quarta-feira, 26 de março de 2014

Falsos Condomínios, Loteamentos irregulares, Grilagem de terras publicas : problema grave que assola o Brasil

Anotações sobre os loteamentos irregulares



fonte : JUSBRASIL 

      Um dos problemas mais graves estudados no direito urbanístico e no direito municipal, muitas vezes com reflexo no direito ambiental, é o dos loteamentos irregulares, que proliferam nos grandes centros urbanos, à conta da especulação e da carência de oferta imobiliária e, lamentavelmente, também por força da grilagem de terras públicas.
Com efeito, as conseqüências das obras de implantação de parcelamentos irregulares do solo têm causado, em alguns casos, graves danos ao meio ambiente, dada a execução de todo tipo de terraplanagem e congêneres sem o inafastável e prévio licenciamento ambiental, além da inexistência de condições mínimas sanitárias, o que incentiva o lançamento de detritos sólidos e esgotos nos rios e lagos naturais, sem mencionar a falta de rede de coleta de águas pluviais e o correlato risco de enchentes e desabamentos nesses locais, cujas atividades, em geral, representam prejuízos à fauna, à flora e a toda a biota ali existente, às vezes de forma irreparável.
Em meio a esse torvelinho de irregularidades, sob a ótica urbanística e ambiental, surgem as controvérsias pelo fato de os adquirentes dos lotes desses parcelamentos clandestinos exigirem do Município ou do Distrito Federal a regularização do empreendimento ilícito, haja vista que os compradores desses lotes, em vez de buscar o ressarcimento dos prejuízos junto ao loteador que lhes vendeu as parcelas, pressionam o Poder Público e o demandam em juízo para resolver situações de fato tormentosas.
A questão não é desconhecida da doutrina, como verbera o professor José Afonso da Silva (1):
"Esses loteamentos (sentido amplo) ilegais são de duas espécies: a) os clandestinos, que são aqueles que não foram aprovados pela prefeitura municipal... o loteamento clandestino constitui, ainda, uma das pragas mais daninhas do urbanismo brasileiro. loteadores parcelam terrenos de que, não raro, não têm título de domínio, por isso não conseguem a aprovação de plano, quando se dignam apresentá-lo à prefeitura, pois, o comum é que sequer se preocupem com essa providência, que é onerosa, inclusive porque demanda a transferência de áreas de logradouros públicos e outras ao domínio público. Feito o loteamento, nessas condições, põem-se os lotes à venda, geralmente para pessoas de rendas modestas, que, de uma hora para outra, perdem seu terreno e a casa que nele ergueram, também clandestinamente, porque não tinham documentos que lhes permitissem obter a competente licença para edificar no lote".
Na verdade, o loteamento tem implicações sobre o bem-estar da coletividade em geral e não pode ser conceituado como simples exercício do proprietário do solo em dividir a sua propriedade em várias parcelas, com o inequívoco fito de lucro, como se não repercutisse sobre o plano urbanístico do território do Município ou do Distrito Federal. É essa a lição de José Osório de Azevedo Júnior, citado pelo jurista e mestre em direito ambiental, o emérito Paulo Affonso Leme Machado (2):
"O loteamento não pode e não deve ser entendido apenas como um acontecimento jurídico pelo qual se fraciona a propriedade e se criam direitos decorrentes dos contratos bilaterais entre o loteador e o adquirente do lote. O loteamento é um fato da mais alta relevância na vida das comunidades e deve ser tratado como um todo, isto é, deve ter um ordenamento jurídico tal que atenda às exigências urbanísticas ou rurais da região, da segurança aos compradores e da atividade lucrativa do proprietário ".
          O que é, afinal, o parcelamento do solo? É a atividade do proprietário que subdivide uma gleba de terra em parcelas menores, transformando a gleba original parcelada em lotes novos. Parcelamento é gênero de que são espécies o loteamento e o desmembramento.
A própria Lei Federal nº. 6.766/79 (Parcelamento do Solo Urbano) conceitua as duas figuras. Dispõe o § 1º. do art. 2º. da Lei Federal no. 6.766/79 (Lei do Parcelamento do Solo para fins urbanos):
Dispõe o art. 2º. da Lei Federal nº 6.766/79 (Lei do Parcelamento do Solo para fins urbanos):
"Art. 2º O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e das legislações estaduais e municipais pertinentes.
§ 1º Considera-se loteamento a subdivisão da gleba em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes ".
§ 2º Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aporveitamento do sistema viário existente, desde que não implique a abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes".
Registre-se que a União tem competência para editar normais gerais, enquanto os Estados e Municípios podem estabelecer suas regras, desde que não conflitem com as disposições gerais de lei federal, haja vista tratar-se de competência concorrente sobre direito urbanístico (art. 24, I e §§ 1º a 4º, Constituição Federal de 1988).
