos demais promotores, e sigam este exemplo.
Atenciosamente
Andre Luiz
Sr. André,
A luta é de todos nós.
Só explorei o espaço do congresso anual do Ministério Público para reforçar a posição institucional que deve ser (re)lembrada pelos membros do MP todos os dias.
Freitas
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