quinta-feira, 21 de abril de 2011

Especialista em estudos da criminalidade DENUNCIA : Os excessos e abusos que ocorrem em alguns condomínios precisam ser discutidos no âmbito político

CONDOMÍNIOS TOTALITÁRIOS, Robson Sávio Reis Souza (*)

Multiplica-se nos arredores dos grandes centros urbanos a construção de condomínios fechados. Muitos são os motivos pelos quais se buscam esses “enclaves fortificados”: a priori, segurança e comodidade. Entre 1960 e 1980, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, milhares de cidadãos migraram para regiões limítrofes da capital, buscando uma vida mais tranquila, próximo à natureza e com estreita relação vicinal. Um contraponto ao estilo de vida urbana, marcado pelos sobressaltos dos inúmeros desafios de morar nas grandes cidades: trânsito caótico, poluição ambiental, isolamento provocado pela sensação de insegurança etc. A partir da década de 1990, o mercado imobiliário e as empresas de segurança privada perceberam um rentável filão no adensamento desses condomínios. A partir de então, investimentos maciços de toda ordem começaram a regular, discricionariamente, esse novo setor da vida urbana.

A leniência do poder público em regular esse novo tipo de organização social, somada à conivência com certos interesses pouco confessáveis ,propiciou uma verdadeira privatização da vida e do espaço público em muitos desses locais. Alguns condomínios foram se transformando em verdadeiros feudos, nos quais a ação do Estado é nula. Neles a lei e a ordem são impostas, geralmente, por empresas – algumas delas, inclusive, “protegidas” por agentes públicos – que impõem toda sorte de arbitrariedade, sufocando qualquer voz dissonante. Nesses locais, organizou-se uma “cidade paralela”, com vigilância própria (inclusive dificultando o acesso das agências públicas de segurança), comércio sem nenhuma regulação, imposição de taxas condominiais e outras cobranças, justificadas a partir de argumentos que propagam a necessidade do isolamento, vigilância e controle como fatores de segurança e tranquilidade.

Mais uma vez, nesses casos, o poder público lava as mãos. As prefeituras interessam-se somente pelos dividendos financeiros, auferidos com o pagamento de impostos. Para a instalação de condomínios em áreas verdes, algumas de preservação ambiental, políticos inescrupulosos usam de todos os subterfúgios, inclusive alterando a legislação. As prefeituras se omitem na regulação desses espaços, permitindo a privatização de estradas. Recentemente, fui a um bairro num município da região metropolitana e tive a grata surpresa de ser barrado na portaria de um condomínio, enclaustrada num dos acessos a esse bairro, e, pasmem, fui impedido de seguir viagem.

Os excessos e abusos que ocorrem em alguns condomínios precisam ser discutidos no âmbito político. Não é possível que em pleno século 21 assistamos inertes à assunção de feudos urbanos que segregam, discriminam, produzem e aplicam suas próprias leis, ao arrepio do Estado democrático de direito. Caso contrário, pode-se germinar nesses espaços um novo tipo de sociabilidade, ensimesmada e alheia aos problemas e desafios da vida social urbana. Afinal, cidades melhores só são construídas com a participação e o comprometimento de todos.


(*) Especialista em estudos da criminalidade. Artigo publicado no dia 21 de abril no jornal “Estado de Minas”, editoria Opinião.

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