A diferença básica entre loteamento e desmembramento é que, no primeiro, abrem-se novas vias e logradouros públicos, enquanto no segundo não. No presente artigo, contudo, ater-se-á à figura dos loteamentos, particularmente os irregulares.
O interessado em promover um loteamento do solo urbano deve, desde que não sujeito o terreno a ser parcelado às restrições impeditivas dos incisos I a V do art. 3º da Lei 6.766/79, apresentar projeto à Prefeitura Municipal ou ao Distrito Federal, com a obediência dos requisitos dos artigos 4º, 5º e 6º da Lei do Parcelamento do Solo Urbano.
O projeto será aprovado pelo Distrito Federal ou Município (art. 12, Lei 6.766/79) e pelos Estados nos casos excepcionais previstos nos incisos I a III do art. 13 da Lei 6.766/79.
É requisito básico que o parcelador ou loteador, evidentemente, seja o proprietário da gleba original, pois a ninguém é dado parcelar solo de propriedade alheia . Outra consideração relevante é que, ainda que nominado "condomínio" ou "rural", se a atividade se enquadrar na previsão legal alusiva ao loteamento, deste será a natureza jurídica do empreendimento.
Note-se que o instituto de direito civil denominado condomínio pressupõe uma co-propriedade dividida em frações ideais, mas, quando efetivamente dividida uma gleba em lotes fisicamente individualizados, objeto de propriedade individual exclusiva e distinta, resta prejudicado o rótulo de propriedade condominial. Como abertas novas vias dentro da gleba original, parcelada a gleba em lotes perfeitamente definidos e fisicamente individualizados, objeto de domínio exclusivo pelo adquirente do lote, está-se falando de uma modalidade de parcelamento do solo denominadaloteamento, por força de expressa disposição legal (art. 2º., § 1º., Lei Federal nº. 6.766/79).
O loteamento não é rural, ainda que assim denominado, se não se destina à exploração agrícola, agro-pastoril ou extrativista mineral. Se se volta à ocupação nitidamente urbana, reger-se-á pelos ditames da Lei 6.766/79. O título "Condomínio Rural "geralmente é empregado pelo loteador com o propósito de evadir-se às exigências da Lei nº. 6.766/79, quando encobre nítida finalidade urbana.
Podem-se resumir as providências necessárias para a regularização ou a implantação legal de um loteamento urbano, conforme as exigências da Lei Federal nº. 6.766/79: o loteador deve submeter o projeto do parcelamento à prévia aprovação do Distrito Federal ou Município, obter o licenciamento ambiental, se o caso, e, depois de aprovado, promover o registro do loteamento no Cartório do Registro de Imóveis, quando, e somente a partir desse momento, poderão ser alienados os lotes a terceiros, como segue dos seguintes preceitos:
Reza o artigo 12 da Lei nº. 6.766/79 (Lei de Parcelamento do Solo): "O projeto de loteamento e desmembramento deverá ser aprovado pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal...".
Dispõe o artigo 18 do mesmo estatuto: "Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo a registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta dias), sob pena de caducidade da aprovação...".
Já o artigo 37 do mesmo diploma legal assevera: "É vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado ".
Prevê ainda o art. 50, I, da Lei Federal nº. 6.766/79:
"art. 50 - Constitui crime contra a Administração Pública: I - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios ".
Ainda, reza o art. 52 da Lei no. 6.766/79:
          "art. 52 - Registrar loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes, registrar o compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão de direitos, ou efetuar registro de contrato de compra e venda de loteamento ou desmembramento não registrado.
Pena: detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis ".
No mesmo compasso, o artigo 167, I, 19, da Lei no.6.015, de 31.12.73 (Registros Públicos), dispõe: "No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos... I - o registro ... 19) dos loteamentos urbanos e rurais".
Interessante ponderar equívoco que normalmente é cometido e lesa os interesses dos consumidores adquirentes dos lotes. O loteador ou um terceiro comprador das frações apresenta a escritura do registro de imóveis em que figura a gleba ou área original, objeto de parcelamento. Assim, o terreno que foi loteado é apresentado como regular.
Para a celebração da compra e venda dos lotes, todavia, o loteador lavra escritura pública junto a Cartório de Ofícios e Notas, declarando transferir os direitos de lote da gleba original. O comprador desavisado é enganado neste momento.
É que o loteador está a vender, de regra, frações de loteamento sem registro no cartório de imóveis, ainda não aprovado pelo Distrito Federal ou Município, às vezes mesmo área pública, a conhecida e criminosa grilagem de terras.
