domingo, 19 de agosto de 2018

TJ SP falso "CONDOMÍNIO" VALE DAS FONTES não pode cobrar " Sob qualquer enfoque que se examine a matéria, não existe razão - fática ou jurídica - para a Apelante impor qualquer obrigação pecuniária em desfavor do Apelado, sob pena aí sim de propiciar enriquecimento indevido daquela, em detrimento destes.

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2017.0000688701


PARABENS DES. MOREIRA VIEGAS ( Relator) ,  

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1037219-68.2016.8.26.0002, da Comarca de São Paulo, em que é apelante CONDOMINIO VALE DAS FONTES, é apelado JORGE ALBERTO JESUS DAMACENO. 

ACORDAM, em 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. 

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores A.C.MATHIAS COLTRO (Presidente sem voto), FÁBIO PODESTÁ E FERNANDA GOMES CAMACHO. 

São Paulo, 13 de setembro de 2017. 

Moreira Viegas 
RELATOR 
Assinatura Eletrônica

Apelação nº: 1037219-68.2016.8.26.0002 

Comarca: São Paulo Apelante: 

CONDOMÍNIO VALE DAS FONTES 

Apelado: JORGE ALBERTO JESUS DAMACENO 

AÇÃO DE COBRANÇA - Condomínio atípico Cotas resultantes de despesas em prol da segurança e conservação de área comum - Cobrança de quem não é associado - Impossibilidade - Manifesta afronta ao art. 5º, XXXV, da CF - Precedentes do STJ e STF Sentença mantida - Recurso desprovido.

 VOTO Nº 20.465 Apelação interposta contra a r. sentença de fls. 103/106, relatório adotado, que, em ação de cobrança, julgou improcedente o pedido, condenando o autor às custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios no valor de 20% do valor da causa. 

Alega a apelante, em apertada síntese, que o apelado usufrui dos serviços oferecidos, sendo, portanto, devido o pagamento dos valores reclamados (fls. 113/122). Recurso processado, com resposta (fls. 127/137). Acórdão da 25ª Câmara de Direito Privado a fls. 143/148, não conhecendo o recurso e determinando sua remessa a uma das Câmaras da Seção de Direito Privado I. 

É o relatório. 

Razão não assiste a recorrente.

Ninguém nesse país poderá ser compelido a associar-se ou permanecer associado. 

Essa a regra traçada na Carta Federal de 1988 (CF, 5º XX), 
Na Constituição, ainda vigente, vigora em plenitude absoluta o Princípio da Liberdade, da liberdade perante a lei. 

As associações privadas não têm nenhum poder e nenhum direito de exigir que o particular se associe aos seus quadros e seja compelido a pagar suas contribuições

Repita-se: não existindo lei que imponha a associação do particular a uma entidade privada, carece esta de qualquer direito em face do daquele e, muito menos, de obter qualquer contribuição. 

Certo que, nem mesmo o contrato de aquisição do imóvel, tampouco, o estatuto da associação particular não tem o poder jurídico de criar a adesão tão somente pelo fator objetivo de imóvel do particular se situar dentro da área territorial escolhida aleatoriamente como sendo de sua própria atuação associativa. 

Esta obrigação pecuniária não pode decorrer da condição de proprietário, mas apenas de associado, se neste sentido manifestou sua vontade. 

Normalmente tais associações buscam prestar “serviços”, de natureza essencialmente pública, a determinada localidade residencial, especialmente aqueles destinados a segurança pública.

Contudo, verifica-se que tais “serviços” são próprios do Poder Público ou de qualquer pessoa, seja natural ou jurídica, não se revelando a necessidade e imprescindibilidade de sua prestação. 

A conservação e reparação das áreas públicas, mas indevidamente delimitadas com de sendo de uso comum, devem caber ao Poder Público e à sociedade como um todo e não a um determinado número de residentes da localidade. 

Assim, a obrigação legal do adquirente é para com o condomínio legal (porque as áreas lhe são comuns, integrando a fração ideal de seu imóvel particular) ou para com o Poder Público (em razão da relação tributária). 

Quanto a estas obrigações, o proprietário não pode, válida e legalmente, se afastar, sob pena de ser-lhe exigido judicialmente o seu cumprimento. 

Se, por ventura, o proprietário não associado, vem direta ou indiretamente, a se beneficiar deste ou daquele serviço, tal situação de fato não tem o condão de criar obrigação jurídica, judicialmente exigível. 

Ao resolverem constituir a associação de moradores, seus fundadores certamente tiveram ciência de que muitos não iriam aderir ao projeto, devendo aqueles entusiastas suportar por si o empreendimento. 

Sob qualquer enfoque que se examine a matéria, não existe razão - fática ou jurídica - para a Apelante impor qualquer obrigação pecuniária em desfavor do Apelado, sob pena aí sim de propiciar enriquecimento indevido daquela, em detrimento destes.

 Tais contribuições, mister que se esclareça, carecem de um simples requisito para sua validação: a necessária e voluntária associação. 

A se entender diferente, não estaria longe o dia em que nos veríamos sendo cobrados pela “associação de taxistas do fórum” porque simplesmente mantém ponto próximo propiciando segurança e rapidez. 