Esclareça-se: o loteamento é o resultado da subdivisão do terreno original, formando-se lotes. Antes de o projeto de loteamento aprovado ser registrado no cartório de imóveis, só existe, no plano jurídico, a própria gleba original não parcelada. Quando registrado o próprio loteamento, a área originária loteada deixa de existir para, em seu lugar, no registro de imóveis, constarem o parcelamento e os seus respectivos lotes.
Assim, se se cuidasse de um loteamento regular, com registro no cartório de imóveis, o loteador venderia os lotes junto ao cartório imobiliário competente, e não o de ofício de notas.
A lei exige, para efeito de regularização, o registro imobiliário do projeto do loteamento como um todo e não em suas frações, mesmo assim somente depois de aprovado pelo Distrito Federal ou Município. Antes do registro global do projeto de parcelamento aprovado (não da gleba de terra original) junto ao Registro de Imóveis, o loteamento é considerado juridicamente irregular. Todo loteamento, para efeito de regularização, deve ser levado a registro no cartório de registro de imóveis, após a aprovação do projeto pelo Distrito Federal, porquanto o registro imobiliário é condição sine qua non da regularidade de todo loteamento, seja urbano ou rural.
A Segunda Turma Criminal do egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal, no julgamento da Apelação Criminal no. 15.108/95 - DF, ocorrido em 29 de junho de 1995 (publicado no Diário da Justiça de 06.09.95, na Seção 3, pág. 12.643), pela nobre relatoria do Desembargador CARLOS AUGUSTO PINGRET, foi considerado crime o ato de parcelamento de solo rural, sito em área de proteção ambiental, sem prévio registro do desmembramento ou loteamento como um todo no registro de imóveis e sem a autorização do Distrito Federal, cuja ementa merece ser transcrita:
          "Constitui-se em crime contra a Administração Pública o desmembramento de gleba rural, localizada em área de proteção ambiental, sem prévio registro no cartório de imóveis e sem autorização do órgão governamental competente ".
Quando não aprovado pelo Distrito Federal ou Município, sem registro do parcelamento como um todo no Cartório do Registro de Imóveis, o loteamento é considerado ilegal e clandestino e os seus lotes não poderão ser vendidos, a teor do disposto no art. 37 da Lei nº. 6.766/79.
A prova da propriedade do lote não poderá ser feita por meio de instrumento particular de contrato de compra e venda ou mesmo escritura lavrada no Cartório do Registro de Notas, porque insuscetíveis de transferir o domínio. A titularidade do domínio sobre imóvel depende de escritura pública e mesmo assim registrada em Cartório do Registro de Imóveis, único competente para a transferência da propriedade imóvel segundo o Direito Brasileiro.
Preceitua o artigo 530, I, do Código Civil Brasileiro em vigor:
          "art. 530. Adquire-se a propriedade imóvel... I - Pela transcrição do título de transferência no registro de imóvel ".
No caso do Distrito Federal, a existência legal de um loteamento depende da observância dos seguintes requisitos de lei: o loteador deve apresentar ao Distrito Federal, para aprovação, um projeto urbanístico do parcelamento, devidamente acompanhado de prova de domínio da gleba a ser parcelada e outros documentos (art. 12, Lei Federal nº. 6.766/79); deve requerer o licenciamento ambiental do projeto de parcelamento e apresentar Estudo e Relatório de Impacto Ambiental - EIA/RIMA (§ 1º., art. 289, Lei Orgânica do Distrito Federal, art. 225, § 1º., IV, Constituição Federal de 1988). Se aprovado o projeto urbanístico do loteamento pelo Distrito Federal, depois de obtido o licenciamento ambiental, deverá o loteador promover o registro do loteamento no competente Cartório de Registro de Imóveis (art. 3º., XIV, Lei Distrital no. 992, de 28 de dezembro de 1995; art. 18, Lei Federal n. 6.766/79; art. 167, I, 19, Lei Federal no. 6.015/13 - Lei dos Registros Públicos)
Se o loteamento nem mesmo projeto urbanístico aprovado pelo Distrito Federal ou Município possui, também não tem registro no Cartório de Registro de Imóveis, o que torna a venda dos lotes e os contratos particulares respectivos ilegais e, portanto, nulos de pleno direito. De fato, se o loteamento não foi aprovado pelo Poder Público, nem apresenta licenciamento ambiental, nem tão-pouco dispõe do indispensável registro no Cartório de Registro de Imóveis, o empreendimento não tem existência de direito, é ilegal e clandestino. Se o principal (o loteamento) não goza de existência à luz da ordem jurídica, o acessório (os lotes resultantes da subdivisão da gleba original e do loteamento) resta eivado do mesmo vício de ilegalidade.
Os contratos particulares de compra e venda dos lotes ou frações ideais, bem como todos os demais negócios de alienação das parcelas de um loteamento ilegal, são nulos de pleno direito, por contrariedade aos artigos 82, 145, II e III, e 530, I, do Código Civil em vigor. Com efeito dispõem os preceitos legais:
          "Art. 82. A validade do ato jurídico requer agente capaz (art. 145, n. I), objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (art. 129, 130 e 145) ".
"Art. 145. É nulo o ato jurídico: II - quando for ilícito, ou impossível, o seu objeto; III - quando não revestir a forma prescrita em lei ".
Art. 530. Adquire-se a propriedade imóvel: I - pela transcrição do título de transferência no registro do imóvel ".
          A lei proíbe a venda de lotes de loteamento sem registro no Cartório de Registro de Imóveis (art. 37, Lei Federal no. 6.766/79). Os negócios jurídicos de compra e venda de frações ideais ou lotes do loteamento Privé Lago Norte I e II, portanto, porque celebrados expressamente contra vedação legal, são atos jurídicos nulos, porque possuem objeto ilícito (art. 145, II, Código Civil). Como se cuida da compra e venda de imóveis, a lei prescreve forma especial: o contrato deve ser mediante instrumento público e a propriedade imóvel somente se transmite por meio de transcrição do título de transferência no cartório de registro de imóveis (art. 530, I, Código Civil). Como os contratos geralmente são celebrados por instrumento particular e como não operada a transcrição do título no cartório de registro de imóveis competente, os atos jurídicos são nulos também porque não revestem a forma prescrita em lei (art. 145, III, Código Civil).
O ponto é: o direito federal pátrio não permite a venda de lotes de loteamento não registrado no Cartório de Registro de Imóveis. Todo loteamento, seja com finalidade urbana ou rural, somente passa a existir no mundo jurídico depois de registrado e inscrito no Cartório de Registro de Imóveis competente, porquanto o registro imobiliário é condição sine qua non da própria existência legal de qualquer loteamento. Antes do registro do próprio loteamento no Cartório de Imóveis, o empreendimento ainda não é reconhecido pela ordem jurídica.
Ora, se o loteamento (principal) não existe no plano jurídico, os lotes dele resultantes (acessório), ipso facto, também não gozam de existência legal. Se os lotes ou parcelas não existem no mundo jurídico, como poderiam ser objeto de compra e venda? Ademais, se os lotes, assim como o loteamento do qual se originaram, não têm registro no Cartório de Registro de Imóveis, como seria possível admitir a respectiva alienação, desde que a propriedade imóvel somente se transfere por meio da transcrição do título no cartório imobiliário, nos termos do art. 530, I, do Código Civil? Não se pode tolerar a venda daquilo que não existe.
Lecionando sobre os loteamentos com finalidade rural, o eminente juiz de direito do Estado do Rio de Janeiro e estudioso do direito agrário, Dr. ARNALDO RIZZARDO, aduz (3):
"Proibida a venda de lotes sem a aprovação pelo INCRA e o registro imobiliário do loteamento...
Efetuado o registro do loteamento, a lei confere ao imóvel o estado de propriedade loteada. Faculta-se ao loteador publicar anúncios e outros meios de propaganda de venda dos lotes a prestações, mencionando sempre o número e a data do registro imobiliário ").
No mesmo diapasão, acentua o também professor de direito agrário e nobre juiz de direito do Estado de São Paulo, Dr. Álvaro Erix Ferreira, em lição sobre os loteamentos rurais (4):
"Já se falou que é a inscrição no registro de imóveis que produz a juridicização do loteamento. Cabe transcrever aqui a lição nesse sentido do renomado Pontes de Miranda: ‘ juridicamente, o loteamento somente começa de existir, para todos os efeitos, isto é, completa e perfeitamente, depois - no instante imediato - da inscrição; com o registro, cessa a unidade anterior do terreno loteado; em vez dele, exsurge, no plano jurídico, a pluralidade de terrenos (lotes) ... ‘ (em Tratado de Direito Privado, Parte Especial, t. XIII, Ed. Borsoi, Rio de Janeiro, 1971, p. 21) ...
... Serpa Lopes mais adiante reitera: ‘ sem a inscrição, nenhuma operação de venda de lotes de terrenos a prestação pode ter lugar e a escritura que se fizer, com preterição dessa formalidade legal, não pode ser transcrita ‘ ".
Então, vê-se que é pacífico, não somente no direito positivo mas também na doutrina, que não se pode, até mesmo por lógica, vender lotes de um loteamento não registrado no Cartório de Registro de Imóveis, justamente porque, in casu, como é a inscrição que dá existência no mundo jurídico ao loteamento (principal), o loteamento, por não estar registrado no Cartório de Registro de Imóveis, não existe no plano jurídico. Conseqüentemente, se o principal (o loteamento) não tem existência legal, como poderia ser vendido o acessório (os lotes), que também não existe para o universo jurídico? Ora, se o direito não reconhece a validade do próprio loteamento enquanto não registrado, como admitir, por provimento judicial declaratório, que os lotes dele originários poderiam ser vendidos?! Accessio cedit principale.