Ou deveríamos ainda contribuir para a “associação dos ascensoristas de elevadores da cidade” porque prestam serviço de qualidade ao nos transportar de um andar para o outro. 

Não. 

Apenas no caso de associação voluntária à determinada entidade, pode se estar exigir o pagamento dos encargos sociais do associado. E, no caso, não há qualquer prova no sentido do Apelado ter aderido voluntariamente à associação, de forma a ser compelido a pagar as referidas contribuições. Por certo, não pode o morador de determinada rua, pelo simples fato de residir no local, ser obrigado a associar-se a determinado grupo que, sem legitimidade, dispõe-se a representar os moradores da região. 

A situação é mais ilegal ainda quando a associação pretende prestar serviços que são de responsabilidade do Estado. 

O mesmo enfoque já foi veiculado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, ao dar provimento ao RE 432106-RJ. Na ocasião, salientou o relator, Ministro Marco Aurélio, que o Tribunal de Justiça fluminense reconheceu que a associação não é um condomínio em edificações ou incorporações imobiliárias regido pela Lei nº 4.591/64. 

"Colho da Constituição Federal que ninguém está compelido a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. 

Disse também que esse preceito abrange a obrigação de fazer como obrigação de dar. "Esta, ou bem se submete à manifestação de vontade, ou à previsão em lei".

O Ministro considerou que a regra do inciso XX do artigo 5º da Constituição garante que "ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado". 

"A garantia constitucional alcança não só a associação sob o ângulo formal como também tudo que resulte desse fenômeno e, iniludivelmente, a satisfação de mensalidades ou de outra parcela, seja qual for a periodicidade, à associação pressupõe a vontade livre e espontânea do cidadão em associar-se". 

Não há que se falar em enriquecimento sem causa, na medida em que os benefícios advindos dos serviços prestados pela associação beneficiam a todos os proprietários. Data vênia, tal entendimento parte de premissa equivocada e burla o princípio constitucional da liberdade de associação, nos exatos termos do artigo 5º, inciso XX, da Carta Republicana. 

Esse também o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça. Registrado o resultado do REsp nº 1439163 / SP (recurso julgado, sob o rito dos repetitivos), cuja súmula segue transcrita:

(11/03/2015(15:58hs) Proclamação Final de Julgamento: Preliminarmente, a Seção, por maioria, decidiu manter a afetação como recurso repetitivo, vencidos os Srs. Ministros Moura Ribeiro e Raul Araújo. Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Marco Buzzi divergindo do Sr. Ministro Relator e dando provimento ao recurso especial, a Seção, por maioria, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Marco Buzzi, vencidos os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Moura Ribeiro. 

Para os efeitos do artigo 543-C, do Código de Processo Civil, foi definida a seguinte tese: "As taxas de manutenção criadas por associação de moradores não obrigam os não associados ou os que a elas não anuíram." Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Marco Buzzi. 

Por fim, um registro para reflexão de Vossas Excelências, para um problema futuro que as grandes metrópoles certamente terão que enfrentar: é a tomada de tais associações por motes de delinquentes locais (como já ocorre em diversas associações de favelas), impondo a lei do terror àquele que ousar discordar ou resistir em “contribuir” para os serviços de proteção.

É a volta a épocas passadas em que o particular tinha que pagar para não ser atacado no recanto de seu lar, diante da ausência do Poder Público e do arbítrio do Poder Paralelo.

Tal situação absurda fomenta a conduta ilícita do Estado, que não presta o serviço a que está obrigado constitucionalmente, mas recebe o excessivo tributo, bem como autoriza a cobrança de eventual “contribuição” imposta pelo grupo que se apossou de umas poucas ruas da vizinhança, colocou duas ou três cancelas ilegais nas extremidades e passou a se servir do medo que ela própria fez nascer no morador. 

Não se pode afastar o Direito da realidade social, porquanto é o primeiro que serve à última, e não o contrário. 

Ao invés de privatizar as obrigações do Estado, a Sociedade deve exigir que o Estado cumpra com suas obrigações, para as quais recebe grande parte da riqueza produzida por esta mesma Sociedade. 

Comungando deste mesmo posicionamento, decidiu o Supremo Tribunal Federal, reconhecendo, inclusive, a repercussão geral da matéria: 

DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE COBRANÇA DE TAXAS DE MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO DE ÁREA DE LOTEAMENTO. DISCUSSÃO ACERCA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO. MATÉRIA PASSÍVEL DE REPETIÇÃO EM INÚMEROS PROCESSOS, A REPERCUTIR NA ESFERA DE INTERESSE DE MILHARES DE PESSOAS. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL. (AI 745831 RG, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 20/10/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe- 226 DIVULG 28-11-2011 PUBLIC 29-11-2011 )

Ainda que a questão constitucional tenha enfrentado soluções diversas nos Tribunais de todo o País, não mais se admite, segundo o regime jurídico processual atual (CPC, 543-B) que trata dos recursos repetitivos, conclusão diversa daquela a que chegaram os Tribunais Superiores quanto à inconstitucionalidade de se exigir a afiliação compulsória e o pagamento de quem não se associou voluntariamente. 

Dessa forma, a r. sentença não merece reparos. 

Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso

JOÃO FRANCISCO MOREIRA VIEGAS 

Relator 

acordao transitado em julgado 

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