Não é à-toa que o art. 37 da Lei Federal no. 6.766, de 19.12.1979 dispõe: "é vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado ". Não pode ser vendida uma parcela ou parte (lote) de um empreendimento (loteamento) que não existe, pois só tem existência perante o direito a partir do registro do projeto de loteamento no Cartório de Registro de Imóveis. Admitir o contrário significa, por absurdo, o mesmo que se permitir que sejam vendidos apartamentos de um condomínio em propriedade horizontal, sem que o empreendimento nem esteja registrado no cartório imobiliário competente, o que, a propósito, também é proibido pela Lei Federal no. 4.591, de 16.12.1964, em seu art. 32, caput e alíneas de ‘ a ‘ até ‘ p ’ e § § 1º. a 12, sob o mesmo fundamento.
Pois bem: um lote que integre um loteamento não registrado no Cartório de Registro de Imóveis não pode ser alienado porque inexistente para o direito. Daí o motivo de a regra da proibição de venda de lotes de loteamento urbano não registrado no cartório imobiliário (art. 37 da Lei Federal no. 6.766/79) e da venda de unidades de incorporação imobiliária também sem registro imobiliário (art. 32 da Lei Federal no. 4.591/64) aplicar-se, por igual fundamento, no tocante à venda de lotes de loteamento rural não registrado no Cartório de Imóveis (art. 167, I, 19, Lei Federal no. 6.015/73; art. 89 do Decreto Federal no. 59.428, de 27.10.1966; item 4.7.2 da Instrução Normativa - INCRA no. 17.b., de 9.12.1980; art. 61, caput, da Lei Federal no. 4.504/64).
Parece não socorrer o loteador,a inovação do direito de usar, gozar e dispor enquanto faculdades inerente ao direito de propriedade. A tese individualista de interpretação do direito de propriedade, segundo a qual se defendia ao proprietário as faculdades de usar, gozar e dispor da coisa como lhe aprouvesse, foi concepção em vigor no século XVIII, mas atualmente se mostra de todo repelida pelo ordenamento jurídico das nações civilizadas, que elegeram a propriedade em função social.
De fato, o inciso XXII do artigo 5º. da Constituição Federal de 1988 dispõe que: "é garantido o direito de propriedade ". Mas o inciso XXIII do mesmo artigo da Lei Fundamental reza que: "a propriedade atenderá a sua função social ".
Comenta, com o brilho costumaz, o emérito constitucionalista JOSÉ AFONSO DA SILVA (5):
" ... Demais, o caráter absoluto do direito de propriedade, na concepção da Declaração dos Direitos do homem e do Cidadão de 1789, ... foi sendo superado pela evolução, desde a aplicação da teoria do abuso de poder, do sistema de limitações negativas e depois também de imposições positivas, deveres e ônus, até chegar-se à concepção da propriedade como função social...
... Pois, em verdade, o regime jurídico da propriedade tem seu fundamento na Constituição. Esta garante o direito de propriedade, desde que ela atenda a sua função social (art.5º., XXII e XXIII)...
... Essa dicotomia fica superada com a concepção de que o princípio da função social (Constituição Federal, art. 5º. , XXIII) é um elemento do regime jurídico da propriedade, é, pois, princípio ordenador da propriedade privada, incide no conteúdo do direito de propriedade, impõe-lhe novo conceito... A função social, assinala Pedro Escribano Collado, ‘ introduziu, na esfera interna do direito de propriedade, um interesse que pode não coincidir com o do proprietário e que, em todo caso, é estranho ao mesmo’, constitui um princípio ordenador da propriedade privada e fundamento da atribuição desse direito, de seu reconhecimento e da sua garantia mesma, incidindo sobre o seu próprio conteúdo ".
No mesmo compasso, leciona o saudoso professor HELY LOPES MEIRELLES (6):
          "Tais limitações constituem legítimo condicionamento do direito de propriedade, e especialmente do de construir, aos superiores interesses da coletividade, expressos nos regulamentos administrativos a que alude o artigo 572 do Código Civil...
... Superado o conceito absolutista do direito de propriedade - jus utendi, fruendi et abutendi -, que teve o seu apogeu no individualismo do século XVIII, o domínio particular se vem socializando ao encontro da afirmativa de Léon Duguit, de que ‘ a propriedade não é mais o direito subjetivo do proprietário; é a função social do detentor de riqueza ‘. Com essa característica contemporânea, já não se admite o exercício anti-social do direito de propriedade, nem se tolera o uso anormal do direito de construir ".
A atividade de lotear ou desmembrar a sua gleba original não isenta o proprietário do dever de observância das normas legais e regulamentares disciplinadoras do parcelamento do solo, tanto para fins urbanos como rurais, haja vista que o Distrito Federal e os Municípios não estão, sob hipótese alguma, a negar o exercício do direito de propriedade, mas conformando-o aos interesses do bem-estar coletivo e da sua função social, em consonância com a lei e com o bom direito.
A constituição de loteamentos ilegais e clandestinos configura mau exercício do direito de propriedade privada, haja vista que a divisão de uma gleba original em diversas parcelas, com vistas à formação de lotes, atividade reputada como parcelamento do solo, determina adensamento populacional, despesas para o Poder Público com a instalação de equipamentos urbanos (serviços de utilidade pública, como luz, telefonia, esgotamento sanitário e congêneres), além de inevitável impacto ao meio ambiente.
É evidente que atividade de tamanha repercussão urbanística e ambiental, como é o caso do parcelamento do solo, não pode ser exercida à revelia de qualquer controle do Poder Público, mas, ao contrário, sobre ela incidem, por força de lei, diversas limitações administrativas, além da imperatividade da aprovação dos projetos de loteamento ou desmembramento pelo Município ou Distrito Federal.
          O fato é que, conquanto titulares do domínio sobre a gleba original, não assiste aos proprietários o direito de parcelar o solo rural ou urbano, sem que antes promovam a regularização do loteamento como um todo, colhendo a aprovação do Distrito Federal, sobretudo no que tange à tutela do meio ambiente e urbanística, além de providenciar o registro imobiliário da modalidade de parcelamento do solo, exigível por força de lei. Antes disso, fica terminantemente proibido o registro dos lotes ou parcelas junto aos Cartórios do Registro de Imóveis
O tema do parcelamento do solo já refoge da classificação de mero exercício do direito de propriedade, mas, ao contrário, a questão insere-se, hoje, nos lindes do direito urbanístico e na perspectiva da função social da propriedade, desde o advento das Leis Federais 4.504/64 e 6.766/79, ainda mais em se tratando de loteamentos irregulares, , porquanto o intento de lucro individual sobrepuja, egoísticamente, toda e qualquer perspectiva de ordenação da atividade de urbanização no Distrito Federal, causando gravíssimos problemas sociais e urbanos, notadamente porque, depois de alienadas as parcelas da divisão da gleba original irregularmente loteada, fica ao Estado o dever de, depois de atendidos os requisitos legais e regulamentares, instalar equipamentos públicos e infra-estrutura nos loteamentos, dos quais resultam, com freqüência, danos irreversíveis ao meio ambiente, devido à localização destes em unidades de conservação ambiental, a par da inexistência de sistema de esgotamento sanitário e de coleta de águas pluviais, de que resulta a eleição de lagos e rios para despejo de esgotos e efluentes.
Ainda que se admita tratar-se, de fato, de parcelamentos de fins rurais e que, no seu desenvolvimento, não sofrerão distorções tendentes à implantação de loteamentos urbanos (o que se tem verificado com enorme freqüência), constata-se que os proprietários se julgam no suposto direito de alienar as suas parcelas a terceiros, de construír as edificações que bem lhes aprouver nos seus lotes (independentemente de autorização edilícia da Administração), de receberem todas as regalias do Estado mediante a prestação de serviços de utilidade pública, à revelia das vedações da normas legais e regulamentares, federais e distritais. Não lhes interessam, por igual, as danosas repercussões causadas ao meio ambiente. Consideram-se, assim, no direito de sobrepor-se às exigências da lei e dos regulamentos, instaurando uma pretensa supremacia do interesse privado sobre o interesse público, em frontal violação da perspectiva vigente no ordenamento jurídico pátrio.
A questão urbanística (na qual se inclui a figura do parcelamento do solo urbano ou rural) alçou-se em nível de previsão constitucional, dada a relevância da matéria para o bem-estar de toda a coletividade, haja vista o célere crescimento dos aglomerados urbanos, o que impôs foros de excepcional interesse público ao ordenamento urbanístico, mormente em razão do imperativo de se regulamentar a ocupação do solo urbano e rural.
Tanto assim que o artigo 30, inciso VIII, da Lei Suprema de 1988 preceitua que: "Compete aos Municípios ... VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano ". Competência extensiva ao Distrito Federal por força do dispositivo do artigo 32, parágrafo primeiro, da Lei Fundamental.
É dever do Poder Público ordenar a ocupação, o uso e o parcelamento do solo urbano e rural do seu território, no superior interesse de preservação do meio ambiente, das florestas, da fauna, da flora e dos bens que compõem o patrimônio histórico, estético, turístico, paisagístico e cultural, cuja defesa incumbe à Administração por missão constitucional e para cujo cumprimento o Estado exerce o seu legítimo e legal poder de polícia.
Essas as anotações que pareceram oportunas se consignasse acerca do extenso tema.

NOTAS

(1) Direito Urbanístico Brasileiro, Malheiros Editores, 2ª. ed., SP, 1995, p. 307.
(2) Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros Editores, 5ª. ed., SP, 1995, p..258.
(3) O Uso da Terra no Direito Agrário, editora Aide, 2ª. ed., 1983, págs. 75 e 155/156
(4) "Configuração dos Loteamentos Urbanos e Rurais", in Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, no. 28, vol. 8, págs. 114 e 129, abril/junho de 1984
(5) Direito Urbanístico Brasileiro, Malheiros Editores, 2ª. edição, SP, 1995, págs. 62, 63 e
(6) Direito de Construir, Malheiros Editores, 7ª. edição, SP, 1996, pág.24

Autor

  • Antonio Carlos Alencar Carvalho

    Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).


Leia mais: http://jus.com.br/artigos/583/anotacoes-sobre-os-loteamentos-irregulares#ixzz2x7Du9zTa

PREFEITO DE VINHEDO RENUNCIA : Escândalo dos loteamentos ( falsos condomínios ) é chave para entendimento

Vereador pelo PSOL , Rodrigo Paixão analisa renuncia do Prefeito MILTON SERAFIM 
VINHEDO - SÃO PAULO 
 "Existem diversos processos, ações civis públicas, inquéritos e investigações em andamento contra o atual prefeito. 
No entanto, os processos (cível e criminal) relativos ao escândalo dos loteamentos são chaves para entendermos as razões da renúncia 
que não foi negociada com seu grupo político." Rodrigo Paixão

VINHEDO : 14 questões que precisam de respostas.

Fato 4 - Esquema de cobrança de Propina na aprovação de loteamentos e sumiço de documentos públicos
Durante os oito primeiros anos de mandato – de 1997 a 2004 – o prefeito foi acusado pelo Ministério Público de exigir propina para a aprovação de loteamentos; já houve condenação civil, mas a parte criminal ainda está no Tribunal de Justiça. O MP tem inquéritos abertos relativos à regularização de loteamentos, mas houve sumiço.

Reflexões sobre a renúncia do prefeito de Vinhedo – Parte I
fonte : Blog do Rodrigo Paixão* 

O problema jurídico.
Conforme havia me comprometido, começo hoje a escrever algumas breves reflexões sobre a renúncia repentina que será concretizada pelo prefeito de Vinhedo, Milton Serafim. A decisão já foi comunicada e a transmissão de cargo ao vice, Jaime Cruz, ocorrerá no próximo sábado, dia 29 de março.
Serão muitos os impactos políticos dessa ação. Quero, no entanto, começar pelas razões que levaram, no meu entender, à necessidade da renúncia. Existem razões políticas que poderiam ser superadas, falarei nos textos seguintes. Mas as razões jurídicas, contornadas nos últimos anos, estão perdendo governabilidade.
Existem diversos processos, ações civis públicas, inquéritos e investigações em andamento contra o atual prefeito. No entanto, os processos (cível e criminal) relativos ao escândalo dos loteamentos são chaves para entendermos as razões da renúncia que não foi negociada com seu grupo político.
Sabemos que durante o processo eleitoral de 2012, Milton Serafim conseguiu uma liminar no STJ que concedeu efeito suspensivo para as decisões anteriores do processo cível. Com esta liminar ele conseguiu tomar posse e assumir como prefeito.
No entanto, no final de 2013, a procuradora de Justiça, Evelise Pedroso Teixeira Prado Vieira, impetrou um recurso que contrapõe esta liminar, para que se mantenham as decisões do Tribunal. Se o recurso da Procuradora for acatado, Milton é condenado e perde os direitos políticos.
Este processo está concluso e deve ser julgado a qualquer momento no STJ. O responsável é o Ministro Relator Humberto Martins.
Para confirmar:
No site do Tribunal de Justiça de São Paulo – segunda instância
Seção: (escolha Direito Público)
Pesquisar por: (número do processo)
Escolher: unificado
Número do processo: 0003218-29.2005.8.26.0659
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No site do Superior Tribunal de Justiça – terceira instância
No campo “Número do Processo no STJ” preencher AREsp 475296
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O processo criminal está sem decisão no Tribunal de Justiça desde o ano de 2005 (Relator Desembargador Poças Leitão). Uma decisão neste caso, por se tratar de um órgão colegiado, enquadra o prefeito na Lei da Ficha Limpa.
Em uma incrível coincidência o Relator fez um novo despacho, em 12 de março de 2014 (publicado no Diário Oficial em 18 de março) dando 15 dias para as alegações finais. Este prazo vence no próximo dia 1º de abril (não é um trocadilho).
Milton Serafim teria até o dia 04 de abril para renunciar e ser candidato a deputado, no entanto, antecipou essa possibilidade. Nota-se, portanto, que a renúncia feita no dia 29 de março é calculada para que seja feita antes do vencimento do prazo para as alegações finais.
Para confirmar:

No site do Tribunal de Justiça de São Paulo – segunda instância
Seção: (escolha direito criminal)
Pesquisar por: (número do processo)
Escolher: unificado
Número do processo: 9008020-51.2005.8.26.0000
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A candidatura a deputado estadual é uma tentativa de sair com classe dessa delicada situação. Se tudo correr bem, este último processo desce para a primeira instância e o tempo será aliado do prazo decadencial.
(*) Rodrigo Paixão é VEREADOR em Vinhedo pelo PSOL - cientista político e nos últimos anos trabalha para movimentos sociais, entidades do terceiro setor, fundações, sindicatos e governos. Articulista de jornais, sites e revistas, atua também como comentarista de veículos de comunicação como a Rádio CBN, Rádio Bandeirantes, Band News, TVB e TV Bandeirantes.

segunda-feira, 24 de março de 2014

STJ - Advogado terá de indenizar por inclusão indevida de pessoas no polo passivo de ação executiva

"Havendo excesso quanto ao limite imposto pelo fim econômico ou social do direito exercido, pela boa-fé ou pelos bons costumes, está caracterizado o abuso de direito" Ministro João Otávio de Noronha - STJ 
Advogado terá de indenizar por inclusão indevida de pessoas no polo passivo de ação executiva

A notícia refere-se ao  REsp 1245712

Um advogado que feriu a lei e incluiu no polo passivo de ação executiva os sócios de uma empresa da qual era credor, para receber com mais facilidade os valores que lhe eram devidos, terá de indenizá-los pelos danos morais e materiais causados. 

O entendimento foi da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O advogado atuou em uma causa da empresa Agropecuária Alvorada Ltda., da qual os recorrentes são cotistas. Posteriormente, ingressou com ação executiva para receber os honorários devidos e colocou no polo passivo não apenas a empresa, mas também os seus sócios, que tiveram os valores em suas contas bancárias bloqueados.
A situação foi revertida apenas na segunda instância. E em virtude dos transtornos causados pelo bloqueio, os sócios ajuizaram ação de indenização contra o advogado.
Decisão reformada
O juízo de primeira instância julgou improcedente a ação indenizatória, sob o argumento de que não se pode qualificar de absurdo o ajuizamento da execução contra os sócios, já que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica dá suporte a isso.
A posição foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), pois entendeu que não configura ato irregular ou ilícito o fato de o advogado exercer o direto constitucional de petição e ação, na busca do recebimento dos seus honorários, incluindo no polo passivo da execução os sócios da pessoa jurídica devedora.
Inconformados, os sócios apresentaram recurso ao STJ, em que alegaram responsabilidade objetiva do advogado que propõe execução sabendo que não há dívida ou que a obrigação não vincula a parte apontada como devedora.
No STJ, os ministros reformaram o entendimento da segunda instância. Conforme explicou o ministro João Otávio de Noronha, relator do caso, a posição do TJMT se baseou em teorias como a da desconsideração da personalidade jurídica, que aceitam que o credor ajuíze execução contra os sócios da empresa devedora.
Entretanto, para Noronha, a lei não oferece livre arbítrio ao exequente para escolher quem se sujeitará à ação executiva, independentemente de quem seja o devedor vinculado ao título executivo.

Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002

Institui o Código Civil .
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.


Patrimônios distintos
O relator explicou que a agropecuária é uma sociedade de responsabilidade limitada e que esse tipo de empresa tem vida própria, não se confundindo com as pessoas dos sócios.
No caso de as cotas de cada um estarem totalmente integralizadas, o patrimônio pessoal dos sócios não responde por dívidas da sociedade, declarou.
Nesse sentido, a regra legal a observar é a do princípio da autonomia da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios ou componentes, distinção que só se afasta provisoriamente e tão só em hipóteses pontuais e concretas, afirmou.
Uma dessas hipóteses é quando a personalidade jurídica está servindo como cobertura para abuso de direito ou fraude nos negócios e atos jurídicos, disse Noronha. Nesse caso, o juiz pode, em decisão fundamentada, ignorar a personalidade jurídica e projetar os efeitos dos atos contra a pessoa física que dela se beneficiou, conforme estabelece o artigo 50 do Código Civil.
Facilidades
Porém, conforme analisou o ministro, tal possibilidade não se aplica a esse caso, visto que os sócios foram incluídos no polo passivo da execução, desconsiderando-se a disposição do artigo 50 do CC, para buscar facilidades para o recebimento dos créditos.
Para Noronha, houve emprego abusivo da ação executiva, direcionada contra quem não era responsável pelo crédito. De acordo com ele, para caracterizar o abuso do direito é fundamental ultrapassar determinados limites descritos no artigo 187 doCódigo Civil.
Havendo excesso quanto ao limite imposto pelo fim econômico ou social do direito exercido, pela boa-fé ou pelos bons costumes, está caracterizado o abuso de direito, afirmou.
Astúcia
Noronha ressaltou que o fato de os sócios terem composto o polo passivo de uma ação, por si só, não representaria motivo para a responsabilização por danos morais do credor.
Contudo, o relator observou que os recorrentes tiveram parte de seu patrimônio submetido a constrição, em razão da astúcia do credor. Quanto ao advogado, sendo técnico em direito, Noronha disse que não é razoável concluir que não soubesse que agia ferindo a lei.
O ministro constatou haver nexo causal entre o ato abusivo praticado pelo credor e os danos causados aos recorrentes, com aborrecimentos que atingiram a esfera pessoal de cada um.
Ao pesar todos os fatos, a Turma entendeu que a indenização por danos morais era cabível, devendo ter como parâmetro o valor que fora bloqueado nas contas bancárias dos sócios, e que os danos materiais deveriam ser apurados pela primeira instância.


Superior Tribunal de Justiça
Criado pela Constituição Federal de 1988, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) é a corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal...